Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0734977
Nº Convencional: JTRP00041005
Relator: JOANA SALINAS
Descritores: ACÇÃO
HONORÁRIOS
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RP200801170734977
Data do Acordão: 01/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 745 - FLS. 79.
Área Temática: .
Sumário: I – Se o tribunal perante o qual foi exercido o mandato cujos honorários se pretende ver pagos na acção de honorários não é competente, em razão da matéria, o preceito contido no art. 76º do CPC não tem aplicação, não funciona.
II – Este art. pressupõe, necessariamente, que o tribunal da causa tem competência, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários e, partindo desse pressuposto, atribui-lhe também competência, em razão do território, para a mesma acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4977/07 - Agravo
Tribunal Recorrido: ..ª Vara Cível do Porto
[Processo nº …./07.4TVPRT da …ª Secção]
Relatora - Joana Salinas
Adjuntos: Coelho da Rocha
Pinto de Almeida
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Dr. B……………., advogado, com escritório na Rua …….., nº …., Porto, demandou C………….., residente na Rua ……….., nº ……, Porto, nas Varas Cíveis do Porto, pedindo a sua condenação no pagamento de 15.712,00 euros, acrescida dos juros legais sobre o capital de 14.580,00 euros, desde a data da interposição desta acção até integral pagamento, respeitante a honorários por serviços prestados e não pagos, no âmbito de processo de impugnação de despedimento.
O réu contestou e o autor apresentou réplica.
Foi então proferido despacho declarando a incompetência territorial da 8ª Vara Cível do Porto, atribuindo-se tal competência ao 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal de Trabalho do Porto.
Inconformado com essa decisão o autor interpôs este recurso de agravo, pedindo que seja julgado competente o tribunal recorrido para julgar a matéria controvertida. Formulou as seguintes conclusões:
1. O tribunal competente para julgar uma acção de honorários respeitantes a acção tramitada no Tribunal do Trabalho é o recorrido, pois o tribunal do Trabalho é incompetente, em razão da matéria.
2. É esse o entendimento uniforme e pacifico da jurisprudência que se cita abundantemente supra.
3. Ao não entender assim, o tribunal recorrido violou a lei, nomeadamente a LOTJ, que não prevê tal competência cível aos tribunais do Trabalho.
4. A regra de competência do art. 76º do CPC deverá ceder perante as regras de competência de matéria previstas na LOTJ, nomeadamente no art. 85º.
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O réu não contra-alegou.
O Sr. Juiz manteve o seu despacho.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Atentas as conclusões do agravante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – artºs 684º nº 3 e 690º, do Código de Processo Civil, as questões que cumpre decidir reduzem-se a determinar se as Varas Cíveis do Porto são o Tribunal competente para preparar e julgar a acção de honorários por serviço de advocacia prestado em acção da competência do Tribunal de Trabalho do Porto.
Temos presentes os seguintes factos que resultam, documentalmente dos autos, e com interesse para a decisão do recurso:
a) A presente acção de honorários tem como causa de pedir o patrocínio forense em acção de impugnação do despedimento do réu.
b) Essa acção correu termos no 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal de Trabalho do Porto.
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O Tribunal do Trabalho é um tribunal de 1ª instância de competência especializada – artº 78º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99 de 13/1 - LOTJ).
A competência dos Tribunais do Trabalho em razão da matéria, é enunciada, taxativamente do artºs 85º ao artº 88º da LOTJ.
Nesses normativos é omissa qualquer disposição relativamente a acção de honorários. Inexiste também qualquer norma no seio do Código de Processo Civil ou do Código de Processo de Trabalho que atribua competência aos Tribunais do Trabalho para conhecerem acções de honorários conexionadas com as áreas do direito do trabalho.
No artº 76º do Código de Processo Civil prevê-se que: “Para a acção de honorários de mandatários judiciais…é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta”.
Tal preceito insere-se na secção sobre a competência em razão do território; nada tem a ver com a competência em razão da matéria e tem como único objectivo a definição da competência territorial, no pressuposto da anterior solução dos problemas de competência que logicamente estão antes deste, e consequentemente o problema da competência em razão da matéria. (cf. Alberto dos Reis, Comentário ao Código Processo Civil, vol. I, pág. 204)
Deste modo, se o tribunal perante o qual foi exercido o mandato cujos honorários se pretendem ver pagos na acção de honorários, não é competente em razão da matéria, o preceito contido no artº 76º não tem aplicação, não funciona.
Com efeito, este preceito ordena a propositura da acção no tribunal da causa em que foi prestado o serviço; mas com esta determinação não quis atribuir-se competência ao tribunal da causa, seja qual for a sua natureza, para conhecer da acção de honorários, o que quis prescrever-se foi que, se esse tribunal tiver competência objectiva para julgar a acção de honorários, a essa competência acrescerá a competência territorial para a referida acção.
Ou seja, o artº 76º pressupõe, necessariamente, que o tribunal da causa tem competência, em razão da matéria, para conhecer da acção de honorários; e partindo desse pressuposto, atribui-lhe também competência, em razão do território, para a mesma acção.
Mas se o pressuposto falha, como é o caso do mandato ter sido exercido perante um tribunal do trabalho, de família, criminal, militar, administrativo, fiscal, etc., cessa a eficácia da disposição do artº 76º.
Assim, e em rigor, este dispositivo estabelece uma norma de competência territorial e uma norma de conexão. Isto porque, a aplicabilidade das normas que estabelecem a competência relativa dos tribunais, ou as regras de distribuição têm de conformar-se, necessariamente, com aquelas que definem a competência absoluta.
Dai que a norma do artº 76º do Código de Processo Civil, (acção de honorários), norma de competência territorial, tem que ceder perante os artºs 85º e 88º, da LOTJ, que estabelecem a competência em razão da matéria (competência absoluta) dos Tribunais do Trabalho.
Em conclusão, o Tribunal do Trabalho do Porto é materialmente incompetente para conhecer da acção de honorários instaurada pelo mandatário forense, ora recorrente, em acção que neste correu termos.
Em conformidade com o sentido desta decisão, podem ler-se:
a) O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/11/2007, no processo nº 0723996, cujo sumário se transcreve: - “I - O tribunal de família e menores não tem competência, em razão da matéria, para julgar uma acção de honorários. II - O art. 76º do CPC dispõe apenas sobre a competência em razão do território, não regendo sobre a competência em razão da matéria; é uma norma de competência territorial por conexão.” (in Bases Jurídicas ITIJ, www.dgsi.pt/jtrp)
b) O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/10/2001, no processo nº 02A327, cujo sumário se transcreve: - “I - O art. 76 CPC estabelece uma norma de competência territorial - nada tem que ver com o problema da competência em razão da matéria - alem de estabelecer uma norma de conexão. II - Os tribunais de família e menores são materialmente incompetentes para conhecer da acção de honorários instaurada pelo mandatário forense em acção que naqueles correm termos.(in Bases Jurídicas ITIJ, www.dgsi.pt/jstj)
Em sentido contrário ao que perfilhamos, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/05/2007, no processo nº 229/06, cujo sumário se transcreve: “O art.º 76.º n.º 1 do CPC é uma norma especial pensada para uma situação especial, concreta e objectiva que não tem propriamente em conta a competência territorial ou em razão da matéria, mas sim uma maior eficácia e funcionalidade dos tribunais, subordinando a competência para conhecer da acção de honorários ao correspondente tribunal ou juízo que conheceu da acção principal que lhe deu causa.” (in Bases Jurídicas ITIJ, www.dgsi.pt/jtrg)
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se nesta Relação em dar provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e declarando-se competente para preparar e julgar a acção de honorários proposta pelo agravante a 8ª Vara Cível do Porto, 2ª Secção, tribunal ao qual foi distribuído o processo.
Sem custas, por não haver lugar a elas.

Porto, 17 de Janeiro de 2008
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
António Domingos R. Coelho da Rocha
Fernando Manuel Pinto de Almeida