Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0810479
Nº Convencional: JTRP00041198
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: TAXA DE ALCOOLEMIA
MARGEM DE ERRO
Nº do Documento: RP200804020810479
Data do Acordão: 04/02/2008
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 521 - FLS 232.
Área Temática: .
Sumário: Existindo um juízo técnico científico que nos diz que determinado aparelho (alcoolímetro), mesmo sob controlo, tem sempre uma margem de erro (mínimo e máximo), o que há a fazer é corrigir esse erro, usando (porque se está no domínio do direito sancionatório) a certeza do erro mínimo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. Singular nº …/06.0GBSTS do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso foi julgado o arguido:
B………., nascido a 11.04.1973, solteiro, agricultor, filho de C………. e de D……….., natural de Paranhos/Porto, residente na Rua ………., n.º .., ………., Santo Tirso,
E a final foi proferida em 18/10/07 a seguinte
DECISÃO:
Nestes termos e pelo exposto, decide-se:
- absolver o arguido B.......... do crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, nº1, al. a), do C. Penal, por referência ao art. 387.º, nº2, do C.P.P.;
- condenar o arguido B.........., como autor material de um crime p. e p. pelo art.º 292º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 4 MESES e 15 dias de prisão, a qual se substitui por igual tempo de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), o que perfaz um total de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros), e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 (oito) meses, nos termos do art.º 69º nº 1 al. a) do C. Penal.”
Desta sentença recorreu o MºPº em 29/10/07, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes:

“CONCLUSÕES
1. O arguido declarou em audiência pretender confessar os factos que lhe eram imputados e, após o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 344º do Código de Processo Penal, confessou integralmente e sem reservas tais factos tendo sido, por isso, dispensada a produção da prova relativa aos mesmos.
2. Face àquela confissão integral e sem reservas por parte do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 344º do Código de Processo Penal, dos factos que lhe eram imputados.
3. E não se verificando nenhuma das excepções previstas no n.º 3 do mesmo artigo.
4. Estava o Tribunal obrigado a, em cumprimento do disposto na alínea a) do seu n.º 2, e para além e na decorrência da decidida dispensa da demais produção de prova a respeito.
5. Dar como provados os - e todos os - factos que ao arguido vinham imputados,
6. Ou seja, que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação conduzia o aludido veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue de 3,24 g/l, de forma livre, deliberada, consciente de infringir a lei, no intuito de conduzir na via pública tal veículo e bem sabendo que havia ingerido antes bebidas alcoólicas.
7. E, consequentemente, julgar procedente por provada a acusação deduzida e proferir decisão condenatória pela prática pelo arguido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 69º, n.º 1, a) e 292º, n.º 1 do Código Penal, por que vinha acusado com referência à TAS de 3,24 g/l.
8. Não o fazendo, dando como não provado que o arguido apresentasse uma TAS de 3,24 g/l;
9. Considerando apenas provados, dos factos imputados, que o arguido conduzia o referido veículo automóvel pela via pública com uma TAS de 2,75 g/l no sangue, taxa esta corrigida por não ter sido aplicada, no caso concreto a taxa de erro máximo admissível aplicável aos alcoolímetros por força da recomendação da Organização Internacional de Metrologia e na sequência da Portaria n.º 748/94 de 13/08.
10. Violou o Sr. Juiz a quo o disposto nos referidos artigos 69º, n.º 1, a) e 292º, n.º 1, do Código Penal e 344º, n.º 2, a) do Código de Processo Penal.
11. Sendo certo que nos pontos 5 e 6 da Portaria nº 748/94, de 13/AGO/1994 referida na decisão recorrida, o Ministério da Indústria e Energia aprovou Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros “(…) destinados a medir a concentração de álcool por análise do ar alveolar expirado”.
12. Estabelecendo que, para efeito das operações de controlo metrológico de tais instrumentos traduzidas na aprovação de modelo e primeira verificação, por um lado, e na verificação periódica, por outro, “(…) os erros máximos admissíveis … são (…)”, respectivamente e pela ordem indicada, “(…) os definidos pela norma NF X 20-701 (…)” e “(…) uma vez e meia (…)” aqueles,
13. Menos certo não é que no caso dos autos não está nem foi posta em causa a regularidade da aprovação ou a verificação do alcoolímetro em questão nem as condições da sua utilização nos procedimentos em análise, indicadas aliás no auto de notícia/acusação - cfr. artigo 389º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
14. O intérprete e aplicador da lei tem de presumir que o legislador, ao regular a matéria relativa à condução sob o efeito do álcool, conhecia todos os pressupostos das soluções adoptadas, incluindo os mecanismos de determinação das taxas relevantes para efeitos sancionatórios.
15. Não podendo as orientações e determinações respeitantes aos procedimentos relativos à fiscalização do trânsito e à remessa ao Ministério Público, para os efeitos legalmente previstos, quanto a cada situação concreta, dos autos de notícia sobre situações de facto que, em face dos resultados obtidos através dos mecanismos legalmente previstos, sejam enquadráveis nas previsões dos artigos 291º e 292º, do Código Penal.
16. Prever, “contra legem”, quaisquer margens de tolerância ou margens de erro relativamente aos resultados obtidos através dos mecanismos legalmente previstos, devendo a respeito ser recusadas quaisquer orientações ou instruções que não decorram da lei.
17. Pelo que bem andou, assim, in casu, a GNR-BT ao, face ao facto de do teste de alcoolemia efectuado ao arguido através dos mecanismos para o efeito legalmente previstos ter resultado apurada a existência de uma TAS de 3,24 g/l,
18. Dando cumprimento ao disposto nos artigos 254º, n.º 1, a), 255º, n.º 1, a), 256º, 381º, n.º 1 e 387º, nº 2 do Código de Processo Penal.
19. Tendo sido igualmente correcta a verificada subsequente apresentação do arguido para julgamento em processo sumário, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 69º, n.º 1, a) e 292º, n.º 1 do Código Penal e 381º, n.º 1, 382º, n.º 2, 385º e 389º do Código de Processo Penal.
20. A douta sentença recorrida deverá assim ser revogada e substituída por outra que, dando por integralmente provada a matéria de facto ao arguido imputada na acusação contra ele deduzida,
21. O condene pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 69º, n.º 1, a) e 292º, n.º 1 do Código Penal, por que vinha acusado com referência a uma TAS de 3,24 g/l.
22. Além do mais, no artigo 387, nº2 do CPP (anterior à vigência da Lei 59/2007) cominava-se como crime de desobediência a falta do arguido que, notificado para comparecer ante o Ministério Público, o não fizesse.
23. O actual art. 385, nº3 al. a) do CPP dispõe que havendo libertação o arguido é notificado para comparecer ante o Ministério Público para ser submetido a julgamento em processo sumário com a advertência de que este se realizará mesmo que não compareça, sendo representado por defensor.
24. Não se prevê assim, no novo CPP, qualquer cominação como crime de desobediência.
25. Em todo o caso, nas hipóteses anteriores à vigência do novo CPP (15.09.2007) o supra referido crime de desobediência mantêm-se por a cominação feita ao arguido o ter sido em cumprimento da lei vigente à data.
26. Assim sendo não se operou qualquer descriminalização pelo que o aqui arguido deveria ter sido condenado pela prática do crime de desobediência de que vinha acusado.
27. Deve assim a sentença recorrida ser revoga e substituída por outra em que se condene o arguido pela prática de tal crime por ter sido violado o disposto no art. 348, nº 1, al. b) do Cód. Penal;”

O arguido respondeu ao recurso pugnando pela manutenção da decisão
Nestas Relação o ilustre PGA apôs o seu visto.
Colhidos os vistos, procedeu-se á conferência com observância do formalismo legal.

Cumpre conhecer:
É do seguinte teor a matéria de facto constante da decisão recorrida (transcrição):

FACTOS PROVADOS
Discutida a causa resultou provada a seguinte factualidade:
1 – No dia 6 de Abril de 2006 pelas 19H20, o arguido quando conduzia o veículo automóvel de matrícula RM-..-.., na via pública, mais concretamente, em .........., Santo Tirso, foi interceptado pelos agentes da GNR E.......... e F.......... do Posto de ..........;
2 – O arguido conduzia naquelas circunstâncias com uma TAS de pelo menos 2,75 g/l;
3 – Nesse mesmo dia, foi o arguido notificado para comparecer neste Tribunal, no dia 7 de Abril de 2006, pelas 10h00, a fim de ser submetido a julgamento em processo sumário, com a advertência de que, faltando, incorreria na prática de um crime de desobediência, previsto no art. 348.º do C.P.;
4 - Não obstante, o arguido não só não compareceu no Tribunal no dia 7 de Abril à hora designada, como também não justificou, de qualquer forma, essa ausência;
5 - O arguido actuou livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas em excesso e que a condução de veículos a motor na via pública com aquela taxa de álcool no sangue era proibida por lei e que, ao não comparecer neste tribunal no dia e hora designados, estava a desobedecer a uma ordem regularmente emanada de autoridade competente;
6 - O arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
7 - O arguido vive só, exerce a actividade de agricultor, tem um rendimento médio mensal de aproximadamente € 250,00 e averba as condenações constantes de fls. 56 e 57, que aqui se dão por reproduzidas;
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a boa apreciação da causa.---
MOTIVAÇÃO
O Tribunal baseou a sua convicção na confissão do arguido e talão de fls. 9 (deduzido o valor de erro máximo admissível dos equipamentos de fiscalização, de acordo com a Portaria nº 748/94, de 13/08, por remissão para a norma NF X 20-701) e documentos de fls. 10 e 12.---
Mais teve em conta as declarações do arguido sobre as suas condições pessoais e o CRC de fls. 55 a 57 quanto aos antecedentes criminais.”
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As questões a solucionar são:
- Se o Mº Juiz tinha de considerar provado, face á confissão do arguido, a taxa de alcoolémia constante do exame a que foi submetido, e não podia fazer uso da Recomendação da O.I.M, e constante da Portaria nº 748/94 de 13/8.
- Ao fazer uso das margens de erro, nos resultados obtidos, dos alcoolimetros, a decisão é contra legem;
- Se a nova redacção do artº 385º3 a) CPP (lei 59/07) discriminalizou a conduta prevista no anterior artº 387º2 CPP ( arguido libertado e notificado para comparecer em Tribunal a fim de ser julgado em processo sumário).
+

O recurso apesar de delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), também tem de ponderar os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisp dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12, Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 in DR., I-A Série de 28/12/95), mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742.

Começando pela 1ª questão suscitada (se a 1ª confissão integral e sem reservas impõe ao Juiz que considere confessados os factos integralmente), cremos não dever escalpelizar o regime jurídico emergente da norma, mas apenas encontrar a resposta para a questão, a qual em 1ª linha terá de ser dada pela própria norma do artº 344º CPP.
Ora a resposta que dela emerge, é em sentido negativo, pois que:
- do nº2 b) resulta que a confissão implica a passagem de imediato ás alegações orais, e se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, á determinação da sanção, (sublinhado nosso), o que contraria a ideia ínsita de que confessando os factos teria de ser condenado;
- do nº 3 b) a confissão não implica a consideração dos mesmos como provados, se o tribunal suspeitar, do carácter livre da confissão ou tiver dúvidas sobre a verdade dos factos confessados.
E no nº4 estabelece que o Tribunal naquelas circunstâncias decide, mesmo perante a confissão se e em que medida tem lugar quanto aos factos confessados a produção de prova
Na sequência dessa regulamentação e inerente ao poder do juiz, que decide em sua livre convicção, fruto da sua independência e imparcialidade, e por isso é que “Quer na hipótese de confissão integral e sem reservas – com ou sem verificação dos óbices descritos no nº3 do artº 344º do CPP- quer no caso de confissão parcial ou com reservas, o tribunal mantém intacta a sua liberdade de apreciação e consequentemente pode admitir ou não a confissão. II- E, assim, a confissão do arguido, mesmo no caso de ser admitida, não impede necessariamente a produção de prova em audiência, mormente no que concerne à prova da defesa para o efeito da escolha e da medida da reacção criminal a aplicar. “Ac. STJ 9/10/91 BMJ 410, 591, e, “A circunstância de um arguido confessar em audiência de julgamento os factos constantes da acusação não implica necessariamente a condenação pela prática do crime imputado. Basta, por exemplo que, não se perfilhando a qualificação jurídica dos factos, se conclua pela inexistência de ilícito penal, ou que esclarecimentos complementares recolhidos na audiência levem a concluir pela não verificação do crime “Ac. R. C de 30/6/93 BMJ 428, 705.
De todo o modo e sempre que se verifique uma declaração de confissão, o juiz é que decide em sua livre convicção se deve e em que medida ter lugar a produção de prova quanto àqueles factos (Ac. R.P. de 27/1/93 www.dgsi.pt/jtrp nº conv. JTRP00007195.

Aplicando a situação ao caso dos autos temos que o arguido confessou os factos, mas constando da participação/ acusação a taxa de alcoolémia de 3,24 g/l, o tribunal apenas considerou provada a taxa de, pelo menos, 2,75 g/l.
E tal resultou de não ter considerado a confissão do arguido ou de outro factor?
Como se extrai da fundamentação da sentença tal resultou, para além da confissão “no talão de fls. 9 (deduzido o valor de erro máximo admissível dos equipamentos de fiscalização, de acordo com a Portaria nº 748/94, de 13/08, por remissão para a norma NF X 20-701)”
Ou seja a concreta taxa de alcoolémia de que o arguido vinha acusado resultou não de um concreto e preciso conhecimento do arguido, mas de um exame feito por uma máquina, cujo resultado era o descrito, donde a confissão do arguido apenas podia abranger o resultado do exame, (isto é que o aparelho acusara aquela taxa) e não que essa era a taxa de alcoolemia com que conduzia (não percepcionável directa e pessoalmente, em termos quantitativos pelo arguido, que apenas sabe do estado ou da ingestão de bebida alcoólicas).

Como daqui resulta que a decisão do Juiz, conhecedor da existência de uma norma técnica (emergente dos conhecimentos técnico científicos actuais) - (publicada e inserida num diploma legislativo – logo de conhecimento geral e como norma legal), emerge do facto de “em sua convicção “suspeitar que o resultado do exame, não traduz a “realidade do acontecido” ou seja “da veracidade dos factos confessados” pois só através do exame eles podem ser determinados, ou seja que o resultado do exame efectuado (exame seja ele qual for) tem uma margem de erro;
Essa suspeita / certeza é fundada e de conhecimento geral e de que por isso dela deve fazer uso, quer como facto notório - que são os factos do conhecimento geral ou conhecimento publico (e não se diga que algo publicado no D.R. não é de conhecimento publico) - 514º 1 CPC ex vi artº 4º CPP e por isso não estando sujeito a alegação e a prova, quer como facto de que tem conhecimento em virtude das suas funções (sendo dispensável no caso a junção de tais normas ao processo por serem de âmbito publico porque inserido em diploma legislativo para que se remete na decisão) - artº 514º2 CPC ex vi artº 4º CPP.
Ora in casu a confissão do arguido não pode abranger a concreta taxa porque é determinável por exame do aparelho (alcoolímetro), facto do conhecimento do juiz (e de qualquer pessoa como facto notório, e único meio de controle), pelo que considerar abrangida pela confissão uma concreta taxa de alcoolémia que apenas o aparelho pode medir é no mínimo ilógico.
Ou será que confessando o arguido uma taxa de Y e o aparelho (sem problemas) uma taxa de Z, o Tribunal aceitaria a taxa confessada em vez da apurada pelo exame efectuado pelo aparelho?

Assim ao não considerar provada a concreta taxa de alcoolémia expressa na acusação, não infringiu o comando do artº 344º CPP.
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Mas fazendo uso da Recomendação da O.I.M e da Norma Técnica e constante da Portaria nº 748/94 de 13/8, e corrigindo, face ás margens de erro da máquina de medição/alcoolimetros, os resultados obtidos, errou ?

Em 1ª linha a resposta é negativa, pois que se sabe (e disso pode conhecer) que o resultado do exame não corresponde á realidade, é seu dever corrigir e repor a verdade. Mas a questão não se coloca ao nivel desse procedimento/ actuação.

Já se referiu que a única maneira de calcular a taxa de alcoolémia é o exame (quantitativo ou qualitativo), que é feito por um aparelho - alcoolimetro- que é o instrumento destinado a medir a concentração de etanol através da análise do ar profundo dos pulmões, e que pode ser utilizado para fins de prova judicial, na definição da Recomendação OIML R 126 (1998) da Organização Internacional de Metrologia Legal.
Para fazer as medições (nesse aparelho ou em qualquer outro) necessário é que o mesmo esteja calibrado (ou seja faça sempre a mesma medição), para o que é necessário permanente ou periódico controlo metrológico.
É na sequência dessa necessidade (de que uma medida seja sempre igual onde quer que seja - de natureza mundial) que surgiram as normas técnicas reguladoras desse controle, porque não existem instrumentos de medição perfeitos (porque sujeitos a diversas variáveis), e por isso não há medições isentas de erro (que é a diferença entre o valor indicado pelo instrumento de medição utilizado e o valor verdadeiro do que se pretende medir.
“Ignorando os grosseiros (de todo imponderáveis e que só a definição de protocolos de medição adequados, e a sua estrita aplicação na prática, poderá, em princípio, evitar), há erros há que, sendo sistemáticos, podem ser conhecidos e, consequentemente, cujos efeitos podem ser controlados” AC. R.P. de 1/12/07 ww.dgsi.pt/jtrp proc.; nº 0744023

Ora foi para regular essa calibragem, fazer esse controlo, tentar evitar esses erros que surgiram as normas de controlo metrológico, que mesmo assim não são eficazes (no sentido do resultado // realidade), mas através das quais se sabe que a margem de erro se situa entre X e Y, e verificando-se que esse aparelho não ultrapassa a margem de erro prevista / normalizada, se considera calibrado.
Foi no sentido de dar conhecimento e eficácia a tais normas técnicas que foram inseridas na Portaria nº 748/94, de 13/8; tais normas como conhecimento técnico cientifico têm a sua validade independentemente de a portaria estar ou não em vigor - (pelo menos já não está - ver adiante, e cfr. sobre a “historia” da Portaria, o Ac. RP de 19/12/07 www.dgsi.pt/jtrp proc nº 0746058) - dado que não é aquela que determina a eficácia técnica das normas de controlo metrológico (mas a realidade técnico-científica conhecida que lhe está subjacente).
E tanto assim é que a adopção de tais normas foi de novo legislativamente assumida com a publicação da Portaria nº 1556/2007 de 10/12 (emitida ao abrigo do disposto no nº1 do artº1º e 15º do DL 291/90 de 0/9 e nº 1.2 do Regulamento Geral do Controlo Metrológico anexo á Portaria nº 96/90 de 9/10) e que também revoga expressamente no artº 2º a Portaria nº 748/94 de 3/10 citada.

Assim os aparelhos para serem usados terão de respeitar tais normas técnicas de aprovação e controle (sob pena de o meio de prova ser inadmissível), ou seja têm de ser calibrados (de modo a que todos os aparelhos façam a mesma medição), pois que calibrar significa “Verificar as indicações de um instrumento, de acordo com um padrão, a fim de lhe corrigir erro de graduação” ou “Afinar ou equilibrar uma peça de um mecanismo de modo a obter uma total homogeneidade de funcionamento das suas partes, com vista ao fim para que foi criada, rectificando eventuais desajustes ou irregularidades.” In Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia de Ciências de Lisboa, Verbo, I vol. pág 638.
Ora cabendo ao IPQ a certificação, normalização e metrologia dos aparelhos em causa, este afere ou calibra os aparelhos e cada um deles desde que, e face á norma técnica aprovada, o mesmo não tenha uma margem de erro superior á permitida, do que decorre que qualquer aparelho certificado o-é e pode ser usado com uma margem de erro, sendo esta a margem de erro que a lei permite.
Mas o seu resultado deve ser aceite sem mais?
Ora se existe um juízo técnico científico que nos diz que aquele aparelho, mesmo sobre controlo, tem, está em funcionamento e é usado, com um erro (tem sempre uma margem de erro - ou seja que o que ele traduz é não a realidade mas esta resulta de dois factores: a medida indicada e uma variável que nos permite aceder e estar o mais próximo possível da realidade) cremos que nos devemos aproximar da realidade.
Ora se sabemos que o erro existe e qual é (mas entre duas margens: mínimo e máximo), cremos que o que há a fazer é só corrigi-lo usando (porque em direito sancionatório) a certeza do erro mínimo (porque cientificamente não é possível eliminá-lo).
Ao contrário do Ac. R.P. de 12/12/07 cit., cremos que o não uso do juízo cientifico do conhecimento publico ínsito na Norma “NF X20701 da AFNOR” adoptada ao controlo metrológico, traduzir-se-ia em erro notório na apreciação da prova, face exactamente ao conhecimento do tribunal das margens de erro de medição que aqueles aparelhos permanentemente comportam (pois como emerge da portaria os aparelhos são aprovados tendo essa margem de erro – artº 4º e 10º), e independentemente de considerar como o faz o Ac. R.P. 19/12/07 www.dgsi.pt/jtrp Proc. 0746058 que “O tribunal não está vinculado, na apreciação da prova, ao resultado dos exames para detecção de álcool no sangue, não constituindo tais exames prova pericial.”
Por isso se nos afigura correcto, como o faz o Ac. R.G de 26/2/07 www.dgsi.pt/jtrp proc.2602/06-2 considerar que o Tribunal deve fazer uso das margens de erro dos aparelhos de medição (EMA: erro máximo admissível), por tal lhe permitir reduzir ao máximo o erro entre ao resultado do exame e a realidade, não constituindo em função do exposto óbice a existência ou não de norma legal (como se refere no Ac. R.P. de 14/3/07 www.dgsi.pt/jtrp proc. nº 0617247), posto que o juízo cientifico tenha subjacente o mesmo nível de conhecimento, que constitui a garantia da existência do erro.
Tal situação é neste momento igual á que ocorre com os aparelhos de controlo de velocidade (radar) em que a velocidade é calculada de acordo com o erro de medição do mesmo aparelho, resultado de idêntico juízo técnico-científico de controlo metrológico.
É que na verdade o crime (rectius infracção) resulta não do elemento (taxa) que o aparelho (meio ou instrumento) acusa (lê),(como se expressa a acusação), mas de o arguido conduzir um veículo com uma determinada taxa de álcool no sangue.

Assim se um juízo técnico cientifico, do conhecimento publico, nos indica que determinado aparelho de medição tem uma margem de erro (que define) na análise do resultado do mesmo deve ser tido em conta esse erro, sob pena de erro notório na apreciação da prova.
Ora tendo o Tribunal, ponderado a margem de erro do aparelho em resultado do juízo técnico de carácter publico e por isso notório (não carecendo de alegação nem prova), e fixado que o arguido conduzia o veiculo com uma taxa de alcoolémia de pelo menos 2,75 g/l, no sangue, não infringiu qualquer norma legal, passível de ver censurada a sua decisão.
Improcedem assim as conclusões relativas a esta matéria
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No que respeita á última questão:
- Se a nova redacção do artº 385º3 a) CPP (lei 59/07) discriminalizou a conduta prevista no anterior artº 387º2 CPP (arguido libertado e notificado para comparecer em Tribunal a fim de ser julgado em processo sumário)

Cremos que a resposta deverá ser positiva.
O arguido foi acusado de um crime de desobediência porque não compareceu no Tribunal no dia 7/4/06 para que tinha sido notificado na sequência da sua detenção e libertação, ao abrigo do artº 387º2 CPP á data vigente, o qual dispunha que “Se a detenção ocorrer fora do horário de funcionamento normal da secretaria judicial, a entidade policial que tiver procedido à detenção sujeita o arguido a termo de identidade e residência, liberta-o e notifica-o para comparecer perante o Ministério Público no 1.º dia útil seguinte, à hora que lhe for designada, sob pena de, faltando, incorrer num crime de desobediência. …”
Este comando foi cumprido e o arguido não compareceu, razão porque foi acusado e julgado.

Mas acontece que entretanto (e já á data da decisão recorrida 18/10/07), foi publicada Lei 48/07 de29/8 que entou em vigor em 15/9/07 (artº 7º) que alterou o Código Processo Penal, e alterando a regulamentação aplicável à situação dos autos (detenção e libertação com notificaçãopara comparecer no tribunal), dispôs no art. 385.º, n.º 3:
“No caso de libertação nos termos dos números anteriores, o órgão de polícia criminal sujeita o arguido a termo de identidade e residência e notifica-o para comparecer perante o Ministério Público, no dia e hora que forem designados, para ser submetido:
a) A audiência de julgamento em processo sumário, com a advertência de que esta se realizará, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor; ou
b) A primeiro interrogatório judicial e eventual aplicação de medida de coacção”

Isto quer dizer que o arguido detido em flagrante caso seja libertado é notificado para comparecer, para ser julgado ou para ser interrogado sendo que no 1º caso se não comparecer mesmo assim será julgado
Em lado algum o arguido é notificado para comparecer sob cominação da prática de um crime de desobediência
Donde a conclusão que se impõe é a de que o crime de desobediência resultante da falta de comparência do arguido para comparecer em Tribunal anteriormente existente, deixou de existir.
O legislador entendeu que uma falta dessas não devia ser valorada como crime, e consequentemente a regulamentação que pressupunha aquele crime desapareceu (vg. o artº 387º4 CPP)

Nos termos do artº 2º 4 CP (artºs 18º e 29º CRP) “O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infracções; ...”.
Ora a conduta que preenchia a previsão do crime de desobediência (falta do arguido ao tribunal após notificação com essa cominação), desapareceu;
Essa conduta deixou de ser possível e a lei deixou de a considerar como crime (não sendo mais possível a notificação com essa cominação) pois para aquela situação há regulamentação específica e diversa.
Deixando aquela conduta de constituir crime, foi descriminalizada e consequentemente não pode ser punida. (Cfr. neste sentido os Ac.s R.P de 1/12/07, 19/12/07, e de 9/1/08, in www.dgsi.pt/jtrp proc.s nºs 0746680, 0716748 e 0746636 respectivamente)
Assim não merece censura a sentença recorrida, ao absolver o arguido do crime em apreço.

Improcede assim na totalidade o recurso.
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Pelo exposto o Tribunal da Relação do Porto, decide
- Negar provimento ao recurso interposto pelo MºP e em consequência confirma integralmente a sentença recorrida
Sem custas
DN
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Porto, 2 de Abril de 2008
José Alberto Vaz Carreto
Joaquim Arménio Correia Gomes (vencido conforme declaraçãojunta)
José Manuel Baião Papão

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DECLARAÇÃO DE VOTO

No presente acórdão dissentimos apenas e tão só quanto ao decidido relativamente ao sentenciado crime de condução de veículo em estado de embriaguez da previsão do art. 292.°, n. ° 1 do Código Penal.
E isto porque continuamos a entender, conforme Ac. desta Relação de 2007/Mar./14, de que fomos relator e divulgado em www.dgsi.pt. que é o IPQ, enquanto gestor e coordenador do SPQ, que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores de veículos.
Na ocasião também entendemos que não estando legalmente estabelecida qualquer margem de erro prevista para aferir os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, obtidos através de aparelhos aprovados, e no caso de dúvida sobre a autenticidade de tais valores, resta a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado, ou a análise ao sangue.
A propósito convém igualmente recordar o Ac. da Relação do Porto de 2007/Dez./12, acessível em www.dgsi.pt. relatado pelo Des. António Gama, que faz uma clarividente abordagem sobre os procedimentos e conceitos metrológico do erro e da incerteza.
Daí salientamos que "Do ponto de vista metrológico, é, pois, importante distinguir entre erro e incerteza. O erro é um valor único, que consiste na diferença entre um resultado individual e o valor verdadeiro daquilo que se pretende medir, e que se for conhecido pode ser aplicado na correcção do resultado; já a incerteza toma a forma de um intervalo de valores que podem com razoabilidade ser atribuídos ao objecto de medição (precisamente porque se desconhece o seu valor verdadeiro), sendo predicável de todos os resultados que sejam obtidos em condições similares."
E mais à frente conclui "O erro máximo de um instrumento de medição é um parâmetro característico desse mesmo instrumento e não de um processo de medição em particular".
Actualmente e mediante a Portaria n.º 1556/2007, de 10/Dez., apenas vieram a fixar-se quais são esses erros máximos admissíveis para efeitos do controlo metrológico dos ­alcoolímetros, como de resto se designa essa portaria, e mais, mas mesmo mais nada.
Daí continua a resultar no seu art. 5.° que "O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. - IPQ ... ", o qual compreende as operações de aprovação e verificação aí indicadas.
Atente-se, aliás, que esse erro máximo admissível é distinto não só em função do teor de álcool no ar expirado (mg/l), mas também consoante se trate da aprovação/primeira verificação do modelo, por um lado, ou da verificação periódica/extraordinária, por outro lado.
Isto significa, sem qualquer sombra de dúvidas e sempre s.m.o., que é aquando da aprovação ou de verificação dos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos que os mesmos devem ser aferidos ou calibrados segundo o erro máximo admissível constante na tabela anexa.
E já agora quando se procede a análise toxicológica para quantificação do teor de álcool no sangue, efectuado mediante procedimentos analíticos - ou mesmo para detecção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas - qual é a margem de erro admissível aplicável? É que o correspondente resultado é dado igualmente por máquinas que estão, como todas as outras, sujeitas a margem de erros na determinação dos respectivos valores.
Não será certamente a que resulta do anexo à Portaria n.º 1556/2007, pois esta diz apenas respeito aos alcoolímetros.
Em suma, ao proceder-se, em sede de acusação ou de julgamento, a uma nova dedução desta margem de erro admissível, está-se e com todo o respeito, a introduzir-se uma distorção nos resultados obtidos pelos aparelhos de alcoolímetros que foram sujeitos a controlo metrológico, passando a efectuar-se uma dupla ponderação destas margens de erro e a criar-se uma deformação no sistema legal.

Porto, 2008/Abr./02
Joaquim Arménio Correia Gomes