Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00039660 | ||
| Relator: | ALZIRO CARDOSO | ||
| Descritores: | CLÁUSULA PENAL REDUÇÃO CONHECIMENTO OFICIOSO | ||
| Nº do Documento: | RP200610310624272 | ||
| Data do Acordão: | 10/31/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 229 - 195. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | O uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedido pelo art. 812.º n.º1 do CPC não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | I. Relatório B……….. propôs a presente acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária contra C……….., pedindo a condenação da Ré a: Reconhecer a resolução do contrato-promessa de compra e venda das fracções identificadas na petição, devido ao incumprimento definitivo e culposo da Ré; Pagar-lhe a quantia de € 8.000,00, correspondente ao sinal consignado no referido contrato-promessa; Pagar-lhe a quantia de € 14.700,00 de indemnização, a título de cláusula penal pela mora na restituição das fracções em causa à posse da Autora. Fundamentou o pedido alegando, em resumo, que: Através de documento escrito, a Autora prometeu vender à Ré e esta prometeu comprar-lhe duas fracções autónomas de um prédio urbano, uma destinada a habitação e outra a lugar de garagem. As referidas fracções foram entregues à Ré no acto da celebração do contrato. Foi estipulado que a escritura seria realizada em prazo não superior a 60 dias. O preço convencionado foi de € 80.000,00, do qual € 8.000,00 seriam pagos como sinal e princípio de pagamento, por meio de cheque emitido pela Ré e entregue por esta à Autora, datado para o termo do prazo acordado para a celebração do contrato definitivo. As partes convencionaram que, no caso de incumprimento por parte da Ré, para além da retenção do sinal a Autora poderia exigir daquela uma indemnização a título de cláusula penal de € 100,00 (cem Euros) diários até lhe ser restituído o imóvel devoluto de pessoas e coisas. Em 28 de Fevereiro de 2003 expirou o prazo contratualmente estabelecido para a outorga da escritura, sem que a Ré tivesse procedido à sua marcação e notificado da mesma a Autora. Esta advertiu a Ré de que se a escritura não fosse marcada e realizada até ao final do mês de Junho deixava de ter interesse na venda das fracções prometidas e consideraria a promessa de compra dessas fracções definitivamente não cumprida. Sem resposta à referida carta, a Autora, para dar uma última oportunidade à Ré, comunicou-lhe em 18 de Julho de 2003 que lhe concedia ainda, em alternativa à via judicial, um prazo até ao final de Agosto para a outorga da escritura. A Ré veio a restituir à Autora as fracções prometidas em 4 de Agosto de 2003. Pagou à Autora a quantia de € 900,00 e revogou o cheque representativo do sinal prestado, frustrando a sua cobrança. A Ré contestou, impugnando parcialmente o alegado pela Autora, alegando que a não celebração do contrato prometido ocorreu por motivo de doença, causa que lhe não é imputável e que, por isso, não é devido à Autora o montante correspondente ao sinal nem à cláusula penal convencionados, por o seu incumprimento não ser culposo. Concluiu pela improcedência da acção e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 1.400,00, fundada nos alegados danos ao bom nome que a Autora lhe causou com a apresentação a pagamento do cheque emitido a título de sinal, pedindo igualmente a restituição da quantia de € 900,00 que indevidamente lhe pagou. A Autora replicou, contestando a reconvenção deduzida, concluindo pela sua improcedência. Requereu a ampliação do pedido, formulando subsidiariamente o pedido de condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 3.200,00, com base no enriquecimento sem causa fundado na ocupação temporária pela Ré das fracções prometidas (isto para o caso de não proceder o pedido de condenação da Ré no pagamento da quantia de € 14.700,00, fundado na cláusula penal convencionada). Foi realizada audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória da causa, procedeu-se ao julgamento, tendo a matéria de facto controvertida sido decidida em conformidade com o despacho de fls. 151 e seguintes. Nenhuma das partes apresentou alegações escritas sobre o aspecto jurídico da causa. De seguida foi proferida sentença que julgou a reconvenção improcedente e a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia global de € 10.300,00. A Autora interpôs recurso de apelação e a Ré recurso subordinado, tendo ambos sido admitidos. Na sua alegação a Ré formulou as seguintes conclusões: 1- Quando se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto é elemento fundamental os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento; 2- No caso sub júdice, as testemunhas apresentadas pela Ré, ora recorrente, lograram demonstrar de forma clara, imparcial e inequívoca a matéria constante da Contestação/Reconvenção, sendo que são, aliás, também as testemunhas indicadas pela Autora, aqui recorrida, quem acaba por contrariar a tese por esta desenvolvida na p. i; 3- Não havendo qualquer outra prova em sentido contrário; 4- E, assim é, a decisão jamais poderia ter sido proferida no preciso sentido em que o foi pelo tribunal a quo, já que ao invés deveria ter declarado procedente a excepção peremptória deduzida pela Ré, ora recorrente, fundada na sua impossibilidade (subjectiva) de cumprimento (ou na não imputabilidade do incumprimento, por ausência de culpa); 5- E deveria ter condenando a Autora, ora recorrida, no pedido reconvencional deduzido pela Ré, ora recorrente; 6- Isto porque, é entendimento da ora recorrente que o tribunal “a quo” ao proferir a sentença no preciso sentido em que o fez, teve um entendimento que em nada reflecte o depoimento e a mensagem que as testemunhas, mormente – Dr.ª D……… e D. E………… – deixaram neste Tribunal; 7- O tribunal “a quo” ao condenar a Ré, ora recorrente, com base no incumprimento culposo do contrato-promessa de compra e venda fê-lo de forma incorrecta, pelo que deveria ter feito uso do disposto no artigo 798º do CC, à contrario senso; 8- Violou, ainda, a douta sentença recorrida, o disposto no artigo 434º n.º 1, do Cód. Civil, ao condenar a Ré, ora recorrente, no pagamento da quantia de € 8.000,00, a título de sinal. 9- Atento o facto de ser entendimento da ora recorrente, com o devido respeito e salvo melhor opinião, que contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida deveria o Tribunal “a quo” ter declarado procedente a excepção peremptória referida em 4), e por via disso declarar improcedente o pedido da Autora, ora recorrida, referente à clausula penal; 10- Isto porque, é elemento imprescindível, em termos de não ser exigível a pena convencionada, senão quando o devedor tenha infringido culposamente a obrigação principal, o que não sucedeu in casu; 11- Assim, e atento todo o exposto deverá ser revogada a douta sentença recorrida e, por via disso, ser declarado procedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré/Reconvinte, ora recorrente. 12- Atento o sobredito deverá ser reformulada a matéria de facto dada como provada e não provada na douta sentença recorrida, conforme supra se expôs. Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida, julgando-se procedente o pedido reconvencional. Por sua vez a Autora, na alegação do interposto recurso subordinado, concluiu nos termos seguintes: 1- A redução da claúsula penal não pode ser feita oficiosamente, tendo de ser pedida pelo devedor, o qual tem o ónus de alegar e provar factos que eventualmente integrem a desproporcionalidade entre o valor da claúsula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir; 2- A Ré recorrida, nos itens 71 a 82 da sua contestação, justamente sob a epígrafe “Da indemnização a Título de Claúsula Penal” limita-se a dizer que a claúsula não se aplica porque o incumprimento se deveu a circunstâncias fortuitas ou de força maior e não por culpa sua; 3- Tendo sido julgada improcedente a excepção deduzida pela Ré e, portanto, considerado culposo o incumprimento desta, não procede a oposição feita à aplicação da claúsula com base naquela excepção; 4- Não podia assim o Mº Juiz a quo reduzir oficiosamente, como o fez, a clausula penal convencionada, pelo que violou o prescrito nos arts. 810º e 812º do Código Civil; 5- Ainda que assim se não entendesse sempre seria de considerar, relativamente ao ressarcimento dos danos sofridos pela Autora/Recorrente um valor locativo dos imóveis objecto do contrato-promessa de, pelo menos, € 500,00 mensais; 6- Acresce que a referida claúsula penal tem também uma função coerciva sujeitando a promitente compradora ora recorrida a uma penalização que não se cinge ao prejuízo causado à Autora/Recorrente; 7- À luz dos interesses em presença no contrato-promessa celebrado e do valor dos imóveis objecto do mesmo, o montante da claúsula penal, fixado em € 100,00 diários até à sua restituição em caso de incumprimento da promitente compradora, não é desproporcionado e muito menos iníquo; 8- Assim, além do valor do sinal que foi condenada a pagar à Autora/Recorrente, deve a Ré/Recorrida ser ainda condenada a pagar o valor integral da claúsula penal peticionada, no montante de € 14.700,00, já deduzidos da quantia paga; 9- Ao reduzir a referida claúsula penal para 3.200,00 a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei, violando o prescrito nos artigos 810º, 811º e 812º, todos do Código Civil. 10- Nestes termos, deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que reduziu o montante da claúsula penal peticionada, condenando-se a Ré recorrida ao seu integral pagamento. II- Fundamentos 1. 1. De facto A autora não especifica os pontos da base instrutória que considera incorrectamente julgados. Porém, resulta das suas alegações que discorda parcialmente das respostas dadas à base instrutória, por entender que resultou provado através do depoimento da testemunha Dr.ª D………. que desde Janeiro até Outubro de 2003 esteve impossibilitada, por motivo de doença, de cumprir o celebrado contrato-promessa de compra e venda Cumpre, pois, antes de mais, apreciar e decidir se há fundamento para a alteração das respostas dadas à matéria da base instrutória. A matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas situações contempladas no nº 1 do art. 712º do C.P.C. Dessas situações, a que releva para o caso, uma vez que houve gravação da prova, é da al. a), isto é, “se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida”. Porém, nos termos do art. 690º-A, nº 1, do C.P.C. quando “se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.” Por sua vez, no nº 2 de tal artigo estabelece-se: 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do nº 2 do art. 522-C. Incumbe, assim, ao recorrente relativamente ao pedido de reapreciação da matéria de facto: - A necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento, o "ponto" ou "pontos" da matéria de facto da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; - O ónus de fundamentar as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios, constantes de auto, ou de documento incorporado no processo, ou de registo ou gravação nele realizada, que, no entender do recorrente, impõem decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados; - O ónus de, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº. 2 do artigo 522°.-C ", segundo o qual "quando haja lugar a registo áudio (...), deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento". No caso concreto, e em sede das conclusões do recurso, a recorrente não estruturou desta forma a sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Na verdade, nessas conclusões, não especifica os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, nem indica, através da referência ao assinalado na acta, quais as passagens dos depoimentos das testemunhas em que a sua discordância de funda. O que, só, por si, determina, nessa parte, a rejeição do recurso. Mas ainda que não existisse esse motivo de ordem processual, sempre improcederia a impugnação da matéria de facto. O artigo 655º n.º 1, do CPC consagra o denominado sistema da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Por isso, tem-se entendido que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (cf. Ac. desta Relação de 19-09-00, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 186). Como adverte Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, edição de 1963, pág. 263, as provas são melhor apreendidas “ ... por quem assistiu à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis, mas altamente valiosos, que não podem conservar-se num relato escrito (ou gravado, podemos agora acrescentar) das mesmas provas ...”. Assim, só quando for manifesta a discrepância entre os elementos de prova recolhidos e a decisão que neles se baseia, é que será lícito ao tribunal superior alterar a decisão da matéria de facto. Conforme vem sendo entendimento reiterado da jurisprudência, o uso dos poderes conferidos à Relação quanto à alteração da matéria de facto, não importando a postergação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação das provas, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente nos concretos pontos impugnados. A Relação tem de respeitar o princípio da convicção e apreciação da prova com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global do que resulta dos diversos meios de prova apresentados e, no caso concreto, dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos testemunhais prestados na audiência de julgamento. Nunca é demais realçar que existem comportamentos ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá apreciar o modo como o primeiro se formou a convicção dos julgadores. Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação do julgador, impõe-se a este indicar “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de um facto como provado ou não provado (cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 197, pág. 348 e Ac. da RC de 3-10-2000, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 27). No caso dos autos, atenta a fundamentação da matéria de facto e ouvida a gravação da audiência de julgamento, entendemos não haver fundamento para a pretendida alteração, dado que as respostas se mostram conformes às regras e aos princípios aplicáveis, sobretudo o da imediação e da livre apreciação e, ao contrário do que sugere a apelante, não ocorre a apontada insuficiência de fundamentação. Pelo contrário, a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, faz uma ponderação critica dos depoimentos prestados na audiência de julgamento, justificando as razões que levaram o tribunal a responder negativamente aos pontos 3º, 8º e 9º e restritivamente aos quesitos 6º, 7º e 10º. Ao contrário do que sugere a apelante, como bem refere a fundamentação da decisão da matéria de facto, no seu depoimento, a Dr.ª D……….. restringiu os efeitos incapacitantes da doença da Ré aos períodos de agudização da doença, sem o adequado tratamento e acompanhamento. E a testemunha E………., colega de trabalho da Ré, que acompanhou esta na altura em que foi autorizada a sair do Hospital (no período em que esteve internada) para ir ao banco tratar da obtenção de empréstimo destinado ao pagamento do preço convencionado no contrato-promessa celebrado com a Autora, depôs no sentido de que a razão que determinou a não celebração da escritura de compra e venda pela Ré se deveu, não à doença, mas ao facto desta não ter conseguido obter empréstimo para pagamento da totalidade do preço. Da apreciação efectuada por este tribunal, considerada a prova no seu conjunto, não há razões para nos afastarmos do entendimento tido na 1ª instância, pois que não se vislumbra qualquer desconformidade notória entre a dita prova e a respectiva decisão, em violação dos princípios que regem a apreciação da prova. A fundamentação dos factos provados e não provados mostra-se feita com observância das regras e princípios a que está subordinada a apreciação e valoração da prova, não se vislumbrando, após audição da gravação dos depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, fundamento para qualquer alteração das respostas positivas e negativas dadas à matéria da base instrutória. Assim, por não haver fundamento para esta Relação alterar a matéria de facto dada como provada e não provada, consideram-se assentes os factos julgados provados pela 1ª instância. 1.2. Factos provados Têm-se, assim, como provados os seguintes factos: a) A Autora é dona e legítima possuidora da fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra “G”, tipo T Zero Duplex, no terceiro piso (primeiro andar) e da fracção autónoma designada pela letra “AK”, correspondente ao lugar de garagem, ambas do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na R. ….., nºs … a …, da freguesia de ……., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7.118º e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob a ficha nº 931. b) No dia 30 de Dezembro de 2002, a Autora, então no estado civil de divorciada, celebrou com a Ré o contrato-promessa de compra e venda constante do documento particular junto aos autos a fls. 11 a 13, aqui dado como integralmente reproduzido e integrado, o qual teve por objecto as fracções autónomas identificadas na al. A) que antecede. c) Como se vê das declarações negociais emitidas logo no intróito ao clausulado do contrato, a primeira outorgante, ora Autora, prometeu vender à segunda outorgante, aqui Ré, e esta prometeu comprar àquela, as referidas fracções autónomas pelo preço global de EUR.: 80.000,00 (oitenta mil Euros). d) Ficou consignada a entrega pela Ré à Autora, como sinal e princípio de pagamento, “da quantia de EUR.: 8.000,00 (oito mil Euros), titulada pelo cheque nº 7100271038, sacado sobre o Banco F……….” – alínea a) da cláusula primeira do contrato. e) Foi também convencionado pelas partes que a restante quantia de EUR.: 72.000,00 (setenta e dois mil Euros) “será paga no acto da escritura de compra e venda que será no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data do presente contrato” – alínea b) da dita cláusula primeira. f) Autora e Ré estipularam ainda na cláusula segunda do contrato que a escritura de compra e venda prometida “será realizada logo que o respectivo processo bancário se encontre aprovado pela instituição de crédito, em dia, hora e Cartório Notarial que a Promitente Compradora vier indicar à Promitente Vendedora para a morada acima referida, por carta registada com aviso de recepção enviada com pelo menos oito dias de antecedência da data marcada para aquela outorga ou por outro meio que for legal, tudo dentro do limite de prazo estabelecido na alínea b) da cláusula anterior”. g) Finalmente, e dado que com a celebração do contrato foi transferida a posse das fracções para a promitente compradora, ficou previsto na cláusula quinta do contrato que no caso de incumprimento por parte desta promitente compradora, “fica a Promitente Vendedora com o direito de exigir, além do sinal entregue, uma indemnização a título de cláusula penal de EUR.: 100,00 (cem Euros) diários até lhe ser restituído o imóvel devoluto de pessoas e coisas pertencentes à Promitente Compradora”. h) A Autora aceitou transferir para a Ré, com a celebração do contrato-promessa, a posse das referidas fracções objecto da promessa de compra e venda. i) A Ré pediu também à Autora para que o cheque representativo do sinal convencionado fosse pré-datado para o termo do prazo do contrato-promessa. j) A Autora acedeu também a este pedido da Ré e aceitou diferir, para momento posterior e logo que esta avisasse, a cobrança do cheque em questão. l) Em 28 de Fevereiro de 2003, expirou o prazo contratualmente estabelecido para a outorga da escritura, sem que a Ré tivesse procedido à sua marcação e notificado da mesma a Autora, conforme se obrigara. m) A Ré pagou então à Autora a quantia de EUR.: 900,00. n) A Ré veio a restituir à Autora em 4 de Agosto de 2003 as fracções prometidas, como se alcança do documento junto aos autos a fls. 18 e 19. o) A Ré frustrou a cobrança do cheque representativo do sinal prestado (cheque nº 7100271038, sacado sobre o Banco F………), o qual, apresentado a pagamento, veio devolvido por revogação da Ré. p) A Ré, com a ajuda de terceiras pessoas, diligenciou ainda, junto de várias instituições bancárias, no sentido de obter o empréstimo bancário, para dar cumprimento ao clausulado no contrato promessa, e chegou a lograr a aprovação de empréstimo do montante de EUR.: 72.000,00, junto do banco G……… . q) Contudo, e como o montante contratado ultrapassava o montante aprovado, ainda tentou aquela, junto de outras instituições bancárias, mormente do Banco H………, do Banco I………… e do J………, conseguir o remanescente daquele. r) Quando a Autora [e não “os Réus” - como por lapso consta da Matéria de Facto Assente, fixada no despacho de condensação] apresentou o cheque a pagamento, sabia de antemão que tinha sido revogado. s) A Autora foi informada de que a Ré estava sujeita a tratamento psiquiátrico. t) Para dispor de habitação e garagem idênticas àquelas que usufruiu ao abrigo do contrato-promessa celebrado, a Ré teria de pagar, ao tempo, pelo menos uma renda mensal de EUR.: 400,00, pois dadas as características das fracções e sua localização é esse o valor mínimo por que as mesmas eram postas no mercado de arrendamento. u) Pela carta registada com aviso de recepção de 9 de Junho de 2003, junta aos autos por fotocópia a fls. 56 e 57 e aqui dada como reproduzida, a Autora advertiu a Ré de que se a escritura não fosse marcada e realizada até ao final desse mês de Junho deixava de ter interesse na venda das fracções prometidas e consideraria a promessa de compra dessas fracções definitivamente não cumprida. v) Sem resposta à sua referida carta, a Autora, para dar uma última oportunidade à Ré, notificou-a por carta de 18 de Julho de 2003 de que lhe concedia ainda, em alternativa à via judicial, um prazo até ao final de Agosto para a outorga da escritura (doc. junto aos autos a fls. 54 e 55).” x) Em 10 de Fevereiro de 2003, a Dra. D……….., psiquiatra no Serviço de Psiquiatria do Hospital de ……. no Porto, emitiu o atestado junto aos autos a fls. 51 e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. os docs. juntos a fls. 51 e 52 dos autos). z) Apresentava esta, já, um síndroma psicótico, sem juízo crítico, um estado delirante e de agitação, com ideação suicida (cfr. doc. junto aos autos a fls. 59 e 60). aa) Viu-se, assim, a ora Ré, acometida de doença do foro psiquiátrico, seja psicose, o que acarretou que a Ré, nos períodos de agudização da mesma, não conduzisse a sua vida por si só, isto é, de forma independente, autónoma, com plena capacidade de decisão e com total consciência dos seus actos. ab) Este comportamento culminou no internamento compulsivo da ora Ré, em 10 de Abril de 2003. Ac) A Autora sabia que a Ré se encontrava internada numa unidade pertencente ao Hospital de …… . 2. De direito 2.1. Apelação da Ré Defende a Ré que não faltou culposamente ao cumprimento do celebrado contrato-promessa, dado que a doença de que padece a impossibilitou de cumprir o contrato. Mas entendemos que não lhe assiste razão. Nos termos convencionados a escritura de compra e venda deveria ser celebrada no prazo de 60 dias a contar da celebração do contrato-promessa, cabendo à Ré a sua marcação. Porém, não marcou a escritura no referido prazo, nem na sequência das notificações que para o efeito lhe foram posteriormente feitas apela Autora, em que esta fixou prazo para a marcação e celebração da escritura, sob pena de se considerar o contrato definitivamente incumprido, por perda de interesse. Defende-se dizendo que o incumprimento se ficou a dever a incapacidade resultante da doença de que padece, pelo que a falta de cumprimento não terá procedido de culpa sua. Porém, em face da matéria de facto provada não logrou afastar a presunção de culpa estabelecida no artigo799º do Código Civil. Conforme resulta do disposto no artigo 791º do Código Civil, a impossibilidade superveniente relativa à pessoa do devedor, só importa a extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro. Assim, tratando-se de prestação não fungível, ou seja, de prestação em que, pela sua natureza intrínseca, pela estipulação das partes ou por disposição da lei, o devedor não possa ser substituído por terceiro, basta a impossibilidade subjectiva para que a obrigação se extinga. Se, pelo contrário, como é o caso da obrigação assumida através do celebrado contrato-promessa de compra e venda, a prestação for fungível, só a impossibilidade objectiva constitui causa extintiva do vínculo (A. Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., vol. II, p. 71). No caso dos autos nem sequer resulta dos factos provados que a doença de que a Ré padece a tenha impossibilitado de cumprir o celebrado contrato. Como bem refere a sentença recorrida, não ficou demonstrado que a Ré tenha estado impossibilitada de cumprir o contrato, por motivo de doença, durante todo o período em que o seu cumprimento era ainda possível, quer porque não logrou demonstrar que tivesse padecido de doença durante todo esse período, quer porque não logrou demonstrar que, mesmo no período abrangido pela doença, esta a incapacitasse sempre de proceder a esse cumprimento. Resulta sim dos factos provados que o não cumprimento do contrato se deveu ao facto de não conseguido obter empréstimo para pagamento da totalidade do preço. Mas a possibilidade de obter meios, por empréstimo ou próprios, para pagar o preço era uma questão que a Ré teria de equacionar na altura em que se vinculou à celebração da escritura de compra e venda do imóvel objecto do celebrado contrato-promessa. Celebrado o contrato, relativamente ao qual não é sequer posta em causa a sua validade, cabia à Autora diligenciar pela obtenção de empréstimo bancário ou obter por outra forma meios para poder pagar o preço acordado. Não o tendo feito, nem resultando dos factos assentes que tenha sido devido à sua doença que não conseguiu obter empréstimo para pagamento do preço, não afastou a presunção de que a falta de cumprimento lhe é imputável. Incumprimento que a faz incorrer no pagamento das quantias indicadas na sentença, referentes à perda do sinal, e à indemnização pela ocupação do imóvel, fundada na acordada cláusula penal, reduzida equitativamente na sentença recorrida. 2.2. Recurso subordinado da Autora Defende a Autora a revogação da decisão recorrida na parte em que reduziu a claúsula estabelecida no contrato, alegando que a dita claúsula não podia ser reduzida oficiosamente, tendo de ser pedida pelo devedor, a quem cabia o ónus de alegar e provar factos que eventualmente integrem a desproporcionalidade entre o valor da claúsula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir. Mais alega que ainda que assim se não entendesse sempre seria de considerar, relativamente ao ressarcimento dos danos sofridos pela Autora/Recorrente um valor locativo dos imóveis objecto do contrato-promessa de, pelo menos, € 500,00 mensais. Na sua contestação a Ré defendeu não só que não seria devida qualquer quantia ao abrigo da dita cláusula penal, mas também que a mesma era excessiva e não poderia exceder o prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal (cf. arts. 79º a 82º da contestação). «A claúsula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula qualquer estipulação em contrário»- artigo 812º, n.º 1, do Código Civil. Tem sido entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedido pelo citado art. 812º-1 do Cód. Civil, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização. Postulam-no razões como a circunstância de se estar perante uma norma de protecção do devedor, de cujos efeitos, após a avaliação que faça da situação a posteriori, poderá livremente dispor, bem como a regra processual dos limites do conhecimento pelo princípio do pedido (artºs. 660º-2, 661º-1 e 664º CPC)- v. Pinto Monteiro, "Cláusula Penal e Indemnização", 735; Calvão da Silva, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 275; acs. STJ, de 17/2/98, RP de 23/11/93 e 26/1/00, in, respectivamente, CJ VI-I-72, XVIII-V-225 e XXV-I-20. Mas não será necessária a formulação de um pedido formal de redução da indemnização fixada, bastando que o devedor assuma nos articulados da acção uma posição reveladora, "ainda que só de modo implícito", do seu inconformismo ou discordância com a satisfação dos valores que lhe são pedidos, invocando o seu excesso ou uma desproporcionalidade que evidencie esse mesmo excesso. (cfr., neste sentido, Pinto Monteiro, ob. e loc. cit., nota 1654). No caso dos autos, embora a Ré omita o pedido expresso de redução, está implícito na sua alegação que considera a estabelecida claúsula penal excessiva, defendendo que nada é devido com base naquela cláusula. Assim, ao reduzir a dita claúsula penal o Tribunal não decidiu oficiosamente, antes se limitou a apreciar a defesa da Ré quanto á dita cláusula penal, considerando-a parcialmente procedente (v. nesse sentido Ac. do STJ de 14-2-75, BMJ 244, p. 261). Carece a Autora também de razão quanto ao valor considerado na sentença recorrida (€ 400,00 mensais). A própria Autora alegou que para dispor de habitação e garagem idênticas àquelas de que a Ré usufruiu esta teria de pagar, ao tempo, uma renda mensal de € 400,00 (cf. artigos 60º a 63º da Réplica). Valor locativo que veio a resultar provado e, no qual se baseou a sentença recorrida., pelo que se mostra justa e equitativa a medida da redução. Termos em que improcedem ambos os recursos, não havendo fundamento para alterar a sentença recorrida. III- Decisão Pelo exposto acordam em julgar improcedente a apelação interposta pela Ré e o recurso subordinado interposto pela Autora, confirmando-se a decisão recorrida. Custas de cada dos recursos pelas respectivas recorrentes. * Porto, 31 de Outubro de 2006Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge José Manuel Cabrita Vieira e Cunha |