Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0625117
Nº Convencional: JTRP00039604
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: ARROLAMENTO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP200610170625117
Data do Acordão: 10/17/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 228 - FLS 43.
Área Temática: .
Sumário: Os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes para decretar o arrolamento de bens existentes no Brasil ou proceder à sua partilha.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

B………. instaurou, no Tribunal de Família e Menores da Comarca de Matosinhos, o presente procedimento cautelar de arrolamento contra o seu marido:
- C………., pedindo que fosse decretado o arrolamento de vários bens do casal, que identifica, alguns sitos em Portugal e outros sitos no Brasil.
Alegou, para tanto, em resumo, que é casada com o requerido, de quem está separada desde Novembro de 2005; que o requerido sempre disse que se a requerente o abandonasse procederia de imediato à delapidação de todos os bens do casal.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas, após o que se fixaram os factos tidos como provados e, com base neles, se decretou o arrolamento dos bens do casal no tocante aos bens existentes em Portugal.
Relativamente aos bens sitos no Brasil, considerou-se ser o Tribunal “a quo” internacionalmente incompetente para decretar o requerido arrolamento.
Inconformada com esta parte da decisão, dela interpôs a requerente recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de agravo e efeito meramente devolutivo.
Alegou, oportunamente, a agravante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª – “Assim, e fruto daquilo que foi exposto na providência cautelar de arrolamento, os bens que compõem o património do casal estão dispersos por Portugal e pelo Brasil;
2ª – A Meritíssima Juiz “ad quo” decretou muito bem a providência com o âmbito determinado aos bens que se encontram em Portugal, não devendo ter declarado a incompetência do Tribunal Português para decretar a providência no Brasil;
3ª – A Recorrente, interpôs a providência cautelar de arrolamento em Portugal, por constituir para ela o único meio admissível, de defender os seus interesses, designadamente do seu património;
4ª – A Recorrente viu-se forçada a abandonar o Brasil, não tendo quaisquer condições para continuar lá e consequentemente para iniciar lá a defesa dos seus interesses;
5ª – É bem evidente, que para além de parte dos bens que estão no Brasil, existem outros pontos de contacto com a ordem jurídica portuguesa, designadamente a naturalidade da Requerente e do Requerido, que é idêntica, são ambos portugueses, com o casamento celebrado em Portugal;
6ª – Para além do mais, ela tem domicílio em Portugal e ele até à bem pouco tempo apesar de residir no Brasil, tinha também domicílio em Portugal;
7ª – Desta forma era o tribunal competente internacionalmente para decidir o pleito;
8ª – Ora, ao julgar parcialmente improcedente o decretamento do arrolamento deduzido pelas Recorrente, com fundamento na não consideração pelo Tribunal da 1ª Instância, dos factos demonstrativos da impossibilidade de a mesma tornar efectivo o seu direito, a não ser por meio de acção proposta em território português (al. d) do nº 1 do artº 65º do C.P.C.), a decisão da 1ª instância, ora recorrida, violou o disposto no artigo 668º nº 1, al. d) do C.P.C.;
9ª – Também O artº 660º, 2 impõe ao tribunal que resolva as questões que as partes submetam à sua apreciação;
10ª – Em consequência disso, deve a douta decisão ser revogada, considerando-se a acção provada e procedente, com as legais consequências, por se considerar que a douta decisão do Tribunal “ad quo” violou o correcto entendimento de tais preceitos legais”.

Não foi apresentada contra-alegação.
O M.º Juiz do Tribunal “a quo” sustentou tabelarmente o despacho recorrido.
...............

As conclusões dos recorrentes delimitam o âmbito do recurso, conforme se extrai do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, a questão a decidir por este Tribunal é apenas a de saber se o Tribunal de Família e Menores da Comarca de Matosinhos é internacionalmente competente para decretar o arrolamento de bens sitos no Brasil.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
...............

OS FACTOS

Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1º - Requerente e requerido contraíram matrimónio em 12 de Outubro de 1968;
2º - Sem convenção antenupcial;
3º - Consequentemente, no regime de comunhão de adquiridos;
4º - O casal encontra-se separado de facto desde final de 2005, altura em que a requerente abandonou o Brasil e regressou a Portugal;
5º - O casal possui vasto património e bens móveis no Brasil;
6º - Existem alguns bens móveis no interior do apartamento identificado na al. a) de fls. 25;
7º - O casal possui contas bancárias em Portugal e no Brasil.
...............

O DIREITO

A questão que cumpre dilucidar é somente a de saber se o Tribunal de Família e Menores de Matosinhos é internacionalmente competente para decretar o arresto de bens, designadamente bens imóveis, sitos no Brasil.
O despacho recorrido respondeu negativamente a esta questão, considerando ser aquele tribunal incompetente para o efeito. A agravante pugna, na sua alegação de recurso, pelo entendimento contrário. Mas, salvo o devido respeito, sem convencer. Vejamos.
A competência internacional dos tribunais portugueses depende, como emana do artº 65º do C. de Proc. Civil, da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real (a redacção desta alínea foi introduzida pelo Dec. Lei nº 38/2003, de 8/3).
As três primeiras alíneas não se aplicam ao caso concreto, como a própria agravante reconhece no corpo da sua alegação (vide fls. 105). A alínea a), pela simples razão de que a própria requerente/agravante dá como residência do requerido a cidade do ………., no Brasil, embora referindo que o mesmo também reside em Matosinhos, o que se torna de difícil concretização. O facto de o casal ter uma casa em Matosinhos não equivale a terem ambos os cônjuges aí também residência. De resto, estando em causa o gozo de bens imóveis sito no Brasil, afastava a aplicação da referida alínea a).
As alíneas b) e c) também não se aplicam ao caso dos autos, já que a acção não tem de ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa e não se alega nenhum facto que sirva de causa de pedir na acção que tenha sido praticado em território português.
Ao invés, a própria agravante alegou que, fruto das graves agressões físicas perpetradas pelo requerido, decidiu abandonar por sua própria iniciativa o lar conjugal (artº 2º da p.i.). E “foi por isso que, e fruto da tomada de posição supra mencionada, a Requerente abandonou o Brasil, e voltou para Portugal, lá deixando grande parte dos bens que constituem o património comum do casal” (artº 5º da p.i.). Por isso, segundo a alegação da própria agravante, tanto as agressões de que foi alvo, como o abandono do lar conjugal ocorreram no Brasil.

Mas será que é aplicável ao caso a hipótese da al. d), que consagra o chamado princípio da necessidade – os tribunais portugueses passam a ter competência internacional quando o direito não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em tribunais portugueses.
Como escreveu o Prof. Alberto dos Reis (Comentário, vol. 1º, 2ª ed., 139), este “é um caso excepcional e subsidiário de competência, por meio do qual se tem em vista evitar que o direito fique sem garantia judiciária”.
O princípio da necessidade, segundo o qual, como se disse, os tribunais portugueses têm competência internacional quando o direito não possa tornar-se efectivo senão por meio de uma acção proposta em tribunais portugueses, é de entender no sentido não só de abarcar a impossibilidade jurídica (por inexistência do tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de competência internacional dos diversos países) como a impossibilidade prática (derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição competente) – vide Ac. da R. de Coimbra de 3/5/1988, C.J., 1988, 3º, 60. Essa impossibilidade tem de ser absoluta, não bastando a maior ou menor dificuldade em intentar a acção (Ac. da R. de Lisboa de 23/5/1978, C.J., 1978, 3º, 953).
Ora, lendo a petição inicial da ora agravante, em lugar algum se alega a descrita impossibilidade jurídica ou prática de a acção poder ser intentada nos tribunais do Brasil. Somente em sede de alegação recursiva vem a agravante dizer não ter condições para iniciar no Brasil a defesa dos seus interesses. Mas não se entende muito bem em que se traduz essa falta de condições. Se é falta de condições materiais, o que é contrariado pela própria alegação quanto ao acervo dos bens do casal objecto do arrolamento, ou se é falta de vontade e por lhe ser mais conveniente recorrer aos tribunais portugueses.
De resto, os recursos são, como é sabido, meios de obter a reforma das decisões dos tribunais inferiores e não vias jurisdicionais para alcançar decisões novas, como resulta, entre outros, do disposto nos artºs 676º, n.º 1, 680º, n.º 1, e 690º, todos do C. de Proc. Civil (v., por todos, neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 4/10/95, B.M.J. n.º 450º, 492).
É de concluir, pois, que não está preenchida, no caso presente, a hipótese da al. d) do citado artº 65º, pelo que o Tribunal “a quo” não tem competência internacional para ordenar o requerido arrolamento de bens sitos no Brasil.
Foi neste sentido o Ac. da R. de Lisboa de 01/02/1983 (sumariado no B.M.J. nº 331, 595), segundo o qual “conjugando os artºs 65º, nº 1, al. a), e 77º, nº 2, alínea a), ambos do Código de processo Civil, é de concluir que só em relação aos bens situados em Portugal, o Tribunal português tem competência internacional para a sua partilha e, consequentemente, para o seu arrolamento”.
O despacho recorrido, ao declarar-se internacionalmente incompetente para ordenar o arrolamento de bens sitos no Brasil, não merece censura alguma, sendo certo que o Tribunal “a quo” conheceu desta questão e de outras não tinha de conhecer, pelo que não enferma o mesmo de nenhuma nulidade, designadamente a da al. d) do nº 1 do artº 668º do C. de Proc. Civil.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação da agravante, pelo que o despacho recorrido tem de se manter.
...............

DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao agravo e, em consequência, mantém-se o despacho recorrido.
Custas pela agravante.

Porto, 17 de Outubro de 2006
Emídio José da Costa
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso