Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0635852
Nº Convencional: JTRP00039780
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200611230635852
Data do Acordão: 11/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 693 - FLS. 156.
Área Temática: .
Sumário: I- O disposto no art. 279 nº2 do CPCivil não impede que a causa prejudicial ao ser proposta tenha como efeito e até como finalidade desejada por quem a propôs a suspensão da instância, o que o preceito pretende obstar é que ao propor essa acção a sua finalidade seja “unicamente” a de obter essa suspensão.
II- É evidente que esta exigência diz respeito aqueles casos em que a propositura da acção prejudicial é não mais que um artifício ou um meio de obstar a que uma acção siga os seus termos e para que tal se possa afirmar é necessário que não só pelas datas em que as acções foram propostas como também pelo efeito pretendido em cada uma delas seja visível, quando não manifesto, que mais que ver esclarecida uma questão jurídica concreta, se pretende “unicamente” fazer parar o curso normal de uma acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório
B…………, R. na presente acção que contra si foi proposta por Banco C……… SA, com sede em Lisboa, veio requerer a suspensão da instância nos termos do artº 279º nº1 do C.P.C..
Na réplica a A. veio opor-se ao pedido de suspensão da instância por a acção aludida na contestação e que é apresentada como causa da suspensão ter sido interposta com o único objectivo de suspender os presentes autos, o que integraria a previsão do nº. 2 do artº. 279º. Do C.P.C..
Decidindo, a primeira instância determinou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida sobre o pedido de anulação da venda de prédio dos autos efectuada nos autos de processo de execução fiscal nº 3514200201523368 da 2ª Repartição de Finanças de Matosinhos.
Inconformada com esta decisão a Autora veio interpor recurso concluindo que:
- O Tribunal a quo ordenou a suspensão da presente instância porquanto entendeu que a A. não alegou que a R. já tivesse conhecimento das suas intenções de propor a presente acção.
- Dos factos alegados pelas partes terá de se concluir que o único objectivo da R., ao requerer a anulação da venda efectuada nos autos de execução fiscal, foi o de suspender a presente instância.
- Não constitui um ónus das partes, formular conclusões emergentes dos factos que são alegados.
- Importa, isso sim, que a matéria constante dos autos se possa, in casu, concluir no sentido de que a Recorrida já tinha conhecimento das intenções da Recorrente ao propor a presente acção.
- Pelo que o tribunal a quo cometeu um erro de julgamento tanto no sentido em que decidiu, como na fundamentação a decisão, pois que não deveria ter ordenado a suspensão da instância e muito menos com o fundamento de que a recorrente teria alegado matéria conclusiva e não de facto.
Tendo sido violado o disposto no art. 279 nº2 e 664 nº4 do CPCivil, deve ser revogado o despacho recorrido.
A recorrida contra alegou sustentando o acerto da decisão impugnada.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
… …
Fundamentação
Tem interesse para a decisão considerar que:
- Corre termos no Serviços de Finanças do Concelho de Matosinhos 2, processo de execução fiscal nº 3514200201523368 em que é executado o Réu D………. e em que a Autora adquiriu a propriedade da fracção autónoma designada pela letra D correspondente a um prédio urbano destinado a habitação , sito na Rua ……… nº …., ..º …, freguesia de …., Matosinhos descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número 01198/180794m inscrito na respectiva matriz sob o art. 4659 – cfr. doc. de fls. 10 a 16;
- Na presente acção a Autora pede a condenação dos Réus no reconhecimento do direito de propriedade sobre a fracção identificada no parágrafo anterior e a entrega, por parte destes, dessa fracção acrescida de uma indemnização.
- A presente acção foi interposta em 9 de Fevereiro de 2006 e a R. citada para os termos da mesma em 14 de Fevereiro de 2006;
- Em 25 de Janeiro de 2006 a Ré B……….. solicitou no processo de execução fiscal supra identificado a anulação da venda judicial, conforme resulta de fls. 58 a 54.
- A Autora na petição inicial desta acção declarou que “A A. já interpelou os RR. com vista à entrega do imóvel, tendo estes, sucessivamente prometido que o entregavam, porém, nunca concretizaram tal promessa” e, na réplica, repete que “ por inúmeras vezes interpelou os RR e a R em particular para desocupar o imóvel.”; “…é manifesto que ela foi proposta apenas com o único objectivo de tentar suspender os presentes autos”.
- Na contestação a Ré refere que em “10 de Janeiro de 2006 teve conhecimento informal que a sua casa de habitação teria sido vendida ao Banco Autor” e que “A ré para surpresa sua é citada para a presente acção, porquanto esqueceu a A. que a ré é a legítima proprietária do imóvel objecto do presente litígio”
Cumpre decidir.
Estabelece o art. 279 nº 1 do CPCivil que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado, acrescentando o nº2 do mesmo normativo que, não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
As partes não discutem que o pedido de anulação da venda da fracção constitua questão prejudicial relativamente a esta acção onde a Autora pretende dos réus o reconhecimento do direito de propriedade sobre essa mesma fracção com a consequente entrega do imóvel.
A questão em apreço é apenas a de determinar se existem fundadas razões para crer que tal pedido de anulação da venda teve como única causa a obtenção da suspensão da instância.
Nesta matéria cremos que a primeira instância decidiu correctamente quer quando considerou existir uma relação de prejudicialidade entre aquela causa e a que aqui se discute, quer quanto decidiu pela inexistência de razões fundadas para entender que a anulação da venda tivesse sido proposta unicamente para se obter a suspensão da instância.
Cronologicamente, quando a Autora propôs a presente acção em 9 de Fevereiro de 2006, já a anulação da venda tinha sido solicitada, em 25 de Janeiro de 2006, no Tribunal Administrativo e Fiscal, pelo que as datas apontadas não permitem concluir que a propositura daquela acção de anulação tenha tido por finalidade permitir a suspensão de uma acção que só mais tarde haveria de vir a ser proposta.
Por outro lado, ainda que entendêssemos que a Agravada sabia desde 10 de Janeiro de 2006 (mesmo que informalmente) que a Agravante era proprietária da fracção, mesmo assim as datas em que as acções identificadas foram propostas continuaria a não permitir a conclusão de que o objectivo da anulação da venda havia sido ou de obter a suspensão da acção.
Assim se a natureza da prejudicialidade não é contestada e se a Agravante em parte alguma dos seus articulados alega concretamente que a Agravada tenha tido conhecimento antes de 10 de Janeiro de 2006 que esta acção ia ser proposta, não se têm por verificadas fundadas razões para crer que com a anulação de venda a Agravada quis tão simplesmente a suspensão da instância.
Aliás, o disposto no art. 279 nº2 do CPCivil não impede que a causa prejudicial ao ser proposta tenha como efeito e até como finalidade desejada por quem a propôs a suspensão da instância, o que o preceito pretende obstar é que ao propor essa acção a sua finalidade seja “unicamente” a de obter essa suspensão.
É evidente que esta exigência diz respeito aqueles casos em que a propositura da acção prejudicial é não mais que um artifício ou um meio de obstar a que uma acção siga os seus termos e para que tal se possa afirmar é necessário que não só pelas datas em que as acções foram propostas como também pelo efeito pretendido em cada uma delas seja visível, quando não manifesto, que mais que ver esclarecida uma questão jurídica concreta, no caso a regularidade da venda cuja anulação se pediu, se pretende “unicamente” fazer parar o curso normal de uma acção.
Perante este enquadramento temos por seguro que não existem fundadas razões para acreditar que a anulação da venda apenas foi pedida para que a presente acção ficasse parada, sendo manifesto que nem pelas datas de propositura das acções, nem pelo efeito pretendido na acção que é causa prejudicial resulta minimamente a possibilidade dessa suspeita.
E se a Agravante sustenta que não constitui um ónus das partes formular conclusões emergentes dos factos que são alegados, porque a decisão da primeira instância referiu que “a A não alega que a R. tivesse já conhecimento das suas intenções de propor a presente acção”, é indiscutível que lhes compete alegar factos concretos de onde as conclusões possam ser retiradas e nada do que afirmou na acção permite concluir, como faz, que desde meados de 2005 que a agravada sabia que o imóvel era propriedade da Agravante.
A expressão utilizada pela primeira instância quer significar simplesmente isso mesmo, que dos factos articulados pela Autora não resulta a possibilidade de concluir que a Ré tivesse já conhecimento das intenções da Autora propor a acção.
É que Agravante nunca alegou em que datas concretas terá interpelado a ré com vista à entrega do imóvel, limitando-se a dizer que “já interpelou os réus com vista à entrega do imóvel” ou que “ por inúmeras vezes interpelou os Réus e a Ré em particular, para desocupar o imóvel”.
Ora é evidente que estas alegações sem concretização de datas não podem fazer concluir que o conhecimento de que a Agravante era proprietária do imóvel remonta a meados de 2005, como a Agravante pretendia e, de igual modo, o facto de a ré ter afirmado na sua contestação que declarou pretender continuar a ser proprietária do referido imóvel não significa que tenha declarado isso à Autora por saber que esta era proprietária da fracção, mas significa apenas que na acção de anulação de venda a Agravada fez essa declaração o que resulta do articulado que juntou como documento a fls. 81 a 84.
Em resumo, improcedem na totalidade as conclusões do Agravo.
Decisão
Pelo exposto acorda-se em negar provimento ao Agravo e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela Agravante.

Porto, 23 de Novembro de 2006
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão