Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0830821
Nº Convencional: JTRP00041154
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: EXECUÇÃO
ALIMENTOS
Nº do Documento: RP200802280830821
Data do Acordão: 02/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 750 - FLS. 42.
Área Temática: .
Sumário: I – A fixação de uma pensão de alimentos a um menor não é apenas um juízo imóvel de verificação de receitas e despesas, mas antes uma valoração do trém de vida do obrigado, analisando mesmo as despesas que realiza em função da obrigatoriedade de garantir a subsistência de uma criança.
II – Se alguém, voluntariamente e no conhecimento de estar obrigado a prestar alimentos a um menor, quando estes ainda não estão fixados, assume a obrigação de prestar alimentos a sua mulher, em determinado montante, por acordo de ambos, tal não pode significar que, na fixação de alimentos ao menor e sob invocação da previsão referencial constante do art. 824º, nº2, do CPC, possa argumentar que tem essa despesa fixa de alimentos a outrém e que, como tal, ela significa uma indisponibilidade de prestar no confronto com as suas receitas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto


Relatório
No Tribunal Judicial de Armamar, B………………., residente em ……….., ………., Armamar, requereu contra C……………, residente em ………., freguesia de ………., Peso da Régua, Regulação do Exercício do Poder Paternal, do menor D……………., filho de ambos e nascido no dia 10/05/2004.
Realizou-se a conferência a que alude o art. 175º da Organização Tutelar de Menores.
O IRS elaborou inquérito e juntou relatório acerca das condições de vidas dos pais do menor.
O requerido alegou nos termos constantes de fls. 21, dizendo, em suma, não dispor de qualquer disponibilidade financeira para suportar qualquer prestação de alimentos.
Procedeu-se a julgamento sem que na audiência tenha produzido qualquer outra prova e veio a ser proferida sentença que decidiu decide regular o exercício do poder paternal respeitante ao menor D…………. nos seguintes termos:
“a) O menor fica confiado à guarda e cuidados da mãe, a quem incumbirá o exercício do poder paternal;
b)O pai poderá visitar o menor sempre que o queira, salvaguardando o seu direito ao descanso e privacidade, avisando a mãe com a antecedência de 48 horas;
c)O pai contribuirá mensalmente, a título de alimentos - a entregar à mãe do menor, por qualquer meio, até ao dia 8 de cada mês -, com a quantia de € 90 (noventa euros), devendo esta quantia ser actualizada em Janeiro de cada ano de acordo com os índices de preço no consumidor, excluindo a habitação, fornecidos pelo INE, com início em Janeiro de 2008.”.
Inconformado com esta decisão o requerido interpôs dela o presente recurso concluindo que:
- Por sentença de 25 de Setembro de 2007, determinou a a Juiz " a quo" condenar o recorrente no valor de 90,00 € mensais, a título de prestação de alimentos ao seu filho menor D……………..
- O Recorrente não aufere quaisquer outros rendimentos para além do valor da retribuição, enquanto motorista na E……………, no montante líquido mensal de € 446,83 (€ 510,66 ilíquidos);
- Recebe, assim, o Recorrente exclusivamente o montante mensal líquido total de E 446,83 para o seu sustento;
- O Recorrente, desde a separação judicial da sua ex-mulher encontra-se a viver em condições precárias num anexo à sua anterior casa de habitação, propriedade de familiares;
- Conforme decorre do Relatório Social, a fls. 36 e segs daqueles autos, o Recorrente tem como despesas fixas mensais para além das inerentes a qualquer ser--humano adulto: alimentação, vestuário e saúde;
- Para além do que, a título de despesa fixa, comporta ainda o valor total de 280,00 € a título de prestação alimentícia à sua ex-mulher e à sua filha, actualmente a tirar a licenciatura de professora do ensino básico;
- Cumprindo-se a sentença recorrida ficaria o Recorrente com o valor de € 76,83 mensais para (sobre)viver!;
- O valor do salário mínimo nacional para o ano de 2007 é de € 403,00 (DL 2/2007);
- Constata-se que vencimento do Recorrente é muito próximo do salário mínimo nacional e que o mesmo fica com uma quantia muito inferior ao salário mínimo, mesmo sem as deduções que a sentença de que se recorre determina;
- Por outro lado e salvo melhor opinião, dever-se-á entender que as deduções terão que atender não a um vencimento ilíquido, um valor sobre o qual o Recorrente não recebe ou dispõe de facto, mas a um valor liquido de impostos e outras deduções legais – vide Ac. da RP de 25/10/1994, in BMJ, pág. 546;
- Também os rendimentos do Recorrente serão manifestamente insuficientes, se se seguir o sentido da jurisprudência mais recente na medida em que esta entende que o escopo de referência a tomar em linha de conta como "capaz" de assegurar a auto-sobrevivência do indivíduo corresponde ao valor do rendimento social de inserção (v. Art. 10.°, 1 e 2 al. a) da Lei n.° 13/2003, de 21 de Maio), cujo valor equivalerá no caso ao valor da pensão social que para o ano de 2007 se fixou em 193,43 €.
- A sentença recorrida viola o princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto corolário do princípio do Estado de Direito;
- Não se diga que se trata do cumprimento de prestação de alimentos para assegurar o bem-estar do menor, D……………., que não está, nem nunca esteve e causa;
- Mas da própria sobrevivência do Recorrente e a sua dignidade humana que estão postas em causa;
- Ao condenar o Recorrente no pagamento da quntia de 90,00 €/ mês a título de prestação de alimentos ao seu filho menor, salvo o devido respeito, a Juiz a quo não fez a mais correcta interpretação e aplicação do Direito ao caso sub iuice, designadamente dos arts 189º nº 1, alínea c) da O.T.M. e 63.0, nºs 1 e 3 da C.R.P.
Conclui pedindo a revogação da sentença e que seja dispensado por um periodo razoável de cumprir a prestação alimentícia a que ficou adstrito ou, caso assim não se entenda, ser o valor de 90,00 € mensais substancialmente reduzido, por forma a garantir a sobrevivência do Recorre te em condições mínimas de dignidade e independência.
A recorrida não contra alegou.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
… …
Fundamentação
O Tribunal a quo considerou provado que:
a) D…………….., nasceu no dia 10/05/2004 e é filho da requerente e do requerido.
b) O estabelecimento da paternidade decorreu de acção de investigação da paternidade.
c) O menor sempre esteve ao cuidado da mãe, que é referenciada como uma mãe cuidadosa e interessada no projecto educativo do menor.
d) A requerente e o menor residem junto da família de origem da requerente e com o outro filho da requerente, numa casa com razoáveis condições de habitabilidade e conforto.
e) A requerente trabalha numa instituição de apoio à 3ª idade, em ………., cujo contrato termina brevemente, auferindo remuneração equivalente ao salário mínimo nacional.
f) A requerente recebe de abono de família a quantia mensal de € 30 (trinta euros) por cada filho.
g) Os pais da requerente são reformados auferindo cerca de € 500 (quinhentos euros).
h) A requerente paga a prestação mensal de € 165 (cento e sessenta e cinco euros) relativa à compra de um veículo automóvel.
i) O requerido nunca manteve qualquer contacto com o menor D………….., nem pretende fazê-lo no futuro.
j) A requerente pretende que o menor mantenha contacto com o pai, propondo um regime de visitas livre, para que este possa iniciar uma relação gradual com o filho.
k) O requerido é divorciado e reside num anexo da sua anterior residência, propriedade de familiares.
l) Trabalha como motorista contratado na E………….., auferindo cerca de € 446, 83 (quatrocentos e quarenta e seis euros e oitenta e três cêntimos).
m) Paga mensalmente pensão de alimentos à ex-mulher no valor de € 280 (duzentos e oitenta euros).
E considerou não provado que:
o) Que o requerido sofra de graves problemas prostáticos para cujo tratamento despende de € 60,00 (sessenta euros).
p) O demais alegado pelo requerido.
… …
Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada é a de saber se a não devia ter sido fixada qualquer quantia a título de pensão de alimentos por o recorrido não ter possibilidade de a prestar ou se, pelo menos, tal montante fixado na decisão recorrida deveria ser em menor quantia.
Está apenas em causa a parte da decisão de regulação do poder paternal que ficou os alimentos e, a este propósito, tudo o que se afirmou na decisão em recurso foi que “A obrigação de alimentos compreende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor (art. 2003º do CC).
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 1874º, 1878º, nº 1 e 1885º, do mesmo diploma, o progenitor que não ficar com a guarda não está desobrigado de prestar alimentos ao menor, sendo de ponderar, para o efeito da fixação do montante mensal as possibilidades do alimentado prover à sua subsistência, a necessidade que o mesmo tenha de recebê-los e ainda aos meios de quem tenha que os prestar (art. 2004º do CC).
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/10/2004 (proc. nº 2265/04, acessível em www.dgsi.pt/jtrc) «Na fixação dessa prestação alimentícia deve ponderar-se o binómio: possibilidades do devedor e necessidades do credor (menor), devendo aquelas possibilidades e estas necessidades serem actuais.».
Atendendo à factualidade apurada, decide-se fixar o valor da prestação mensal devida a título de alimentos em € 90 (noventa euros), que se considera ser o mínimo indispensável, a entregar pelo pai até ao dia 8 e por qualquer forma à mãe do menor (cheque, dinheiro, vale postal, transferência bancária), como contribuição para o seu sustento.”.
Nisto se resumiu toda a apreciação da matéria de facto nos enfoques normativos referentes, em concreto, às necessidades daquele menor e às possibilidades daquele progenitor.
Num mero juízo aritmético conclui-se que o recorrente tem como receitas mensais 446, 83 € e que, para lá de com essa quantia ter de prover às suas necessidades de alimentação e vestuário, paga 280,00 € mensais de pensão de alimentos à mulher, ou seja, dispõe mensalmente de 186,30 € para satisfazer as suas necessidades de alimentação e vestuário.
Como se sabe, foi na sequência de o Plenário do Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 177/2002, de 2 de Julho de 2002 (DR de 02/07/2002), ter fixado jurisprudência no sentido de que a penhora de um terço sobre pensões ou outras regalias sociais, de valor inferior ao salário mínimo nacional (ou sobre o próprio salário mínimo), é inconstitucional, por ferir o princípio da dignidade humana plasmado nas disposições conjugadas nos artigos 1º, 59º, nº 2, al. a) e 63º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, que o legislador veio a alterar o artº 824º, do CPC.
Com efeito, o nº 2 do mencionado artº 824º, foi alterado pelo DL nº 38/2003, de 08/03/2003, no sentido de que “a impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional”.
O crédito de alimentos está, pois, excluído da impenhorabilidade relativa ao referido limite mínimo, mas a questão de existir conflito interesses da mesma natureza: o dos filhos, credores de alimentos, e o do dignidade humana do pai, devedor desses alimentos, ambos com necessidades vitais a satisfazer, determinou que de novo o Tribunal Constitucional tenha vindo a pronunciar-se sobre a questão.
Assim, no seu acórdão nº 306/2005, analisando a jurisprudência daquele tribunal relativamente a impenhorabilidade do rendimento que não ultrapasse o salário mínimo nacional, ao discutir, a extensão da “penhorabilidade” da pensão/salário do progenitor para satisfação da obrigação de alimentos ao filho menor, defendeu que “não bastará, porque não seria adequado à repartição dos “custos do conflito” tal como ele, no plano constitucionalmente relevante, se apresenta perante a norma em apreciação, proceder à simples transposição da ponderação que foi feita e sumariamente se expôs quando estava em causa a satisfação de uma dívida indiferenciada. E não é adequado porque o elemento constitucional que aí foi decisivo (o princípio da dignidade da pessoa humana) não pode aqui ser lançado a um só prato da balança, uma vez que a insatisfação do direito a alimentos atinge directamente as condições de vida do alimentando e, ao menos no caso das crianças, comporta o risco de pôr em causa, sem que o titular possa autonomamente procurar remédio, se não o próprio direito à vida, pelo menos o direito a uma vida digna.”.
E acrescenta essa acórdão que “O dever de alimentos a cargo dos progenitores, um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores, não pode reduzir-se a uma mera obrigação pecuniária, quando se trata de ponderação de constitucionalidade dos meios ordenados a tornar efectivo o seu cumprimento. Ainda que se conceba o vínculo de alimentos como estruturalmente obrigacional, a natureza familiar (a sua génese e a sua função no âmbito da relação de família) marca o seu regime em múltiplos aspectos (v.gr. tornando o direito correspondente indisponível, intransmissível, impenhorável e imprescritível – cf. maxime o artigo 2008.º do Código Civil).
Mesmo quando já tenha sido objecto de acertamento judicial, isto é, quando corporizado, para o pai que não tem a guarda, numa condenação a uma prestação pecuniária de montante e data de vencimento determinados, do lado do progenitor inadimplente não está somente em causa satisfazer uma dívida, mas cumprir um dever que surge constitucionalmente autonomizado como dever fundamental e de cujo feixe de relações a prestação de alimentos é o elemento primordial. É o que directamente resulta de no n.º 5 do artigo 36.º da Constituição se dispor que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Os beneficiários imediatos deste dever fundamental são justamente os filhos, tratando-se de um daqueles raros casos em que a Constituição impõe aos cidadãos uma vinculação qualificável como dever fundamental cujo beneficiário imediato é outro indivíduo (e não imediatamente a comunidade). Assim, tal prestação é integrante de um dever privilegiado que, embora pudesse ser deduzido de outros lugares da Constituição [v.gr. do reconhecimento da família como elemento fundamental da sociedade (artigo 67.º) e da protecção da infância contra todas as formas de abandono (artigo 69.º)], está aqui expressamente consagrado, como correlativo do direito fundamental dos filhos à manutenção por parte dos pais.
Não é, portanto, pela perspectiva da garantia contida no artigo 62.º da Constituição, aplicável aos direitos de crédito, que a posição do filho, credor da prestação de alimentos, deve ser observada no momento da compatibilização prática com a salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa do progenitor afectado pela dedução no seu rendimento periódico para realização coactiva do direito daquele.
Por isso se entende que o critério de comparação com o salário mínimo nacional não é o adequado para determinar a “proibição constitucional de penhora” nesta situação em que (na medida inversa da protecção ao devedor) também o princípio da dignidade da pessoa do filho pode ser posto em causa pelo incumprimento, por parte do progenitor, de uma obrigação integrante de um dever fundamental para com aquele. Não é critério que neste domínio possa ser eleito, como regra geral, pelas consequências incomportáveis no plano social e pelo significativo esvaziamento do conteúdo do direito-dever consagrado no n.º 5 do artigo 36.º da Constituição que implicaria.
Deste modo, o critério de determinação da parcela do rendimento do progenitor que não pode ser afectado ao pagamento coactivo da prestação de alimentos devidos ao filho não pode alcançar-se por equiparação ao montante do salário mínimo nacional, montante este que pode servir de referencial quando os “custos do conflito” se hão-de repartir, em sede constitucional, entre a preservação de um nível de subsistência condigna do devedor e a garantia do credor à satisfação do seu crédito, tutelada pelo artigo 62.º, n.º 1 da Constituição, mas não quando entram em colisão o dever e o direito correlativo de manutenção dos filhos pelos progenitores, situação em que, de qualquer dos lados, fica em crise o princípio da dignidade da pessoa humana, vector axiológico estrutural da própria Constituição. De um modo ainda aproximativo, pode reter-se a ideia geral de que, até que as necessidades básicas das crianças sejam satisfeitas, os pais não devem reter mais rendimento do que o requerido para providenciar às suas necessidades de auto-sobrevivência.”.
Deslocando a questão da impenhorabilidade para o momento anterior, da própria fixação dos alimentos a um menor, estas observações contidas no acórdão têm sentido no que se projecta quanto à avaliação da “garantia do direito a uma sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência”, embora se advirta desde já que são questões diferentes as de saber quais as possibilidades do progenitor apreciadas em acção de fixação de alimentos e qual o montante que de uma pensão de sobrevivência ou de um salário se pode retirar, como prestação regular, continuada e “visível” que são.
O Tribunal Constitucional acabou por firmar o entendimento de que, quando esteja em causa a realização coactiva da prestação alimentar em que o progenitor tenha sido condenado para com filho menor, se deve atender como valor de referência necessário a assegurar a auto-sobrevivência do devedor o “valor do rendimento social de inserção, que no subsistema de solidariedade social se assume como o mínimo dos mínimos compatível com a dignidade da pessoa humana”.
Cremos no entanto que a questão da “garantia do direito a uma sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência”, se coloca também como preocupação no momento da fixação de alimentos mas tendo por enquadramento todas as disponibilidades do obrigado e não só as suas pensões ou salários, com o sentido de que o mínimo de sobrevivência que se pretende garantir envolve um juízo não apenas aritmético mas valorativo porquanto a existência de um salário não diz, ou pode não dizer tudo, sobre a situação económica de uma pessoa.
Com referência à matéria que ficou provada o recorrido nunca manteve qualquer contacto com o menor nem pretende fazê-lo no futuro tendo o estabelecimento da paternidade sido feito por acção judicial.
Por outro lado, a cronologia dos factos revela que o menor nasceu em 10 de Maio de 2004 e que em Novembro de 2004 foi proferida decisão no processo de separação de pessoas e bens por mutuo consentimento, através do qual se produziu a separação do ora recorrido da sua mulher tendo aquele ficado a residir num anexo da sua anterior residência, propriedade de familiares seus e tendo acordado com a sua mulher a prestação a esta de uma pensão de alimentos de 280,00 €.
Resulta dos documentos (autênticos) juntos aos autos que da relação de bens do casal formado pelo recorrido e sua mulher faziam parte três imóveis, dois urbanos e um rústico, dois automóveis e, como passivo, três empréstimos bancários. E embora o recorrido tenha afirmado que houve partilhas nas quais a sua mulher ficou com todos os bens e assumiu o passivo tendo ele recebido tornas que já gastou na sua sobrevivência, tal matéria não ficou provada.
Ainda com recurso aos relatórios sociais elaborados obtém-se a informação de que no meio de residência a comunidade ainda não se apercebeu que o casal está divorciado, alegadamente, porque a família mantém as aparências para não prejudicar a estabilidade emocional da filha que estava (em Maio de 2007) a concluir o curso de professora do ensino básico.
O quadro revelado, em termos comportamentais, sem que permita conclusões muito assertivas, revela no entanto de forma segura o enorme incómodo que constitui para o recorrido o nascimento do filho e a sua resistência a ter com ele qualquer contacto e, bem assim, a pretender contribuir, mesmo que economicamente para o sustento deste, considerando o nascimento da criança, literalmente, “um estorvo”.
Ganha assim alguma importância a verificação que esse nascimento possa ter produzido alterações na vida do casal formado pelo recorrido e sua mulher, nomeadamente com uma separação judicial de pessoas e bens (e não divórcio de acordo com a certidão junta aos autos) mas mantendo o requerido uma proximidade tão grande da mulher que a sua comunidade de residência não se apercebeu sequer da separação.
E de pouco vale a justificação de que as aparências são mantidas para não prejudicar a estabilidade da filha do casal pois que esta é uma pessoa adulta que terminava em Maio de 2007 o seu curso de professora do ensino básico e segundo as regras de experiência comum num tempo de modernidade comportamental não é de todo crível que a filha não seja pessoa apta a enfrentar essas vicissitudes, tanto mais que os seus estudos na área da educação lhe permitiriam uma maior compreensão dos comportamentos dos quais se diz que se pretendia preservada.
Na sua valoração económica, cremos assim que mesmo sem entrar na análise do rendimento social de inserção, o com texto referido não permite concluir que o recorrido seja alguém que se encontre no limite mínimo da dignidade e sobrevivência bastando para isso pensar que os seus rendimentos, até Novembro de 2004, data da sua separação judicial, e no reconhecimento de que a mulher não tinha rendimentos, como ele próprio afirma nas suas alegações (vd. fls. 22) permitiam ao casal ter dois carros, os imóveis, manter as despesas com os estudos da filha e garantir as amortizações dos empréstimos bancários, numa conclusão evidente de que a simples informação de que o recorrido aufere 446,83 € não era, até Novembro de 2004 reveladora de toda a economia do recorrido.
Aliás, se o mesmo acorda na fixação de uma pensão de alimentos à mulher no valor de 280,00 € (e não à filha) e mesmo que tenha de tomar-se essa informação como uma realidade afastando qualquer tentação de a considerar uma rábula destinada a evitar o pagamento de uma pensão de alimentos ao menor, na data em que foi fixada essa pensão de alimentos já o recorrente tinha conhecimento das suas obrigações de pai de uma criança recém nascida e já este conhecimento o deveria ter aconselhado a pensar, quando realizou o acordo com a mulher, que teria de pagar uma pensão ao menor.
Ora, se o não fez numa manifestação de pretender afectar o seu património de forma a evitar o pagamento daquela outra pensão que já se adivinhava, é a ele que cabe o esforço de tentar equilibrar as suas obrigações nomeadamente com o pedido de redução da pensão de alimentos que paga a um adulto para que pague aquela que seja fixada a um menor, e isto sem esquecer que o mesmo referiu que desses 280,00 € que paga à mulher é que saía o sustento da filha maior, a qual se em Maio de 2007 terminava o seu curso já o deve entretanto ter concluído por ter terminado o ano lectivo.
O que acabamos de expor não é uma engenharia de suposições porque a fixação de uma pensão de alimentos a um menor não é apenas um juízo imóvel de verificação de receitas e despesas, mas antes uma valoração do trem de vida do obrigado, analisando mesmo as despesas que realiza em função da obrigatoriedade de garantir a subsistência de uma criança.
Veja-se assim que nem todas as despesas que alguém obrigado à prestação de alimentos a um menor realiza se encontram justificadas pelo simples facto de serem despesas, ou seja, se alguém voluntariamente e no conhecimento de estar obrigado a prestar alimentos a um menor, quando estes ainda não estão fixados, assume a obrigação de prestar alimentos a sua mulher, em determinado montante por acordo de ambos, tal não pode significar que na fixação de alimentos ao menor possa argumentar que tem essa despesa fixa de alimentos a outrem e que, como tal, ela significa uma indisponibilidade de prestar no confronto com as suas receitas.
Tal significaria que por vontade do requerido, e na aceitação total de ser de todo verdadeira a prestação à mulher, este poderia colocar-se na posição de evitar pagar alimentos ao menor bastando para isso que “transferisse” a totalidade sua disponibilidade para a sua mulher sem intervenção de qualquer juízo judicial de necessidade e possibilidade de alimentos.
Assim, cremos que no caso vertente e embora a aritmética das despesas e receitas apreciadas nos autos nos coloque num resultado em que a disponibilidade remanescente se encontre dentro do montante do rendimento social de inserção, entendemos que a análise das possibilidades do recorrente não devem ater-se apenas a essa dinâmica financeira mas sim a todos os elementos apontados e, assim, entende-se que o requerido tem possibilidade de pagar alimentos e que essa possibilidade, no confronto com as necessidades do menor deve corresponder a uma pensão de 75 € (quantia que corresponde aliás ao montante que a requerente recebe pelo seu outro filho).
… …
Decisão
Pelo exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente a Apelação e, em consequência altera-se a decisão recorrida apenas na parte da fixação de alimentos e condena-se o recorrente a contribuir mensalmente, a título de alimentos - a entregar à mãe do menor, por qualquer meio, até ao dia 8 de cada mês -, com a quantia de € 75 (setenta e cinco euros), devendo esta quantia ser actualizada em Janeiro de cada ano de acordo com os índices de preço no consumidor, excluindo a habitação, fornecidos pelo INE, com início em Janeiro de 2008.
Custas pelo recorrente e recorrida na proporção dos respectivos decaimentos.

Porto, 28 de Fevereiro de 2008
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão