Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0622720
Nº Convencional: JTRP00039536
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: COMPETÊNCIA
ACÇÃO
INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
Nº do Documento: RP200610030622720
Data do Acordão: 10/03/2006
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: DEFINIDA A COMPETÊNCIA.
Indicações Eventuais: LIVRO 225 - FLS 150.
Área Temática: .
Sumário: É da competência das Varas Cíveis a acção de interdição por anomalia psíquica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público requereu a resolução do conflito negativo de competência, suscitado entre os Mmºs Juízes de Direito da 7ª Vara Cível, 2ª secção e do 1º Juízo Cível, 1ª secção, ambos do Porto, que se julgaram incompetentes, ab initio, para os termos da acção especial de interdição, por anomalia psíquica, em que foi requerente B………. e requerida C………. .

As autoridades em conflito foram notificadas nos termos e para os fins do disposto no art. 118º, nºs 1 e 2, do CPC, mas nada disseram.

O MºPº junto deste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido de que a competência para a acção deveria ser atribuída à 7ª Vara Cível.

Foram colhidos os vistos legais.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que importa considerar são os seguintes:

1. Foi distribuída à 2ª secção da 7ª Vara Cível do Porto, uma acção de interdição, por anomalia psíquica, em que é requerente B………. e requerida C………. .
2. Por despacho datado de 31.10.2005, o Mmº Juiz da 7ª Vara Cível declarou-se incompetente para os termos dessa acção e considerou competentes para a mesma os Juízos Cíveis do Porto.
3. Em 19.12.2005, o Mmº Juiz do 1º Juízo Cível do Porto, 1ª secção, declarou-se igualmente incompetente e atribuiu competência às Varas Cíveis.
4. Ambos os despachos transitaram em julgado.

O DIREITO

A interdição por anomalia psíquica está sujeita ao processo especial regulado nos arts. 944º e ss. do CPC.
Havendo contestação, a acção de interdição segue os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados – arts. 948º e 952º, n.º 2, 1ª parte.
O Mmº Juiz da 7ª Vara Cível, para se declarar incompetente, argumentou que “ab initio não é possível determinar com rigor qual vai ser a tramitação a seguir na acção e, mais concretamente, se será observada ou não a tramitação própria das acções ordinárias” – v. fls. 4.
É, efectivamente, verdade que se a requerida não contestar e se o interrogatório e o exame pericial fornecerem elementos suficientes, o juiz pode proferir de imediato sentença – v. arts. 950º, 951º e 952º, n.º 1 do CPC.
Mas, salvo o devido respeito, entendemos que, mesmo nesse caso, a competência não deixa de ser das Varas Cíveis.
Expliquemo-nos.

Os tribunais judiciais de 1ª instância são, em regra, os tribunais de comarca – art. 62°-1 da Lei 3/99, de 13/01, Lei Orgânica de Funcionamento dos Tribunais Judiciais – LOFTJ – podendo, quando o volume ou a natureza do serviço o justifiquem, existir na mesma comarca vários tribunais de acordo com o nº 2 do mesmo normativo.
No seu art. 64° a Lei 3/99 estatui que pode haver tribunais de 1ª instância de competência especializada e de competência específica: os primeiros, conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável e os segundos conhecem de matérias determinadas em função da forma de processo aplicável, bem como dos recursos de impugnação em sede contra-ordenacional.
Entre os tribunais de competência específica, contam-se, precisamente, as varas e os juízos, uns e outros, cíveis, criminais ou de competência mista - art. 96° LOFTJ.
Às Varas Cíveis compete preparar e julgar as acções declarativas cíveis de valor superior à alçada da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo, preparar e julgar as acções executivas de valor superior à alçada da Relação e cujo título executivo não seja uma sentença, preparar e julgar os procedimentos cautelares que sejam dependência de acções da sua competência e exercer as demais competências conferidas por lei – art. 97º, n.º 1, als. a) a d) da LOFTJ.
Por sua vez, aos Juízos Cíveis em face do disposto no artigo 99º da mesma Lei compete preparar e julgar as acções cíveis que não sejam da competência das Varas nem dos Juízos de Pequena Instância Cível.

Decorre do art. 646º, n.º 1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 183/2000, de 10 de Agosto, que a discussão e julgamento das acções ordinárias só será feita com intervenção do tribunal colectivo quando ambas as partes assim o tiverem requerido e se não se verificar nenhuma das situações previstas no nº 2 do mesmo preceito [acções não contestadas – al. a); acções em que todas as provas, produzidas antes da audiência final, hajam sido registadas ou reduzidas a escrito – al. b); acções em que alguma das partes tenha requerido a gravação da audiência final – al. c)].
Porém, quando não tenha lugar a intervenção do colectivo, o julgamento da matéria de facto e a prolação da sentença final incumbem ao juiz que deveria presidir ao tribunal colectivo, se a intervenção deste tivesse tido lugar – n.º 5 do art. 646º. Nas comarcas em que existem varas cíveis, o tribunal colectivo é constituído pelos juízes privativos das varas e presidido pelo juiz da causa, sendo a este que compete esse julgamento – arts. 96º, n.º 1, al. a), 105º, n.º 3 e 107º, n.º 1, al. a) da LOFTJ.
É verdade que com a reforma de 1995/1996 e a alteração do DL 183/2000, a intervenção do tribunal colectivo ficou bastante limitada. Contudo, nas acções ordinárias, é sempre possível a sua intervenção. Basta que ambas as partes o requeiram.
Já vimos que na acção de interdição, findos os articulados e o exame, se a acção tiver sido contestada ou o processo não oferecer elementos suficientes para decidir, a acção prosseguirá segundo as regras do processo ordinário.
É óbvio que, tal como em todas as acções ordinárias, antes da fase da discussão e julgamento da causa não existe a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo. Mas, ultrapassada a fase dos articulados é, de facto, possível essa intervenção.
Ora, a acção de interdição, por se tratar de uma acção de estado, respeitante à capacidade de exercício do requerido, tem valor superior à alçada da Relação – art. 312º do CPC.
Por outro lado, a lei prevê a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo na fase de julgamento – v. arts. 463º, n.º 1, parte final, 646º e 952º, n.º 2, do CPC.
Estão, pois, reunidas as condições de atribuição de competência às Varas Cíveis, de acordo com o disposto no art. 97º, n.º 1, al. a) da LOFTJ.

Repete-se, aqui, com a devida vénia, a argumentação vertida no Ac. da Relação de Lisboa de 16.12.2003, no processo n.º 9933/2003-7, em www.dgsi.pt. citado no douto parecer do Mº Pº:
“A competência originária (nos processos especiais de interdição) é das varas e não dos juízos. Com efeito, salvo melhor opinião (tratando-se, como se trata, de uma acção cível de valor superior à alçada do Tribunal da Relação) não se exige a efectiva intervenção do tribunal colectivo, sendo suficiente a mera previsibilidade ou probabilidade desse tribunal ser chamado a intervir”.
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III. DECISÃO

Pelas razões que ficaram expostas, decide-se o presente conflito negativo de competência declarando-se competente para os termos da presente acção de interdição a 7ª Vara Cível do Porto, 2ª secção.
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Sem custas.
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PORTO, 03 de Outubro de 2006
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha (Vencido. Entendo impor-se a especialidade do processo, sob pena de se ignorar a competência, regra da comarca ou do juízo, que não da vara)