Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0722858
Nº Convencional: JTRP00040561
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
CONTRATO-PROMESSA
UNIÃO DE CONTRATOS
JUROS COMPENSATÓRIOS
Nº do Documento: RP200709180722858
Data do Acordão: 09/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 253 - FLS 16.
Área Temática: .
Sumário: I - A omissão de pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente ou da simples junção do documento comprovativo, não implica, desde logo, a preclusão do direito de praticar os actos processuais subsequentes, cabendo à secretaria notificar o interessado para efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa, sob pena, então, de preclusão do acto processual.
II - Nas relações entre contrato prometido e contrato-promessa, estabelece-se uma união de contratos, na qual o contrato definitivo corresponde ao modo de cumprir o contrato-promessa, encontrando-se igualmente na dependência deste último.
III - A realização do contrato prometido não implica necessariamente a extinção do contrato-promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas.
IV - Verificar a vigência de obrigações previstas na promessa, embora não previstas no contrato definitivo, decorre da interpretação do complexo sinalagmático do contrato, à luz do disposto nos arts. 236º a 239º do CC.
V - Os juros remuneratórios vencidos vencem, por sua vez, juros de mora, precisamente porque, constituindo aqueles uma verdadeira moratória, que não uma mora, integram o preço total da venda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção de despejo com forma ordinária nº…../04.9TJPRT, da .ª Vara Cível do Porto (.ª Secção).
Autores – B………. e mulher C………. .
Réus – D………., E………. e F………. .

Pedido
a) Que o Réu D………. seja condenado a pagar aos AA. o montante de € 691,38, acrescido de juros vincendos, até efectivo e integral pagamento, á taxa de 4% ao ano, calculados sobre € 609,26.
b) Que o R. E………. seja condenado a pagar aos AA. o montante de € 516,11, acrescido de juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, calculados sobre € 454,81.
c) Que o R. F………. seja condenado a pagar aos AA. o montante de € 4.610,95, acrescido de juros vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, calculados sobre € 4.063,30.
d) Que os RR. sejam condenados a assumir junto do G………. os avales pessoais prestados a favor dos AA., referentes ao financiamento do H……….
e) Que os RR. sejam condenados a pagar aos AA. uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que o referido incumprimento lhes causou, a liquidar em execução de sentença.

Tese dos Autores
O Autor marido e o R. D………. eram os sócios de I………., Ldª, e J………., Ldª.
Por escrituras públicas de 5/6/01, os AA. cederam aos RR. as quotas e créditos que possuíam nas sociedades.
Os RR. comprometeram-se ao pagamento dos preços em prestações futuras.
Os RR. não pagaram as prestações referentes ao primeiro semestre de 2002, com vencimento em 30/6/02.
Os RR. comprometeram-se ainda, em contrato-promessa prévio, a assumir os avales pessoais para com o G………. .

Tese dos Réus
Os RR. tiveram de suportar um débito de IVA e IRC junto das Finanças, referente a práticas ilícitas dos AA., débito esse que apenas se esclareceu em momento posterior ao contrato, mas que se ficou a dever a acto dos AA. e de que estes não deram conhecimento aos RR.
Neste momento os RR. ainda não conhecem em toda a extensão os vícios de vontade em que fundaram a sua vontade de negociar.
Os juros devem ser calculados à taxa estipulada entre as partes.

Sentença
Na decisão final de 1ª instância, a Mmª Juiz “a quo”, na parcial procedência da acção:
a) condenou o réu D………. a pagar aos autores o montante de € 609,26, acrescido de juros moratórios, à taxa legal que sucessivamente vigorar até integral e efectivo cumprimento, contados desde 01 de Julho de 2002;
b) condenou o réu E………. a pagar aos autores o montante de € 454,81, acrescido de juros moratórios, à taxa legal que sucessivamente vigorar até integral e efectivo cumprimento, contados desde 01 de Julho de 2002;
c) condenou o réu F………. a pagar aos autores o montante de € 4.063,30, acrescido de juros moratórios, à taxa legal que sucessivamente vigorar até integral e efectivo cumprimento, contados desde 01 de Julho de 2002;
d) condenou o réu D………. a indemnizar os autores pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados por não ter assumido os avales pessoais prestados pelos autores ao G………. e referentes ao financiamento do H………., em montante a liquidar em execução de sentença;
e) absolveu o réu D………. do pedido relativo a assumir, de imediato, os avales pessoais prestados pelos autores ao G………. e referentes ao financiamento do H………. .

Conclusões do Recurso de Apelação dos Réus (resenha)
I – Não tendo sido paga a taxa de justiça subsequente pelo Autor, não podia ele beneficiar da realização da prova oferecida, pelo que têm de ser anuladas todas as respostas aos pontos formulados com base na prova testemunhal e documental oferecida.
II – Tendo sido estipulada uma sanção para o caso do não pagamento tempestivo das prestações, verdadeira cláusula penal para a mora dos devedores (artº 810º C.Civ.), não há lugar ao pagamento de juros de mora.
III – Se o documento apelidado “acordo de princípios de contrato”, que precedeu a escritura de cessão, só fala numa dívida ao G………., não podem aparecer outras.
IV – Também se não há suprimentos ou prestações suplementares do Autor B………. é incompreensível que o Autor venda o que não tem – suprimentos de Esc. 4.409.615$00 ao R. D………. e Esc. 3.504.900$00 de prestações suplementares ao R. F………. .
V – Se na promessa de cessão de quotas só se fala em assunção de uma dívida da sociedade (9.800.000$00), quer dizer que não há outra relevante.
VI – Se a dívida de 40.000.000$00 existia mas não estava reflectida na sociedade, que tinha a conta do fornecedor salvada, há uma alteração relevante das circunstâncias em que o negócio se fundou, pois nenhum dos RR. estava em permanência da sociedade.
VII – Se foi apurada a existência de diversas bases de dados, a boa fé do negócio ficou seriamente abalada.
VIII – Não ficou provado que as informações eram dadas ao sócio que não geria de facto.
IX – É de molde a alterar as circunstâncias em que as partes se fundem para adquirir quotas quando se verifica “a posteriori” que tiveram de pagar IVA e IRC pelos actos dos gerentes cessionários, quando as existências são inferiores às declaradas e quando existe um passivo encoberto de Esc. 40.000.000$00, que consta saldado na contabilidade.
X – Face a estas alterações anormais e não conhecidas, têm direito à modificação do contrato e resolução do negócio segundo juízos de equidade, pois tendo afastado a boa fé que deve presidir a todos os negócios.
XI – Devem ser alteradas as respostas aos quesitos 1º a 12º, para “provados”, e 16º, 17º, 20º, 21º e 24º para “não provados”.

Por contra-alegações, os RR. pugnam pela confirmação da sentença recorrida.

Factos Apurados nesta Instância
O autor marido e o réu D………. eram sócios das sociedades «I………., Ld.ª» e da «J………., Ld.ª». [al. A) – da matéria assente]
Por escritura pública, de 5 de Junho de 2001, os autores dividiram a quota que o autor marido detinha na sociedade «I………., Ld.ª» e cederam:
Uma quota ao réu E………., pelo valor de 3.291.750$00;
Uma quota ao réu F………., pelo valor de 3.291.750$00. [al. B) – da matéria assente]
Por escritura pública, de 5 de Junho de 2001, e no que toca à sociedade «J………., Ld.ª», os autores:
Cederam ao réu F………., pelo valor de 22.611.985$00, a quota que o autor marido detinha nessa sociedade;
Cederam ao réu D………. os suprimentos que detinham nessa sociedade, no valor de 4.409.615$00;
Cederam ao réu F………. as prestações suplementares que detinham nessa sociedade, no valor de 3.504.900$00. [al. C) – da matéria assente]
Nos termos contratuais:
O pagamento do preço seria feito em oito prestações semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 31 de Dezembro de 2006 e a última em 30 de Junho de 2010;
As quantias em dívida venceriam juros indexados à taxa EURIBOR, a seis meses, acrescida de dois pontos percentuais, a partir de 7 de Maio de 2001, juros esses que incidiriam sempre sobre o capital em dívida;
Tais juros seriam pagos em 18 prestações semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 31 de Dezembro de 2001 e a última no dia 30 de Junho de 2010. [al. D) – da matéria assente]
Os réus não pagaram a prestação de juros referente ao primeiro semestre de 2002, cujo vencimento ocorreu em 30 de Junho desse ano. [al. E) – da matéria assente]
Previamente às referidas cessões de quotas, os autores (além de outros) e o réu D………. celebraram, em 7 de Maio de 2001, um contrato promessa de cessão de quotas, cuja cláusula décima quinta refere que “Os cessionários obrigam-se a assumir os avais pessoais para com o G………. referentes ao financiamento do H……….”. [al. F) – da matéria assente]
De acordo com a cláusula 16.ª do mesmo contrato, os outorgantes sujeitaram-no ao regime da execução específica, previsto no art. 830.º do Código Civil. [al. G) – da matéria assente]
Não obstante as interpelações nesse sentido, os réus não deram ainda cumprimento à clausulada assunção dos avales, o que acarreta prejuízos aos autores, nomeadamente na negociação de operações de crédito com entidades bancárias. [al. H) – da matéria assente]
Em 2002, no decorrer de uma acção no Tribunal de Trabalho do Porto, movida por um sobrinho dos autores, K………. e L………., declarou o cessionário M………. que «(…) quando era sócio gerente da ré, os vencimentos que eram pagos aos autores desde 1999, não faziam parte da Contabilidade oficial da empresa, que era entregue ao contabilista, mas de uma “Contabilidade própria” para uso único dos sócios, o que era feito por acordo entre todos os sócios da empresa».[al. I) – da matéria assente]
Esta situação (alínea anterior) deu origem a uma participação ao Ministério Público e a uma inspecção das Finanças.
No decurso da inspecção das Finanças, foram detectados os factos descritos no “projecto de relatório de inspecção tributária”, cuja cópia faz fls. 79 a 97 dos autos, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido face à sua extensão. [al. J) – da matéria assente]
A gerência dessa sociedade sempre foi exercida, de facto e direito, pelo autor marido e pelo seu irmão M………. . [al. L) – da matéria assente]
Em 20.11.2003, o réu D………. apresentou uma queixa na Polícia Judiciária do Porto, contra o autor marido e o outro sócio, M………., com o teor constante do doc. de fls. 103 a 105 dos autos. [al. M) – da matéria assente]
O réu D………. não se encontrava em permanência nas ditas sociedades. [al. N) – da matéria assente]
Os réus pediram uma auditoria à contabilidade da empresa. [resp. ques. 3º e 4º da base inst.]
No que concerne o fornecedor N………., a contabilidade da J………., Ldª apresentava, em 31/12/00, a dívida saldada com os movimentos suportados pelos respectivos recibos de quitação, mas a resposta à circularização de saldos da conta corrente e conta de letras evidenciava uma dívida em aberto de Esc. 40.105.290$00, em 31/12/00, e de 15.000.000$00, em 31/12/01 [resp. ao ques. 5º da base inst.] – aditado conforme infra.
Existiam facturação e saídas de stocks não registados na contabilidade. [resp. ques. 6º da base inst.]
Não houve convenção posterior no que toca a capitalização de juros. [resp. ques. 13º da base inst.]
O terceiro sócio, M………., é irmão do autor e primo direito do Réu, sendo que todos adquiriram as qualidades de sócios simultaneamente, em relação àquelas duas sociedades. [resp. ques. 14º da base inst.]
O réu D………., desde que passou a ser sócio, foi também sempre gerente dessas sociedades. [resp. ques. 15º da base inst.]
Não obstante o aludido na alínea N) -, o réu D………. visitava as sociedades e realizava uma reunião semanal com os dois outros gerentes. [resp. ques. 16º da base inst.]
O réu D………., além de participar da gestão efectiva das ditas sociedades, sempre esteve a par de tudo quanto nelas se passava. [resp. ques. 17º da base inst.]
Inicialmente, e no que diz respeito à sociedade “J………., Ldª”, o referido M………. era apenas procurador do gerente, o réu D………. . [resp. ques. 19º da base inst.]
Os réus avaliaram o que compraram. [resp. ques. 20º da base inst.]
Os autores entregaram aos réus tudo quanto pertencia à sociedade. [resp. ques. 21da base inst.]
A partir de 05 de Junho de 2001, os réus tomaram posse exclusiva dos bens das sociedades e o autor marido não mais frequentou as suas instalações. [resp. ques. 22º da base inst.]
Em 23 de Abril de 2001, autores e réus celebraram um outro acordo, preparatório dos negócios referidos nos autos, o que consta de fls. 126 a 128 dos autos. [resp. ques. 23º da base inst.]
Antes da redacção desse escrito denominado “Acordo de Princípio de Contrato”, os réus D………. e E………., acompanhados do autor marido e do estagiário K………., realizaram, a seu pedido, nos dias 2, 3, 4 e 5 de Janeiro de 2001, um inventário físico de todas as existências da sociedade “J………., Ldª”. [resp. ques. 24º da base inst.]
Desde essa data, o réu E………. não mais abandonou as instalações da sociedade. [resp. ques. 26º da base inst.]

Fundamentos
A pretensão do recurso de apelação poderá resumir-se aos seguintes itens:
- saber se, não tendo sido paga a taxa de justiça subsequente pelo Autor, não podia ele beneficiar da realização da prova oferecida; em consequência, se terão de ser anuladas todas as respostas aos pontos formulados com base na prova testemunhal e documental oferecida;
- saber se devem ser alteradas as respostas aos quesitos 1º a 12º, para “provados”, e 16º, 17º, 20º, 21º e 24º para “não provados”, com a consequente alteração da construção jurídica adoptada, ou seja, reconhecendo agora que, face a estas alterações anormais e não conhecidas, têm os Réus direito à modificação do contrato e resolução do negócio segundo juízos de equidade, já que afastada a boa fé que deve presidir a todos os negócios;
- saber se os factos provados não comportam a condenação do R. D………. a indemnizar os AA. pelos danos causados pela não assumpção dos avales pessoais prestados pelos AA. ao G……….;
- em todo o caso, saber se, tendo sido estipulada uma sanção para o caso do não pagamento tempestivo das prestações, verdadeira cláusula penal para a mora dos devedores (artº 810º C.Civ.), não há lugar ao pagamento de juros de mora.
Vejamos de seguida.
I
A primeira questão em apreciação prende-se com as consequências da omissão do depósito da taxa de justiça subsequente, por parte dos Autores.
Como é sabido, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente deve ser junto ao processo no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final – artº 26º nº1 al.a) C.C.Jud.
No caso dos autos, verifica-se que tal pagamento foi completamente omitido pelos Autores, questão que apenas agora, nas alegações de recurso, vem suscitada pelos Réus.
Nos termos do artº 28º C.C.Jud., a omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo.
No preâmbulo do diploma que alterou as normas em análise do Código das Custas Judicias (D.-L. nº324/2003 de 27 de Dezembro), escreveu-se que se “voltava a consagrar a regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas”, “a operar apenas após a parte ter sido sucessivamente notificada para o efeito”.
Se é certo que a anotação do preâmbulo sempre se reportaria a um articulado – rectius à Contestação (artº 486º-A nºs 3 a 7 C.P.Civ. – já que, quanto à Petição Inicial, é inequívoco que a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça inicial conduz ao não recebimento ou ao desentranhamento do articulado – artºs 474º al.f) e 150º-A nº3 C.P.Civ.), por identidade de razão deve tal raciocínio operar para a taxa de justiça subsequente, a qual, encontrando-se em falta, dá também lugar a uma notificação para o pagamento, acrescido de multa (multa essa de igual montante ao pagamento omitido, mas não inferior a 1 UC`s nem superior a 10 UC`s) – artº 512º-B nº1 C.P.Civ.
Assentamos assim que, no âmbito da taxa de justiça inicial, respeitante à Contestação, ou à taxa de justiça subsequente, a Secretaria deve notificar o interessado para efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa, sob pena então de preclusão do acto processual respectivo.
Quer num caso quer noutro, a omissão de pagamento da taxa de justiça ou da simples junção do documento comprovativo, não implica, desde logo, a preclusão do direito de praticar o acto respectivo (neste sentido, cf. também Ac.R.L. 27/2/07 in dgsi.pt, relator: Orlando Nascimento).
O aviso sucessivo, que não acontece na hipótese do articulado inicial do Autor, compreende-se em função dos ónus preclusivos processuais que a falta de junção da Contestação ou a não possibilidade de produção de prova acarretam para a parte, face à simples impossibilidade ou ao decaimento da instância, no caso da falta de pagamento do preparo inicial, por banda do Autor.
Ora, no caso dos autos, a Secretaria esqueceu a necessária notificação do interessado para efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa.
Todavia, o lapso foi rectificado em momento posterior do processo, tendo a parte depositado o valor da taxa de justiça subsequente e da competente multa.
Sanada se mostra assim a omissão de pagamento da taxa de justiça subsequente, tal como invocada pelos Recorrentes.
II
Vejamos agora a pretendida alteração à matéria de facto, sendo que, para o efeito, foram ouvidos na íntegra os suportes áudio da audiência de julgamento.
Pretende-se, em primeiro lugar, que a resposta aos quesitos 1º a 12º seja alterada para “integralmente provados”.
No quesito 1º perguntava-se se “toda a contabilidade e gerência da sociedade em causa eram geridas pelo autor marido e pelo seu irmão M………., incluindo o pagamento a fornecedores, ao fisco, Banco, etc.”; foi respondido “provado apenas o que consta da al.L) da M.F.A.”.
Não podemos, porém, acompanhar a pretensão de que a matéria do quesito seja integralmente julgada provada.
O que resultou do julgamento (e do documento de fls. 297ss.) é que o R. D………. era gerente da sociedade desde 1992 e que a respectiva assinatura sempre foi necessária para obrigar a sociedade.
É certo que a generalidade dos depoimentos frisou (desde logo o próprio sócio M………., que depôs enquanto testemunha) que era o sócio M………. quem lidava mais de perto com a contabilidade e, por exemplo, era ele quem rubricava os talões de caixa (depoimento da técnica tributária O……….).
Todavia, não é menos verdade que a generalidade dos depoimentos que se debruçaram sobre a matéria elucidaram que existiam reuniões todas as segundas feiras de cada semana, para análise da situação das firmas, entre todos os sócios e que essas reuniões se transformaram em reuniões apenas mensais, desde 1999 (v.g., depoimento do irmão do Réu Y……….).
Portanto, o que pode concluir-se é que, se é verdade que era o sócio M………. (e não o Autor marido) quem lidava mais de perto com a contabilidade, não é menos verdade que o Réu D………. acompanhava a vida económica da sociedade e lhe dava o aval para compras e pagamentos, sob pena de a sociedade não existir até 2001 (e sabe-se como, até essa data, decorreu um período forte da actividade económica da empresa). Daí que não seja adequado concluir que existia uma exclusão de um dos gerentes da vida financeira da sociedade – uma coisa, mais comezinha, é lidar diariamente com a contabilidade ou “fazer o caixa”, “rubricar folhas” ou “tirar a folha diária do sistema informático”; outra coisa é afastar o Réu D………. dos pagamentos (algo de que manifestamente se fez prova do contrário) ou afastar esse mesmo Réu da gerência ou da contabilidade, que o mesmo Réu acompanhava, mais ou menos de perto, mas com regularidade e com a responsabilidade inerente ao cargo que desempenhava nas firmas em causa.
Mantém-se a resposta ao quesito 1º.
No quesito 2º perguntava-se se “os RR. desconheciam a situação que deu origem à participação ao Ministério Público e a uma inspecção das Finanças”.
Nada menos demonstrado ao longo do julgamento. Nenhuma testemunha se lhe referiu, por forma mais ou menos convincente e directa, pesem embora os depoimentos, algo conclusivos e com razão de ciência mais pobre (muito pouco circunstanciados e bastante adjectivados) das testemunhas P………. (das relações do Réu D………) e Q………. (cunhada do Réu E……….).
Cumpre salientar que nem o Revisor Oficial de Contas S………., nem a técnica tributária O………., se lhe referiram minimamente.
O que ficou claro do depoimento destes dois técnicos é que existiam duas contabilidades na empresa – uma “oficial”, ou seja, para demonstrar junto da Administração, outra própria da empresa, ou seja, na prática, dos sócios (que as “contas” eram efectuadas paralelamente prova-o a existência de uma conta bancária titulada pelos três sócios, no G………., alegadamente um “auxiliar de gestão” – testemunha M………. – mas, na verdade, uma conta com empréstimo bancário e à qual se recorreu para efectuar depósitos e pagamentos, entre estes os pagamentos à empresa que reconstruiu o imóvel da sociedade, firma de nome N……….).
Conhece-se a facilidade com que os sistemas informáticos das empresas comerciais, mais ou menos sofisticados, podem suportar duas “escriturações” ou “contas” paralelas, e não é difícil perceber como esta escrituração é um dado altamente relevante da gestão da empresa, gestão essa que, entre outros, se encontrava a cargo do Réu D………. .
Desta forma, o quesito 2º também se encontra bem respondido.
No quesito 3º perguntava-se se “motivado pelo aludido em I) – ou seja, a acção no Tribunal de Trabalho no Porto, no decurso da qual se aludiu a uma “contabilidade própria”, diferente da “contabilidade oficial” – os RR. pediram uma auditoria à contabilidade da empresa”, tendo-se respondido restritivamente com exclusão do segmento relativo à “motivação” do pedido de auditoria.
E cremos que bem – se a “revelação” efectuada no decurso da audiência no Tribunal de Trabalho pode ser a causa próxima do pedido de auditoria, a verdade é que as desinteligências entre as actuais partes e ex-sócios na empresa eram antigas, datavam de, pelo menos, os anos de 98/99 (das obras efectuadas no imóvel e da aquisição deste – cf. depoimento do ex-sócio M……….), e, sobretudo, não ficou demonstrado, como visto atrás, que se tratasse propriamente de uma novidade para o Réu D………., saber que existiam contas próprias dos sócios e apuros não declarados oficialmente.
Portanto, outro quesito adequadamente respondido.
No quesito 4º perguntava-se se, no ano de 2000, havia duas bases de dados, contendo informação divergente entre si, e da contabilidade, quer ao nível de stocks, quer de vendas de mercadorias, que apresentavam os valores a que alude da auditoria simplificada realizada pelo R.O.C. S………., junta aos autos a fls. 98ss. Respondeu-se restritivamente, em conjunto com a resposta ao quesito 3º.
O ponto que não permite uma resposta de integralmente provado, coincidente com os valores achados pelo R.O.C. S………. encontra-se na resposta da técnica tributária O………., sobre a existência invocada por S………. de três bases de dados, para além da contabilidade oficial.
Respondeu a citada técnica negativamente, isto é, que apenas lhe foi dada a conhecer uma base de dados “oficial”, a contabilidade da empresa, que comparou com os apuros diários do “caixa”.
Dessa dúvida resulta a perfeita correcção da resposta restritiva, neste ponto, que obviamente é de manter.
No quesito 5º perguntava-se se “no que concerne o fornecedor N………., a contabilidade da J………., Ldª apresentava, em 31/12/00, a dívida saldada com os movimentos suportados pelos respectivos recibos de quitação, mas a resposta à circularização de saldos da conta corrente e conta de letras evidenciava uma dívida em aberto de Esc. 40.105.290$00, em 31/12/00, e de 15.000.000$00, em 31/12/01”.
A pergunta baseia-se directamente no constante do relatório do Revisor Oficial de Contas S………. – tal relatório foi defendido em audiência pela citada testemunha, que não foi minimamente contraditada, pelo contrário, do depoimento, v.g., da testemunha T………. (gerente da N……….) resulta que os pagamentos foram efectuados na forma faseada que se evidencia no quesito. Acresce, sobre o mais, o próprio depoimento de parte confessório (a este item) de B………. .
Por essa razão, entendemos que esta matéria deverá resultar “provada”, como se decide nesta instância e, assim, se acrescenta aos factos provados.
No quesito 6º perguntava-se se “existiam facturação e saídas de stocks não registados na contabilidade e ainda um desvio de fundos no montante de 40.000.000$00”. A resposta restritiva abrangeu apenas positivamente a “facturação e saídas de stocks não registados na contabilidade” – e bem, segundo cremos, já que não existe qualquer desvio de fundos, isto é, qualquer prática que se afastasse das contas normais entre os sócios, de todos conhecidas dentro da sociedade, conforme já evidenciámos, apenas duas escritas ou contabilidades paralelas, uma para a sociedade ou para os sócios, e a outra sobretudo para o fisco.
Mantém-se, portanto, esta resposta.
Os quesitos 7º e 8º rezavam “os RR. comunicaram logo aos AA. que, enquanto esta situação não fosse esclarecida cabalmente, não procederiam ao pagamento dos juros em causa e pagando os restantes por causa da cominação das duas prestações em dívida que poderiam activar a dívida total?”
A resposta “não provado” é a adequada à total ausência de prova sobre a matéria dos quesitos.
Na resposta aos quesitos 9º e 11º (“a situação económica das empresas vendidas não era aquela em que se baseou o contrato de cessão de quotas e na qual se basearam para encontrar o seu valor, não existe o activo e as existências proclamadas e o passivo era também muito maior”) só poderia levar-se em conta o depoimento meramente abstracto de S………., no sentido de que a única verdade nas contas da empresa seria a que constava da contabilidade – todavia, vimos já que não é assim, quer para a empresa, quer para as relações entre os sócios.
Acresce que diversas testemunhas referenciaram o inventário efectuado pelo Autor e pelos Réus aquando da cessão – referiram-se-lhe expressamente as testemunhas e familiares de AA. e RR. U………., V………. e W………., conhecedoras directas e presenciais das negociações entre as partes.
Portanto, mais uma vez, não pode aceitar-se em teoria a contabilidade apresentada oficialmente como a única válida para a empresa e para os sócios e, sobretudo, não podem os RR. ignorar que desconheciam as existências da empresa ou escudar-se na dita “contabilidade oficial” para invocar uma desconformidade que era deles perfeitamente conhecida e aceite.
Mantém-se assim a resposta a estes quesitos.
A resposta ao quesito 12º (“na posse desses dados, os réus não teriam dado os valores que constam das respectivas escrituras”) foi “não provado”, e não existe resposta mais adequada à matéria.
Na verdade, o que resultou abundantemente da audiência de julgamento, designadamente dos depoimentos de M………. (ex-sócio e irmão do Autor marido) e X………. (primo de AA. e RR. e conhecedor das negociações), para além de indirectamente o mesmo ter sido afirmado por Y………., irmão do Réu D………. (ao declarar que a base da proposta de seu irmão tinha a ver com uma avaliação do imóvel da sociedade em 350 mil contos), é que o Réu D………., pessoa experiente no ramo imobiliário, com actividade de construtor civil ou empreiteiro, efectuou uma proposta superior com base na avaliação do “imobilizado corpóreo” (expressão própria dos economistas ouvidos, que, sobretudo o R.O.C., também ligou o imóvel ao maior valor existente na sociedade, e de longe).
Portanto, havia sócios mais ligados ao comércio (Autor B……….), outros que auxiliavam na parte contabilística (testemunha M……….) e outro que era uma âncora financeira, experiente no ramo imobiliário (Réu D……….).
A reunião que deu origem ao contrato-promessa de cessão de quotas foi aquela em que todos efectuaram propostas de compra em carta fechada. Venceu o Réu (parte que mais ofereceu – mais 90 mil contos que os demais, conforme dito em audiência por Y……….), isto é, venceu a visão da rentabilização imobiliária do investimento.
Cabia ao Réu suportar as consequências do respectivo compromisso, como declarado pelas testemunhas X………., Z………. e U………. (todos familiares das partes).
A resposta a este quesito foi a adequada.
A resposta ao quesito 16º, restritiva, com exclusão das expressões “assiduamente” e “obrigatoriamente” – “o Réu D………. visitava as sociedades e realizava uma reunião semanal com os outros dois gerentes” – é a adequada, nos termos e pelas razões já expostas supra na motivação da resposta ao quesito 1º.
Mantém-se assim a resposta ao quesito 16º.
Da mesma forma e com idênticos fundamentos, é justificada a resposta positiva quesito 17º, que se mantém - “o réu D………., além de participar da gestão efectiva das ditas sociedades, sempre esteve a par de tudo quanto nelas se passava”.
O quesito 20º (“os réus avaliaram o que compraram”) encontra motivação cabal na fundamentação da resposta ao quesito 12º - a dita resposta é de manter.
O quesito 21º foi afirmado expressamente em tribunal pela testemunha M………. . O respectivo depoimento, pese embora o interesse que pudesse ter, pelo menos no desfecho de uma acção paralela que moveu contra o Réu, foi claro, incisivo, e, sobretudo, não foi por qualquer forma contraditado, inexistindo razões que nos levem a duvidar da veracidade do conteúdo do depoimento. Mantém-se assim a resposta “provado”.
A resposta positiva ao quesito 24º - “antes da redacção desse escrito denominado Acordo de Princípio de Contrato, os réus D………. e E………., acompanhados do autor marido e do estagiário K………., realizaram, a seu pedido, nos dias 2, 3, 4 e 5 de Janeiro de 2001, um inventário físico de todas as existências da sociedade J………., Ldª” – justifica-se pela forma já exposta na fundamentação das respostas aos quesitos 9º a 11º.
Mantém-se, por igual, a dita resposta “provado”.
De todo o exposto não resulta a prova de quaisquer alterações (relevantes ou não) à base fundamental do negócio que determinou a vontade das partes – artº 437º C.Civ., nem (hipoteticamente) a responsabilidade pré-contratual dos Autores – artº 227º C.Civ.
Os Réus não justificam as conclusões do recurso, relacionadas com dívidas que existam ou não existam, na realidade, quando não lograram que os factos provados sustentassem tais afirmações.
III
À face do contrato definitivo, diversas posições se vêm alinhando no que respeita à natureza e às consequências do prometido.
Uma posição mais tradicional, que domina a literatura jurídica, verá forçosamente na promessa e no contrato definitivo dois instrumentos que concorrem a um mesmo fim, rectius se identificam, mantendo porém a respectiva autonomia. O contrato-promessa seria um contrato semelhante ao contrato definitivo, apenas com uma diferença de objecto; a execução específica é admitida com certa dificuldade – a sentença ex artº 830º C.Civ. tem natureza constitutiva, de substituição de uma declaração de vontade.
Outra posição tenderá a desvalorizar, mais ou menos, a promessa, convertida que se encontre no contrato definitivo, só através deste podendo valer. Esta posição negará a própria existência ou interesse prático do contrato-promessa.
Finalmente, uma posição que valorize a noção de cumprimento, constituindo o contrato prometido o “cumprimento” da promessa (daí a possibilidade de execução específica).
Modernamente, desenvolveu-se este entendimento no sentido de não aceitar apenas a noção de cumprimento como explicação para as relações entre os dois instrumentos, antes subordinando também o contrato prometido ao contrato-promessa, estabelecendo ambos uma união de contratos, na qual o contrato definitivo corresponde ao modo de cumprir o contrato-promessa, encontrando-se igualmente na dependência deste último – duas figuras em pé de equilíbrio, constituindo o contrato definitivo um mero cumprimento da promessa, produto de vontade vinculada (neste sentido, ou semelhante, Meneses Cordeiro, Obrigações, I/§179 e R. Martinez, Obrigações (Apontamentos), 2ªed., pg. 178).
Confronte-se também esta citação de Meneses Cordeiro, constante do Ac.R.L. 24/4/01 Col.II/114: “O contrato-promessa é já um contrato vinculante nas suas disposições, cujo definitivo se limita a reproduzir por decalque e cuja formalização de uma vontade de vinculação é susceptível de criar obrigações específicas e autónomas, que dispensarão repetição no contrato definitivo para efeitos de vinculação, pelo que a situação é análoga à da união de contratos; o que se fez foi estabelecer no documento em que se formalizou a promessa um outro compromisso que não se prendia com esse, necessária e imediatamente”.
De outro lado, vem a doutrina também entendendo que “a realização do contrato prometido não implica necessariamente a extinção do contrato-promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas” (ut Ac.R.C. 14/3/00 Bol.495/369 ou Revista Decana, 133º/375, com comentário concordante de M. H. Mesquita).
Ora, de F) a H) dos Factos Provados demonstra-se que os Autores e o réu D………. celebraram, em 7 de Maio de 2001, um contrato promessa de cessão de quotas, cuja cláusula décima quinta refere que “os cessionários se obrigam a assumir os avais pessoais para com o G……… referentes ao financiamento do H……….”, e a cláusula 16.ª que “os outorgantes sujeitaram o contrato ao regime da execução específica, previsto no art. 830.º do Código Civil”. Mais se demonstra que, não obstante as interpelações nesse sentido, os réus não deram ainda cumprimento à clausulada assunção dos avales.
Decisivo nos parece porém o facto de, no “acordo de princípio de contrato”, junto aos autos a fls. 316ss., as partes terem estipulado que a proposta vencedora “assumia desde logo todo o activo e passivo da firma”.
Ora, integrando o complexo contratual dos autos o citado “acordo”, a que se lhe seguiu um “contrato-promessa” e, posteriormente, um contrato definitivo, não pode esquecer-se a obrigação, decorrente para o vencedor (que veio a ser o Réu D……….), de assumir o passivo, traduzido, após, no contrato promessa, na assumpção pessoal pelo promitente cessionário do pagamento da parte restante do financiamento efectuado junto da instituição bancária, como aí se esclarece “a título pessoal dos outorgantes” – tal obrigação integrava o complexo sinalagmático do contrato e o respectivo incumprimento justifica a indemnização pelo dano positivo ou ex contractu (o dano que ocorreu aos AA., decorrente do incumprimento dos RR.), nos termos do artºs 798º e 801º nºs 1 e 2 C.Civ. – por todos, P. de Lima e A. Varela, Anotado, artº 801º, nota 3.
O dano positivo, no caso, corresponde ao restabelecimento do património dos AA. na situação em que se encontraria caso os RR. tivessem cumprido as obrigações contratuais decorrentes do complexo formado pelo “acordo de princípios”, a “promessa” e o “contrato definitivo”, considerados como união de contratos, nesse restabelecimento se integrando a indemnização relativa à não assumpção dos avales, junto da entidade bancária, por parte do Réu D………. .
A esta luz, justifica-se de pleno a solução encontrada na sentença recorrida, que não nos pode suscitar observação de cariz diverso, designadamente tendo em conta o teor das conclusões recursórias apresentadas.
IV
A última questão reporta-se a saber se, tendo sido estipulado que a falta de pagamento de duas prestações, de capital ou juros, determinava o vencimento da totalidade das prestações, tal constitui verdadeira cláusula penal para a mora dos devedores (artº 810º C.Civ.), acarretando o não haver lugar ao pagamento de juros de mora.
Não podemos acompanhar manifestamente esta alegação.
Por cláusula penal entende-se, como é sabido, a fixação antecipada da indemnização a pagar pelo devedor, em caso de não cumprimento da obrigação (artº 810º nº1 C.Civ.).
Ora, quando no contrato se estipulou que a falta de pagamento de duas prestações, de capital ou juros, determinava o vencimento da totalidade das prestações, não se estipulou uma cláusula penal referente a indemnização por incumprimento, mas antes uma previsão de vencimento da obrigação antes do decurso do prazo de cumprimento, à semelhança do disposto no artº 781º C.Civ.
E assim, vencida a obrigação, a mesma passaria a vencer juros de mora – artº 806º nº1 C.Civ.
Todavia, o que se encontra em causa no pedido não é uma condenação incidente sobre a totalidade da obrigação de capital ou sobre a totalidade da obrigações de juros, mas antes uma condenação que incide sobre parte dos juros remuneratórios vencidos à data do petitório (Outubro de 2004), posto que o capital apenas começaria a ser pago em 31/12/2006 (cf. escrituras públicas dos autos).
E obviamente que os juros remuneratórios vencem juros de mora, precisamente porque, constituindo uma verdadeira moratória, que não uma mora, integram o preço total da venda (neste sentido, Correia das Neves, Manual dos Juros, 3ª ed., pg. 230).
Neste sentido ainda, a regra da proibição do anatocismo (artº 560º C.Civ.) não tem aplicação ao caso.

A fundamentação pode ser resumida da seguinte forma:
I - A omissão de pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente ou da simples junção do documento comprovativo, não implica, desde logo, a preclusão do direito de praticar os actos processuais subsequentes, cabendo à Secretaria notificar o interessado para efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa, sob pena então de preclusão do acto processual - artº 512º-B nº1 C.P.Civ.
II – Nas relações entre contrato prometido e contrato-promessa, estabelece-se uma união de contratos, na qual o contrato definitivo corresponde ao modo de cumprir o contrato-promessa e encontrando-se igualmente na dependência deste último – duas figuras em pé de equilíbrio.
III - A realização do contrato prometido não implica necessariamente a extinção do contrato-promessa que o antecedeu; se nada tiver sido estipulado em contrário, o contrato-promessa só se extingue quando todas as obrigações que as partes nele assumiram forem cumpridas.
IV – Verificar a vigência de obrigações previstas na promessa, embora não previstas no contrato definitivo, decorre da interpretação do complexo sinalagmático do contrato, à luz do disposto nos artºs 236º a 239º C.Civ.; concluindo-se pela positiva, justifica o adimplente a indemnização pelo dano positivo ou ex contractu (o dano decorrente do próprio incumprimento contratual, destinado a colocar o contraente fiel na situação em que se encontraria se os contratos tivessem sido cumpridos), nos termos do artºs 798º e 801º nºs 1 e 2 C.Civ.
V - Os juros remuneratórios vencidos vencem, por sua vez, juros de mora, precisamente porque, constituindo aqueles uma verdadeira moratória, que não uma mora, integram o preço total da venda.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, acorda-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto, e, em consequência, confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes.

Porto, 18 de Setembro de 2007
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa