Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0420545
Nº Convencional: JTRP00035352
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: PENHORA
DIREITOS
BANCO
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP200404270420545
Data do Acordão: 04/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - Na penhora de contas bancárias, comunicado ao Banco de Portugal o pedido de informação da existência de contas e saldos em nome dos executados e transmitido tal pedido por este a todas as entidades bancárias, a falta de resposta destas ao tribunal não significa que aceitem a existência de contas e saldos em nome dos executados.
II - Deve, pois, ser indeferido o pedido de penhora dos saldos nos Bancos que não responderem ao tribunal, sem que se indique a existência dos mesmos saldos e respectivas contas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO :

I. RELATÓRIO

“S....., Lda.”, com sede na Rua....., em....., propôs, no Tribunal Judicial da....., contra “C....., SA”, com sede na Rua....., ....., execução ordinária para pagamento de quantia certa, apresentando seis letras de câmbio como títulos executivos.
Citada a executada, nada opôs ou disse.
A exequente, vendo-lhe devolvido o direito de nomeação de bens à penhora, indicou para penhora todos os depósitos bancários de que a executada fosse titular junto de instituições bancárias.
Nesse requerimento, a exequente solicitou, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 837º-A, do CPC, que o tribunal ordenasse a notificação do Banco de Portugal para que esta entidade oficiasse às instituições bancárias, “tendo em vista apurar se alguma ou algumas delas são detentoras de depósitos bancários em nome da executada”. Requereu ainda que “ … do ofício a enviar pelo Banco de Portugal às identificadas entidades bancárias conste a obrigação para estas de virem aos autos comunicar os eventuais saldos das contas da executada, ficando estes penhorados à ordem deste Tribunal, conforme se determina no art. 861º-A do Cód. Proc. Civil”.
Tal requerimento mereceu o seguinte despacho, datado de 01.02.2002: “proceda-se à penhora e subsequente notificação nos termos constantes do requerimento que antecede com observância do disposto no art. 861º A CPC”.
Na sequência do cumprimento desse despacho (v. fls. 34), foram chegando aos autos, a partir de 14.03.2002, diversas comunicações de instituições bancárias, todas elas referindo, com excepção da resposta do Banco B..... (fls. 40), que a executada não é cliente de nenhuma delas.
Em 22.01.2003, a exequente dirigiu ao Tribunal um requerimento no qual dá conta de que o Banco E....., ainda não havia respondido ao solicitado. Sustentando que esse silêncio equivale a reconhecimento da existência de valores depositados pela executada nessa instituição, pede que seja ordenada a sua notificação para proceder à penhora desses valores.
No despacho de 27.01.2003 foi ordenada a penhora “do saldo bancário identificado no requerimento que antecede – cfr. art. 861º-A CPC”.
Em 12.02.2003, a D....., do Grupo Banco E....., informou que não procedeu ao oficiado por a executada não ser titular ou contitular de qualquer conta bancária no Banco E.....
Surge, então, o requerimento da exequente de fls. 58 e ss., onde esta enumera 40 (quarenta) instituições bancárias que, por não terem respondido à solicitação do Banco de Portugal, terão reconhecido a existência de valores nelas depositados, pedindo, consequentemente, a penhora dos mesmos.
Esse requerimento mereceu o despacho de indeferimento de fls. 61/62, em relação ao qual houve um pedido de esclarecimento da requerente, a que o Mmº Juiz respondeu pela forma que consta de fls. 67/68.
Por não se conformar com o citado despacho, dele recorreu a exequente.
O recurso foi admitido como sendo de agravo, com subida imediata e em separado, e com efeito meramente devolutivo (v. fls. 70).
Nas respectivas alegações, a agravante pede a revogação desse despacho, e formula, para o efeito, as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, o douto despacho de que se recorre tem apenas a virtude de retirar à exequente/agravante a possibilidade de lograr a satisfação do seu crédito legítimo (porque incontestável e incontestado).
Ora,
2. Importante, nesta sede, é lembrar que a exequente/agravante requereu a nomeação de todos os eventuais (ainda há sigilo bancário em Portugal) saldos bancários da executada, a notificação do Banco de Portugal para que este oficiasse a todas as instituições para apurar da existência ou não de saldos da executada e ainda que constasse do ofício a enviar aos bancos a obrigação de estes virem comunicar ao Tribunal esses eventuais saldos, bem como colocá-los à ordem do Tribunal – cfr. artigos 837º-A e 861º-A, ambos do CPC -, o que tudo foi ordenado e admitido.
E,
3. Igualmente importante para esse efeito, é a circunstância de muito poucos bancos se terem dignado a responder ao Tribunal (e, além disso, o facto de um deles o ter feito numa inaceitável segunda oportunidade), desrespeitando de forma bastante reprovável (apesar de obrigados a colaborar com a justiça e a cumprir as ordens do poder judicial), tanto o Tribunal, como a exequente/agravante.
Por isso,
4. A questão principal que se coloca neste recurso é a de saber se os bancos (e não o Banco de Portugal que “transmitiu” – nesta como em outras execuções – essa obrigação para os bancos) tinham ou não de responder ao Tribunal (recorde-se, a propósito, o art. 205º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), ou seja, e dito de outro modo, se o comprovado silêncio por que optaram muitos bancos tem afinal “valor negativo” (no entendimento do Tribunal – de que se discorda – a falta de resposta equivale à não existência de depósitos/saldos bancários).
5. Na modesta opinião da agravante, é óbvio que o tinham de fazer, dado que de outra forma seria impossível harmonizar (como deve ocorrer) o disposto no art. 861º-A, n.º 1, - “(…) aplicam-se as regras referentes à penhora de créditos (…)” – com o que consta dos nºs 2 e 3 do art. 856º, ambos do CPC.
6. Neste ponto, não se deve esquecer – para efeitos de interpretação do art. 856º citado – que o devedor mencionado nos nºs 2 e 3 daquele preceito legal são já as instituições bancárias perguntadas que não responderam ao Tribunal a quo e não a executada nestes autos, pois nos depósitos bancários ou em conta os bancos adquirem a propriedade das quantias depositadas, ficando apenas e só o depositante com direito a exigir a restituição do valor equivalente – vide ac. RP de 22/3/2001, CJ 2001, Tomo II, p. 190 e Paula Ponces Camanho in Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, 1998, p. 208 e ss.
7. Labora, por isso, e salvo o devido respeito, o douto despacho em dois erros principais, a saber: no primeiro deles, considera-se que na falta de confirmação sobre a existência do crédito (depósito), não há depósitos a declarar; no segundo, entendeu-se que a exequente/agravante requereu uma resposta negativa (expressa) da banca.
8. Quanto ao primeiro – repete-se – a lei não nos permite tirar essa conclusão (mas a contrária, sublinhe-se) e no que respeita ao segundo, o que a agravante requereu foi afinal a notificação (ordenada pelo Tribunal a quo) dos bancos para que procedessem à penhora dos valores em falta para satisfação do seu crédito, custas e demais quantias legais, na linha, de resto, do reconhecimento da obrigação previsto no artigo 856º, n.º 3, do CPC e também da definição de contrato de depósito bancário supra enunciada.
De modo que,
9. Nesta fase, é absolutamente irrelevante que exista ou não exista qualquer conta aberta em nome da executada, pois a partir do silêncio da(s) entidade(s) bancária(s) é(são) ela(s) a(s) devedora(s) que deve(m) responder por essa sua conduta – ou seja: a penhora deverá incidir directamente sobre o(s) próprio(s) banco(s) -, tudo como decorre dos nºs 2 e 3 do art. 856º que assim se harmonizam com o citado artigo 861º-A do CPC.
10. Do exposto resulta que o douto despacho violou, salvo o devido respeito, os artigos 861º-A e 856º, nºs 2 e 3 do CPC, impondo-se assim a revogação dele e a sua substituição por um outro que ordene a notificação dos bancos referidos no requerimento de fls. … para procederem à penhora dos valores em falta para satisfação do crédito da exequente/agravante e demais quantias legais.

O Mmº Juiz a quo exarou despacho em que manteve o decidido (v. fls. 12 a 14).

Foram colhidos os vistos legais.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da agravante (arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC), a única questão a debater é a de saber se deve ser ordenada a notificação das entidades bancárias referidas no requerimento de fls. 58 a 60 para procederem à penhora de saldos da executada.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que interessam à análise do recurso são os que constam do relatório supra, para os quais remetemos.

O DIREITO

Vejamos, para já, o que dispõe o art. 861º- A, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 375-A/99, de 20 de Setembro, pois as disposições do DL 38/2003, de 8 de Março, que entretanto entraram em vigor, apenas se aplicam às execuções instauradas a partir de 15 de Setembro de 2003 (cfr. art. 21º do DL 38/2003), sendo que a presente execução foi instaurada em 27.06.2001.
1. Quando a penhora incida sobre depósito existente em instituição legalmente autorizada a recebê-lo, aplicam-se as regras referentes à penhora de créditos, com as especialidades constantes dos números seguintes.
2. A instituição detentora do depósito penhorado deve comunicar ao tribunal, no prazo de 15 dias, o saldo da conta ou contas objecto da penhora na data em que esta se considere efectuada, notificando-se o executado de que as quantias nelas lançadas ficam indisponíveis desde a data da penhora, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
(…)
6. Se tiverem sido nomeados à penhora saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente, o tribunal solicitará previamente ao Banco de Portugal informação sobre quais as instituições em que o executado é detentor de contas bancárias.
Este n.º 6 foi aditado ao citado artigo, não constando da configuração normativa dada pelo DL 329-A/95, de 12.12.
Na exposição de motivos do DL 375-A/99, preambulou-se, a propósito desse número 6: “Centraliza-se, ainda, no Banco de Portugal a identificação das instituições bancárias em que o executado é detentor de contas (…)”.
É perfeitamente entendível a preocupação e o cuidado do legislador.
Vigorando entre nós o segredo bancário, com rigorosíssima tutela (cfr. DL 298/92, de 31.12), os exequentes têm, em regra, enormes dificuldades em identificar, tanto quanto possível, as contas bancárias de que os executados sejam titulares em estabelecimentos bancários, ficando, assim, por cumprir aquilo que estabelece o art. 837º, nºs 1 e 5.
O art. 837º-A (hoje revogado), estabelece no seu n.º 1, que “sempre que o exequente justificadamente alegue séria dificuldade na identificação ou localização de bens penhoráveis do executado, incumbe ao juiz determinar a realização das diligências adequadas”. Mas, tratando-se da penhora de depósitos bancários, esta norma não tem “muito campo onde possa lavrar”, não só porque o levantamento do sigilo bancário só pode ocorrer em circunstâncias muito particulares, mas, e sobretudo, porque nessa matéria rege, com prevalência, o disposto no art. 861º-A.
Ora, o Mmº Juiz a quo deferiu o pedido feito pela exequente de oficiar ao Banco de Portugal para que esta entidade oficiasse, por sua vez, às instituições bancárias autorizadas a receber depósitos (v. fls. 31), tendo em vista apurar se alguma ou algumas delas eram detentoras de depósitos em nome da executada.
Salvo o devido respeito por opinião divergente, entendemos que o Mmº Juiz fez até mais do que devia. O que o n.º 6 do art. 861º-A apenas autoriza é que, através do Banco de Portugal, se averigúe qual(is) a(s) conta(s) bancária(s) a que pertence(m) o(s) eventual(is) saldo(s) bancário(s) que o exequente tenha nomeado, mas que não consiga identificar adequadamente. Como refere Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 3ª edição, pág. 201, “… não pode o juiz aceitar, a solicitação do exequente, a nomeação à penhora de todos os depósitos bancários quiçá existentes em nome do executado em todos ou quase todos os estabelecimentos bancários existentes no País. Impõe-se, aquando da nomeação de bens, identificar a conta ou contas que se pretendem penhorar. Isto sem prejuízo de o juiz, em cooperação com o exequente (art. 837º-A, n.º 1), dever solicitar ao Banco de Portugal informação sobre as instituições em que o executado detenha contas bancárias, desde que tenham sido nomeados à penhora saldos delas que o exequente não consiga identificar completamente …”
Centralizada essa informação no Banco de Portugal, compete às instituições bancárias, a que este tenha oficiado, informarem o tribunal sobre os números das contas que titulam os saldos bancários indicados pelo exequente, e apenas no caso de nessas instituições existirem depósitos penhoráveis. Se, porventura, não existirem depósitos nos estabelecimentos oficiados, dispensa-se a comunicação ao tribunal ob. cit., págs. 201/202 - v. Amâncio Ferreira,
Como se vê dos autos, a exequente nunca indicou qualquer saldo bancário penhorável da executada.
Sendo assim, o requerimento de fls. 58 a 60 só podia ser indeferido - como foi -, independentemente do que anteriormente se havia processado nos autos.
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III. DECISÃO

Nega-se, pelo exposto, provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela agravante.
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Porto, 27 de Abril de 2004
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge