Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0635162
Nº Convencional: JTRP0000635162
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
Nº do Documento: RP200610260635162
Data do Acordão: 10/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 688 - FLS. 177.
Área Temática: .
Sumário: Nas partes sobrantes resultantes de expropriação por utilidade pública, nos casos em que nos solos não é legalmente possível a construção, a afectação com gravidade remete, entre outros elementos, para a apreciação da dimensão da parcela sobrante, em si mesma e em comparação com os prédios vizinhos, para a sua localização e para a viabilidade económica de ser aproveitada para o mesmo fim que aí se realizava.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal do Porto

Relatório
Nos autos de expropriação em que é expropriante Estradas de Portugal, E.P.E., por sucessão legal nos direitos e obrigações do IEP - Instituto de Estadas de Portugal (Dec-Lei 293/04, de 21.12.) e expropriada B………., requereu a expropriada a expropriação da parcela sobrante a norte, de harmonia com disposto no art. 550 do C6digo das Expropriações.
A entidade expropriante pronunciou-se pelo indeferimento da requerido, por entender que a expropriada não fundamenta a sua pretensão, sendo certo que, em seu entender, a parcela sobrante não sofre qualquer espécie de depreciação e muito menos uma depreciação susceptível de dar origem à expropriação total.
Na sequência da instrução desses autos o Tribunal de 1ª instância julgou precedente a pretensão formulada pela expropriada, decretou, nos termos do disposto no art. 30, nº 3, do Código das Expropriações, a expropriação da parcela sobrante, e adjudicou à entidade expropriante Estradas de Portugal essa parcela
Inconformada com tal decisão a expropriante interpôs o presente recurso concluindo que:
O processo de expropriação originou a existência de uma área sobrante localizada a Norte com cerca de 3.120 m2;
A aludida área sobrante não tem capacidade construtiva, face à sua inserção no PDM de Vila do Conde;
O aludido terreno mantém todas as condições e características que se ficavam antes da DUP, não perdendo a sua capacidade e destino económico;
O laudo pericial maioritário elaborado nos presentes autos, não faz referência a qualquer desvalorização da parte sobrante;
Na hipótese da parcela sobrante ficar desligada da área restante do prédio, originaria uma desvalorização da parte sobrante, tal como foi calculado pelo Acórdão;
A não interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou nº 2 do art. 3°, e o art. 55° do Código das Expropriações.
A Agravada contra alegou sustentando o acerto da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação
A 1º Instância deu como provado que:
A parcela expropriada, com o nº 111, tem a área de 12.229 m2 e está abrangida pela declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Publicas de 9 de Maio de 2003, publicado no Diário da República, II série, nº 128, de 3.06.03;
- Faz parte de um prédio misto, de maiores dimensões, constituído por casa de habitação, de rés-do-chão e 1° andar, anexos e dependências agrícolas, com a área coberta de 985,70 m2 e descoberta com 552,30 m2 e terrenos agrícolas, com a área de 34.247 m2, sito na freguesia de ….., concelho de Vila do Conde, a confrontar do norte com EM 527, do sul com caminho público, do nascente com C……….. (P. 112) e poente D………… (P. 109), inscrito no art. 567º urbano e 865° rústico da referida freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 00427/990601
- A parcela expropriada fica a confrontar do norte e sul com restante propriedade, do nascente com C……… e poente com D………;
- O prédio referido ficou divido com a expropriação, desta tendo resultado duas parcelas sobrantes, uma a norte e outra a sul;
- Na parcela sobrante a sul, ficam as dependências urbanas do prédio (casa de habitação, anexos e dependências agrícolas) e terrenos agrícolas;
- A parcela sobrante a norte tem a área de 3.120 m2, e configuração rectangular, fica intercalada entre a parcela expropriada (actual A 7) e a EM 527, desenvolvendo-se ao longe desta, na extensão aproximada de 130 m e com uma profundidade em relação a este arruamento de 22,00 ml;
- Toda a área da referida parcela sobrante a norte fica dentro da zona de protecção non edificandi, não sendo possível a sua utilização para a construção;
- A referida parcela sobrante a norte fica desligada da restante parte do prédio não expropriada (parcela sobrante a sul), onde se encontram os edifícios de habitação e dependências agrícolas, sendo necessário percorrer, pelo menos, 1500 metros, por vias publicas, desde esta parte do prédio até à dita parcela;
- Na referida parcela a norte, antes da expropriação, era efectuado a cultivo de produtos agrícolas e de vinha em ramada;
- Após a expropriação e a construção da auto-estrada, na referida parcela a norte deixou de ser efectuada qualquer exploração agrícola, encontrando-se abandonada.
- Atento as dimensões da parcela sobrante a norte e sua localização, a mesma fica insusceptível de exploração agrícola economicamente rentável.
… …
A questão objecto do recurso, aferida pelo teor das conclusões do recorrente – que delimitam o respectivo âmbito de conhecimento – consiste em saber se tem fundamento determinar a expropriação da parte sobrante de um determinado prédio.
Segundo o art. 3º do Código das Expropriações “ A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim (…)”, o que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade segundo o qual o dano causado ao expropriado deve apenas corresponder ao necessário a satisfazer o fim de utilidade pública.
Porém, nos termos do nº2 do normativo citado “Quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total:
a) Se a parte restante não assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio;
b) Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente.”.
A estatuição deste preceito visa evitar uma lesão excessiva do expropriado e, na protecção do interesse deste, impõe à expropriante uma expropriação superior à sua necessidade a fim de satisfazer o interesse daquele. Isto é, a lei tempera a regra da necessidade e suficiência com imperativos de justiça e faz funcionar o princípio da proporcionalidade ajustando-o a situações que se enquadrem nas situações aludidas no nº2 do normativo citado (cfr. Pedro Elias da Costa, Guia das expropriações por Utilidade Pública, p. 44 a 47).
Sabemos que um diminuição dos cómodos justifica sempre a contabilização da depreciação daí resultante e a sua inscrição no montante da indemnização referente á parcela expropriada, de acordo com o disposto no art. 29 nº2 do CE onde se dispõe que “Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada.”.
Porém, a lei fixa casos especiais em que a afectação dos cómodos se reveste de uma gravidade a que o disposto no art. 29 nº2 do CE não dá resposta satisfatória e, então, quando se verifique que a parte restante não assegura, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio ou que os cómodos assegurados pela parte restante não têm interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente, permite-se ao expropriado que solicite a expropriação total.
A questão que nos ocupa no presente recurso é precisamente a de determinar se a parte sobrante do prédio expropriado cabe na previsão do art. 3º nº2 do CE e se assim deve manter-se a decisão que deu atendimento ao pedido de expropriação total formulado pelo expropriado.
Em termos estritamente objectivos a prova certifica que:
- com a expropriação, o prédio ficou dividido, tendo resultado duas parcelas distintas, uma norte e outra a sul, separadas totalmente entre si pela parcela expropriada (a actual A7) e pela EM 527, sendo necessário percorrer, pelo menos, 1.500 metros, por vias públicas, desde a parcela sobrante sul onde se encontram os edifícios de habitação e dependências agrícolas, até à parcela sobrante Norte;
- Atendendo ás dimensões da parcela sobrante a norte e sua localização a mesma fica insusceptível de exploração agrícola economicamente rentável.
Se nos detivermos na leitura do acórdão de arbitragem que observou e registou estas circunstâncias, verificamos que, com base nelas, sugeriu que se procedesse à expropriação da parcela sobrante a norte em virtude de ela ficar sem interesse qualquer continuação da sua exploração agrícola, devido aos encargos inerentes à sua localização e distâncias a percorrer, o que contraria a conclusão do Agravante quando afirma que o Acórdão Arbitral calculou uma desvalorização da parte sobrante, incluída no valor a pagar pela parcela expropriada, já que aquele laudo o que sugeriu em face das circunstâncias, foi, precisamente, a expropriação total da parcela sobrante a norte.
Acresce que ao contrário também do que a Agravante refere, em parte alguma da decisão recorrida se afirmou ou tomou em consideração como fundamento de deferimento da pretensão da expropriada a impossibilidade de construção em tal área dizendo-se simplesmente que segundo a Lição de Pedro Elias da Costa (op.cit. p.185), se nos casos em que os solos são aptos à construção a afectação com gravidade significa ter ficado inviabilizada a construção, nos casos em que nos solos não é legalmente possível a construção, a afectação com gravidade remete, entre outros elementos, para a apreciação da dimensão da parcela sobrante, em si mesma e em comparação com os prédios vizinhos, para a sua localização e para a viabilidade económica de ser aproveitada para o mesmo fim que aí se realizava.
Por outro lado, para que melhor se perceba o raciocínio que conduziu à afirmação de que no caso se observa uma afectação com gravidade que faz aplicar o art. 3º nº2 do CE deve valorar-se que a parcela expropriada faz parte de um prédio misto constituído por um prédio de habitação, anexos e dependências agrícolas com área coberta de 985,70 m2 e descoberta de 552,30 m2 e por terrenos agrícolas com área de 34.247 m2, percebendo pela extensão da parcela sobrante a norte (3.120 m2) que no contexto da área agrícola primitiva e destino que lhe era dado (cultivo de produtos agrícolas e de vinha em ramada) essa parcela a norte perde definitivamente a susceptibilidade de ser uma exploração agrícola economicamente rentável, desde logo porque, para efeitos de viabilidade económica, é inteiramente diferente entender essa parcela ligada num prédio único de extensão muito maior, praticando-se em todo ele uma actividade agrícola única, ou entendê-la como uma exploração agrícola autónoma, de área reduzida, a uma distância daquela em que se integrava e onde se encontram todos os anexos e dependências agrícolas de apoio, por pelo menos 1.500 metros de percurso.
Se a al. b) do nº2 do art. 3º do CE estabelece um critério de objectividade para efeitos de se saber se os cómodos assegurados pela parte restante deixaram de ter interesse económico para o expropriado, o sentido dessa objectividade deve medir-se pelas condições concretas existentes antes de ter sido realizada a expropriação e não pelo simples facto de no terreno que constitui a parcela discutida sempre se poder realizar alguma actividade agrícola, ainda que necessariamente distinta da primitiva.
Cremos pois que perante a prova produzida se deve concluir que a parcela sobrante norte não assegura proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, não só pela descontinuidade que resultou da expropriação e que o colocou em termos de distância de percurso a pelo menos 1.500 metros, como também pela circunstância certificada de as dimensões de tal parcela, e sua localização, a tornarem insusceptível de exploração agrícola economicamente rentável.
Pelo exposto, improcedem na totalidade as conclusões de recurso devendo manter-se na íntegra a decisão recorrida.
Decisão
Nesta conformidade, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao Agravo e, em consequência, manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pela recorrente.

Porto, 26 de Outubro de 2006
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão