Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0817119
Nº Convencional: JTRP00042101
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Nº do Documento: RP200901280817119
Data do Acordão: 01/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 564 - FLS 174.
Área Temática: .
Sumário: A liberdade condicional não tem aplicação no caso de pena de prisão a ser cumprida em regime de permanência na habitação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO (Tribunal da Relação)
Recurso n.º 7119/08
Processo n.º …./07.9TXPRT-A
Em conferência na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
1- No ..º juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, no processo acima identificado, o arguido B………., a cumprir pena de prisão em regime de permanência na habitação, veio requerer ao sr Juiz de Execução de Penas a apreciação e concessão da liberdade condicional.
Porém, por despacho de fls 31 deste recurso, indeferiu-se o requerido, fundamentalmente por se entender que o instituto da liberdade condicional apenas se aplica à pena de prisão a ser cumprida em estabelecimento prisional (EP)

2- Inconformado, recorre o arguido, concluindo a sua motivação como segue:
O tribunal feriu as garantias do arguido, incorrendo desse modo em inconstitucionalidade, porque aplicou efectivamente uma interpretação do art. 61 do C.P.P. como podendo o tribunal indeferir a promoção do processo graciosos da concessão da liberdade condicional.
Feriu assim o despacho em crise os arts. 44.º e 61.º do CodPenal e ainda os arts. 29.º n° 4 e 204.º da C.R.P..
Pelo que deve ser dada procedência ao recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida por falta de fundamentação, ilegalidade e inconstitucionalidade, devendo em consequência ser ordenada a promoção do processo graciosos de concessão de liberdade condicional.

3- Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer no sentido de o recurso não merecer provimento

4- Foi colhido o visto legal e teve lugar a conferência.

5- Fundamentação
Importa, para conhecer o recurso, reter os factos mais significativos:
- Por sentença de 11-4-2005, foi o recorrente condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão efectiva, e o recorrente iniciou o cumprimento dessa pena em 11-2-2007 no E.P..
- No decurso do cumprimento dessa pena, o recorrente formulou requerimento em que pediu a reabertura da audiência, ao abrigo do disposto no art. 371.º-A do CodProcPenal, para a requerida substituição da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação, na redacção introduzida no art. 44.º do CodPenal pela Lei n° 59/2007, de 4-9, entrada em vigor em 15-9-2007.
- Sobre tal requerimento recaiu decisão favorável e, após a reabertura da audiência e realizada esta, o sr. juiz da Comarca de Ovar proferiu decisão em 11-4-2008, em que considerou que no caso se verificavam preenchidos os pressupostos referidos no art. 44.º n° 1 do CodPenal (regime de permanência na habitação) na redacção introduzida pela Lei n° 59/2007 e no art. 487 do C.P.P. (regime da execução da prisão por dias livres e em regime de semidetenção ou de permanência na habitação) na redacção introduzida pela Lei n° 48/2007 e, em consequência, determinou que o ora recorrente cumprisse "o remanescente da pena de prisão em que foi condenado em regime de permanência na habitação, sita na Rua ………., n° …, ………., Ovar", consignando-se ainda que o arguido ficava "apenas autorizado a ausentar-se dessa residência para o cumprimento das obrigações processuais e para efeitos de assistência médica de urgência, devendo comunicar previamente aos serviços de reinserção social a necessidade dessas, os quais realizarão o controlo das mesmas, sem necessidade de prévia autorização do Tribunal" (decisão a fls 20 ss deste recurso).
Por sua vez, a decisão recorrida tem, em resumo e em substância, o seguinte teor: «Verifica-se, deste modo, ter sido alterado o modo de execução da pena aplicada, afigurando-se que a mesma, no presente, não integra o conceito de prisão a que alude o artigo 61.°, n.° 2, do Código Penal. Com efeito, não se encontrando o condenado em estabelecimento prisional, não se torna possível recolher os elementos previstos no artigo 484.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, os quais se revelam essenciais em ordem à tomada de decisão sobre o instituto da liberdade condicional. Aliás, a lei (artigo 61.°, n.° 2, citado) não se serve da expressão pena de prisão, o que também indicia pressupor que o condenado se encontra, de facto, em estabelecimento prisional no momento em que o T.E.P. decide sobre a aplicação das medidas previstas nos artigos 61.° e 62.°, ambos do Código Penal - lateralmente, pode aqui referir-se que é a circunstância de a lei empregar o termo prisão que permite incluir no seu âmbito de aplicação os casos de prisão subsidiária com duração superior a seis meses. A eventual revogação ada na sentença", seguindo-se inciso com regra de desconto em consonância com a prevista no artigo 80.°, do mesmo diploma legal. (...) O legislador não vê como prisão (...) o regime de permanência na habitação (...) pelo exposto não ocorrendo revogação do regime em vigor, não há lugar à organização de processo com vista à eventual concessão de liberdade condicional (...)»
Importa apreciar e decidir.
Dispõe o n.º 1 do art 44.º do CodPenal na actual redacção: «Regime de permanência na habitação: Se o condenado consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano; b) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.». Este normativo vem na sequência do art. 43.º. que dispõe no seu n.º 1: «1 — A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes»
E no que toca à liberdade condicional, dispõe o art. 61.º do mesmo diploma: (...) «2 — O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social» (...).
Disciplinando processualmente a execução destes institutos, dispõe art. 484.º do CodProcPenal: «Início do processo da liberdade condicional: 1 — Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução das Penas: a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso; b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director de estabelecimento.
2 — Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o Tribunal de Execução das Penas solicita aos serviços de reinserção social: a) Plano individual de readaptação; b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional» (...).
E o art. 487.º prescreve, agora quanto à prisão a ser cumprida na habitação: «1 — A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes» (...) .
Embora os dois normativos citados por último estejam, como é natural, contidos no mesmo Título I do Livro X do CodProcPenal, aparecem contudo em Capítulos diferentes e sucessivos (no Capítulo II e III, respectivamente). Ora, esta arrumação sistemática logo aponta no sentido de que o legislador quis dissociar os dois regimes de execução de pena. Aliás, se o legislador quisesse estender a aplicação da liberdade condicional ao cumprimento da pena de prisão em habitação, sem dúvida que o teria feito de forma clara
Isto por um lado. Por outro lado, e decisivamente, os dois regimes são fundamentalmente diferentes e obedecem a pressupostos bem diversos, como se vê da simples leitura daquelas normas do CodProcPenal.
De onde também resulta que são diferentes as entidades a quem cabe controlar a execução de cada uma das apontadas penas: o cumprimento da pena de prisão efectiva é controlada pelo Tribunal de Execução de Penas, a prisão a ser cumprida na habitação deve naturalmente ser acompanhada pelo tribunal da condenação. O que significa, como bem refere o despacho recorrido, que a partir do momento em que o condenado em cumprimento de pena de prisão num Estabelecimento Prisional passa ao regime de prisão com permanência na habitação, o TEP respectivo deixa de ter competência e meios para acompanhar e controlar a execução desta pena mais favorável. E, por fim, como diz acertadamente o Emo PGA no seu parecer de fls 37 ss, «(...) tendo o legislador previsto o regime de permanência na habitação para cumprimento de penas de prisão de curta duração, criou um regime incompatível com a aplicação, ao mesmo tempo, do regime de liberdade condicional pois que, por sua vez, este não é aplicável a penas curtas de prisão, uma vez que o condenado tem de cumprir em regime contínuo pelo menos 6 meses de prisão (art. 61.º-2 do CodPenal)».
Assim, o recurso é improcedente.
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6- Decisão
Pelos fundamentos expostos:
I- Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida

II- O recorrente pagará 2 Ucs de taxa de justiça
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Porto, 28-1-2009
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira