Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00035553 | ||
| Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR INDEFERIMENTO LIMINAR ALD | ||
| Nº do Documento: | RP200310140323615 | ||
| Data do Acordão: | 10/14/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | 8 V CIV PORTO | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Para ser decretada providência cautelar de apreensão de veículo objecto de contrato de aluguer de longa duração não basta alegar o prejuízo consistente na circulação e desgaste normal do veículo. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO : I - RELATÓRIO “L....., S.A.”, com sede na Rua....., ....., propôs na -ª Vara Cível do....., providência cautelar não especificada contra José....., residente em....., ....., pedindo que, sem audiência prévia do requerido, seja decretada a apreensão imediata da viatura da marca Hyundai, modelo Plaza 2,5 TD 4x4, com a matrícula ..-..-NZ e respectivos documentos. Por despacho proferido em 29 de Abril de 2003, o Mmº Juiz a quo indeferiu liminarmente o requerimento inicial, por “o pedido formulado ser manifestamente improcedente”. Inconformada, recorreu a requerente. O recurso foi admitido como sendo de agravo, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo (v. fls. 22). Nas alegações de recurso, a agravante pede a revogação da decisão e formula, para esse efeito, as seguintes conclusões : 1. O requerimento inicial da agravante não pode ser liminarmente indeferido, já que contém todos os elementos exigidos pela lei para ser apreciado e decidido. 2. O regime jurídico dos procedimentos cautelares nada tem a ver com o regime da resolução dos contratos, nem dele está dependente. 3. Em questão está o fundado receio da requerente de que o requerido cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, questão essa a apreciar de fundo e não de forma. 4. O Tribunal a quo não tem, nesta fase, todos os elementos suficientes para poder decidir, já que ainda não foi produzida toda a prova carreada para o processo. 5. É público e notório que a depreciação dos veículos automóveis é muito acentuada, nada podendo assegurar a reparação dos danos e o restabelecimento dos direitos patrimoniais lesados. 6. A lei faculta à agravante o direito de ser apreciada a sua pretensão, não podendo a mesma ser-lhe negada sem se aferir, de fundo, da probabilidade séria da existência do direito e do receio da sua lesão. O Mmº Juiz sustentou o despacho sob recurso. Foram colhidos os vistos legais. * Balizando-se o objecto do recurso pelas conclusões da recorrente – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – a questão a dirimir é a de saber se existem as condições necessárias para o deferimento da providência cautelar não especificada, proposta pela agravante. * II - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Considera-se indiciariamente assente que: 1. A agravante contratou com o requerido José....., o aluguer da viatura da marca Hyundai, modelo Plaza 2.5 TD 4x4, com a matrícula ..-..-NZ, regido pelas cláusulas dele constantes – doc. fls. 7, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 2. Esse veículo foi recepcionado pelo requerido em 10.02.2000 – doc. fls. 9, cujo teor se dá aqui por reproduzido. 3. Por carta datada de 14 de Setembro de 2001, a agravante informou o requerido que, se se mantivesse a situação de incumprimento deste em relação às quantias em dívida, o contrato de aluguer seria resolvido no dia 22 de Setembro de 2001. 4. Na carta enviada ao requerido em 26 de Outubro de 2001, a agravante informou-o de que o aludido contrato se encontrava resolvido desde essa data (26.10.2001), pedindo que o requerido procedesse à imediata devolução da viatura. O DIREITO O Mmº Juiz a quo indeferiu o requerimento de providência com o fundamento de que não estava cabalmente alegado o pressuposto do “periculum in mora”, pressuposto que o art. 381º exige para decretamento de qualquer providência, (por ser norma de aplicação subsidiária aos procedimentos cautelares especificados – cfr. art. 392º), salvo as excepções consagradas na lei, designadamente no que tange aos casos de embargo de obra nova (art. 412º, n.º 1) e de restituição provisória de posse (art. 393º), em que a lei se contenta com a existência de um qualquer prejuízo. Vejamos o que a agravante alegou relacionado com essa matéria : “É público, notório e de conhecimento comum que a utilização de uma viatura a deprecia e lhe diminui o valor, além disso, O mero decurso do tempo, independentemente da sua utilização, faz também com que perca o seu valor. Resulta assim evidente que qualquer destas situações que ocorrem no caso em apreço, trazem para a Requerente prejuízos irreparáveis. Na medida em que não pode esta ‘descontar’ quaisquer quilómetros à viatura, nem tão pouco ‘rejuvenescê-la’. Em face do alegado, é notório que existe um prejuízo para a Requerente, que vê assim um bem da sua propriedade desvalorizar-se de dia para dia, por via da conduta ilícita do Requerido. Acresce que, Existe ainda o risco de, com o facto de se encontrar a viatura em circulação, poder a Requerente vir a ser responsável pelo risco em qualquer acidente do qual resulte responsabilidade civil. Tanto mais que a requerente não pode assegurar a existência de qualquer seguro automóvel subscrito pelo Requerido. Pelas razões apontadas é manifesta a urgência de apreensão judicial da viatura objecto dos presentes autos, nos termos do art. 381º do CPC. Pois, é certo que a desvalorização da viatura, propriedade da requerente, não se compadece com a delonga da acção principal e corre sério risco de deixar de ser um activo para passar a constituir um custo, por via de despesas efectivas como a eventual responsabilidade civil, em caso de acidente” – arts. 19º a 27º do requerimento inicial. Dispõe o art. 381º, n.º 1, do CPC : “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. O fundado receio de lesão grave dificilmente reparável (periculum in mora), tem de provir de factos que atestem perigos reais e certos, relevando tudo de uma apreciação ponderada regida por critérios de objectividade e de normalidade. Por outro lado, como ensina o Prof. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pág. 6, a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito. Antes de ser sumariamente provado esse pressuposto pelo requerente da providência, tem ele de estar satisfatoriamente desenhado na alegação inicial. Acontece, porém, que, também no nosso entender, a agravante não alegou factos concretos suficientes susceptíveis de conduzirem à averiguação do dito pressuposto. Vejamos porquê. É uma evidência que a manutenção do veículo na posse do requerido e a sua consequente utilização, provoca um maior desgaste desse bem. É também pacífico que o aumento de quilometragem e de tempo de uso do veículo contribuem para a sua desvalorização comercial. Mas, pergunta-se: não é isso que acontece com a generalidade dos veículos locados? O incumprimento pelo Requerido das prestações pecuniárias acordadas no contrato de locação, não faz aumentar o risco de deterioração física e de desvalorização comercial do veículo. Como acertadamente se diz na decisão sob recurso, “a requerente continua a ter direito aos alugueres do veículo até à sua efectiva restituição: a título de prestação contratualmente devida, até à resolução dos contratos (cfr. o disposto no Art. 1038º, al. a) do Código Civil), e a título de indemnização, desde a resolução até à efectiva entrega (cfr. o disposto no Art. 1045º do Código Civil)”. Por outro lado, em relação às consequências para a Requerente da eventual ocorrência de sinistros com o veículo locado que, também eventualmente, não terá seguro automóvel (v. arts. 24º e 25º do requerimento de providência), deve dizer-se que, por se tratarem de meras hipóteses ou suposições, e não de factos concretos tradutores de um perigo real e certo, não podem ser tomadas em conta em sede de apreciação dos fundamentos da pretendida providência. Aliás, chama-se a atenção da Requerente para o que consta das cláusulas X, al. o) e XI, n.º 1, onde se estabelece como obrigação do Cliente celebrar um contrato de seguro da viatura ou custear um seguro negociado pela Locadora em seu nome e representação. Por sua vez, a al. b) do n.º 2 da cláusula XI, confere à Requerente um controlo dessa situação ao estabelecer que, durante a vigência do contrato de aluguer, é incumbência do locatário (Cliente) enviar anualmente à locadora um duplicado da apólice de seguro, caso a mesma tenha sido subscrita por iniciativa do Cliente. Assim, se não existe seguro a Requerente devia sabê-lo. E, fosse esse o caso, deveria tê-lo dito sem hesitações. Resumindo: O direito que a Requerente quer ver acautelado, com a providência de carácter antecipatório que propôs, é o de que lhe seja restituído o veículo locado. Todavia, não vislumbramos, em termos alegatórios, um especial risco ou perigo a demandar tutela provisória desse direito da Requerente. Por isso, nenhum reparo merece a decisão recorrida. * III - DECISÃO Nestes termos, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se a douta decisão recorrida. Custas pela agravante. * PORTO, 14 de Outubro de 2003 Henrique Luís de Brito Araújo Fernando Augusto Samões Alziro Antunes Cardoso |