Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0336927
Nº Convencional: JTRP00035741
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RP200402050336927
Data do Acordão: 02/05/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Uma acção que use a suspensão de uma deliberação de uma assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, representado pelo administrador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
CHOW ................. interpôs providência cautelar de suspensão de deliberação de assembleia de condóminos contra “os condóminos do edifício em propriedade horizontal denominado Centro Comercial ..............”, sito na Av. ..............., nº ..., ............., “representados pela sociedade administradora do condomínio, A..............., L.da”, requerendo a suspensão da deliberação tomada na assembleia ordinária dos condóminos daquele Centro Comercial realizada no dia 24.01.2003.

Na oposição que deduziu, a referida administradora do condomínio alegou, além do mais, que se configura uma situação de ilegitimidade passiva, pois que era necessária a intervenção de todos os interessados, sendo que o requerente “não individualiza os condóminos entre os que aprovaram e os que não aprovaram a deliberação impugnada”.

O Tribunal a quo julgou improcedente tal excepção e decidiu determinar a suspensão da deliberação em causa, no tocante à aprovação de um orçamento extraordinário no valor de € 300.000,00.

Inconformada, a administradora do condomínio interpôs o presente recurso de agravo, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O Meritíssimo Juiz a quo confunde a citação e representação dos condóminos recorridos, nos termos do artº. 398º/2 CPC, com a obrigatória discriminação destes mesmos condóminos, nos termos do art. 1433º/6 CC;
2. Ao fazê-lo preclude o direito de contestação individual e isolado de cada um dos condóminos que aprovaram a decisão impugnada;
3. Se se considerar que os referidos artigos versam sobre o mesmo problema, i.e. a citação e representação em juízo dos condóminos que votaram determinada deliberação, então dever-se-á, com recurso ao art. 7º/2 CC, considerar que cessou, nessa parte, a vigência da norma constante do art. 398º/2 CPC, porquanto é mais antiga que a constante do art. 1433º/6 do CC, e com ela incompatível.
4. A não discriminação dos condóminos recorridos, a que obriga impreterivelmente a lei, não é uma mera irregularidade sem relevo para a decisão da causa, mas uma verdadeira ilegalidade, que configura uma ilegitimidade passiva por parte da R., e que, como tal, obsta ao prosseguimento da instância.

Contra-alegou o agravado Chow .........., pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Foi, a quo, proferido tabelar despacho de sustentação.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II.
A questão que vem suscitada é a de saber contra quem deve ser requerida a suspensão de uma deliberação tomada em assembleia de condóminos e, concretamente, se o tem de ser contra os condóminos, devidamente discriminados e identificados, que votaram a deliberação cuja suspensão se requer.

Dir-se-á, antes de mais, que não tem sido pacífica e uniforme a jurisprudência que sobre essa questão se tem pronunciado.
Assim, entendeu-se no Ac. da RC, de 19.6.2001, CJ, 2001, III, 27, que nas acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos a respectiva acção terá de ser intentada “contra todos os condóminos, individualmente considerados, que as hajam aprovado, se tenham abstido ou não tenham estado presentes ou representados, os quais, serão, assim, os verdadeiros demandados na acção, que a podem contestar, isoladamente, permitindo a lei, não obstante, que estes sejam representados pelo administrador ou pela pessoa designada para o efeito (...)”.
Esse foi também o entendimento seguido no Ac. da RL, de 30.9.1997, CJ, 1997, IV, 96, onde se escreveu que a acção deve ser dirigida “contra (...) todos os condóminos que votaram as deliberações, identificando-os”, podendo, embora, depois, pedir-se que a sua citação se efectue na pessoa do administrador.
Igualmente nos Acs. da RP, de 5.7.90, 10.4.97 e 7.12.99, e da RL, de 4.3.2003, in www.dgsi.pt, se defendeu que a acção de anulação ou declaração de nulidade de deliberações da assembleia dos condóminos deve ser intentada contra os condóminos que as aprovaram, “individualmente considerados” (diz-se no sumário do segundo dos arestos citados), e “por serem estes os titulares das relações jurídicas em causa” (vd. primeiro e último destes acórdãos).
Porém, no Ac. da RL, de 14.5.98, CJ, 1998, III, 96, defendeu-se que, após a reforma de 1995 do CPC, “o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia”, sendo que, na falta de outra pessoa nomeada pela assembleia para o efeito, “é o administrador que deve ser citado como representante legal do condomínio”.
Idêntico entendimento foi o seguido no acórdão desta Relação, de 7.1.1999, (processo nº 9831363), relatado pelo ora adjunto Des. Oliveira Vasconcelos, e em cujo sumário, in www.dgsi.pt, se escreveu que “na propriedade horizontal o condomínio tem personalidade judiciária e, nas acções em que estejam em causa deliberações da assembleia de condóminos, deve ser demandado o condomínio, representado pelo administrador, o qual deve ser citado nessa qualidade”.
E, salvo o devido respeito por opinião contrária, julgamos ser esta a doutrina a seguir.
Com efeito, o condomínio, isto é, o conjunto de condóminos, não sendo uma pessoa jurídica, não tendo personalidade jurídica, tem personalidade judiciária.
Nos termos do art. 6º, al. e) do CPC, na sua actual redacção, “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, tem personalidade judiciária.
Ora, um dos poderes do administrador é precisamente o da representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação das deliberações da assembleia (art. 1433º, nº 6 do CC). Aliás, o nº 2 do art. 398º do CPC estatui também que, na providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos “é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na acção de anulação”.
O administrador do condomínio é, pois, ope legis, o representante judiciário dos condóminos nas acções de impugnação ou no procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia. E, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo de condóminos, ou seja, do condomínio.
O que se compreende, dado que o que está em causa é, como escreve Sandra Passinhas, A “Assembleia de Condóminos e o Administrador na propriedade Horizontal”, pg. 337, uma deliberação que “exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados)”, sendo que “as controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia apenas satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções, a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador”.
No condomínio actua um interesse colectivo, e a assembleia de condóminos (órgão deliberativo) exprime a vontade do condomínio, “completamente desvincluada e autónoma das posições individuais de cada condómino” (ob. cit, 176).
Não faria sentido, por isso, que, perante um pedido de suspensão ou de anulação de uma deliberação, cada um dos condóminos que a aprovou pudesse, per se, opor-se a tal e defender uma sua singular posição.
Tal tarefa recai sobre o administrador, como representante orgânico e judiciário do condomínio (ou sobre outra pessoa para o efeito nomeada pela assembleia), que será a voz do conjunto dos condóminos, e, concretamente, dos que aprovaram a deliberação em causa.
Assim sendo, conclui-se que o procedimento cautelar não tinha que ser dirigido contra os condóminos, individualmente considerados e identificados, que aprovaram a deliberação (o que, além do mais, e pelo que se já disse, seria inútil ou redundante), mas sim contra o conjunto dos condóminos ou condomínio, representado, no caso, pela respectiva administradora, o que se considera ter sido feito.
A decisão recorrida não merece, por isso, qualquer censura.

III.
Nestes termos, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se aquela decisão.
Custas pelo recorrente.

Porto, 5 de Fevereiro de 2004
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo