Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040111 | ||
| Relator: | VIEIRA E CUNHA | ||
| Descritores: | DOCUMENTO PARTICULAR TÍTULO EXECUTIVO CHEQUE | ||
| Nº do Documento: | RP200703060720738 | ||
| Data do Acordão: | 03/06/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 243 - FLS 45. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Se a obrigação exequenda não emerge de um negócio jurídico formal, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida, leva a admiti-lo como verdadeiro título executivo, desde que a causa da obrigação seja invocada no requerimento inicial da execução, de modo a poder ser impugnada pelo executado. II - O empréstimo mercantil só está sujeito à liberdade de forma se tiver sido celebrado entre comerciantes, importando provar que tal qualidade existe nas pessoas do credor e devedor. III - Para a prova da qualidade de comerciante concorre o exercício profissional do comércio e a prática de actos de comércio absolutos. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recurso de apelação interposto na acção com processo especial de oposição à execução comum nº…/05.4TBCPV-A, da comarca de Castelo de Paiva. Oponente/Executado – B………. . Exequente – C………. . Tese do Embargante Existe caso julgado favorável ao Embargante, já que correu anteriormente processo judicial entre as mesmas partes (execução ordinária), na qual os embargos deduzidos pelo ora Oponente foram julgados procedentes, e a execução extinta. O título executivo (cheque) não pode ser rediscutido, agora como mero quirógrafo. Tese do Exequente Dá à execução um mútuo, consubstanciado em documento particular, no caso um cheque, sacado pelo Embargante, e de que é portador, cheque esse sem data (esta falta de data determinou que, em processo judicial anterior, a execução fosse julgada extinta). A maioria da doutrina e da jurisprudência portuguesas admite que o título seja dado à execução nestas condições. Saneador-Sentença Na decisão recorrida, a Mmª Juiz “a quo”, invocando a nulidade do mútuo alegado pelo Exequente, julgou a oposição integralmente procedente, com a inerente extinção da execução. Conclusões do Recurso do Apelante (resenha) 1ª - Não foi tido em conta o facto articulado no requerimento executivo, sobre a quantia do empréstimo se destinar a “liquidação de dívidas a fornecedores do estabelecimento comercial que o executado explorava juntamente com seu cônjuge, D……….” e mais “a dívida exequenda foi contraída para fazer face a necessidades decorrentes da actividade comercial do Executado e do seu cônjuge”. 2ª - Ora, o empréstimo mercantil não está sujeito, independentemente do seu valor, à forma exigida no artº 1143º C.Civ., admitindo, nos termos dos artºs 394º e 396º C.Com., todo o género de prova. 3ª - O cheque, que surge na execução na veste de documento particular assinado pelo devedor, certificando a existência de uma obrigação de pagamento de uma quantia determinada, constitui elemento de prova da existência do empréstimo que, em momento algum, foi posto em causa pelo Opoente/Executado. 4ª - Decidindo de modo diverso, o tribunal recorrido acabou por não resolver definitivamente a questão de fundo, impondo ao aqui recorrente o recurso à acção declarativa de modo a obter um novo título executivo, premiando assim o executado com nova dilação no prazo de pagamento de uma quantia que deveria ter sido restituída no ano de 2003. O Oponente não apresentou contra-alegações. Factos Apurados em 1ª Instância O aqui Exequente C………. intentou, em 14/4/03, no tribunal de Castelo de Paiva, a execução que correu termos sob o nº…/03.0TBCPV-A, com base no cheque nº………., no valor de € 10.000, de que era legítimo portador, sacado pelo aqui Executado B………. sobre o E………., do grupo E1………. – agência de Castelo de Paiva, sem data (1). Nessa execução o Exequente não alegou factos relativos à obrigação subjacente que terá determinado a emissão do cheque (2). O aqui executado deduziu embargos de executado, por apenso a essa mesma execução nº…/03.0TBCPV-A, invocando que o cheque dado à execução não constituía título executivo, por não estar datado, constituindo mero quirógrafo, já que a obrigação exigida não era a cartular, mas sim a obrigação causal subjacente, que não constava do título (3). Tais embargos foram julgados procedentes por sentença proferida em 25/3/04, transitada em julgado, a fls. 41 a 44 dos referidos autos nº…/03.0TBCPV-A, por se ter considerado que o cheque dado à execução não pode valer como título cambiário, por não conter a indicação da data de emissão, nem como título executivo, na qualidade de documento particular, nos termos da al.c) do artº 46º C.P.Civ., pelo facto de o exequente não ter invocado a causa da obrigação subjacente logo no requerimento inicial (4). O Exequente intentou nova execução contra o mesmo Executado em 30/6/05, a que estes autos vão apensos, onde alega os seguintes factos: - emprestou ao Executado, em Março de 2002, a quantia de € 10.000; - nessa ocasião, o Executado entregou ao Exequente o cheque nº………., no valor de € 10.000, de que era legítimo portador, sacado pelo aqui Executado B………., sobre o E………. do grupo E1………. – agência de Castelo de Paiva, sem data; - ambos acordaram que esse cheque seria apresentado a pagamento um ano depois, ou seja, em Março de 2003; - apresentado a pagamento na data estipulada, o cheque foi devolvido por insuficiência de provisão, não tendo o Executado, apesar de instado, efectuado o pagamento da referida quantia em dívida (5). Fundamentos O recurso do Apelante cinge-se ao conhecimento da existência, no caso, de título executivo, designadamente pelo facto de o contrato de mútuo invocado no requerimento de execução, apesar de verbal, ser inteiramente válido. Vejamos, pois. Assentamos na tese sustentada pela Mmª Juiz “a quo” e que se nos afigura como aquela que mais apoio tem, hoje em dia, na doutrina (v.g., por todos, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, pgs. 49 e 50). Sumarizando a dita tese, podemos estabelecer que, em relação aos cheques que perderam a sua natureza cambiária e dos quais não conste a causa da obrigação, como sucede, ao invés, no normal documento particular, importa distinguir se a obrigação a que se reportam emerge de um negócio jurídico formal, hipótese em que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, não assumindo o documento a natureza de título executivo, por força das disposições combinadas dos artºs 221º nº1 e 223º nº1 C.Civ., da situação em que a obrigação a que se reportam não emerge de um negócio jurídico formal, hipótese em que a autonomia do título executivo, em face da obrigação exequenda, e a consideração do regime do reconhecimento da dívida, leva a admiti-lo como título executivo, desde que a causa da obrigação seja invocada no requerimento inicial da execução, de modo a poder ser impugnada pelo executado – por todos, Ac.R.C. 16/4/02 Col.III/11. Em idêntico sentido, sem qualquer preocupação de exaustividade, veja-se o Ac.S.T.J. 29/1/02 Col.I/64. Importa apenas saber, nos autos, se a obrigação invocada no requerimento executivo emerge de um negócio jurídico formal, ou se, encontrando-se sujeita ao princípio da liberdade da forma, poderia ser invocada nos autos, pois que não impugnada, na sua substância, na presente oposição. Nos termos do artº 396º C.Com., o empréstimo mercantil entre comerciantes admite, seja qual for o seu valor, todo o género de prova. Assim, podemos encontrar-nos em face de um mútuo mercantil – todavia, se celebrado com um contraente não comerciante, tal mútuo encontra-se votado à nulidade por falta de forma. Importa assim indagar, antes do mais, se o empréstimo foi contraído entre comerciantes. Tal invocação consta quer do corpo das alegações, quer das conclusões do recurso de apelação interposto. Mas não consta da alegação do requerimento executivo, nem da contestação à petição de oposição. Poderemos apenas dar por assente, de acordo com as alegações de recurso, que foi alegado que a quantia mutuada “seria aplicada na liquidação de dívidas a fornecedores do estabelecimento comercial que o executado explorava juntamente com o cônjuge” e que “a dívida exequenda foi contraída para fazer face a necessidades decorrentes da actividade comercial do executado e do seu cônjuge”. Ora, da referida alegação não pode retirar-se sem mais que “ambos os contraentes são comerciantes”, como o Recorrente faz. Para a prova da qualidade de comerciante é necessária a alegação e a prova de que se exerce profissionalmente o comércio, comércio que implica a prática de actos de comércio absolutos – por todos, artº 13º C.Com. e Ac.S.T.J. 12/1/93 Col.I/23 ou Ac.R.L. 17/5/88 Col.III/144, com a extensa doutrina aí citada. Ora, se podemos assentar em que tal qualidade se verifica no Executado, o mesmo não poderemos dizer quanto à pessoa do Exequente, e assim, ainda que nos encontrássemos perante um mútuo comercial, sempre lhe faltaria o requisito “entre comerciantes” para que se pudesse afirmar, no caso, o princípio da liberdade da forma, afirmado no citado artº 396º. Cobra assim todo o sentido a fundamentação da sentença recorrida, quando sustenta que o mútuo em causa se encontrava sujeito a documento escrito assinado pelo mutuário – artº 1143º C.Civ., facto que inquina a exequibilidade do título dado à execução, partir do disposto no artº 46º al.c) C.P.Civ. Para resumir a fundamentação: I – Se a obrigação exequenda não emerge de um negócio jurídico formal, a autonomia do título executivo, em face da obrigação exequenda, e a consideração do regime do reconhecimento da dívida, leva a admiti-lo como verdadeiro título executivo, à luz do artº 46º al.c) C.P.Civ., desde que a causa da obrigação seja invocada no requerimento inicial da execução, de modo a poder ser impugnada pelo executado. II – Nos termos do artº 396º C.Com., o empréstimo mercantil só está sujeito a liberdade de forma se tiver sido celebrado entre comerciantes, importando provar que tal qualidade existe nas pessoas do credor e do devedor. III - Para a prova da qualidade de comerciante concorre o exercício profissional do comércio e a prática de actos de comércio absolutos. Decisão que se toma neste Tribunal da Relação, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição: Julgar improcedente, por não provado, o recurso interposto, confirmando integralmente a sentença recorrida. Custas pelo Apelante. Porto, 6 de Março de 2007 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha José Gabriel Correia Pereira da Silva Maria das Dores Eiró de Araújo |