Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0716429
Nº Convencional: JTRP00041242
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RP200804140716429
Data do Acordão: 04/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 101 - FLS. 10.
Área Temática: .
Sumário: Para a verificação do “justo impedimento” o que releva é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deve ser valorada em consonância com o critério geral do art. 487º, 2 do C. Civil, sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro, no acompanhamento das causas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6429/07 – 1ª Secção
Relator: M. Fernanda Soares – 630
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa - 893
Dr. Domingos Morais - 831

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
Nos autos de processo comum a correr termos no Tribunal do Trabalho do Porto em que é Autor B……………… e Réu Hospital de S. João EPE, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho: “Nos autos foi designada a audiência de partes para 27.3.2007, diligência à qual o réu – Hospital de S. João EPE, não compareceu –cf. acta de fls.236. Foi então o réu notificado para, querendo, contestar a acção em dez (10) dias, com a cominação do disposto no art.57º do C.P.T. –cf. doc. fls. 238. Notificação que se presume realizada em 30.3.2007 – nº2 do art. 254º do C.P.Civil. Prazo para contestar que terminou em 18.4.2007. Podendo ainda a ré praticar o acto, independentemente de justo impedimento, até 23.4.2007, pagando a multa prevista no nº5 do art.145º do C.P.Civil. A ré contestou a acção em 24.4.2007. E, apresentou o requerimento justificativo que consta de fls.242/244 dos autos. Requerimento que, por despacho de 25.5.2007 proferido a fls.281 dos autos, foi entendido como requerimento invocando “justo impedimento”. Notificado para se pronunciar quanto ao “justo impedimento” invocado, o autor nada disse. O réu arrolou então 3 testemunhas, para com elas fazer prova dos factos alegados no requerimento de fls. 242/243. Tais factos resumem-se à prova do início de funções do novo Conselho de Administração do réu em 27.3.2007 e do facto de este só ter tomado conhecimento da notificação para contestar em 30.3.2007, o que com o estudo deste novo “dossier” atrasou a apresentação do articulado. A tomada de posse é um acto público, do conhecimento público, sendo que a data referida de 30.3.2007 consta do doc. junto pelo réu a fls. 289. Tendo em conta que: a) notificado para se pronunciar, o autor nada disse; b) o facto de a tomada de posse ser um acto público, do conhecimento público, e de a data referida de 30.3.2007 constar do documento junto pelo réu a fls.289; c) o réu sempre poder praticar o acto, nos termos do disposto no nº6 do art.145º do C.P.Civil, pagando a multa prevista e que, na prática do acto o réu apenas excedeu em um (1) dia os três dias úteis previstos no nº5 do art. 145º do C.P.Civil, sem necessidade de produzir a prova testemunhal oferecida, dispensa-se o réu do pagamento de qualquer multa pela entrega do articulado (contestação) para além do prazo legal, considerando-se verificado o alegado “justo impedimento”. Sem custas”.
Inconformado, veio o Autor recorrer pedindo a revogação do despacho e a sua substituição por outro que julgue extemporânea a contestação, concluindo nos seguintes termos:
1. A decisão recorrida parte da presunção legal de que a Ré foi notificada para contestar dia 30.3.2007, com base na presunção decorrente do nº3 do art.254º do C.P.C., quando, na verdade, foi a Ré notificada dia 28.3.2007, como alegou e reconhece a fls.242.
2. Por outro lado, tem como assente o pressuposto de que o Conselho de Administração tomou posse dia 30.3.2007, quando na realidade o início de funções ocorreu dia 27.3, conforme consta de fls. 242.
3. Tal, só por si, inviabilizaria as conclusões do despacho recorrido já que notificada a Ré a 28.3.2007 o prazo havia-se escoado em 16.4.2007, pelo que a Ré só poderia ainda praticar o acto até ao dia 19.4, desde que liquidada a multa prevista no art.145º do C.P.Civil, o que não ocorreu.
4. Atendendo à noção de justo impedimento dada pelo art. 146º nº1 do C.P.C., a parte interessada não pode beneficiar da excepcionalidade do referido conceito quando tenha havido da sua parte negligência, culpa ou imprevidência.
5. Ora, compulsado o requerimento apresentado pela Ré, a invocação do justo impedimento baseia-se na necessidade do recém-empossado Conselho de Administração ter julgado necessário efectuar um levantamento da situação e a “confusão” decorrente do carimbo aposto na notificação.
6. Tal não pode configurar nunca uma situação de justo impedimento, pois que esta figura exige que a prática em tempo útil do acto, seja provocada por facto não imputável ao litigante em falta e porque a causa da extemporaneidade reside em si mesmo, como é o caso, então, já não existe o justo impedimento.
7. Mesmo considerando-se a notificação como efectuada a 30.3.2007, a contestação deu entrada em juízo em 24.4.2007, ou seja, depois de decorrido o prazo legal e os três dias a que alude o art.145º do C.P.C..
8. Daqui decorre as consequências previstas no art.57º nº1 do C.P.T..
9. Ao assim não entender, violou o despacho recorrido o disposto nos arts. 54º e 57º do C.P.T., 145º e 146º do C.P.C., e 487º nº2 do C.Civil.
O Réu pugnou pela manutenção do despacho recorrido.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso proceder.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Para além do referido anteriormente cumpre ainda consignar a seguinte factualidade:
1. No requerimento de fls. 242 – o qual é referido no despacho recorrido – o Réu, através da sua assessora jurídica, informou o Tribunal a quo de que “foi notificado por correio registado em 28 de Março de 2007 para apresentação da sua contestação” e que “apenas em 30 de Março de 2007 foi trazido ao efectivo conhecimento do Conselho de Administração, que iniciara funções em 27 de Março p.p., a presente notificação, desconhecendo-se a efectiva data de recepção da notificação neste Hospital.”.
2. A notificação do Réu para contestar foi remetida pelo Tribunal a quo por correio registado datado de 27.3.2007.
III
Questão a apreciar.
Do justo impedimento.
O despacho recorrido partiu da presunção de notificação do Réu estabelecida no art.254º nº2 do C.P.Civil e considerou, deste modo, que o prazo para contestar terminava em 18.4.2007 (ou em 23.4.2007 mediante o pagamento de multa).
Mas no caso concreto, e conforme referiu o Autor nas suas alegações de recurso, é o próprio Réu que reconhece ter recebido no dia 28.3.2007 a notificação para contestar. Logo, não há que funcionar com a presunção a que alude o art.254º nº2 do C.P.C..
Acresce que nos termos do disposto no art.231º nº3 do C.P.Civil há que considerar que o Réu Hospital de S. João foi notificado naquela data para contestar.
E se assim é, o prazo para contestar terminava no dia 16.4.2007, podendo o Réu praticar o acto até ao dia 19.4.2007 mediante o pagamento da respectiva multa (art.145º do C.P.C.).
A contestação deu entrada em juízo no dia 24.4.2007, ou seja, muito para além das datas atrás referidas, a determinar a sua não admissibilidade.
Mas será que no caso se verifica o justo impedimento? È o que vamos analisar.
Nos termos do art.145º nº4 do C.P.C., “O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte”, sendo que “Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto” (nº1 do art.146º do C.P.C.).
Em comentário ao referido artigo diz o Dr. Lopes do Rego o seguinte: “O nº1 pretende operar alguma flexibilização no conceito de “justo impedimento”, colocando no cerne da figura a inexistência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu representante do facto que causa a ultrapassagem do prazo peremptório” (…) “O que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº2 do art.487º do C.Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas” – Comentários ao Código de Processo Civil, p.125.
Ora, e interpretando o teor do despacho recorrido, o que esteve na causa da não apresentação atempada da contestação teria sido o facto de o novo Conselho de Administração do Réu ter iniciado as suas funções em 27.3.2007 e o facto de só em 30.3.2007 ter tomado conhecimento da notificação para contestar, o que constitui, segundo o entendimento do Tribunal a quo, justo impedimento.
Mas, e salvo melhor opinião, discorda-se pelas razões que vamos expor.
Em primeiro lugar quando o Réu foi notificado para contestar já o novo Conselho de Administração havia iniciado funções. Em segundo lugar, o facto de só em 30.3.2007 o novo Conselho de Administração ter tido conhecimento do teor da notificação não é por si só fundamento da impossibilidade de praticar atempadamente o acto, na medida em que naquela data (30.3.2007) ainda se encontrava a decorrer o prazo para contestar (o qual só terminava em 16.4.2007 ou em 19.4.2007).
Na verdade, o que o Réu veio invocar foi a necessidade de após a notificação – ocorrida em 28.3.2007 – ter de proceder ao levantamento do processo e averiguação dos factos alegados o que demorou algum tempo.
Ora, se assim era, então melhor teria andado o Réu recorrendo ao disposto no art.486º nºs.5 e 6 do C.P.Civil.
Por isso não pode o despacho recorrido manter-se.
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Termos em que se concede provimento ao agravo, se revoga o despacho recorrido e se substitui o mesmo pelo presente acórdão julgando-se não verificado o justo impedimento, e em consequência se ordena que o Mmo. Juiz a quo ordene o desentranhamento da contestação e profira sentença em conformidade.
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Sem custas por o agravado delas estar isento.
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Porto, 14 de Abril de 2008
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais