Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0644955
Nº Convencional: JTRP00039958
Relator: CUSTÓDIO SILVA
Descritores: APREENSÃO
PRAZO
PROVA PERICIAL
INVALIDADE
Nº do Documento: RP200701170644955
Data do Acordão: 01/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 245 - FLS 95.
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de 72 horas referido no nº 5 do artº 178º do CPP98 não é o prazo para a validação das apreensões, mas antes o prazo para apresentação das apreensões à autoridade, com vista à sua validação.
II - Sendo a prova pericial inválida, por inobservância das regras que a disciplinam, a única consequência é a de o juízo técnico não se presumir subtraído à livre apreciação do julgados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão elaborado no processo n.º 4955/06 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)
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1. Relatório
Do despacho (de pronúncia) de 18 de Maio de 2006 consta o seguinte:
“Inconformado, veio o arguido B………. requerer a abertura de instrução, sustentando inexistirem elementos que permitissem atribuir-lhe responsabilidade criminal nos termos pretendidos pelo Ministério Público na acusação deduzida.
Assim, veio arguir a invalidade das apreensões efectuadas, uma vez que não haviam sido validadas no prazo de 72 horas prescrito pelo art. 178º do Código de Processo Penal, verificando-se, por conseguinte, uma nulidade, sendo certo que mesmo que não se tratasse de nulidade, estaríamos perante irregularidade tempestivamente arguida; de tal invalidade decorreria a invalidade dos actos praticados por dependência das apreensões, designadamente, as perícias efectuadas.
Mais veio o arguido arguir a invalidade da perícia propriamente dita, com fundamento em que não estariam reunidos os requisitos legais impostos.
Assim, o perito que efectuou a perícia não havia sido nomeado, o despacho que determinou a realização de tal meio de prova não fora notificado ao arguido, situação que não se integrava em nenhuma das descritas no art. 154º, n.º 3, do Código de Processo Penal, verificando-se, por conseguinte, nulidade da prova pericial, ou, pelo menos, irregularidade, expressamente invocada.
Quanto à arguida não validação das apreensões dentro do prazo legal.
Tal afirmação e constatação não têm a virtualidade de integrar qualquer nulidade, pois a mesma obedece ao princípio da legalidade, conforme estabelecido no art. 118º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não sendo tal acto cominado expressamente na lei como nulo (cfr. os arts. 119º, 120º e 126º, todos do Código de Processo Penal).
Em conformidade com o exposto, nos termos do art. 118º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o mesmo havia de ser considerado meramente como irregular, irregularidade que devia ter sido arguida dentro do prazo de três dias, a contar dos termos em que o requerente tivesse sido interveniente processual (cfr. o art. 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o que não foi o caso.
Efectivamente, conforme teor de fls. 22, 25 e 35, o arguido requerente foi notificado em 16-06-2004 do despacho que determinou a validação das apreensões e apenas em 16-11-2004 (cfr. fls. 114), muito para além do prazo de três dias, portanto, veio a invocar a invalidade.
Acresce que o mesmo requerente, em 14-07-2004, foi formalmente constituído arguido e interrogado, tendo sido assistido por mandatário constituído, e foi-lhe dado expresso conhecimento das apreensões efectuadas – vide fls. 65 verso do apenso, onde se fala em ‘máquinas apreendidas’ -, nada tendo requerido, também, nos três dias subsequentes.
Em conformidade com o exposto, importa dar como não validamente (porque não tempestivamente) arguida tal invalidade/irregularidade.
Quanto à não observância dos requisitos de que depende a produção de prova pericial:
No que foi invocado e que se encontrava dependente da invalidade das apreensões, resulta prejudicado o sustentado, já que aquela premissa não resultou procedente.
No que respeita ao mais invocado e descrito supra no nosso relatório:
Em conformidade com o supra exposto e ao abrigo dos normativos legais citados, qualquer invalidade das sustentadas pelo arguido requerente nesta matéria não integra qualquer nulidade, mas mera irregularidade.
Ora, por referência ao arguido requerente, verifica-se que a perícia foi ordenada por despacho datado de 15-05-2004 (cfr. fls. 22) e o requerente apenas assumiu a qualidade de sujeito processual (arguido), conforme já referido, em data posterior: 14-07-2004 (cfr. fls. 63 do apenso), pelo que não havia que dar cumprimento, quanto ao requerente, ao disposto no art. 154º do Código de Processo Penal.
Não obstante, mesmo que assim não se entendesse e se concluísse pelo não cumprimento de tais formalidades (ou de qualquer outra), a verdade é que uma eventual irregularidade da perícia ordenada pelo Ministério Público na fase de inquérito não afectaria a validade da acusação posteriormente deduzida, conforme entendimento preconizado pelo ac. da RP, de 30-03-2005, in www.dgsi.pt/jtrp, designadamente ponderando a possibilidade de qualquer dos arguidos vir pedir esclarecimentos ou efectuar aditamentos à perícia realizada por via de diligências instrutórias, o que não efectuaram apenas porque não quiseram, até ao momento, pelo que sempre se teria de concluir, também, pela improcedência do sustentado.
Improcedem, pois, as demais arguidas invalidades, sendo de consignar que, ainda que assim não fosse, importaria ponderar a prova pericial produzida a título de prova documental”.
O arguido B………. veio interpor recurso, tendo terminado a motivação pela formulação das seguintes conclusões:
“1ª - O recorrente pretende colocar em crise a decisão de fls. ..., que indeferiu a arguição da nulidade da validação extemporânea das apreensões efectuadas nos presentes autos e da nulidade da prova pericial efectuada nos presentes autos.
2ª - As apreensões efectuadas nos presentes autos não foram autorizadas nem ordenadas, pelo que tinham obrigatoriamente que ser validadas pela autoridade judiciária no prazo máximo de 72 horas (art. 178º/ 3 e 5 do CPP).
3ª - A apreensão das máquinas descritas a fls. ... ocorreu no dia 11 de Junho de 2004 e o despacho de validação dessa apreensão foi proferido pelo Ministério Público em 15 de Junho de 2004, portanto, 04 dias após a sua concretização (fls. 22).
4ª - A não validação das apreensões dentro do prazo legal gera uma verdadeira nulidade autónoma, relativa a ‘proibições de prova’ – art. 118º/3 CPP -, que não cai no crivo das nulidades previstas nos artigos 119º e 120º do CPP.
5ª - Não assiste, por isso, salvo o devido respeito, razão ao tribunal recorrido ao entender que a não validação dentro do prazo máximo previsto na lei não acarreta qualquer nulidade, mas uma mera irregularidade, que não foi arguida dentro do prazo legal.
6ª - Sem prescindir, ainda que se tratasse de uma mera irregularidade, sempre se diria que não podem colher os argumentos do tribunal recorrido quanto à preclusão do direito de a invocar.
7ª - O arguido foi efectivamente notificado – vide fls. 25 –, por carta datada de 15/06 de 2004 (não em 15/05 de 2004, como consta da decisão), de que as apreensões efectuadas nos presentes autos tinham sido validadas pela autoridade judiciária, só que, conforme se pode ler em tal notificação, as apreensões que foram validadas foram aquelas que foram realizadas no dia 13/06 de 2004 e não as realizadas no dia 11/06 de 2004.
8ª - O arguido nunca foi notificado da validação das apreensões realizadas no dia 11/06 de 2004 (únicas existentes nos presentes autos e aquelas cuja validade se discute).
9ª - A notificação impediu-o de invocar a dita irregularidade, uma vez que tudo apontava para uma validação regular.
10ª - A única certeza que poderia ter – e que neste momento se mostra falsa – era que a apreensão teria sido validada dentro do prazo legal (16 – 13 = 3; 3 x 24 horas = 72 horas).
11ª - Quando recepcionou tal notificação ainda não tinha sido constituído arguido, pelo que, processualmente, estava impedido de invocar qualquer nulidade/irregularidade, porquanto ainda não era, sequer, sujeito processual.
12ª - O arguido, durante o inquérito, não teve acesso ao processo, uma vez que o mesmo se encontrava em fase processual coberta pelo segredo de justiça, e, por isso, não podia adivinhar que validação era extemporânea.
13ª - Exigir ao arguido que vá adivinhando toda e qualquer nulidade/irregularidade possível, argui-las sem a menor certeza de existência é, na nossa modesta opinião, um ónus excessivo, e que, até pelo princípio da presunção de inocência, e da economia processual, não lhe devia caber.
14ª - Sendo declaradas nulas as apreensões de fls. ..., também têm que o ser todos os actos que dependem delas – art. 122º/1 CPP –, incluindo os relatórios periciais.
15ª - O despacho recorrido viola, entre outros, o art. 178º, n.º 5, do CPP, o art. 118º, n.º 3, do CPP, e o art. 32º, n.º 1 e n.º 8, da CRP.
16ª - O despacho que ordenou a perícia não foi notificado a qualquer dos arguidos e não consta desse despacho o nome do perito e a indicação sumária do objecto da perícia.
17ª - O relatório pericial encontra-se subscrito por um perito que nunca foi nomeado, carecendo, por isso, de legitimidade para o subscrever.
18ª - A prova pericial encontra-se ferida de nulidade insanável e não pode ser valorada enquanto tal.
19ª - A decisão recorrida viola, nesta parte, os artigos 154º, 125º, 118º/3, do CPP, e 32º/1/8 da CRP”.
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2. Fundamentação
O objecto do recurso é parametrizado pelas conclusões (resumo das razões do pedido) formuladas quando termina a motivação, isto em conformidade com o que dispõe o art. 412º, n.º 1, do C. de Processo Penal – v., ainda, o ac. do S. T. J., de 15 de Dezembro de 2004, in C. J., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 179, ano XII, t. III/2004, Agosto/Setembro/Outubro/Novembro/Dezembro, pág. 246.
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Há que, então, definir quais as questões que se colocam para apreciação e que são as seguintes:
1ª - A apreensão efectuada, a 11 de Junho de 2004, não se mostra validada nos termos do art. 178º, n.ºs 3 e 5, do C. de Processo Penal?
2ª - A perícia realizada não é válida, por não ter sido cumprido, no despacho que a ordenou, o disposto no art. 154º, n.º 1, do C. de Processo Penal?
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Eis os elementos (de facto) que, por relevantes, estão assentes:
No dia 11 de Junho de 2004, agentes fiscais do Sub-Destacamento Fiscal de Póvoa de Varzim do Destacamento Fiscal de Gaia, Grupo Fiscal de Porto da Brigada Fiscal da GNR, apreenderam três máquinas, um cartaz, diversas licenças e cópias de livretes e licenças e dinheiro.
No dia 14 de Junho de 2004, foi, por aquele órgão de polícia criminal, dado conhecimento a Ministério Público das mencionadas apreensões.
No dia 15 de Junho de 2004, foi elaborado o seguinte despacho:
“Nos termos do art. 178º, n.º 5, do C. de Processo Penal, valido a apreensão das máquinas de jogo, jogo, dinheiro e documentos realizados no dia 13/06/04.
Notifique o arguido C………. e o legal representante da sociedade D………., L.da, B………., id. a fls. 13.
Extraia certidão integral do processado e remeta ao Sub-Destacamento Fiscal de Póvoa de Varzim da GNR para a realização das necessárias diligências de inquérito, solicitando que relativamente ao exame pericial a realizar às duas máquinas de jogo e ao jogo constituído por cartaz e máquina extractora sejamos previamente informados da indicação de perito, a fim de o mesmo ser nomeado e ser dado cumprimento ao demais formalismo previsto no art. 154º do C. de Processo Penal”.
Aquela última notificação, expedida a 16 de Junho de 2004, foi feita por via postal registada e foi extraída e remetida a indicada certidão.
Do despacho que ordenou a perícia não foi o arguido (C……….) notificado.
A Inspecção-Geral de Jogos veio a ser solicitada indicação de perito para, após nomeação, levar a cabo aquele exame pericial.
A 23 de Março de 2005, foi feito o relatório da referido exame pericial, levado a cabo por inspectora (não nomeada por Ministério Público) de Inspecção-Geral de Jogos.
A acusação (contra B……….) foi deduzida a 28 de Outubro de 2005 (a 14 de Julho de 2004, foi D………., L.da, não aquele, constituída como arguida).
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Abordemos a primeira questão.
O art. 178º, n.º 5, do C. de Processo Penal, estabelece que «as apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de setenta e duas horas».
O arguido, na tese do recurso, como se viu, vem dizer, de forma manifesta, e em certos termos, que este prazo máximo está relacionado com a decisão de validação.
Mas será que assim deve ser?
Propendemos pela resposta negativa, isto é, e dito de outro modo, que aquele prazo máximo se relaciona com a sujeição das apreensões, por banda do órgão de polícia criminal, no prazo máximo de setenta e duas horas, à validação pela autoridade judiciária.
É que, a nosso ver (permita-se-nos a pergunta, sem necessidade de resposta, por a mesma se encontrar numa gramática moderna: mas qual o significado do sinal ortográfico vírgula? ...), é a que é imposta pela mera interpretação literal [que é o que se impõe, naturalmente, quando não é paradoxal; «o texto é o ponto de partida da interpretação; como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei; mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos; primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador; quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a, ou a sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis; e que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita; ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento» - João Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, 2000, pág. 182).
E as coisas são de tal maneira assim que, se esse fosse o sentido da norma, certamente que a lei não deixaria de ter uma outra redacção, qual seja a de que assentasse em que a validação pela autoridade judiciária das apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal devia ser proferida no prazo máximo de setenta e duas horas (um exemplo deste tipo de redacção, com a imposição de um prazo à autoridade judiciária, encontra-se no art. 141º, n.º 1, do C. de Processo Penal).
Depois, se atentarmos no que a lei estatui relativamente a outros meios de obtenção de prova (assim são porque possibilitam a obtenção dos meios de prova – v. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e actualizada, 2002, pág. 209), facilmente percebemos que não é esse o sentido ajustado, pois, quanto às revistas e buscas, o que se regula é o momento da comunicação em ordem à apreciação e validação por parte do juiz de instrução (arts. 174º, n.º 5, e 177º, n.º 2, do C. de Processo Penal), o mesmo se passando quanto às escutas telefónicas, com o auto da intercepção e gravação, juntamente com as fitas gravadas a serem levadas ao conhecimento do juiz para a pertinente ordem de transcrição e (ou) destruição (art. 188º, n.ºs 1 e 3, do C. de Processo Penal).
Neste sentido, de enquadramento, e em termos de conclusão, porque a apresentação da indicada apreensão, a Ministério Público, por parte do órgão de polícia criminal ocorreu dentro do prazo legalmente imposto e houve decisão de validação, temos que a mesma apreensão se mostra validada com obediência ao disposto no art. 178º, n.ºs 3 e 5, do C. de Processo Penal.
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Tratemos da segunda questão.
O art. 154º do C. de Processo Penal regula o despacho que ordena a perícia nos seguintes termos (ora úteis):
«1. A perícia é ordenada, oficiosamente, por despacho da autoridade judiciária, contendo o nome dos peritos e a indicação sumária do objecto da perícia, bem como, precedendo audição dos peritos, se possível, a indicação do dia, hora e local em que se efectivará.
2. O despacho é notificado ao arguido, com a antecedência mínima de três dias sobre a data indicada para a realização da perícia.
3. Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos:
a) Em que a perícia tiver lugar no decurso do inquérito e a autoridade judiciária que a ordenar tiver razões para crer que o conhecimento dela ou dos seus resultados, pelo arguido, poderia prejudicar as finalidades do inquérito;
b) De urgência ou de perigo na demora».
É seguro, porque assente: o despacho, elaborado por Ministério Público, a 15 de Junho de 2004, ordenou a realização de perícia, sendo que do mesmo constava o seu objecto (exame, ou, nos termos do art. 152º do C. de Processo Penal, percepção e apreciação, das duas máquinas de jogo e do jogo constituído por cartaz e máquina extractora).
E mais do mesmo constava: a solicitação de indicação de perito para a sua nomeação e ulterior cumprimento do demais formalismo legalmente previsto (nos seus dizeres, “o demais formalismo previsto no art. 154º do C. de Processo Penal”), que era, para o que aqui releva, a notificação do arguido (na altura, como se sabe, unicamente o era C……….), nos termos do art. 154º, n.º 2, do C. de Processo Penal.
Sucede que não só não foi feita aquela indicação, para posterior nomeação, nem se efectivou a sobredita notificação, como se realizou a perícia, por inspectora da Inspecção-Geral de Jogos, e foi elaborado o atinente relatório pericial.
É apodíctico: a prova pericial é um meio de prova (assim chamado por apresentar aptidão para ser, por si mesmo, fonte de conhecimento – v. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e actualizada, 2002, pág. 209) e sendo um meio de prova está sujeito a um preciso modelo legal, a uma disciplina estabelecida pela lei (apesar do art. 125º do C. de Processo Penal estatuir que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, tal não significa que esta afirmada não tipicidade dos meios de prova abranja também os meios de prova legalmente conformados, em termos de se considerar que se pode modificar o seu modelo legal – v. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e actualizada, 2002, pág. 140).
Estando face a um meio de prova, com um preciso modelo legal ou disciplina estabelecida pela lei temos que o relevante, desde logo, respeita às regras da sua produção (no ensinamento de Manuel da Costa Andrade, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, 1992, pág. 83, «as regras de produção de prova visam apenas disciplinar o procedimento exterior da prova na diversidade dos seus meios e métodos»).
Ora, e quando essas regras não são observadas, quando elas aparecem violadas, qual a consequência?
Certamente que não estamos perante um caso de proibição de prova (ou de proibição de valoração de prova), pois aqui está-se face a um verdadeiro limite à descoberta da verdade, a uma barreira colocada à determinação dos factos que constituem o objecto do processo; «noutros termos, as proibições de prova respeitariam ao an da prova, consequência do exercício de um poder não reconhecido por lei», «a prova nunca seria admissível, a causa de proibição seria a protecção de valores extraprocessuais» - v. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e actualizada, 2002, págs. 124 e 127.
E ela, não obstante não ter sede exclusiva na lei processual penal, encontra-a de modo significativo nela, quer através da enunciação explícita (expressa previsão da proibição), quer de modo indirecto, pela indicação das situações taxativas em que a utilização da prova é permitida – v. os arts. 126º, n.ºs 1 e 3, 58º, n.º 4, 129º, n.ºs 1 e 3, 167º, n.º 1, 187º, n.º 1, e 355º, n.º 1, do C. de Processo Penal, e Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e actualizada, 2002, pág. 127.
Estamos, então, sim, perante situação de proibição de produção de prova (ou de proibição de valoração da prova, mas aqui somente se for invocada a pertinente invalidade, tida como nulidade ou irregularidade – arts. 118º, n.ºs 1 e 2, 120º, n.º 1, e 123º, n.º 1, do C. de Processo Penal; v., ainda, Manuel da Costa Andrade, in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, 1992, págs. 90 e segs., e Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e actualizada, 2002, pág. 141).
No caso, nada se força (bem pelo contrário, acrescentamos nós) se se disser que, tendo presente o acima referido, no pertinente, a prova pericial em destaque não observou o modelo legal, a disciplina estabelecida na lei para a sua produção, o que traz uma indiscutível consequência, qual seja a de que padece a mesma de invalidade (irregularidade – arts. 118º, n.ºs 1 e 2, e 123º, n.º 1, do C. de Processo Penal).
Ora, e como a mesma foi invocada pelo arguido B………. (interessado, manifestamente; basta atentar no teor da acusação ...) tempestivamente (art. 123º, n.º 1, do C. de Processo Penal; aliás, não se põe em causa que tal não tivesse sucedido ...), há que declarar a invalidade da prova pericial em referência.
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Sendo a prova pericial inválida, qual a consequência (art. 123º, n.º 1, do C. de Processo Penal)?
Evidentemente que, de imediato, uma, a que decorre do art. 163º, n.º 1, do C. de Processo Penal, isto é, o inerente juízo técnico deixa de se presumir subtraído à livre apreciação do julgador.
Mas mais nenhuma.
É que, tendo presente o que consta dos arts. 164º, n.ºs 1 e 2, 165º, n.º 1, e 283º, n.º 3, al. d), do C. de Processo Penal, sempre esse “relatório pericial” se teria (e tem) de configurar como prova documental, agora sujeita ao princípio livre apreciação acolhido no art. 127º do C. de Processo Penal.
Em conclusão: a prova pericial é inválida, invalidade esta que determina que a mesma passe a configurar como prova documental.
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Aqui chegados: o recurso não merece provimento quanto à invalidade da apreensão e merece-o, ainda que limitadamente, quanto à invalidade da prova pericial.
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3. Dispositivo
Concede-se provimento, parcial, ao recurso e, em consequência, declara-se a invalidade da prova pericial, com a decorrente consideração da mesma como prova documental.
Nega-se provimento ao recurso quanto ao mais.
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Condena-se o arguido, porque decaiu em parte, no pagamento de taxa de justiça, no montante de 2 UC (não se conhece a sua situação económica; a complexidade do processo foi diminuta), de procuradoria, em ¼ de 2 UC (para lá do que se disse relativamente à situação económica do arguido, não foi significativa a natureza da actividade desenvolvida), e das restantes custas – arts. 513º, n.º 1, e 514º, n.º 1, do C. de Processo Penal, 82º, n.º 1, 87º, n.ºs 1, al. b), e 3, e 95º, n.º 1, do C. das Custas Judiciais.

Porto, 17 de Janeiro de 2007
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Olga Maria dos Santos Maurício