Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0520778
Nº Convencional: JTRP00037764
Relator: CÂNDIDO DE LEMOS
Descritores: LETRA
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
Nº do Documento: RP200503010520778
Data do Acordão: 03/01/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: A letra de câmbio prescrita não constitui título executivo como documento particular contra os avalistas da mesma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

No -.ºJuízo do Tribunal Judicial de....., B....., com os sinais dos autos, move os presentes embargos de executado à execução par pagamento de quantia certa que a si move C....., L.da, pedindo que a execução seja declarada extinta por prescrição das letras dadas à execução ou, se assim se não entender, ser declarada a ilegalidade dos títulos por terem sido anulados em devido tempo, sempre com condenação da exequente como litigante de má fé.
Recebidos estes, contesta a exequente, defendendo que as letras prescritas continuam a ser título executivo como documentos particulares, sendo que as letras continuam por pagar, devolvendo o pedido de condenação de litigância de má fé.
Seguiu-se decisão que julgou procedente a excepção de prescrição, absolvendo a executada do pedido exequendo, extinguindo-se a execução.
Inconformada a exequente/embargada apresenta este recurso de apelação e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1.ª- Como emerge do art. 458° do CC, se alguém, por declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, mesmo que não indique a respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presumirá até prova em contrário.
2.ª- Refere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, p. 442, a propósito de tal normativo, que estamos perante uma presunção de causa e de inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental.
3.ª- Vaz Serra sustenta que "a promessa ou reconhecimento de dívida podem não mencionar a relação fundamental, cabendo ao réu a prova dela ou da sua falta ou dos seus vícios, se quiser tirar daí as consequências que comportam".
4.ª- Ora, se uma declaração envolvida num qualquer outro documento representa para quem a subscreve uma fonte de obrigação, nos termos do art. 458° CC, não detectamos qualquer diferença substancial relativamente a um título de crédito que, fora do regime especifico das obrigações cambiarias, não deixa de expressar, de modo semelhante, o mesmo efeito confessório ou recognitivo.
5.ª- Portanto, cremos que se não impõe que o exequente, ora agravante, indique a causa debendi, desde que transpareça do documento executivo o reconhecimento de uma dívida que a lei substantiva presuma, nos termos do referido art. 458° CC
6.ª- No mesmo sentido, refere A. Geraldes, Títulos Executivos, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, n.° 7, 2003: - "Atento o regime prescrito pelo art. 458° do CC e a conexão existente entre o ónus da alegação e o ónus da prova, não se vislumbra fundamento para impor ao credor o ónus de alegarão/invocação da causa da divida reconhecida, porquanto só faz sentido impor o ónus da alegação àquele sobre quem recai simultaneamente o ónus da prova".
7.ª- Atendendo a que a lei, face a uma promessa de cumprimento ou a uma declaração de reconhecimento de dívida, presume a existência da respectiva causa, o credor está exonerado do respectivo ónus da prova (art. 344°, n.º 1 do CC) e, assim, não faz qualquer sentido impor-lhe o ónus de alegação, totalmente despiciendo no contexto processual.
8.ª- Em face do exposto, entendemos que não obstante a prescrição da obrigação cambiária, as letras juntas aos autos configuram um título executivo integrado por um documento particular que integra uma confissão de dívida, a qual faz presumir a existência de uma causa para a obrigação de pagamento da quantia nela inscrita, pelo que, consequentemente, está o credor desonerado da alegação da causa subjacente à emissão do título.
9.ª- Assim, transparecendo do documento executivo o reconhecimento de uma dívida que a lei substantiva presuma, nos termos do art. 458° CC, não se impõe que o exequente indique a causa debendi, subjacente à decisão recorrida.
10.ª - No sentido do acabado de expor, vide Acórdão da Relação do Porto, de 08.07.2004, proferido no âmbito do Proc. n.º 0433578, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf.
11.ª- A decisão recorrida, ao decidir em sentido contrário ao acabado de expor, violou claramente o disposto no art. 46.º, c) do CPC e 458.º do CC.
Pugna pela revogação da decisão, julgando-se improcedente a excepção.
Contra-alega a embargante/executada em defesa do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Da instância vêm dados como provados os seguintes factos:
- B..... avalizou três letras no valor de 3.000.000$00 cada, com vencimento em 12/9/1999, 12/10/1999 e 12/11/1999, respectivamente.
- Nestas consta como sacador C....., L.da e aceitante D....., L.da.
- No local destinado ao “valor”, em cada uma daquelas letras foi inscrito “transacção comercial”;
- A acção executiva de que esta é apensa, entrou em Juízo em 24/5/2004.
Sendo estes os factos tidos como assentes, cumpre conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684.º n.º3 e 690.ºn.º1 do CPC).
A única questão a decidir é a de saber-se se prescrita a acção cambiária, a letra continua a ser título executivo, agora como documento particular que importe constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.
O problema surge com a reforma do Código de Processo Civil de 95/96 que introduziu alterações ao art. 46.º do Código, criando a alínea c), atinente a documentos particulares, na tentativa de acelerar o processo executivo, o que não se verificou, sendo que depois surge a reforma do DL n.º 38/2003 de 8 de Março, com os resultados que todos conhecem.
Sobretudo no que diz respeito a títulos de crédito (letras e cheques) a solução até hoje não tem sido uniforme, tanto na doutrina como na jurisprudência.
Este colectivo já tem sido chamado a pronunciar-se sobre esta questão, tendo sempre entendido que a letra prescrita não é título executivo contra o aceitante, muito menos o sendo contra o “avalista”.
Aqui se repete o que se escreveu quanto a “cheques” no processo 807/2002- 2.ª Secção:
“Na questão da execução de cheques prescritos degladiam-se, pois, duas posições antagónicas:
- Há quem entenda que a redacção actual da alínea c) do art. 46.ºdo CPC abrange tais cheques, entendendo-se que estes são documentos particulares assinados pelo devedor, que importam a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pecuniária. Esta posição é defendida no Acórdão da Rel. de Coimbra de 3/12/98 in CJ, Ano XXIII, T 5, pg. 33, que cita o da Rel. de Lisboa de 18/12/97, igualmente publicado na CJ Ano XXII, T 5, pg. 129.
- Outros entendem que a reforma de 1995 não alterou a qualidade de título executivo que vinha sendo atribuída pela LUCH ao cheque, sendo este título executivo nos estritos termos desta lei; o cheque prescrito não é título executivo. Esta é a posição dos signatários, designadamente nos Acórdãos de 2/6/98- proc. 484/98 da 2ª Sec. e de 2/3/99- proc. 94/99 da mesma Secção. A mesma posição foi recentemente defendida com maior brilho no Acórdão de 4/5/99 do STJ, este publicado na CJSTJ, no VII, T II, pg.82.
Entendemos, pois, que o cheque em si mesmo não constitui “constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias”. Por definição é um título de crédito literal, autónomo e completo, representativo de numerário e de que se lança mão para fazer um pagamento imediato. Quem deve pagar é o Banco (sacado), sendo a ordem dada pelo sacador; o pagamento faz-se com fundos de uma conta bancária previamente municiada.”
Ora prescrita a obrigação cambiária, certo é que a letra perdeu todas as suas características, só podendo pensar-se em executar a obrigação subjacente. Como “letra” é que ela não vale mais.
Então, como encaixar um “aval” numa qualquer dívida de fornecimento de material?
O aval é definido no art.30.º da LULL como garantia por terceiro do pagamento da letra. A maior parte das vezes nada tem com a relação subjacente, sendo acto de mero favor.
A posição defendida na sentença coincide com a que temos vindo a defender, na certeza de que este entendimento não é uniforme.
Não se aceita, pois, o decidido no Acórdão desta Relação de 8/8/2004, no processo 3578/2004 da 3.ª Secção, pois que a assinatura aposta numa letra, só por esse facto, não significa necessariamente “a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias”. Por variadas razões se pode assinar uma letra, por exemplo letras de favor ou até de garantia de outras obrigações.
Temos como acertada a decisão constante dos autos, improcedendo as conclusões da apelante.

DECISÃO:
Nestes termos se decide julgar inteiramente improcedente a apelação.
Custas pela apelante.
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PORTO, 01 Março de 2005
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Armindo Costa
Alberto de Jesus Sobrinho