Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0216114
Nº Convencional: JTRP00014945
Relator: FERNANDES FUGAS
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PLURALIDADE DE TITULARES DO DIREITO
PROCESSO ESPECIAL
Nº do Documento: RP198010210216114
Data do Acordão: 10/21/1980
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T4 ANOV PAG219
Tribunal Recorrido: T J V N GAIA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: V SERRA IN RLJ ANO103 PAG471. J A REIS IN COD PROC CIV ANOT V2 PAG391 E RLJ ANO79 PAG58. A VARELA IN RLJ ANO103 PAG476.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ART1117 N1 ART416 N1 ART1409.
L 63/77 DE 25/08 ART1 N1.
CPC67 ART1465.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1974/07/02 IN BMJ N239 PAG124.
AC STJ DE 1972/10/27 IN BMJ N220 PAG163.
AC STJ DE 1974/01/08 IN BMJ N233 PAG190.
AC STJ DE 1968/01/16 IN BMJ N173 PAG271.
AC RP DE 1978/06/01 IN CJ T3 ANOIII PAG866.
AC RC DE 1967/05/12 IN JR PAG603.
Sumário: I - Pretendendo o Autor exercer o direito de preferência, o processo próprio é o processo comum na forma ordinária, mesmo que o réu se arrogue também a titularidade desse direito.
II - Quando a lei confira tal direito de preferência a várias pessoas simultaneamente, há que, pelo meio próprio e previamente, proceder à determinação do respectivo preferente.
III - Se assim se não tiver feito, aquela acção improcederá.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
A........, Lda., intentou na comarca de Vila Nova de Gaia, contra Armando ........... e mulher Benvinda ....... e Júlia ......., a presente acção de processo ordinário, para lhe ser reconhecido o direito de preferência do nº 1 do art. 1117º do C. Civil, na compra que os primeiros réus fizeram à segunda ré, por escritura de 21 de Setembro de 1978, do prédio composto de rés-do-chão, andar e águas furtadas, com logradouro e duas dependências, sito na Rua ........, nº .... a .... .
Para tanto alega, de essencial:
A autora é arrendatária para fins industriais e comerciais do rés-do-chão e respectivo quintal, um poço e uma dependência do respectivo quintal, com entrada também pela Rua ......., do prédio urbano vendido, por haver tomado de trespasse por escritura de 6 de Julho de 1967, estabelecimento de padaria instalado no local arrendado ( art. 1118º, nº1, do Código Civil ), no qual exerce a indústria e comércio de padaria há mais de um ano.
Só tomou a autora conhecimento da realização da referida venda em 29 de Setembro de 1978, através de carta que para tanto lhe foi dirigida pelo empregado Armando aqui 1º réu e dos elementos essenciais e condições dessa compra e venda, mormente do preço de 870000$ por que foi efectuada, em fins de Outubro daquele mesmo ano.
Competindo à 2ª ré, enquanto proprietária e senhoria do prédio em questão, comunicar à autora, titular do invocado direito de preferência, o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contrato, o que é certo é que, momentos antes da celebração da escritura de 21 de Setembro de 1978, ela o não fez ( nº 2 do art. 1117º, em referência ao nº 1 do art. 416º um e outro do Código Civil ).
E nem tão pouco a notificou para a devida preferência, nos termos e para os efeitos do art. 1458º do C. de Proc. Civil e 1117º, nº 2 e 415º do Código Civil.
Contestaram os réus nos seguintes termos:
O réu Armando é arrendatário do 1º andar do prédio que lhe foi vendido, nos termos do contrato celebrado em 1 de Janeiro de 1971, entre ele e José...., falecido marido da ré Júlia, contrato esse que se mantinha existente na plenitude do seu clausulado na data em que foi celebrada a escritura de compra e venda de 21 de Setembro de 1978 e foi reconhecida pela autora, enquanto arrendatária.
Os réus Armando e Benvinda tinham, por isso, naquela data, direito de preferência na compra do prédio parcialmente por ele havido.
Aqueles réus não foram prévia e anteriormente chamados à acção de preferência agora intentada ( art. 1460º e 1465º, do C. P. Civil e 418º, nºs 1 e 2 do C. Civil ), pelo que a autora não é parte legítima, por não ser titular do direito que invoca, em regime necessariamente de exclusividade.
Ademais não depositou o preço devido ( nº 1 do art. 1410º, do C. Civil ), já que na quantia depositada não se acham as despesas inerentes
à escritura notarial, nem a de sisa de que a autora se não acha isenta.
De resto, a ré Júlia, por várias e sucessivas vezes deu a conhecer aos sócios e empregada da autora a sua intenção de transaccionar o prédio recebendo com espanto a notícia de estar a autora interessada na preferência.
Durante todo o período em que aquela ré procurou comprador, existiu no interior do estabelecimento da autora um dístico com a indicação de « vende-se :.
Ainda em Dezembro de 1977 a autora teve conhecimento dos elementos essenciais da compra e venda.
O próprio réu Armando, contactou pessoalmente os sócios e empregados da autora antes e depois da citada escritura de 21 de Setembro de 1978, dando-lhes a conhecer a transacção, em todo o seu pormenor, certificando-se da persistente e frontal negativa ( renúncia ) da autora em exercer o seu direito de preferência « por qualquer preço :.
Terminam os réus a sua contestação no sentido da « improcedência da acção :, no despacho saneador, por ilegitimidade da autora e inexistência de compra de prédio, « absolvendo-se os réus do pedido :.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Está-se em presença de uma acção para o exercício do direito de preferência conferido aos arrendatários de prédio arrendado que exerçam comércio ou indústria há mais de um ano pelo art. 1117º, nº 1 do Código Civil.
Foi invocando essa qualidade de arrendatário comercial e industrial há mais de um ano do rés-do-chão do prédio então identificado no art. 1º da petição inicial que a autora se propôs exercer aquele direito em relação à venda desse prédio efectuada por escritura pública de 21 de Setembro de 1978, em que interveio como seu comprador o ora réu Armando ........ .
Na decisão recorrida, porém, perante a alegação dos réus de ser aquele Armando locatário habitacional do 1º andar do mesmo prédio - o que aliás teve como assente - e por isso titular também de um direito de preferência na compra do dito imóvel, por força do disposto no art. 1º, nº 1 da Lei nº 63/77, de 25 de Agosto, considerou-se, face a essa concorrência de direitos de preferência, supondo licitação entre ambos ( nº 2, do art. 2º daquela Lei ), ser obrigatório o uso do processo regulado no artigo 1465º do C. de Proc. Civil, para a determinação do preferente que fica com aquele direito, tornando-se depois desnecessária a acção de preferência.
Com base em tais pressupostos concluiu-se, naquela decisão, não ser o processo empregado o próprio e a acção « extemporânea :.
É, contudo, evidente o vício do raciocínio.
Como tem sido repetidamente apontado, o que determina a forma de processo a empregar é apenas o pedido, sendo, deste modo, próprio o que visa a finalidade justificada pelo autor ( neste sentido pode ver-se, entre outros o Ac. do S. T. Just., de 2 de Julho de 1974, in Bol., nº 239, págs. 124 ).
« Se o caso concreto submetido pelo autor à consideração do tribunal está ou não abrangido pela lei substantiva com a qual o processo se relaciona é questão de fundo e não de forma processual :. ( A. Reis, Cód. de Proc. Civ. Anot., vol. II, págs. 391 ).
Ora, pretendendo a autora através da presente acção, exercer o direito de preferência na compra titulada pela escritura de 21 de Setembro de 1978, que lhe advém, segundo alega, do disposto no art. 1117º, nº 1 do Cód. Civil, é por demais evidente que o processo que empregou, visando aquela faculdade foi o próprio, isto é, o processo comum na forma ordinária ( arts. 460º, 461º e 462º, nº 1 do Cód. Proc. Civil ).
Se, porventura, o dito réu marido for também titular do direito de preferência que se arroga ( o que, como se verá, é facto ainda controvertido ), implicando tal circunstância, porventura, concorrência de direitos de preferência, a consequência que daí poderá advir será, consoante a orientação que se siga, a da ilegitimidade da autora para a acção de preferência que intentar ou a da improcedência da mesma acção, por se não ter previamente, procedido a propositura desta da determinação do respectivo preferente através do processo regulado no art. 1465º, do C. de Proc. Civil.
Trata-se, assim, de uma questão de direito substantivo e não de uma questão de forma processual.
O ter-se considerado na decisão recorrida a acção « extemporânea : não significa que se tenha tido por caduca, isto é, proposta fora de tempo
( art. 474º, nº 1, alínea c) do C. Proc. Civil ).
De resto, a caducidade só pode ser apreciada oficiosamente pelo tribunal se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, o que não é o caso.
De contrário é necessário, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita.
É o que se deduz dos arts. 333º, nºs 1 e 2 e 303º do Código Civil.
E no caso não foi invocada pelos réus a caducidade da acção de preferência intentada pela autora.
Está-se, no entanto, em crer que, na decisão recorrida, o que se quis significar com a expressão « extemporânea : foi, outra, que a acção era « prematura : pelo facto de se não ter previamente, determinado - no concurso de preferentes que se teve por existente - a qual deles, em definitivo, se devia atribuir o respectivo direito, através do mecanismo do art. 1465º, do C. Proc. Civil, muito embora a expressão empregada não fosse para tanto a adequada.
De qualquer forma e pelo que se deixa dito, não pode manter-se a decisão recorrida, enquanto tiver por errada a forma de processo empregado e por « extemporânea : a acção, impondo-se, por isso, a sua revogação.
Será, porém, agora de conhecer do mérito da causa, conforme o determina o art. 753º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, que, constituindo excepção à regra geral, com supressão de um grau de jurisdição, manda, que, observados os pressupostos nele referidos, o tribunal da Relação julgue em 1ª instância ?
Assim pretende a agravante, conforme resulta das pertinentes conclusões das suas alegações, embora, em alternativa, também peça que a acção prossiga ( quando se entender não ser de conhecer desde já do mérito da causa ), com organização da especificação e do questionário.
Afigura-se-nos, porém, que não é de conhecer desde já do mérito da causa, uma vez que as questões que se levantam não são meramente de direito, mas também de facto, tornando-se necessário, como de seguida se evidencia, fazer prova designadamente sobre a qualidade de arrendatário do 1º andar do prédio vendido invocado pelo réu Armando, à data dessa venda; por isso se suspende a continuação do processo em observância do que se prescreve no art. 510º e quiçá no art. 511º, um e outro do C. Proc. Civil.
E senão vejamos.
Ao direito de preferência invocado pela autora com base no art. 1117º, nº 1 do C. Civil contrapuseram os réus o direito também de preferência de que dizem o réu marido titular com base no art. 1º, nº 1 da Lei nº 63/77.
Fundam os 1ºs réus o direito de preferência daquele réu no contrato de arrendamento que juntaram a fls. 37 e no recibo de fls. 38.
Por tais documentos almejam os ditos réus prova que à data da celebração da escritura de compra e venda de 21 de Setembro de 1978, que o réu marido era réu habitacional do 1º andar do prédio ali vendido, e como tal titular do invocado direito de preferência.
Contudo, a autora sustenta que, mesmo partindo desse pressuposto, não era já aquele réu titular do referido direito de preferência, quando a autora veio, em 1 de Março de 1979, através da presente acção, exercer o direito de preferência que lhe assiste.
E isto, porque « o direito de preferência esgota-se de uma só vez :, logo se extinguindo com o seu exercício, « pelo que os 1ºs réus ao adquirirem o dito prédio, sempre teriam esgotado e extinguido, pelo seu exercício, aquele direito de preferência :.
Não se tem, porém, como exacto este entendimento.
A tal propósito importa considerar o seguinte:
Na orientação mais autorizada, as preferências integram-se na categoria de direitos a que os nossos autores têm chamado, por influência da doutrina alemã, direitos reais de aquisição, o que significa tratar-se de direitos « que conferem aos respectivos titulares o poder de adquirir sobre determinada coisa, quando ocorrem outros pressupostos, um direito real de gozo : ( Prof. Vaz Serra, Rev. de Leg. e Jur., ano 103, págs. 471, nota 1; Prof. A. Varela, mesma Rev. citada, págs. 476; Rev. do Trib., ano 87, págs. 360; Acs. do S. T. Just., de 27-10-1972, in Bol., nº 220, págs. 163 e de 8-1-1974, in Bol., nº 233, págs. 190 ).
Os direitos legais de preferência conferem ao respectivo titular a faculdade de, em igualdade de condições, se substituirem a qualquer adquirente da coisa sobre que incidam, em certas formas de alienação ( venda, dação em cumprimento e aforamento de prédio sujeito a preferência ). Com essa finalidade, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito o propósito de alienação e as cláusulas do respectivo contrato ( art. 416º, nº 1 do C. Civil ) e se o não fizer e, entretanto, se consumar a alienação o preferente fica com a faculdade de, dentro de certo prazo ( seis meses ) fazer valer o seu direito contra o adquirente ( art. 1410º, nº 1 do mesmo Código ).
Daqui logo se infere e se tem como certo que o direito de preferência nasce para o seu titular « logo que se efectua o contrato, radicando-se na pessoa a quem assiste :.
Isso mesmo resulta da obrigação imposta ao vendedor de comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato ( art. 416º, nº 1 do C. Civil e 1458º do C. Proc. Civil ).
No sentido que vem de ser indicado podem ver-se os citados Acs. do S.T.J., de 27-10-1972 e 8-1-1974 e o Ac. desta Relação de 1-6-1978
( Col. Jur., 1978, Tomo 3, pág. 866 ).
Contudo, e contrariamente ao sustentado pela agravante, não se tem por exacto que o contrato de arrendamento a que se refere o escrito de fls. 37, dado como iniciado em 1 de Janeiro de 1971, se tenha extinguido por virtude de compra efectuada, pela escritura, de 21 de Setembro de 1978, por confusão da qualidade de arrendamentário e proprietário, do réu Armando em relação ao prédio objecto daquela escritura.
É que « aquele que compra uma coisa, sujeita ao direito de preferência por parte de outrem, não pode considerar-se seu verdadeiro proprietário enquanto não decorre o prazo para o exercício daquele direito ou enquanto este não é definido judicialmente.
Fica numa situação semelhante àquele que contrata sob condição resolutiva ou que é sujeito desse negócio jurídico inválido :.
Uma vez verificada a condição ou declarada a invalidade, há que repor a situação no estado anterior ao contrato ou ao negócio jurídico ( arts. 276º e 289º, nº 1 do C. Civil ).
E o reconhecimento judicial do direito de preferência tem efeito retroactivo, tal como nos casos figurados, reportando-se ao momento da alienação ( eficacies « ex tunc : ) e não ao momento em que é exercido o direito de preferência ( eficacies « ex nunc : ).
Deste modo, enquanto se não consolide o direito do adquirente, não se pode dar a aludida confusão, que pressupõe « a reunião nas mesmas pessoas das qualidades de credor e devedor da mesma obrigação ou de dois arrendatários perfeitamente definidos e certos, isto é, não sujeitos a extinguir-se desde o momento da sua constituição :.
Não é esse o caso dos autos, uma vez que ainda se não acha definido juridicamente o direito de preferência invocado pela autora, ou agravante, na presente acção, pelo que o réu Armando se não pode ainda considerar « verdadeiro proprietário : do prédio objecto da escritura de compra e venda de 21 de Setembro de 1978.
No sentido proposto podem ver-se os Acs. da Relação de Coimbra, de 12-5-1967 ( Jur. Rel., 1967, págs. 603 ) e do S.T.J., de 16-1-1968 ( Bol., nº 173, pág. 271 ), que confirmou aquele.
Não é, pois indiferente, como pretende a agravante, ser o réu Armando ou não locatário habitacional do 1º andar do prédio vendido, à data da sua venda ( 21-9-1978 ), uma vez que, apurada essa qualidade de arrendatário habitacional, verifica-se uma concorrência do direito também de preferência invocado pela autora ( embora no art. 1117º., nº 1 do Código Civil ).
Em tal hipótese está-se, pois, em presença de uma pluralidade de direitos legais de preferência.
Ora, em matéria de direitos legais de preferência, a lei regula o modo da determinação do preferente, quando houver vários titulares.
É que, em princípio, atenta a pluralidade do direito de preferência, há que escolher um, de entre os diferentes titulares, a quem a coisa ou o direito seja atribuído ( Prof. Vaz Serra, Bol., nº 76, págs. 208 ).
Sendo assim, nenhum dos preferentes pode propor a acção de preferência sem que haja previamente adquirido por meio de licitação, o direito que se propõe fazer valer em juízo.
A tal respeito escreveu o Prof. A. Reis ( Rev. de Leg. e Jur., ano 79, pág. 58 ):
« A obrigação de fazer notificar os outros interessados é pois, uma condição para a aquisição do direito. Antes da licitação, cada um dos proprietários tem unicamente um direito virtual ou potencial; esse direito fixa-se, individualiza-se, transforma-se em realidade concreta, mediante a adjudicação derivada do oferecimento de maior preço :.
Não basta, portanto, ser titular do direito de preferência estabelecido na lei, quando esta confira tal direito simultaneamente a várias pessoas, para o exercício desse direito através da respectiva acção de preferência, pois importa ainda que, pelo meio próprio, se ache feita a determinação do respectivo preferente, conforme se referiu, pelo que se assim se não tiver feito falha uma das condições necessárias para o êxito da acção ( e da qualidade de adjudicatário ) e esta terá de improceder ( Prof. A. Reis, Rev. de Leg. e Jur., ano 77, págs. 333 e seguintes ).
Presentemente, porém, há que distinguir para os efeitos que se tem estado a considerar, entre direitos legais de preferência fundados em compropriedade ( art. 1409º, nº 1 do C. Civil ), a cujo regime se submetem os fundados na comunhão de direitos a que se refere o art. 1404º do mesmo diploma, entre os quais se compreendem os conferidos ao co-herdeiro na venda ou dação em cumprimento a estranhos dos quinhões hereditários ( art. 2130º daquele mesmo diploma ) e os demais direitos legais de preferência em que haja também uma pluralidade de titulares, prevista designadamente nos pactos de preferência ( art. 419º ), nos arrendamentos comerciais e industriais ou para profissões liberais
( art. 1117º, nº 1 e 1119º ), na preferência recíproca dos proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura ( art. 1380º, nº 3 ), na alienação de prédio encravado ( art. 1555º, nº 1 ), quando o testador a impõe ao legatário ( artigo 2235º ), sendo todas as disposições indicadas do Código Civil e ainda na preferência que é conferida aos locatários habitacionais ( art. 1º, nº 1 da Lei nº 63/77 ).
Nos direitos legais de preferência fundados na compropriedade ou na comunhão de direitos a que se refere o citado art. 1404º do Código Civil, não há que proceder à determinação do respectivo preferente, no caso de pluralidade de preferentes, através do mecanismo da licitação, na medida em que o sistema instituído pelo Código Civil não se coaduna com a licitação e tanto assim que o nº 2 do art. 1409º, daquele Código, apenas remete para os arts. 416º a 418º e não para o art. 419º, todos ainda do mesmo diploma, sendo certo que o último artigo citado é aquele que estabelece a licitação nas preferências emergentes dos pactos de preferência quando o direito de preferência pertence simultaneamente a várias pessoas.
Só que em tais casos, ao contrário do que sucedia no regime de vigência do Código Civil de 1867 ( arts. 1566º, § 2º e 2309º, §§ 4º e 5º ), todos são preferentes em concreto, em definitivo e não apenas titulares de um direito virtual ou potencial, já que adjudicada a quota alienada na proporção das suas quotas ( nº 3 daquele art. 1409º ).
Por isso mesmo é que o exercício da preferência, em tais casos, quando a alienação já tenha sido efectuada, não encontra hoje previsão no processo especial das notificações para preferência regulados nos arts. 1458º e seguintes do Código de Processo Civil.
Outro tanto não sucede com os outros direitos legais de preferência figurados, em que a lei impõe a licitação como modo de determinação do respectivo preferente, no caso de pluralidade de preferentes.
É o que se vê dos arts. 1117º, nº 4, 1119º, 1380º, nº 3, 1555º, nº 3 e 2235º, do Código Civil 2º, nºs 1 e 2 da Lei nº 63/77.
Nesses casos tem, pois, inteira aplicação o disposto no art. 1465º do Cód. Proc. Civil.
Só que em hipóteses como a dos autos, há que adaptar esse art. 1465º por forma a que recaindo a determinação do preferente, através do mecanismo da licitação aí prevista, no preferente comprador, se terá de ter por dispensado o depósito previsto na alínea b) do nº 1 daquele art. e a propositura da respectiva acção de preferência nos termos e no prazo definidos na alínea c) seguintes, enquanto por aquela forma se torna definitiva o contrato ou negócio jurídico realizado.
Todas as precedentes considerações tiveram por pressuposto ter o réu Armando a qualidade de locatário habitacional do 1º andar do prédio objecto da escritura de venda de 21 de Setembro de 1978, à data da celebração desta,
à qual se acha inerente o direito de preferência com base no art. 1, nº 1 da Lei nº 63/77.
Só que, no caso que se discute, e ao contrário do que se consignou na decisão recorrida, se não acha assente que aquele réu fosse, à data da venda, locatário habitacional do citado 1º andar.
Só que, não obstante a junção do título de fls. 37 e recibo de fls. 38, através dos quais se pretende fazer a prova do invocado contrato de arrendamento, a autora, como resulta dos arts. 31º e 34º inclusive, da sua réplica, impugnou a existência desse contrato, declarando expressamente desconhecer qual o título e a qualidade em que os 1ºs réus ocuparam o 1º andar do prédio vendido.
E como se não trata de facto pessoal, tal declaração equivale a impugnação ( art. 409º, nº 2, « ex-vi: do art. 505º, nº 1 ambos do Código de Processo Civil).
A tanto não obsta a junção dos falados documentos de fls. 37 e 38, que têm a natureza de documentos particulares, uma vez que, para além de não aceitar o seu texto declara não reconhecer como sua a assinatura e a letra dele constantes, declaração esta última que faz nos termos e para os efeitos do que se dispõe no nº 2 do art. 374º do Código Civil.
Sobre a força probatória dos documentos particulares dispõe-se no art. 376º do Código Civil ( como todos os demais que a seguir se mencionam, sem indicação de diploma ) que sem prejuízo de arguição e prova da sua falsidade, o documento particular faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor desde que essa autoria esteja reconhecida nos termos do art. 373º, 374º e 375º.
Por outro lado, e segundo resulta do citado art. 375º seu nº 1, a letra e a assinatura de documento ou só a assinatura têm-se por verdadeiras, se estiverem reconhecidas presencialmente nos termos do Código do Notariado.
A letra e a assinatura de um documento particular consideram-se verdadeiras quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado - art. 374º, nº 1.
Impugnado o documento particular, é ao seu apresentante que cabe o ónus da prova da sua autoria, « a que se não poderá eximir mesmo no caso de o impugnante ter arguido a falsidade do texto e assinatura ou só assinatura :
( Prof. Pires de Lima e A. Varela, C. Civ. Anotado Vol. I , págs. 246 e Ac. do S.T.J., de 29-3-1978, in Boletim, nº 275, págs. 148 ).
Não havendo reconhecimento presencial nos termos do Código do Notariado, da letra e assinatura dos documentos de fls. 37 e 38 e achando-se por outro lado, eles impugnados pela autora, está ainda por determinar a autoria desses documentos.
Só depois de determinada essa autoria se põe a questão da sua força probatória, que só será plena relativamente às declarações que são atribuídas ao seu autor, contrárias aos seus interesses ( art. 376º, nºs 1 e 2 ).
O facto de em 28 de Janeiro de 1972 ter sido representada na competente Repartição de Finanças um exemplar idêntico a esse escrito de fls. 37, só tem relevo para efeitos fiscais.
Não estando, assim, ainda provada a existência do invocado contrato de arrendamento, à data da escritura de compra e venda de 21 de Setembro de 1978, não se torna possível conhecer do mérito da causa, nos precisos termos e sob o condicionalismo presente no artigo 753º, nº 1 do Código de Processo Civil, impondo-se, por isso, a ulterior tramitação da acção.
Não compete, assim, a este Tribunal da Relação, mas ao Tribunal da 1ª instância emitir pronúncia sobre as demais questões suscitadas pelos réus na sua contestação no sentido de constituirem obstáculo ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, dá-se provimento ao agravo, pelo que, em consequência, deverá o Mmo. Juiz substituir o despacho recorrido por outro em que declare o processo como próprio e a acção tempestiva, providenciando de seguida pela ulterior tramitação do processo que tenha por conveniente.
Custas pelos agravados.
Porto, 21 de Outubro de 1980.
Jorge de Araújo Fernandes Fugas
Machado e Costa
Fernando Maria Xavier F. Brochado Brandão