Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0457092
Nº Convencional: JTRP00037595
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
ARRESTO
PENHORA
REGISTO
TÍTULO EXECUTIVO
GARANTIA REAL
Nº do Documento: RP200501170457092
Data do Acordão: 01/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I - O credor que disponha de arresto, não convertido em penhora, sobre os bens do seu devedor, não dispõe de garantia real contra ele.
II - Decorrido 10 anos sobre a data do registo do arresto este fica sem efeito.
III - Também fica sem efeito o arresto, requerido como dependência de acção condenatória, se, após o trânsito em julgado da sentença que condenou o devedor/arrestado, o credor/arrestante não promover a execução, no prazo de seis meses - artº 382, n.2, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Reforma de 1995/96, actualmente, dois meses - artº 410 do citado diploma.
IV - Ao credor que se encontra na situação referida em II) e III) não deve ser concedido prazo para se munir de título executivo - artº 869, n.1, do Código de Processo Civil, para concorrer à graduação de créditos em sede executiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Por apenso aos autos de Execução de Sentença – Proc. ...-A/99 – do .. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de .......... – em que são executados B.......... e C.......... e exequente D.......... .

Vieram a ser reclamados os seguintes créditos:

E.........., em 8.11.2002, a quantia de €17.393,17, garantido por arresto proferido no processo ...-A/92 da .. secção do Tribunal de Círculo de ......... .

Banco X.........., S.A., em 11.11.2002, a quantia de € 20.197,21, garantido por hipoteca sobre o prédio id. no art. 2º da p.i., proveniente de um empréstimo do montante de Esc. 4.000.000$00.

Exequente e executados impugnaram a reclamação de créditos apresentada por E......... .

Em 9.7.1992, foi a requerimento do ora reclamante E.........., arrestado, o imóvel identificado a fls.15 do processo executivo – um prédio urbano – pertença dos arrestados.

Em 16.11.1993, foi proferida sentença condenatória do Réu B.........., ora executado, a pagar ao Autor E.........., ora reclamante,
a quantia de € 16.510,21 [3.310.000$00 na antiga moeda], decisão que transitou em julgado.

O credor reclamante, devidamente notificado para vir dizer se foi interposta acção executiva para pagamento da aludida quantia, informou, a fls. 101, em 20.1.2004, que não foi interposta qualquer acção executiva, peticionando prazo para instaurar a execução, informando que dispunha de registo do arresto e de título executivo – sentença judicial.
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Por sentença de fls. 105 a 108, de 19.2.2004, a reclamação de E.......... foi indeferida por se ter considerado que, não obstante o reclamante ter a seu favor arresto sobre o imóvel penhorado e sentença judicial que reconheceu tal crédito sobre o réu marido, não instaurou a acção executiva nos seis meses seguintes à sentença transitada em julgado e, mesmo tendo pedido prazo e a suspensão da graduação, para instaurar a execução, tal de nada valeria pelo facto do registo do arresto caducar decorridos 10 anos sobre a data da sua inscrição e, tendo tal inscrição ocorrido, em 14.7.1992, a caducidade já teria ocorrido.

Os créditos verificados foram graduados do seguinte modo:

“1º. Banco X.......... – S.A. em virtude da hipoteca realizada em 8.8.88.
2º. Crédito exequendo – Penhora realizada em 17.12.01 (cfr. fls. 15 da Execução apensa)”.
***

Inconformado recorreu o reclamante que alegando, formulou as seguintes conclusões:

Deve revogar-se a sentença recorrida, na parte em que não admitiu a reclamação do recorrente:

Julgando-se no sentido de admissão desse crédito porquanto:

a) Na conjugação do disposto nos arts. 865º e 869°, ambos do Código de Processo Civil podem intervir na execução para reclamar créditos não só o credor que já goze de título executivo, como ainda aquele que dele ainda não dispõe.

b) A graduação do crédito, após o crédito do exequente, não ofende melhores garantias e justifica-se ainda pela proibição de prática de actos inúteis, como seja a distribuição de processo executivo, com vista à sua suspensão para reclamação posterior,

Por tudo exposto, mais que consta nos autos deve admitir-se o crédito do recorrente a ser graduado logo após o da penhora do exequente.

Assim se fará Justiça.

Não houve contra-alegações.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que, factualmente, relevante é o que se verteu no relatório.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente, que se afere do objecto do recurso, à parte as questões de conhecimento oficioso, importa saber o crédito do reclamante Adão Pinho dispõe dos requisitos legais para ser admitido e graduado.

Vejamos:

Em função da data do arresto a questão deve ser apreciada à luz do quadro normativo do Código de Processo Civil, antes da Reforma de 1995/96.

O ora recorrente dispunha, para garantia do seu crédito contra o executado, de arresto de um imóvel decretado em 9.7.1992, registado em 14.7.92, tal crédito foi reconhecido por sentença de 16.11.1993 – fls.12 a 15 – que transitou em julgado.

Como se vê do requerimento de reclamação de créditos, o ora apelante filia o pedido de reconhecimento do seu crédito no facto de ter registado o arresto sobre o bem imóvel dos executados, muito embora aluda à sentença que condenou o executado.

Como se sabe o arresto, tal como a penhora, o penhor, a hipoteca, os privilégios creditórios e o direito de retenção são direitos reais de garantia.

A sentença judicial condenatória é título executivo – art. 46º a) do Código de Processo Civil.

O arresto – art. 406º do Código de Processo Civil – é uma providência cautelar antecipatória da penhora – art. 846º do Código de Processo Civil – visando garantir um crédito, acautelando eventual prejuízo do credor que receia não o poder cobrar.

O “destino” natural do arresto é ser convertido em penhora – art. 846º do Código de Processo Civil. Todavia existem divergências na doutrina sobre se o arresto não convertido em penhora deve ser atendido na graduação de créditos.

Por nós, não obstante as posições a favor, de Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado” vol. I, comentando o art. 622° do Código Civil, [entre outros] e, em sentido adverso, [também entre outros], de Penha Gonçalves, “Curso de Direitos Reais”, 1992, 203-204 [“[…] Mas tal garantia poderá ser qualificada como um direito real de garantia? Em sentido afirmativo se tem manifestado, geralmente, a nossa doutrina (Dias Marques e Menezes Cordeiro), argumentando, em resumo, que: a) nos termos do art. 622°, os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora. Quer isto dizer que a disposição de bens arrestados feita pelo devedor, é inoponível ao credor. Vale isto dizer que a situação jurídica do credor relativamente àquela garantia, é oponível a terceiros adquirentes, como é próprio dos direitos reais; b) nos termos do art. 846.° do Código de Processo Civil, o arresto nos bens do devedor, é convertido em penhora na execução subsequente e a penhora confere ao credor exequente preferência, no pagamento do crédito executado, pelo valor dos bens penhorados, como adiante se dirá. É porém, a nosso ver, duvidoso que o arresto, enquanto não convertido em penhora, possa ser qualificado como direito real de garantia; com mais rigor, talvez se deva dizer que, antes dessa conversão, o credor arrestante beneficia tão só de uma expectativa real…”], consideramos, na esteira do Acórdão desta Relação, de 7.11.2002, acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt, que face ao estatuído nos arts. 622°, n°2, do Código Civil que consigna — “Ao arresto são extensíveis, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora” e 822°, n°2, do mesmo diploma — “Tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto”, que a referência à anterioridade da penhora, para atribuir eficácia ao arresto, não teria sentido prático, se o arresto valesse “a se” como garantia real.

Na redacção do nº2 do art. 382º do Código de Processo Civil, vigente à data em que o arresto foi decretado:

“O arresto requerido como dependência da acção condenatória fica também sem efeito se, obtida sentença com trânsito em julgado, o requerente não promover a execução dentro dos seis meses subsequentes ou se, promovida a execução, o processo estiver parado durante mais de trinta dias por negligência do exequente”.

Por confissão do ora recorrente, sabemos que, após a sentença de 16.11.1993, não foi intentada acção executiva, devendo sê-lo no prazo de 6 meses, após o respectivo trânsito em julgado, sob pena de ficar sem efeito [O Acórdão da Relação de Évora, de 16.2.1995, in BMJ, 444-726 sustenta que — “A extinção do arresto, por não ter sido proposta a execução no prazo de seis meses após o trânsito em julgado da sentença condenatória, não é um verdadeiro prazo de caducidade, tal como está regulado nos arts. 328º.° e ss. do Código Civil pois este instituto é aquele que marca um prazo para o exercício de um direito, o qual se extingue se não for exercido nesse prazo. II – O direito que o requerente do arresto podia ter sido exercido era o de propor a execução no prazo de seis meses, mas o facto de a não ter proposto não extinguiu esse direito: criou apenas uma condição de extinção do arresto. III — O art. 383.° do Cód. Proc. Civil exige que a extinção da providência seja requerida”].

A acção foi atempada proposta – art. 382º, nº1, a) do Código de Processo Civil, ao tempo vigente.

De notar que, após a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, o art. 410º contém preceito quase idêntico, apenas tendo encurtado o prazo de seis, para dois meses.

O ora apelante registou o arresto, que é facto sujeito a registo – art. 2º, nº1, al. o) do C.R. Predial, em 14.7.1992.

Todavia, tal registo está sujeito a um prazo de caducidade de 10 anos – arts. 12º do C. R. Predial vigente e 225º do CRP de 1967.

Tal registo caduca decorridos 10 anos sobre a sua data.

No caso caducou no dia 14.7.2002.

Ora importa saber se tal caducidade opera automaticamente, ou carece de ser requerida.
O actual art. 13º do CRP estabelece que - “Os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos ou em execução de decisão judicial transitada em julgado”.

O art. 58º, nº1, do mesmo diploma, estabelece que o cancelamento do registo do arresto e de outras providência cautelares “nos casos em que a acção já não esteja pendente, faz-se com base na certidão passada pelo tribunal competente que comprove essa circunstância e a causa…”.

O art. 41º do vigente CRP, tal como o art.4º do diploma de 1967, estabelecem o princípio da instância “que consiste em a actividade registral ser desencadeada por um acto de manifestação de vontade, um pedido que obedece a certa forma, salvo nos casos excepcionados na lei, em que se impõe ao conservador um procedimento independente de solicitação (oficiosidade). Como regra geral, o pedido é feito através de requisição escrita, de modelo oficialmente aprovado… – Na esteira do diploma de 29 de Junho de 1983, este Código amplia a actuação oficiosa do conservador que passa a efectuar, independentemente de pedido dos interessados, determinados actos cuja feitura dantes dependia de requerimento. São feitos oficiosamente os registos de factos constituídos simultaneamente com os de aquisição ou mera posse, os quais dependem do registo destes factos (cfr. art. 97°), e determinados actos de conversão ou cancelamento dependentes também de outros registos ou factos (cfr. arts. 92°, n.º5, 98°, nº3, 100°, nº3, 101°, nº4, 119.°, nºs 3 e 6, 148.°, nº4 e 149.°, nºs l e 2)” – “Código do Registo Predial Anotado e Comentado”, de Isabel Pereira Mendes – 10ª edição, pág. 181.

Decorre da lei registral que o cancelamento do registo do arresto não é oficioso.

O decurso do prazo de 10 anos previsto no art. 12º, nº1, do actual diploma, implica a extinção do arresto, daí que não constando que tenha sido convertido em penhora e averbado esse facto no registo, conforme preceitua o art. 846º do Código de Processo Civil, não pode o ora apelante afirmar que dispõe de garantia real sobre o imóvel penhorado.

“Em relação aos assentos registais não se pode falar propriamente da sua extinção, mas apenas da cessação dos respectivos efeitos, dado que o assento que publicita um facto ou uma situação juridicamente extinta não é apagado da memória registal […].
A caducidade supõe que a inscrição, definitiva ou provisória, esteja sujeita a um prazo de vigência, excedido o qual perderá efeitos, (art. 11º, n°3, do Código do Registo Predial). Sendo certo que todos os registos provisórios estão sujeitos a um prazo de caducidade (art. 11º, nº2, do mesmo diploma), às vezes também se estabelecem prazos mais amplos (por exemplo, os do art. 92°, nº3 a nº6 do citado código).
As inscrições definitivas, em geral, não estão submetidas a prazos de caducidade, salvo nos casos previstos no art. 12.° do Código do Registo Predial ou então quando o próprio facto registado tenha um prazo de duração (art. 11º, nºl, do mesmo código).
A única forma de evitar a caducidade é requerendo a renovação do registo, o que deve ser feito “dentro do prazo da respectiva vigência” (art. 11º, nº2, in fine e art. 12º, nº5, do Código do Registo Predial)”. – José Alberto Gonzalez, in “Direitos Reais (parte geral) Direito Registal Imobiliário” – págs. 336 e 338.

Nos termos do art. 865º, nº1, do Código de Processo Civil, só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto deles, o pagamento dos respectivos créditos; por força do disposto n° 2, a reclamação de créditos terá por base um título exequível e será deduzida no prazo de quinze dias, a contar da citação do reclamante.

“Os pressupostos essenciais da reclamação são a titularidade de um crédito com garantia real sobre os bens penhorados – pressuposto material – e a disponibilidade de um título executivo – pressuposto formal” – Salvador da Costa, in “O Concurso dos Credores”, pág.243.

Concluímos, assim, que o ora apelante não dispõe de garantia real eficaz para acorrer ao concurso de credores, pois que o arresto não foi convertido em penhora, tanto quanto consta dos autos.

Mas o apelante dispõe de um título executivo – a sentença que condenou o executado.

Será que deveria ter sido deferida a sua pretensão formulada ao abrigo do art. 869º do Código de Processo Civil?

Deste normativo decorre que o facto de, transitoriamente, o credor não dispor de título executivo não obsta a que possa reclamar o seu crédito.

Estatui o citado normativo no seu nº1:

“O credor que não esteja munido de título exequível pode requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde que o requerente obtenha na acção própria sentença exequível”.

Tal normativo só se aplica se o requerente ainda não estiver munido de título exequível e, depois, se o pedido for formulado no prazo facultado para a reclamação de créditos.

Ora sucede que o apelante tem apenas um título executivo, que é a sentença condenatória, mas não dispõe de garantia real sobre o imóvel penhorado, não tanto por ter caducado, ou ficado sem efeito o registo do arresto, mas antes porque não se mostra que o arresto foi convertido em penhora; se assim tivesse acontecido o recorrente dispunha de título executivo.

O beneficiário do arresto não é citado para reclamar os seus créditos com fundamento no art.864º, nº1, a) do Código de Processo Civil, senão tiver sido tal garantia convertida em penhora.

“Quem não dispuser de um crédito que goze de garantia real ou de preferência de pagamento, ainda que tenha título executivo, é que não pode, na qualidade de reclamante, intervir no concurso de credores” - Salvador da Costa, obra citada, pág. 244.

O apelante pretende que lhe seja concedido o direito previsto no nº1 do art. 869º do Código de Processo Civil.

Para lá de tal pretensão se nos afigurar extemporânea, mesmo que o não fosse, cremos que não lhe poderia ser concedida.

No caso, tal direito seria exercido através da instauração da acção executiva com base na sentença condenatória do executado, havendo de requerer a penhora e registá-la para dispor de garantia real.

Mas se tal lhe fosse concedido representaria um tratamento deveras anómalo, diríamos de favor, porquanto o apelante, como que não seria penalizado pelo facto de tendo obtido arresto sobre os bens do executado, não ter, nos termos do art. 382º, nº2, do Código de Processo Civil antes da Reforma de 1995/96, requerido, no prazo de seis meses, após o trânsito em julgado da sentença que lhe foi favorável, a execução.

Admitir o pedido formulado ao abrigo do art. 869º, nº1, do Código de Processo Civil seria escamotear que o apelante só não dispõe de título executivo, por circunstância a si imputável, já que estava apenas na sua disponibilidade ter instaurado a execução no prazo de seis meses, após o trânsito em julgado da sentença.

Não o tendo feito, a deferir-se a sua pretensão – mesmo que formulada atempadamente – seria beneficiar quem negligenciou o seu direito, admitindo-o, agora, a instaurar a execução para se munir, não de título executivo (de que já dispõe – a sentença) mas de garantia real.

Ademais, o art. 869º só é aplicável ao caso do credor que tiver acção pendente ou a propor contra o executado, o que não é o caso dos autos.

Entendemos, assim, embora por razões não totalmente coincidentes com a sentença, que o recurso carece de fundamento.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Porto, 17 de Janeiro de 2005
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale