Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0725504
Nº Convencional: JTRP00040903
Relator: ANTAS DE BARROS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
PEDIDO DE EXPROPRIAÇÃO TOTAL
Nº do Documento: RP200712190725504
Data do Acordão: 12/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 260 - FLS 204.
Área Temática: .
Sumário: O proprietário expropriado pode pedir a expropriação de todo o prédio se, devido à desanexação da parte expropriada por iniciativa do expropriante, o restante não proporcionar as mesmas utilidades que, tendo em conta a proporção em que diminuiu a área de que não foi desapropriado, o todo assegurava, ou se as utilidades que a parte sobejante lhe proporcionar não tiverem para o mesmo interesse económico, apreciado objectivamente, quer dizer, se tais utilidades não lhe proporcionarem vantagem ou proveito económico tendo em conta as condições normais de exploração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Relação do Porto

Nos autos de expropriação por utilidade pública urgente, em que é expropriante EP-Estradas de Portugal, E.P.E., sendo expropriados B………., e outra, estas requereram a expropriação total da parcela expropriada, nos termos do disposto no artº 3º nº 2 do CE.
Alegam, em resumo, que sendo donas de um terreno com a área de quase 20.000 m2, sobeja só uma parcela de cerca de 5.000m2, com forma alongada e pontiaguda, a dificultar a utilização de tractor no respectivo cultivo, para mais com acessos que elevam de 600 m para 3.250 m a distância entre a mesma e a base da unidade agrícola, o que afecta negativamente a respectiva exploração agrícola.
A expropriante respondeu, defendendo que a referida pretensão seja indeferida dado o restante do prédio parcialmente expropriado continuar a ter, proporcionalmente, interesse económico para as expropriadas.
Apreciando tal pedido, o Sr. Juiz julgou-o improcedente por entender que não se verifica o previsto no citado artº 3º nº 2 do CE. Foi dessa decisão que as expropriadas recorreram.
Nas suas alegações, formulam as seguintes conclusões:
I – Não tem os mesmos cómodos, uma parcela que tinha uma frente para a via pública de 90 m e agora só tem um acesso para entrar e sair.
II - Não tem os mesmos cómodos uma parcela agrícola que tinha quase 20.000 m2 e agora fica com 5.000 m2, em forma alongada e pontiaguda.
III - Não tem os mesmos cómodos uma parcela que ficava a 600 m da casa de lavoura e agora fica a 3.200 m.
IV - Se a parcela, comprovadamente, fica depreciada, cabe o direito ao expropriado de pedir a sua expropriação total.
V - É de expropriar a parcela sobrante que só tem viabilidade económica se “emparcelada” com parcelas confinantes, mas que não se diz como é possível tal acontecer.
VI - A própria Lei do emparcelamento proíbe que uma parcela de área inferior a 20.000 m2 se divide numa de 5.000 m2.
VII - Se a unidade de cultura para região é de 20.000 m2, quer dizer que não é aconselhável nem rentável criar parcelas agrícolas de área inferior.
VIII – Todas as políticas agrícolas apontam para a extinção do minifúndio, que são um entrave à modernização da agricultura.
IX - É de expropriar a parcela sobrante, que duma área global de quase 20.000 m2 passou para 5.000 m2, e logo de forma alongada e pontiaguda,
pelo que, por erro de interpretação e aplicação do direito, nomeadamente do nº 3 do artº 29 do Código das Expropriações, deve a decisão ser revogada e substituída por outra que julgue o pedido de expropriação total provado por procedente
A expropriante contra-alegou, defendendo que se mantenha o decidido.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, cumpre conhecer do recurso.
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Resultam provados os seguintes factos:
O prédio das requerentes, destinado à agricultura, situado na área da comarca de Matosinhos, de que foi expropriada parte, tinha a superfície de cerca de 20.000 m2, restando por expropriar uma parcela com a área de cerca de 5.760 m2.
A referida parcela tem acesso através de um caminho paralelo, passando a distância a percorrer entre a mesma e a base da unidade agrícola em que se integra, de 600 metros para 3.200 metros.
Tal parcela sobrante tem forma alongada e pontiaguda.
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Nos termos do artº 3º nº 2 do CE, quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio ou se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente.
«Cómodos», no sentido em que aqui se utiliza a palavra, significa «utilidades».
Assim, o proprietário expropriado pode pedir a expropriação de todo o prédio se devido à desanexação da parte expropriada por iniciativa do expropriante, o restante não proporcionar as mesmas utilidades que, tendo em conta a proporção em que diminuiu a área de que não foi desapropriado, o todo assegurava, ou se as utilidades que a parte sobejante lhe proporcionar não tiverem para o mesmo interesse económico, apreciado objectivamente, quer dizer, se tais utilidades não lhe proporcionarem vantagem ou proveito económico tendo em conta condições normais de exploração.
Assinala-se que no caso da alínea b) do citado nº 2 do artº 3º do CE, o que tem relevo é o interesse económico dos cómodos que a parte sobrante proporcione ao proprietário e não o interesse ou valor económico da parcela, em si considerada.
Por isso, na situação prevista na alínea a) do referido nº 2, o dono do prédio parcialmente expropriado pode pedir que o restante seja expropriado se os cómodos que esta parte propicia forem inferiores ao que resultasse proporcionalmente da expropriação.
Porém, a desproporção que justifica a expropriação total deve ter para o expropriado relevo apreciável.
Isto não tem a ver com a aplicação do disposto no artº 29º nº 2 do CE, pois nesta última norma regula-se a indemnização pela desvalorização da parte sobrante, seja qual for o caso, desde que mereça tutela legal, ao passo o que a expropriação total, desde que justificada face ao estabelecido no artº 3º nº 2 do mesmo diploma legal, depende sempre de opção do expropriado.
Por outras palavras, tratando-se de uma situação em que em que se verifique o exigido no referido artº 3º nº 2, mas em que o proprietário expropriado não tome a iniciativa de pedir a expropriação total, há lugar à observância do disposto no artº 29º nº 2 do mesmo código.
Também não tem aplicação à situação que aqui se aprecia o princípio constante do artº 3º nº 1 do CE segundo o qual a expropriação se deve limitar ao necessário para a realização do seu fim.
Na verdade, esta norma é estabelecida no interesse do expropriado, significando que a expropriação não deve ir além do necessário ao fim que visa.
Como tal, não pode considerar-se que o pedido de expropriação total é limitado pela necessidade do expropriante.
Feitas estas considerações, cumpre apreciar se alguma das situações previstas no nº 2 do artº 3º do CE se verifica nestes autos.
Sabe-se que o prédio expropriado se situa na área da comarca de Matosinhos e que tinha cerca de 20.000 m2, de que sobraram 5.760 m2.
Este simples facto, destinando-se o prédio à agricultura, é normalmente tido como uma desvantagem tendo em conta esse fim.
Não é necessário recorrer a qualquer demonstração, designadamente a prova pericial, para se considerar que, em princípio, a fractura da propriedade agrícola para limites inferiores à unidade de cultura tida por conveniente para a região, dificulta o respectivo cultivo por exigir mais manobra às máquinas utilizadas nessa actividade e gerar zonas não passíveis de aproveitamento, nomeadamente junto aos muros, regos e semelhante, em maior proporção relativamente à área total.
Para além de tal ser do conhecimento geral, essa desvantagem revela-se pela preocupação do legislador em tutelar o interesse de maior dimensão dos terrenos agrícolas, quer impedindo a respectiva divisão, quer favorecendo, designadamente através do estabelecimento de direitos de preferência, a existência de prédios mais extensos.
Porém, essa menor dimensão da propriedade, embora apreciável, não justifica, por si só, a expropriação total.
Acontece que, para além disso, a distância que o cultivador da parcela sobrante tem de percorrer desde a base da unidade agrícola até a alcançar, passou de 600 metros para 3.200 metros, ou seja, mais do que quintuplicou.
Sendo do conhecimento geral a relevância que tem na actividade económica o custo dos transportes, nomeadamente devido ao consabido encarecimento dos combustíveis, esse facto é de grande importância.
Cumpre ainda ter em conta que nas deslocações de e para a parcela se gastará mais tempo.
Acresce que o terreno sobrante ficou com forma alongada e pontiaguda.
Face a este quadro, no relatório pericial de fls. 176 e ss. opina-se que a aludida parcela poderá ser rentável se aproveitada para cultivo de produtos hortícolas.
Ponderando o descrito, constata-se que, na verdade, da divisão do prédio das expropriadas sobrou uma parcela cuja exploração agrícola resulta notoriamente afectada, sendo evidência disso também o referido parecer.
Com efeito, não é sustentável sujeitar as expropriadas à exigência de destinar o que lhes resta do seu prédio a uma certa espécie de cultivo para obter rentabilidade do mesmo.
É que as circunstâncias em que as actividades económicas se desenrolam estão em constante variação, pelo que a horticultura poderá deixar de ser rentável, sem que seja seguro que venha a sê-lo outra cultura adequada ao mencionado terreno.
Deste modo, verifica-se que a aludida parcela não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio.
Como tal, verifica-se a situação prevista no citada alínea a) do nº 2 do artº 3º do CE, pois o terreno em questão não garante, com razoável estabilidade, as utilidades que nessa norma legal são exigidas.
Consequentemente, o pedido das agora recorrentes é bem fundado.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando-se procedente o pedido de expropriação total do prédio que se vem referindo.
Sem custas, dada a isenção de que a recorrida beneficia.

Porto, 19 de Dezembro de 2007
António Luís Caldas Antas de Barros
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Augusto José Baptista Marques de Castilho