Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1193/09.7TBSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
SOCIEDADE POR QUOTAS
ASSEMBLEIA GERAL
AVISO CONVOCATÓRIA
Nº do Documento: RP201010131193/09.7TBSTS.P1
Data do Acordão: 10/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Nas sociedades por quotas, à semelhança das sociedades anónimas, o aviso convocatório dos sócios deve, além do mais, mencionar de modo claro e preciso, mas também sinteticamente, o assunto sobre o qual a deliberação irá ser tomada, de modo a permitir que os convocados se preparem para a discussão e deliberação dos temas da ordem do dia, de tal modo que não venham a ser colhidos de surpresa quanto às ditas matérias na defesa dos seus interesses ou do interesse societário.
II – Na análise da irregularidade alegadamente cometida não pode o intérprete desprezar a possível satisfação do interesse visado pela norma, em conformidade com as circunstâncias concretas de cada caso, de tal modo que é dispensável a identificação do gerente a destituir e da pessoa a nomear como gerente quando conste expressamente do referido aviso a intenção de destituição e a intenção de nomeação integradas na ordem do dia, se houver razões para crer que o gerente visado e os demais sócios já são conhecedores do assunto.
III – Em princípio, a convocatória também não tem que conter os motivos fundamentadores da destituição de um gerente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1193/09.7TRSTS.P1 – 3ª Secção (apelação)
Tribunal Judicial de Santo Tirso

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Teresa Santos
Adj. Desemb. Maria Amália Santos


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B……….., casado, NIF n.º ………, residente na ………., ….-…, Vila das Aves, intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra C………., L.DA., Pessoa Colectiva e Fiscal n.º ………, com sede no ………., freguesia das Aves, alegando, no essencial, que no dia 16 de Fevereiro de 2009 teve lugar uma assembleia geral na sede da R. que foi irregularmente convocada e na qual foram aprovadas três deliberações com o voto contra do A.
A deliberação da destituição do A. do cargo de gerente é anulável por não terem constado da convocatória indispensáveis elementos de informação que habilitassem os sócios a fundamentarem a sua decisão e o sentido do seu voto, não sendo suficiente uma sucinta referência à destituição do gerente.
É também anulável a deliberação de nomeação do gerente por preterição na convocatória da identificação da pessoa a nomear.
Visando-se a alteração do contrato, o aviso convocatório não especificou as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das novas cláusulas, pelo que também é anulável a respectiva deliberação, tanto mais que nem terá sido respeitado o quórum necessário à referida alteração.
Termina com o seguinte pedido:
«Termos em que a presente acção deve ser julgada provada e procedente, e, por via disso, declarada a anulação das deliberações tomadas pela Ré na assembleia geral efectuada em 16 de Fevereiro de 2009 e consequentemente serem declarados anulados os registos apresentados na competente conservatória tendo como base as deliberações anuladas.»

Citada, a R. apresentou contestação impugnando parte da matéria de facto alegada na petição inicial e defendeu a regularidade da convocatória, acrescentando que o representante do A. tomou ali posição, votando em todos os pontos discutidos, sanando qualquer eventual irregularidade que, em todo o caso, não existiu.
O A. e os restantes sócios conheciam bem os elementos relacionados com a matéria dos três pontos em causa também porque no dia 16 de Dezembro de 2008 tais assuntos já tinham sido discutidos noutra assembleia geral convocada para o efeito e onde o demandante também esteve presente e tomou posição --- porém recusando-se a assinar a acta ---, não sendo a assembleia de 16 de Fevereiro mais do que uma repetição da anterior levada a cabo por razões meramente formais.
A deliberação do terceiro ponto (alteração do pacto social), conforme se verifica pela acta, não surtiu efeito em virtude de ter se ter obtido a maioria necessária.
Conclui no sentido de que todas as deliberações tomadas são válidas e estão registadas aquelas que obtiveram o quórum necessário, devendo julgar-se a acção improcedente.

Considerando dispor dos elementos necessários ao conhecimento imediato do mérito da causa, o M.mo Juiz dispensou a realização da audiência preliminar e proferiu sentença pela qual julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.
*
Inconformada com a decisão, o A. dela interpôs recurso que foi admitido como apelação e no qual formulou as seguintes conclusões:
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………………………………
………………………………
Termina defendendo a revogação da decisão recorrida.

A R. apresentou contra-alegações onde formulou as seguintes conclusões:
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Termina defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
As questões a decidir --- excepção feita para o que é do conhecimento oficioso (art.º 660º, nº 2, do Código de Processo Civil) --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação do requerente acima transcritas [cf. art.ºs 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil (v.d. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 103 e 113 e seg.s)].
Importa, pois, decidir se há fundamento para anulação de três deliberações sociais tomadas em assembleia geral da R. recorrida que teve lugar no dia 16.2.2009, a saber:
a) Destituição do A. recorrente da gerência;
b) Nomeação do novo gerente; e
c) Alteração do pacto social;
por preterição de formalidades da convocatória (violação do dever de informação).
*
III.
Para o efeito, com interesse para a decisão da causa, foram considerados assentes pelo tribunal recorrido os seguintes factos:

1) A Ré “C………., Lda.” é uma sociedade por quotas.

2) O Autor B………. é sócio da sociedade Ré, detendo ma quota no valor de € 190.000,00, correspondente a 47,50% do respectivo capital social.

3) No dia 16 de Dezembro de 2008 teve lugar, na sede da ré, uma assembleia geral, a qual foi precedida de convocatória que estabelecia a seguinte ordem de trabalhos:

“Ponto Um: Destituição de Gerente
Ponto Dois: Nomeação de Gerente
Ponto Três: Discussão de outros assuntos de interesse para a sociedade”.

4) Na aludida assembleia foi votada a destituição do Autor do cargo de gerente e a nomeação enquanto tal de D………..
5) O Autor esteve presente na referida assembleia geral e votou, tendo-se recusado a assinar a respectiva acta.
6) As deliberações tomadas em tal assembleia geral não surtiram quaisquer efeitos, tendo sido recusada a sua inscrição na Conservatória do Registo Comercial.
7) No dia 16 de Fevereiro de 2009 teve lugar, na sede da ré, uma nova assembleia geral, a qual foi precedida da convocatória constante de fls. 38, que estabelecia a seguinte ordem de trabalhos:

“Ponto Um: Destituição de Gerente
Ponto Dois: Nomeação de Gerente
Ponto Três: Alteração do Pacto Social
Ponto Quatro: Discussão de outros assuntos de interesse para a sociedade”.

8) Nessa assembleia foi votada a destituição do Autor do cargo de gerente da sociedade e a nomeação como gerente de D………., o que foi obtido com o voto favorável do sócio E………. e desfavorável do ora Autor.

9) Nela foi votado, também, o ponto três da ordem de trabalhos da mesma, sendo que a respectiva deliberação não surtiu efeitos, pelo facto de não ter tido aprovação por maioria qualificada.

10) O sócio E………. possui uma quota correspondente a 51% do capital social da Ré.
*
Conforma-se, o recorrente, com a matéria de facto dada como assente e com interesse para a boa decisão da causa, com excepção dos respectivos pontos 3, 4 e 5, cujo conteúdo considera desajustado em razão do sentido dos documentos juntos aos autos e do que foi alegado e pode ser tido como admitido por acordo pelo apelante.
Vejamos.
Independentemente da validade das deliberações tomadas em assembleia geral de 16 de Dezembro de 2008, que aqui não está em causa, é o próprio A. que alega a realização daquela reunião[1]. Di-lo desde logo no art.º 3º da petição inicial: “Realizou-se, no dia 16 de Dezembro de 2008, na sede da R., a assembleia geral”. E, no art.º 4º: “E na mesma “alegadamente” foram aprovadas 2 (duas) deliberações – as constantes dos pontos um a dois – com o alegado “voto favorável” do sócio E………., - sendo que foi este sócio[2] que convocou a assembleia extraordinária – e com o alegado “voto contra” do aqui A.”. No subsequente art.º 6º, o A. reconhece ainda que, da assembleia, foi lavrada acta que se recusou a assinar.
Foi também o A. que juntou aos autos, com o referido articulado, cópia da convocatória da referida assembleia geral extraordinária com a respectiva ordem do dia, nos termos que foram dados como assentes na sentença recorrida.
Ainda que o recorrente considere aquela assembleia geral inválida ou mesmo juridicamente inexistente, é uma realidade por ele assumida que foi convocada e teve lugar, dela tendo sido lavrada acta (acta nº 10) que o próprio junta também com o articulado inicial.
Do item 4º dos factos assentes consta que “na aludida assembleia foi votada a destituição do Autor do cargo de gerente e a nomeação enquanto tal de D……….”. Embora o recorrente negue ter votado favoravelmente a nomeação do eng.º D………., invocando a falsidade da acta nessa parte, aceita que ali foi discutida e aprovada a sua própria destituição e a subsequente nomeação, não se opondo, nessa parte, ao que resulta da acta que juntou.
O conteúdo do ponto 5º dos factos assentes radica também no alegado na petição inicial, onde o A. assume que esteve presente e que até votou desfavoravelmente as deliberações de destituição e de nomeação de gerentes, e que se recusou a assinar a acta (cf. art.ºs 4º, 5º e 6º).
Assim, independentemente da apreciação da sua existência jurídica ou da sua validade, a referida matéria constituiu uma realidade no mundo dos factos; e de factos se tratando, não impugnados --- antes alegados, reconhecidos e aceites por ambas as partes, desta feita, e naquela medida, também pela R. na contestação (cf. art.ºs 22º, 23º, 24º, 26º, 27º e 28º) --- nada obsta a que se tenham como assentes para efeitos de decisão, dada a sua indiscutível relevância, como adiante se verá.
Aliás, embora não esteja directamente em causa a assembleia geral de 16 de Dezembro de 2008, importa dizer que jamais pode ser considerada inexistente.
A figura da "deliberação inexistente" não está prevista na lei, de certo por não ser susceptível de produzir qualquer efeito, e tem sido considerada na doutrina como aquela em que "falte absolutamente" algum dos seus "elementos essenciais específicos"[3] ou, tal como se verifica em relação à sentença, "o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria" de uma deliberação[4].
Em resumo, dir-se-á que não existe deliberação social quando um certo acto não seja adequado, nem sequer na sua aparência material, a vincular a sociedade pelos efeitos jurídicos por ele visados, o que não foi, seguramente, o caso.
Não vemos, pois, qualquer razão para converter o teor dos factos dos itens 3º, 4º e 5º, ou de quaisquer outros dados como assentes, da versão alegada e aceite pelas partes para a “nova versão” proposta nas alegações do recorrente.
Argumenta o apelante que na sentença recorrida deveriam ainda ter sido feitos constar os seguintes factos:
-“A representante do sócio E………., na assembleia geral de 16 de Dezembro de 2003, foi a ilustre Advogada F……….”
-“O único sócio que compareceu pessoalmente à assembleia geral de 16 de Dezembro de 2008, foi o autor.”
Não deixa de ser curioso notar agora que o A., implicitamente e em evidente contradição com a proposta de alteração do teor dos itens 3º, 4º e 5º dos factos assentes, reconhece de novo que a assembleia geral existiu, teve lugar; não foi simplesmente convocada.
Podem, efectivamente, ter-se como assentes aquelas duas realidades. O problema é saber se relevam para a boa decisão da causa, o que se prende com a análise jurídica da questão essencial que nos é colocada no recurso: a da (in)validade das deliberações tomadas na assembleia geral que teve lugar no dia 16 de Fevereiro de 2009, por preterição de formalidade na respectiva convocatória[5].
A R. é uma sociedade por quotas, como tal sujeita ao regime jurídico do Código das Sociedades Comerciais[6], em especial dos art.ºs 197º e seg.s e ao que resulta do pacto social que seja consentido ou não seja proibido pela lei (entre outros, art.ºs 1º e 9º, nº 3).
A assembleia geral é o órgão deliberativo por excelência da sociedade, podendo os sócios optar por qualquer das formas de deliberação admitidas por lei para cada tipo de sociedade (art.º 53º, nº 1).
Uma dessas formas é a reunião em assembleia geral sem observância das formalidades prévias, desde que todos estejam presentes e todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto (art.ºs 54º, nº 1 e 247º, nº 1).
Não sendo exactamente esta a situação, foi seguido pela gerência da R. o procedimento comum destinado à preparação da assembleia geral, designadamente a elaboração e comunicação aos sócios de uma convocatória, com determinada ordem de trabalhos, nos termos factuais assentes sob o item 7º, a saber:
“Ponto Um: Destituição de Gerente
Ponto Dois: Nomeação de Gerente
Ponto Três: Alteração do Pacto Social
Ponto Quatro: Discussão de outros assuntos de interesse para a sociedade”.

Nos termos do nº 1 do art.º 246º, dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos, além de outros que a lei ou o contrato indicarem:
“…
d) A destituição de gerentes e de membros do órgão de fiscalização;

h) A alteração do contrato de sociedade;
…”
E, segundo o nº 2, se o contrato social não dispuser diversamente, compete também aos sócios deliberar sobre:
“a) A designação de gerentes;
…”
Às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas (art.º 248º, nº 1).
Interessando aqui, unicamente, averiguar da regularidade da convocatória no que concerne à forma como ali foram descritos os assuntos da ordem do dia, releva a norma do art.º 377º, nº 8, que estabelece que “o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada”. E acrescenta que “quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso”.
O art.º 58º, nº 1, al. c), prevê a anulabilidade das deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação, considerando estes, designadamente, as menções exigidas pelo art.º 377º, nº 8.
Segundo o art.º 214º, nº 1, “os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. Podem, inclusivamente, ser pedidas informações sobre actos já praticados ou sobre actos cuja prática seja esperada, quando estes sejam susceptíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei (nº 3 do mesmo preceito legal).
O sócio pode ainda, na assembleia geral, requerer que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião (art.º 290º, nº 1, ex vi art.º 214º, nº 7).
O direito à informação sobre a vida da sociedade é um direito geral dos sócios (art.º 21º, nº 1, al. c)).
Pese embora o regime de anulabilidades aspire à certeza e à segurança jurídicas, valores que são particularmente sensíveis nesta matéria, o conteúdo da conjugação do art.º 58º, nº 1, al. c), com o art.º 377, nº 8, 1ª parte, são, pelo seu grau de indeterminação, uma verdadeira cláusula geral, a preencher, caso a caso, em razão das circunstâncias concretas.
Já no direito anterior ao Código das Sociedades Comerciais --- por aplicação do art.º 181º do Código Comercial, ex vi do art.º 28º da Lei das Sociedades por Quotas, se entendia que a menção dos assuntos a tratar na reunião devia ser clara, nítida, e “não de um modo genérico e incompleto”, “feita com tal cuidado que se conheça suficientemente o fim da reunião, e para ela o sócio possa ir com pleno conhecimento do seu objecto”[7].
Seguindo de perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.6.2002[8], o “Anteprojecto da lei das sociedades por quotas de responsabilidade limitada” de Ferrer Correia, Lobo Xavier, Maria Ângela Coelho e António Caeiro[9], dito Anteprojecto de Coimbra, o art. 105º, nº 3[10], dispunha que “não podem ser tomadas deliberações sobre assuntos que não sejam mencionados com clareza na ordem do dia, a não ser que todos os sócios ou seus representantes estejam presentes na reunião e nenhum deles se oponha a que sobre isso se delibere”; e no art.º 106º, nº 2, prescrevia-se que “a convocatória deve mencionar com clareza os assuntos sobre os quais deve recair a deliberação”.
O art.º 78º do Projecto, na al. c) do seu nº 1, considerava anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação, dispondo o nº 4 desse artigo que entre estes se encontra a menção clara no aviso convocatório do assunto sobre o qual a deliberação será tomada.
Como refere o mesmo aresto do Supremo Tribunal de Justiça[11], são estas, afinal, as determinações que se encontram no art.º 58º, nºs l, al. c), e 4º, al. a), Código das Sociedades Comerciais, cujo nº 8 do art. 377º, aqui aplicável por força do nº 1 do art. 248º, prescreve, como já notado, que o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação irá ser tomada. A convocatória tem de ser clara, de forma a elucidar suficientemente, sem margem para dúvidas, os interessados sobre os assuntos que vão ser debatidos. E serve um fim último: permitir que os convocados se preparem para a discussão e deliberação dos temas da ordem do dia, de tal modo que não venham a ser colhidos de surpresa quanto às ditas matérias na defesa dos seus interesses ou do interesse societário.
Realce-se que o direito à informação não é um direito ilimitado ou de conteúdo indefinido, porquanto deve conter-se "nos termos da lei e do contrato” (art.º 21º, nº 1, al. c)). E é "um direito instrumental para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou extra-patrimoniais", designadamente do "direito de voto", que se deseja conscienciosamente exercido[12].
A convocatória pode e deve ser sucinta, contendo os elementos mínimos de informação, contanto que seja clara, elucidativa, e os forneça de modo a que os interessados tomem conhecimento dos assuntos que vão ser debatidos, preparando-se para o efeito.
A ideia que está subjacente ao regime característico das invalidades das deliberações sociais é a de que os actos sociais se produzem em cadeia; por isso, há que tentar obter o maior aproveitamento possível dos actos anuláveis, pois estes podem ser a razão de ser (a base) de actos posteriores…[13].
Nesta decorrência, na análise da irregularidade cometida não pode o intérprete desprezar a possível satisfação do fim visado pela norma, em conformidade com as circunstâncias concretas de cada caso. A este propósito, Joaquim Taveira da Fonseca[14] esclarece que, embora as deliberações possam estar feridas de anulabilidade, a omissão de alguns requisitos da convocatória só releva se ficar demonstrado que perturbou ou impediu o exercício do direito de participação na reunião e de votação das deliberações.
Numa posição de absoluto rigor, a convocatória para a assembleia geral que teve lugar no dia 16 de Fevereiro de 2009, no que respeita aos respectivos pontos I e II seria mais precisa se identificasse o gerente a destituir e a pessoa a nomear para o respectivo lugar vago. Não o fez, mas foi clara no sentido de que se iria votar a destituição de um gerente e a nomeação de outra pessoa para o cargo. Não deixou dúvida alguma sobre aqueles assuntos a discutir e a votar; só que foi incompleta na sua aparência por preterição da identidade dos visados, como, aliás, o fora a convocatória efectuada para a assembleia geral de 16.12.2008.
Será, por isso, anulável?
Pela sua indispensável relevância, renovamos aqui o apelo ao caso concreto, desta feita, ao nosso caso concreto.
Trata-se de uma pequena sociedade por quotas, de proximidade, apenas com dois ou três sócios[15], todos eles gerentes.
Sendo gerente, além da competência para tomar decisões, o A. goza, em princípio, de um acesso privilegiado à informação. Nada aponta no sentido de que não exercesse os seus poderes ou, por qualquer razão, lhe estava, de facto, vedado tal exercício.
Por outro lado, e se necessário fosse, até pelo limitado número de gerentes, facilmente se informaria da identidade da pessoa a destituir e até da pessoa a nomear para o cargo, assim se preparando para a assembleia geral.
Como se infere do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.1990[16], os titulares do direito à informação são os sócios não gerentes, porque, por definição, os gerentes estão informados. Sendo sócio, o gerente terá direito àquela informação nos mesmos termos dos sócios não gerentes se não tiver efectivo acesso à gerência.
Acontece ainda que o recorrente não necessitava, sequer, de colher tal informação por então ser já do seu conhecimento que a R. sociedade se preparava para submeter à votação dos sócios, em assembleia geral, a sua destituição pessoal do cargo e a nomeação do eng.º D………. nessa qualidade.
Independentemente da validade das deliberações tomadas na assembleia geral de 16 de Dezembro de 2008 --- que aqui não interessa discutir ---, o recorrente foi para ela convocado e esteve pessoalmente presente nessa reunião, que foi um facto. Foram ali tomadas as deliberações que viriam a ser tomadas de novo na assembleia geral extraordinária de 18 de Fevereiro seguinte: a sua destituição e a nomeação de D………. para o cargo de gerente.
Assim, embora tivesse votado contra a sua destituição pessoal a 16 de Dezembro, ficou perfeitamente informado dessa intenção da sociedade, assim como os demais sócios. Recusou-se a assinar a acta da assembleia dando também origem a uma notificação judicial avulsa de que foi destinatário, com vista à obtenção da sua assinatura da acta e onde se reafirma o referido objectivo tendo em vista a produção dos efeitos jurídicos oriundos das deliberações (cf. doc. de fl.s 24 e seg.s).
E foi na sequência da recusa de registo por parte da Conservatória do Registo Comercial, em despacho publicitado, ao alcance do conhecimento de todos, nomeadamente do interessado recorrente, que os autos documentam, que a recorrida sociedade renovou o seu propósito, elaborando e remetendo aos sócios uma nova convocatória, idêntica à primeira e com o mesmo fim expresso, para uma assembleia geral que teve lugar logo no dia 16.2.2009.
O A. compareceu nessa nova assembleia geral, e não invoca agora ter lavrado qualquer protesto, nem reserva à convocatória, limitando-se a votar desfavoravelmente as duas referidas deliberações.
Surpresa seria para o A. deparar na assembleia geral com a destituição de outro gerente, que não a sua, e com a nomeação de pessoa diferente da indicada na assembleia geral de Dezembro; o que não ocorreu.
Assim se conclui que o A. estava bem informado dos assuntos I e II da ordem do dia da assembleia geral de 18 de Fevereiro. Sabia perfeitamente que se tratava da sua destituição pessoal do cargo de gerente e da nomeação de D………. com tais funções. Por isso, mostram-se integralmente cumpridos os objectivos visados pelas normas que impõem a menção do assunto na convocatória, dada a absoluta desnecessidade de, nas circunstâncias em causa, se ter ali mencionado a identidade da pessoa a destituir e da pessoa a nomear.

A convocatória também não tinha que ser acompanhada de qualquer documento fundamentador da destituição, nem dos motivos da mesma. Basta que aos sócios seja dado conhecimento do thema deliberandum, que no caso é a destituição de um gerente e a nomeação de outro para o seu lugar (acórdão da Relação do Porto de 6.2.2007, in www.dgsi.pt). esta informação cumpre suficientemente a tripla função da convocatória na sociedade[17]: dar aos seus membros oportunidade para ajuizarem do seu interesse na participação do processo; instruírem-se e habilitarem-se a participar dele com conhecimento de causa; excluir do processo os concretos membros do colégio sem legitimidade para nele intervirem”.
Pelo menos desde a assembleia geral extraordinária de Dezembro de 2008 que o A. estava em condições de obter elementos sociais sobre o assunto da sua destituição e dessa intenção da sociedade, podendo preparar-se para a discussão de tal assunto.
Em reforço, deve dizer-se que a nossa lei --- art. 257º, nº 1, do CSC --- consagra o princípio da livre destituição dos gerentes, o que significa que não é exigível a invocação de justa causa. Salvo casos excepcionais, a destituição pode ocorrer quer haja quer não haja justa causa (embora a justa causa releve para efeitos de haver ou não indemnização ao destituído). Daqui decorre até que os sócios que deliberam a destituição do gerente sem para tanto invocarem justa causa não abusam, só por isso, do seu direito, já que o exercem nos precisos termos em que tal direito lhes é conferido pelo normativo citado[18]. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.1.2000[19], invocando-se o princípio da destituibilidade dos gerentes das sociedades por quotas, admitiu-se mesmo a destituição do gerente numa assembleia geral convocada para apreciar as contas de um dado exercício ainda que tal tema não haja sido especificado no respectivo aviso convocatório, ali se considerando também que, diferentemente, no caso de exoneração de um sócio ou de amortização de quota o aviso deve mencionar claramente esse assunto, sob pena de anulabilidade da respectiva deliberação[20].
A terceira deliberação foi inconsequente. Não houve qualquer alteração do pacto social e, por isso, ficou prejudicada a apreciação da impugnação nessa matéria.
Neste conspecto, as deliberações tomadas na reunião da assembleia geral de 16 de Fevereiro de 2009 não padecem do invocado vício de falta de informação, e mostrando-se atilada e judiciosa a decisão recorrida, há-de julgar-se a apelação improcedente.
*
IV.
SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- Nas sociedades por quotas, à semelhança das sociedades anónimas, o aviso convocatório dos sócios deve, além do mais, mencionar de modo claro e preciso, mas também sinteticamente, o assunto sobre o qual a deliberação irá ser tomada, de modo a permitir que os convocados se preparem para a discussão e deliberação dos temas da ordem do dia, de tal modo que não venham a ser colhidos de surpresa quanto às ditas matérias na defesa dos seus interesses ou do interesse societário.
2- Na análise da irregularidade alegadamente cometida não pode o intérprete desprezar a possível satisfação do fim visado pela norma, em conformidade com as circunstâncias concretas de cada caso, de tal modo que é dispensável a identificação do gerente a destituir e da pessoa a nomear como gerente quando conste expressamente do referido aviso a intenção de destituição e a intenção de nomeação integradas na ordem do dia, se houver razões para crer que o gerente visado e os demais sócios já são conhecedores do assunto.
3- Em princípio, a convocatória também não tem que conter os motivos fundamentadores da destituição de um gerente.
*
V.
Nestes termos, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se e mantendo-se a sentença recorrida.
*
Custas pelo recorrente.

Porto, 13 de Outubro de 2010
Filipe Manuel Nunes Caroço
Teresa Santos
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha

______________________
[1] Ao contrário do que o A. alega, a assembleia geral é uma reunião de sócios, na expressão da própria lei (art.º 54º, nº 1).
[2] Também com funções de gerência, como resulta dos autos.
[3] Entre outros, Raul Ventura, in "Sociedades por Quotas", II, pág. 247.
[4] Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anot.”, vol. V, pág. 114.
[5] Conforme o pedido da acção.
[6] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[7] Cunha Gonçalves, “Comentário ao Código Comercial”, vol. 1º, pág. 451 e Santos Lourenço, “Das Sociedades por Quotas, , 2ª vol., pág. 86.
[8] Colectânea de Jurisprudência do Supremo, II, pág. 142.
[9] Revista de Direito e Economia (RDE), ano II (1976), pág.s 443 e seg.s.
[10] Transcrito no BMJ 354/578, anotação 2.
[11] Citando Roque Laia, no seu clássico “Guia da Assembleia Geral”, 4ª ed,, pág.s 170-171, e Moitinho de Almeida, Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais”, 1983, pág. 61.
[12] Raul Ventura, "Sociedades por Quotas", volume I, 2. edição, 1989, páginas 279, 282, 283 e 294, e Luís Brito Correia, "Direito Comercial", 2º volume, 1992, páginas 316/320.
[13] Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais anotado, Coimbra Editora, 2ª edição, 2003, pág. 219.
[14] DELIBERAÇÕES SOCIAIS – SUSPENSÃO E ANULAÇÃO, in Textos, Centro de estudos Judiciários”, 1994-95, pág. 154
[15] Actualmente, ao que parece, apenas com dois sócios por força do acto registado e documentado a fl.s 20.
[16] In www.dgsi.pt.
[17] Nas palavras de Pinto Furtado, citado no referido acórdão da Relação do Porto de 6.2.2007.
[18] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.1997 e de 9.10.2003, in www.dgsi.pt.
[19] In www.dgsi.pt.
[20] E é precisamente sobre a exclusão de um sócio (e não sobre a destituição de um gerente) que versa o acórdão desta Relação de 15.4.1993, citado pelo recorrente nas respectivas alegações.