Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0724904
Nº Convencional: JTRP00040724
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: INJUNÇÃO
CAUSA DE PEDIR
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DOS ARTICULADOS
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Nº do Documento: RP200710300724904
Data do Acordão: 10/30/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 255 - FLS. 78.
Área Temática: .
Sumário: I- Se no requerimento de injunção consta que o requerente vendeu ao requerido uma viatura usada, a data da venda e o número do contrato e consta da factura anexa a identificação da viatura e o valor da venda, não existe falta de causa de pedir.
II- A omissão do despacho-convite ao aperfeiçoamento dos articulados não consubstancia nulidade processual, designadamente se o juiz entendeu prosseguir os termos da acção, podendo defender-se solução diferente se o juiz profere logo decisão desfavorável com fundamento na insuficiência do articulado.
II- São elementos constitutivos da prescrição presuntiva o decurso do prazo de dois anos após a venda e não ser o devedor comerciante ou, sendo-o, não ter destinado os objectos vendidos ao seu comércio. Não pode também o réu negar a existência da dívida, por tal ser incompatível com a presunção de cumprimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 4904/07-2 - Apelação
Decisão Recorrida: Proc. nº …../06.3TBBRG do …º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Famalicão.
Recorrente: B……………………
Recorrido: C…………………, Lda.
Relator: Cristina Coelho
Adjuntos: Desemb. Eduardo Rodrigues Pires e Desemb. Canelas Brás
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO.
C…………….., Lda. apresentou requerimento de injunção, no Tribunal de Braga, contra B………………., pedindo a notificação do Requerido no sentido de ser paga a quantia de € 12.334,99, sendo € 8.978,36 de capital, € 3.267,63 de juros à taxa de 12%, vencidos desde 30.12.2002 até à data de entrada da injunção em juízo, e € 89 de taxa de justiça.
Fundamenta o pedido no contrato de compra e venda nº 2000365, de uma viatura usada, celebrado com o R. em 30.12.2002, juntando cópia da respectiva factura.
Notificado o Requerido, veio o mesmo deduzir oposição, alegando:
- que nada deve, tendo, pelo contrário, um crédito sobre a Requerente;
- mas mesmo que assim não fosse, o crédito da Requerente já se mostra prescrito por força do art. 317º, al. b) do CC.
Termina pedindo a improcedência da injunção.
Perante a oposição apresentada, foi determinada a remessa dos autos à distribuição, o que foi feito como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
No Tribunal de Braga foi, então, proferido despacho que declarou a incompetência territorial do referido tribunal para conhecer da acção e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal de Vila Nova de Famalicão, por ser o competente.
Designada data para julgamento, a A. apresentou requerimento, no qual se pronuncia sobre a excepção de prescrição invocada pelo R., propugnando pela sua improcedência.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 8.978,36, acrescida dos juros legais a contar de 30 de Dezembro de 2002 e até integral pagamento.
Não se conformando com o teor da decisão, recorreu o R., formulando, a final, as seguintes conclusões:
1ª- A causa de pedir no requerimento de injunção não está explícita, não descreve a factualidade concreta susceptível de integrar uma certa causa de pedir, o que equivale a dizer que falta a causa de pedir.
2ª- A falta de causa de pedir torna a petição inicial inepta e nulos todos os actos subsequentes.
3ª O pedido e a causa de pedir do requerimento de injunção são contraditórios.
4ª- Preceitua a al. b) do nº 2 do art. 193º do CPC que, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir a petição inicial é inepta, sendo nulo todo o processo, nulidade essa de conhecimento oficioso como prevê o art. 202º do CPC.
5ª- O apelante alegou na oposição a prescrição presuntiva nos termos da al. b) do art. 317º do CC, todavia, não alegou expressamente os dois elementos constitutivos dessa prescrição.
6ª- Face à insuficiência ou deficiente alegação do pedido devia o Mmo Juiz convidar o apelante a aperfeiçoar o seu articulado com vista a suprir as insuficiências, o que não sucedeu.
7ª- A omissão do despacho-convite constitui nulidade processual, uma vez que, a irregularidade é susceptível de influir na decisão da causa, conforme preceitua o nº 1 do art. 201º do CPC.
8ª- Em consequência da omissão do convite para o aperfeiçoamento, deve revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por despacho com convite ao apelante para sanar a insuficiência da oposição.
9ª- Há prova documental bastante nos autos para que sejam dados como provados os dois elementos constitutivos da invocada prescrição presuntiva.
10ª- A factura de fls. 3 prova que já decorreram dois anos sobre a invocada venda do veículo automóvel.
11ª- Os documentos de fls. 87, 92 e 93 provam que o apelante à data da invocada venda estava desempregado, logo não é comerciante, nem estava colectado como empresário em nome individual.
12ª- A sentença em recurso deu como provada matéria não alegada no requerimento de injunção e, contrariamente, não considerou a prova documental do apelante, violando o princípio da igualdade das partes previsto no art. 3º-A do CPC.
13ª- A interpretação discricionária dos arts. 3º-A, 664º, e nº 2 do art. 264º do CPC é inconstitucional por violar o princípio da igualdade das partes e do acesso ao direito.
14ª- Verificados os pressupostos das conclusões 1ª a 5ª, deve a decisão recorrida ser substituída por douto acórdão que declare a nulidade e anulação de todos os termos subsequentes.
15ª- Caso assim não se entenda, deve o acórdão a proferir revogar a sentença recorrida e ordenar que o apelante seja convidado a suprir as irregularidades entendidas, insuficiências e imprecisões na exposição da matéria alegada, aperfeiçoando, deste modo, os seus articulados.
16ª- Subsidiariamente, na eventualidade de não ser considerado necessário qualquer esclarecimento, seja proferido douto acórdão que julgue provada a excepção de prescrição presuntiva, com todas as consequências legais.
Houve contra-alegações, propugnando a recorrida pela manutenção da sentença recorrida.
QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente ( arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC ), são quatro as questões a decidir, não obstante outras abordadas nas alegações de recurso. A saber:
1ª – Se ocorre falta de causa de pedir do requerimento de injunção;
2ª – Se existe contradição entre o pedido e a causa de pedir no requerimento de injunção;
3ª – Se ocorre nulidade por omissão de despacho-convite ao aperfeiçoamento da oposição à injunção;
4ª – Se a prova documental junta aos autos é suficiente para prova dos factos constitutivos da excepção da prescrição do direito da A. invocada pelo R., tendo havido violação do princípio da igualdade entre as partes, e verificando-se inconstitucionalidade, por violação do referido princípio, dos arts. 3º-A, 664º, e nº 2 do art. 264º do CPC, se se entender que permitem interpretação discricionário do juiz.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1º- Em Junho de 2001, no exercício da sua actividade comercial, a A. vendeu ao R. um veículo automóvel de marca Skoda, matrícula ..-.. -LX, pelo preço de € 11.971,15.
2º- Por no momento da compra e venda celebrado entre a A. e o R., este ser credor da primeira, a título de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, vencimento do mês de Junho de 2001 e comissões de venda de automóveis da quantia de 419.070$00, a mesma não foi entregue ao R. e ficou para liquidar o veículo automóvel adquirido.
3º- O R. ficou obrigado a liquidar o restante montante - € 9.880,84 – em três prestações até ao fim do ano de 2001.
4º- Por conta do referido contrato o R. entregou ainda à A. a quantia de 180.930$00 ( € 902,47 ).
5º- O veículo automóvel vendido pela A. ao R. em Junho de 2001 não foi de imediato facturado por solicitação do R., pois o mesmo fazia parte do imobilizado da A. e havia todo o interesse em beneficiar de mais uma amortização fiscal e assim de um desconto na aquisição do veículo.
6º- No final do ano de 2002, um funcionário da A. verificou que o veículo automóvel ainda constava do imobilizado da empresa, motivo pelo qual facturaram o mesmo com a data de 30.12.2002.
7º- O R. foi interpelado para proceder ao pagamento da quantia em débito - € 8.978,36 – e não o fez até à data de hoje.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1ª Questão.
A 1ª questão que o Recorrente suscita nas suas conclusões de recurso é a da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, em virtude de falta de causa de pedir, alegando que “ a causa de pedir no requerimento de injunção não está explícita, não descreve a factualidade concreta susceptível de integrar uma certa causa de pedir ”.
Nos termos do art. 193º, nº 1 do CPC “ é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial ”, esclarecendo o nº 2 do mesmo artigo que a petição é inepta “ a) quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; ... ”.
Conforme escreve Manuel Domingues de Andrade in “ Noções Elementares de Processo Civil ”, 1979, pág. 111, a propósito da noção de causa de pedir, esta “é o acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto ) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (art. 498º, nº 4 do CPC ) ”.
E Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “ Manual de Processo Civil ”, 2ª edição, pág. 245 definem a causa de pedir como “o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido”.
O art. 498º, nº 4 do CPC, a propósito da litispendência e do caso julgado, estatui que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico ”.
Como refere Anselmo de Castro in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. I, 1981, pág. 204 e ss., a nossa lei consagra a teoria da substanciação, para a qual a causa de pedir é o facto gerador do direito, “ o acontecimento concreto, correspondente a qualquer “fattispecie” jurídica que a lei admita como criadora de direitos, abstracção feita da relação jurídica que lhe corresponda ”.
Na petição inicial deve, pois, o autor indicar, de forma expressa, completa e clara (perceptível) o facto (jurídico) concreto que fundamenta a sua pretensão, expondo os factos que servem de fundamento à acção ( arts. 264º, nº 1 e 467º, nº 1, al. d) do CPC ).
A presente acção começou como processo de injunção, ao abrigo do disposto no DL. 269/98 de 1.09.
O processo de injunção previsto no art. 7º e ss. do mencionado diploma legal, destina-se, essencialmente, à formação de um título executivo extrajudicial a partir de uma obrigação pecuniária de origem contratual.
A forma de apresentação do respectivo requerimento encontra-se sujeita a modelo aprovado por portaria do Ministro da Justiça, e o art. 10º, nº 2 do mencionado diploma legal específica o conteúdo obrigatório daquele.
Uma das exigências do requerimento de injunção é a exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão (art. 10º, nº 2, al. d) do DL. 269/98 de 1.09), ou seja, a indicação da causa de pedir.
“ ... No processo de injunção, a lei não dispensa a causa de pedir, os fundamentos da pretensão, apenas permite a sua dedução de forma sucinta ” (Ac. da RP de 9.12.04, P. 433776, in http: // www. dgsi. pt / jtrp. nsf).
Como refere Salvador da Costa, in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 5ª Edição, pág. 189, a lei não dispensa o requerente do procedimento de injunção “de invocar, no requerimento, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves ”.
In casu, a requerente utilizou o modelo previsto na Port. nº 808/2005 de 9.09, e nele assinalou, no quadro destinado à indicação da causa de pedir e como fundamento da sua pretensão, tratar-se de “ contrato de compra e venda ”, explicitando de seguida, na quadrícula “Origem do crédito ”, “ Contrato nº 2000365, Data do contrato 30.12.2002, Período a que se refere 30.12.2002 a 30.12.2002 Obs. / Descrição sumária: venda de uma viatura usada ”, anexando, ainda, ao requerimento, a factura referente ao negócio alegado.
Ora, da indicação e descrição feitas, afigura-se-nos que não se poderá concluir, como pretende o Recorrente, pela inexistência de causa de pedir ou, mesmo, pela sua ininteligibilidade.
Do requerimento resulta que a requerente vendeu ao requerido uma viatura usada, em 30.12.2002, ao contrato tendo sido atribuído o nº 2000365, constando da factura anexa a identificação da viatura em causa e o valor da venda, que ainda não foi liquidado na totalidade, fazendo-se, assim, constar do requerimento os factos integradores da causa de pedir.
Face à oposição e à matéria de facto dada como provada, poderá concluir-se que o requerimento não concretizou todos os factos que importaria concretizar, mas tal não obsta a que se conclua que no requerimento se concretizou o núcleo mínimo da factos integradores da causa de pedir, e que impedem a conclusão de inexistência ou ininteligibilidade da causa de pedir.
Não se verifica, pois, ineptidão da petição inicial
2ª Questão.
Alega, de seguida, o Recorrente que a petição é inepta, e nulo todo o processo, uma vez que o pedido e a causa de pedir do requerimento de injunção são contraditórios, pois “o pedido é indicado no montante de € 8.987,36 referente ao capital e na causa de pedir, é indicado como origem do crédito o contrato nº 2000365 de 30.12.2002, ou seja, a factura, cujo montante é de € 11.971,15 ”.
Dispõe o art. 193º do CPC que “ 1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. 2. Diz-se inepta a petição inicial: ... b) quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ”.
Na petição inicial deve o A. formular o pedido (art. 467º, nº 1, al. e) do CPC), tal como no requerimento de injunção deve o requerente “ formular o pedido, com a discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas ” ( art. 10º, nº 2, al. e) do DL. 269/98 de 1 de Setembro ).
Na sequência do que anteriormente se deixou escrito, a causa de pedir na presente acção é o contrato de compra e venda de um veículo automóvel usado celebrado entre A. e R., em 30.12.2002, tal como se fez constar no requerimento de injunção.
E o pedido formulado é o de pagamento da quantia de € 12.334,99, sendo que desse montante, € 8.978,36 é de capital.
Causa de pedir é, de facto, a alegada no requerimento inicial - o contrato celebrado -, não se confundindo com o constante da factura junta com aquele, que será mero meio de prova da alegada causa de pedir, e eventual complemento de factos circunstanciais.
Como refere Salvador da Costa, in loc. cit., pág. 69, “a referência, a título de causa de pedir, à reprodução de documentos não cumpre a obrigação legal de indicação desse elemento, porque a causa de pedir se traduz em factos concretos previstos pela normas jurídicas referentes aos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que se pretendem fazer valer, e aqueles se limitam, nos termos dos arts. 341º e 362º do Código Civil, a provar aqueles factos. Importa, com efeito, ter presente que a alegação ou afirmação de factos e a sua prova correspondem a ónus distintos a cargo das partes, ... ”.
Se a A. entendeu pedir, apenas, de capital a quantia de € 8.978,36, é porque entendeu ser esse o montante em dívida, porque o restante já foi pago, porque decidiu “ perdoar ” o restante, ou por qualquer outro motivo, sendo certo que, encontrando-nos no âmbito dos direitos disponíveis, à A. é permitido actuar dessa forma.
A causa de pedir é o contrato de compra e venda celerado entre A. e R. tal como alegado no requerimento inicial e o pedido é o do pagamento daquele capital em dívida, não existindo qualquer contradição entre uma e outro.
3ª Questão.
Alegou o R. que, na oposição à injunção, invocou a prescrição presuntiva do crédito peticionado, nos termos da al. b) do art. 317º do CC, não tendo, contudo, alegado, expressamente, os dois elementos constitutivos dessa prescrição.
Ora, face à tal deficiente alegação do pedido, devia o Mmo Juiz tê-lo convidado a aperfeiçoar o seu articulado com vista a suprir as insuficiências, o que não sucedeu, constituindo a omissão do despacho-convite nulidade processual, uma vez que, a irregularidade é susceptível de influir na decisão da causa, conforme preceitua o nº 1 do art. 201º do CPC, e termina propugnando que se revogue a sentença recorrida, substituindo-a por despacho com convite ao apelante para sanar a insuficiência da oposição.
Como já se referiu supra, com a apresentação da oposição à injunção, o processo “transmutou-se ” na acção declarativa de condenação com processo especial previsto no DL. 269/98 de 1.09.
Dispõe o art. 17º, nº 3 do referido diploma legal que “ recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais ”.
O normativo em causa tem paralelo com o disposto no art. 508º, nº 3 do CPC que também prevê a possibilidade de, findos os articulados, o juiz proferir despacho a “ convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada ... ”.
Subjacente as estes preceitos estão alegações deficientes ou insuficientes no que respeita à causa de pedir inicial ou da defesa por excepção, não abrangendo as situações de verdadeira omissão daquelas.
As normas em causa pretendem obviar a que o conhecimento do mérito da causa seja prejudicado por razões de mera forma relacionadas com a deficiente, insuficiente ou imprecisa articulação da matéria de facto.
Mas, quer da letra da lei – o juiz pode – quer dos princípios gerais subjacentes ao processo civil, resulta que qualquer um dos preceitos legais referidos contem um dever não vinculado ou mera faculdade.
O legislador concede ao juiz a faculdade, dentro do âmbito dos seus poderes discricionários, de sanar a falta de articulação de factos relevantes para a decisão, faculdade essa que o juiz utilizará ou não, dentro do seu prudente arbítrio.
E, assim sendo, a omissão do despacho-convite ao aperfeiçoamento não consubstancia qualquer nulidade processual (para mais, se o juiz entendeu prosseguir os termos da acção, realizando julgamento e proferindo sentença, podendo defender-se solução diferente se o juiz profere logo decisão desfavorável com fundamento nas insuficiências do articulado ).
A propósito do art. 508º do CPC escreveu-se no Acórdão desta Relação de 7.12.2006, P. 0636576, in http: // www. dgsi. pt / jtrp. nsf que o referido artigo “constitui um exemplo paradigmático de que na actual lei adjectiva civil se procurou colocar o acento tónico na supremacia do direito substantivo sobre o processual, nos princípios da cooperação e da descoberta da verdade material e justa composição do litígio, designadamente despindo-se esse princípio da cooperação dos seus anteriores rigores formais. ... Porém, isso não significa que existe uma imposição ou obrigação, antes se trata de despacho que o juiz proferirá no seu prudente critério, não vinculado, portanto. E daí, também, que a sua omissão não gera qualquer nulidade processual e não é sindicável por via recursiva ”.
E a propósito do art. 17º, nº 3 do DL. 269/98 de 1.09, escreve Salvador da Costa in ob. cit., pág. 258 que “ ... a omissão judicial de prolação do referido despacho de convite ao aperfeiçoamento das peças processuais não tem a virtualidade de implicar a anulação de qualquer acto processual praticado após a oportunidade daquela prolação ”.
Assim sendo, a omissão do despacho de aperfeiçoamento da oposição referido não consubstancia nulidade processual.
Contudo, não se poderá deixar de referir que o R. não podia, em última análise, vir arguir a alegada nulidade, uma vez que deu causa à mesma.
De facto, dispõe o art. 203º, nº 2 do CPC que “não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ...”, aí se consagrando, expressamente, o princípio da auto-responsabilidade, suportando as partes as consequências da sua menos cuidada actuação processual (cfr., entre outros, o Ac. do STJ 21.11.06, P. 06A3687, in http: // www. dgsi. pt / jstj. nsf).
Improcedem, pois, nesta parte, as alegações de recurso.
4ª Questão.
Outra questão suscitada pelo Recorrente é a de que invocou a prescrição do crédito da A., nos termos do art. 317º, al. b) do CC, e, não obstante não ter alegado de forma explícita os 2 elementos da prescrição presuntiva, existe prova documental junta aos autos suficiente para prova dos factos constitutivos da excepção de prescrição do direito da A. invocada pelo R., devendo ser a mesma julgada procedente.
Dispõe o art. 317º, al. b) do CC que “prescrevem no prazo de dois anos: b) os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor ”.
O referido artigo integra-se na subsecção III, que tem por epígrafe “prescrições presuntivas”, esclarecendo o art. 312º do CC que inicia a referida subsecção, que “as prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento”.
Estas presunções destinam-se, como refere Antunes Varela, in RLJ, Ano 103, pág. 254, a proteger o devedor contra o risco de pagar 2 vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo, ou que, elas próprias não constem de documento.
As prescrições presuntivas, ou de curto prazo, distinguem-se das prescrições ordinárias, extintivas, porque, naquelas o decurso de um certo prazo, faz presumir o cumprimento da obrigação, e nestas, o decurso do prazo legal extingue a obrigação, independentemente do cumprimento.
A prescrição presuntiva funda-se na presunção de cumprimento, não conferindo ao devedor, como sucede com a prescrição extintiva, a faculdade de recusar a prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito, visto não ser extintiva de direitos ( art. 304º do CC ).
Como referia Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, págs. 452 e 453, ensinando na vigência do CC de 1867, as prescrições presuntivas distinguem-se das prescrições verdadeiras, pois que enquanto nestas mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa de funcionar a prescrição, naquelas se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira.
Feitas estas considerações iniciais, voltemos à invocada prescrição do crédito da A., nos termos do art. 317º, al. b) do CC.
Atento o teor do referido artigo, já acima reproduzido, os créditos dos comerciantes ou industriais ( profissionais de certo ramo de actividade económica lucrativa ) só prescrevem no espaço de 2 anos se as coisas vendidas ou os serviços prestados se não destinarem à actividade económica do devedor, ou porque ele não se dedique a tal actividade, ou porque, dedicando-se, destine a coisa ou serviço para o seu uso pessoal.
São, pois, elementos constitutivos da prescrição presuntiva: o decurso do prazo de 2 anos após a venda; e não ser o devedor comerciante, ou sendo-o, não ter destinado tais objectos ao seu comércio.
Elementos esses que ao devedor compete alegar e provar, uma vez que a prescrição presuntiva constitui matéria de excepção, que visa impedir ou extinguir o direito do credor – art. 342º, nº 2 do CC.
Não põe o R. em causa que lhe incumbisse alegar e provar os referidos elementos, nem, tão pouco, põe em causa que os tenha omitido ( “ de forma explícita ”, diz o R.) na oposição.
Contra o que se insurge, é que o Tribunal não tenha atentado na prova documental junta aos autos e que alega ser suficiente para prova dos factos constitutivos da excepção presuntiva invocada, violando, mesmo, de forma grosseira, o princípio da igualdade das partes, uma vez que atentou em prova produzida em julgamento, dando como provada matéria não alegada pela A.
Salvo o devido respeito, todo o raciocínio do R. cai pela base, uma vez que, para além da demonstração dos referidos dois elementos constitutivos da invocada prescrição presuntiva, o R. deveria ter alegado, também, o pagamento da dívida ( o que não fez ), ou, pelo menos, não poderia ter praticado nos autos actos incompatíveis com a presunção de pagamento ( o que fez).
A presunção de cumprimento resultante do decurso do prazo de 2 anos só pode ser ilidida por confissão expressa do não pagamento ou por confissão tácita traduzida na prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento – arts. 313º e 314º do CC.
O verdadeiro escopo das prescrições presuntivas é libertar o devedor da prova do cumprimento, mas não o liberta do ónus de alegar que pagou ( neste sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos desta Relação de 13.13.93, in CJ, Tomo V, pág. 240 e de 28.11.94, in CJ, Tomo V, pág. 215).
Como se escreve no Ac. do STJ de 18.12.2003, P. 03B3894, in http: // www. dgsi. pt / jstj. nsf, “ nas presunções deve distinguir-se entre o facto base da presunção e o facto presumido. A lei dispensa a parte que beneficia da presunção da prova do facto presumido – art. 350º do CC. Mas não a dispensa da prova do facto que serve de base à presunção. O devedor só poderá beneficiar da prescrição presuntiva se alegar que pagou, ou que, por qualquer outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo ”.
Ora, o R. nunca alegou que pagou à A. (como, aliás se analisou na sentença recorrida).
Mas, ainda que se entendesse que o R. não tinha de alegar o pagamento, por se entender que a invocação da prescrição presuntiva traz consigo, implícita, a alegação de que cumpriu, o que é um facto é que, como já referido supra, não poderia praticar nos autos actos incompatíveis com a presunção de pagamento, tendo-o feito.
Ao alegar na oposição que “o requerido nada deve à requerente, ...”, o R. nega a existência da dívida (bem como parece invocar uma situação de eventual compensação ao acrescentar “tendo, pelo contrário, perante esta um crédito”, o que sempre pressuporia a existência de débito e de crédito recíprocos - art. 847º do CC ).
Tanto mais que, logo de seguida escreveu “ mas, mesmo que assim não fosse, sempre o crédito da requerente já prescreveu por força da al. b) do art. 317º do CC”.
O R. nega a existência da dívida, para, de seguida, afirmar que, ainda que exista, está prescrita.
O que nos parece é que o R. confundiu prescrição extintiva com prescrição presuntiva, esquecendo que esta não foi criada para libertar o devedor do cumprimento da sua obrigação, mas, tão só, como já referido, para o libertar do ónus de provar que pagou.
Em anotação ao artigo 314º do CC, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 262, que “ é incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor negado, por ex., a existência da dívida, ter discutido o seu montante, ter invocado uma compensação, ter invocado a gratuitidade dos serviços, etc., ... ”.
Face à alegação do R. na oposição, ter-se-á de considerar confessada a dívida nos termos do art. 314º do CC, não podendo o R. beneficiar da prescrição presuntiva.
Assim sendo, irrelevante se torna existir ou não nos autos prova documental suficiente dos factos constitutivos da excepção presuntiva invocada, uma vez que o R. não pode beneficiar da mesma.
Tal como se torna irrelevante analisar se houve violação do princípio da igualdade e do acesso ao direito, ou se são inconstitucionais, por violação grosseira do referido princípio, os artigos 3ºA, 664º e 264º, nº 2 do CPC, quando interpretados no sentido de permitir a sua interpretação no âmbito do poder discricionário do juiz, pelo mesmo motivo, e estando, apenas, em causa a verificação da referida prescrição presuntiva.
DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.
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Porto, 30 de Outubro de 2007
Cristina Maria Nunes Soares Tavares
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João canelas Brás