Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0731376
Nº Convencional: JTRP00040237
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Nº do Documento: RP200703290731376
Data do Acordão: 03/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 713 - FLS 67.
Área Temática: .
Sumário: A opção concedida ao exequente pelo artº 94º, nº 1, do CPC (redacção introduzida pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril) basta-se com o facto de ser pessoa colectiva o obrigado principal, sendo indiferente que outros (co)-executados o não sejam.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

O B………., S.A., intentou a presente execução comum para pagamento de quantia certa contra "C………., LDª'', D………. E OUTROS, dando à execução a livrança de fls.17.
Entendeu-se que os juízos Cíveis do Porto não eram territorialmente competentes porquanto atendendo a que o domicílio dos aqui executados se situava na área da comarca de Vila Real era esta a competente, uma vez que aqui não era aplicável o critério supletivo previsto nos termos do disposto no art. 94°, n° 1, do C.P.Civil – na redacção introduzida pela Lei n° 14/2006, de 26 de Abril.

Discordou desta decisão o exequente e recorreu tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:

1 – Segundo a redacção do art. 94, 1, do CPC, o exequente pode "optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva".
2 – No caso concreto, o "executado” é uma sociedade comercial, por quotas, logo uma “pessoa colectiva".
3 – O título exequendo foi subscrito nesta cidade, daí que a comarca do Porto seja o lugar do seu pagamento.
4 – O emitente da livrança, ou seja, a referida sociedade executada, é "um obrigado principal", a quem cabe, em 1ª linha, satisfazer a obrigação exequenda.
5 – Nessa medida, tem uma posição própria e prevalecente em relação à dos demais co-obrigados, a existirem, tanto que, se satisfizer a inerente responsabilidade, não lhe assiste direito de regresso, ao contrário do que sucede, nessas mesmas circunstâncias, com os restantes.
6 – Deste modo, sempre que o obrigado principal seja uma pessoa colectiva, é indiferente existirem outros executados que, porventura, não o sejam.
7 – Já que, a não se entender assim, a prerrogativa que a citada disposição adjectiva confere, nessas circunstancias, ao exequente, deixaria, pelo menos na área bancária, em que tem aplicação directa, de fazer sentido e de ter utilidade prática.
8 — Em consequência, o despacho em apreço deve ser alterado, no sentido de se declarar que os Juízos de Execução do Porto são competentes em razão do território, para tramitar o presente processo executivo.
Assim se decidindo, será feita Justiça.

Não houve Contra alegações.

O despacho recorrido foi sustentado e acrescentou-se que “o disposto no art. 94°, n° 1, 2ª parte, do C.P.Civil, pressupõe que todos os executados sejam pessoas colectivas e não apenas um deles, sendo os restantes pessoas singulares.
Bem se compreende tal opção do legislador, se tivermos em devida conta os objectivos que presidiram á alteração da redacção do art. 94, introduzido pela Lei n° 14/2006, de 26/04.
Na verdade, o novo regime introduzido em matéria de competência territorial visa salvaguardar, em primeira linha, o interesse público numa distribuição mais equitativa na ordem jurisdicional existente de determinado tipo de litígios e, numa segunda perspectiva, o ponderável interesse da parte contratual mais débil – o consumidor/pessoa singular (vide, entre outros, Acórdão da Relação de Lisboa de 16/11/2006, processo 9244/2006-8, in www.dgsi.pt, Internet).
Aliás, até se compreende ainda pela própria dimensão e estrutura de uma pessoa colectiva, em que é bastante menos lesivo que o tribunal territorialmente competente para a execução não corresponda ao da sua sede. Mas apenas quando todos os executados forem pessoas colectivas; quando tal não suceda, como acontece no caso vertente, tal razão já não tem aplicação, na medida em que implica um sacrifício que o legislador entendeu desmesurado, optando então por prevalecera seu interesse (o dos consumidores/pessoas singulares) em termos de proximidade do tribunal ao seu domicilio.
Por fim, note-se ainda que o segmento incluído no art. 94°, n° 1, do C.P.Civil – á semelhança, aliás, do que já sucedia anteriormente à entrada em vigor da citada Lei n° 14/2006 – que refere "Salvo os casos especiais prevenidos noutras disposições", respeita às outras disposições constantes dos arts. 90° a 93, incluídas na secção sujeita á epígrafe "Disposições Especiais Sobre Execuções" e não a regras legais incluídas em legislação avulsa.
A não ser assim – corno só pode ser até por força da unidade do sistema jurídico prevista no art. 9°, n° 1, do C.Civil – não teria sentido útil a regra geral plasmada na 1a parte do art. 94°, n° 1, do C.P:Civil, segundo a qual o tribunal territorialmente competente é o do tribunal do domicílio do executado.
Por fim, também não há coincidência de Área Metropolitana Porto) entre exequente e executados nos autos.
Pelas razões supra expostas, entendo não assistir a razão à agravante.
No entanto, Vossas Excelências, como sempre, melhor decidirão conforme for de Lei e de Justiça”

Corridos os vistos, cumpre decidir:

II- Fundamentos
a)- A factualidade a considerar na apreciação do agravo é aquela que atrás se transcreveu, tudo documentado nos autos.
Salienta-se aqui que no requerimento executivo o banco exequente alegou ser dono e portador de uma livrança subscrita pela sociedade executada C………., Ldª e avalizada pelos restantes executados todos residentes na área da comarca de Vila Real identificados como quotistas e gerentes.

b)-O recurso de agravo.

É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.
Vejamos, pois, do seu mérito.

1-A disposição processual que está em causa é o art. 94°, n° 1, do C.P.Civil.
Na redacção introduzida pela Lei n° 14/2006, de 26 de Abril -, passou a dispor-se assim:
Salvo os casos especiais previstos noutras disposições, é competente para a execução o tribunal do domicilio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana.

O banco exequente justifica a sua opção de instaurar a execução nos Juízos de execução do Porto, por existir uma executada sociedade como sendo a principal devedora, sendo o título de livrança subscrito da cidade do Porto.

2-A Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, tem a sua origem na Proposta de Lei nº 47/X, a qual foi discutida na generalidade na Assembleia da República em 02.02.2006.
Na exposição de motivos dessa Proposta de Lei pode ler-se, no que ao caso interessa, o seguinte:
“O Programa do XVII Governo Constitucional assumiu como prioridade a melhoria da resposta judicial, a consubstanciar, designadamente, por medidas de descongestionamento processual eficazes e pela gestão racional dos recursos humanos e materiais do sistema judicial.
A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial e devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função, constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros n.° 100/2005, de 30 de Maio de 2005, que, aprovando um Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, previu, entre outras medidas, a «introdução da regra de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto».
A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada.
Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor - porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo - e obtém-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível.
O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a excepção justifica-se por estar ausente o referido valor constitucional de protecção do consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade. Com efeito, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não se afigura especialmente oneroso que o réu ou executado singular continue a poder ser demandado em qualquer das demais comarcas da área metropolitana em que reside, nem se descortinam especiais necessidades de redistribuição do volume processual hoje verificado em cada uma das respectivas comarcas.”

Ora segundo o citado art. 94º, nº 1, 2ª parte do CPC, o exequente pode optar pelo Tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva.
Como acima se referiu em termos da factualidade subjacente a estes autos o lugar em que a livrança foi subscrita é o da cidade do Porto, local do pagamento da mesma, embora a subscritora da mesma que é uma sociedade comercial tenha sede em Vila Real.
Acontece ainda que também existem executados que são avalistas da mesma livrança com morada na área da comarca de Vila Real.

Mas será que a existência desses executados em nome individual como avalistas com morada fora da área da comarca do Porto implica que a competência dos Juízos de execução se possa excluir, quando o principal responsável da execução é uma sociedade?
Da redacção do nº 1, 2ª parte do artº 94º do CPC, com respeito por opinião contrária, não se extrai que a lei tenha imposto a obrigatoriedade como se refere no despacho de sustentação (que não é o despacho recorrido) de que “apenas quando todos os executados forem pessoas colectivas; quando tal não suceda, como acontece no caso vertente, tal razão já não tem aplicação, na medida em que implica um sacrifício que o legislador entendeu desmesurado, optando então por prevalecer o seu interesse (o dos consumidores/pessoas singulares) em termos de proximidade do tribunal ao seu domicilio”.
A lei apenas alude a executado pessoa colectiva.
No caso concreto um dos executados é uma sociedade colectiva que subscreveu a livrança na cidade do Porto, sendo a ela que cabe satisfazer o cumprimento da mesma em primeiro plano (artº 78º da LUSLL).

Os avalistas que no requerimento inicial (fls. 2) são identificados como tendo dado o seu aval à sociedade de que eram quotistas e gerentes garantiram também nessa qualidade o efectivo e integral pagamento da obrigação assumida, face aos disposto nos artºs 77º, 30 e 32º da LULL).

Porém o subscritor do título é a executada sociedade comercial que continua a ser o devedor principal e solidário com os avalistas garantes também do pagamento da livrança.

Neste caso verificando-se o requisito da existência de uma sociedade comercial pode nos termos do citado artº 94º nº 1 ser feita a opção pelo exequente de instaurar a execução no tribunal do lugar onde a obrigação deva ser cumprida, já que aqui relativamente à sociedade comercial (conforme se depreende do espírito da proposta de lei que esteve na base da redacção da Lei nº 14/2006 de 26 de Abril) está justificada a excepção do valor constitucional de protecção do consumidor comercial.
E por conexão todos os restantes co-executados acompanharão a execução a seguir no tribunal do lugar onde a obrigação deve ser cumprida.

Deste modo, entendemos assistir razão ao recorrente no sentido de sempre que o obrigado principal seja uma pessoa colectiva, é indiferente existirem outros executados que, porventura, não o sejam, podendo assim a mesma ser demandada no lugar onde a obrigação deva ser cumprida.

Nestes termos assiste razão ao agravante já que o Banco exequente exerceu, no caso, de forma legítima e fundada a faculdade que a lei processual lhe confere.

III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em julgar procedente o recurso de agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido declarando-se competente para a execução o 1º Juízo de Execução do Porto-2ª secção.
Sem custas- artº 2º,nº 1-g) do CCJ
Porto, 29 de Março de 2007
Gonçalo Xavier Silvano
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes