Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
671/08.0TBPFR.P1
Nº Convencional: JTRP00044118
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
OFENSA DO CRÉDITO
OFENSA DO BOM NOME
Nº do Documento: RP20100527671/08.0TBPFR.P1
Data do Acordão: 05/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – A responsabilidade que tem por base a afirmação ou difusão de factos capazes de prejudicar o crédito e/ou o bom nome de qualquer pessoa, seja singular ou colectiva, a que alude o art. 484º do CC, exige a verificação dos pressupostos previstos no art. 483º do mesmo Cod.
II – Ainda que objecto de correcção logo após ter tido do facto conhecimento, a inclusão indevida, por parte de uma instituição bancária, do nome do A. na denominada “Central de Responsabilidades de Crédito” do Banco de Portugal, deve considerar-se como um comportamento passível de um juízo de censurabilidade e de reprovação e, por isso, enquadrável na previsão legal do art. 487º do CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 671/08.0TBPFR.P1
Tribunal Recorrido: 2º Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira
Relator: Carlos Portela (225)
Adjuntos: Des. Joana Salinas
Des. Pedro Lima Costa


Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório:
B……….., residente na …., nº …, Paços de Ferreira, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra C………., S.A.”, com sede na Rua …, nº …, Lisboa, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00.
Alegou para tal que na base de dados denominada Central de Responsabilidades de Crédito, gerida pelo Banco de Portugal, quando o Autor consultou a informação prestada por este Banco sobre as suas responsabilidades, em 13/02/2008, estavam incluídos dois créditos individuais (classe 1) concedidos pelo Réu, um deles de € 8.310,00, que seria do tipo 04, responsabilidades de financiamento a médio e longo prazo, e o outro, de € 509,00, do tipo 07, responsabilidades de crédito em mora, sendo certo que tais informações não correspondiam à verdade, já que nenhuma das operações tinha tido lugar, devendo-se a inclusão das mesmas a erro do Réu, que apenas em 06/03/2008 se encontrava corrigido.
Por força desta situação, o Autor viu um pedido de crédito “esbarrar” na difusão da informação da existência da responsabilidade do crédito em mora, bem como viu o seu bom nome manchado e a sua reputação atingida, e a sua saúde foi abalada pelo conhecimento da existência de tal informação, com alterações do sistema nervoso, cefaleias e insónias, agravadas pelo receio de que as pessoas suas conhecidas pudessem ter conhecimento daquele facto.
Devidamente citado para o efeito, o Réu contestou, impugnando parte dos factos alegados pela Autor nomeadamente os respeitantes aos danos invocados, alegando que a comunicação das responsabilidades assumidas e decorrentes de contratos celebrados é obrigatória, decorrendo no caso do facto de o Autor ser um dos avalistas intervenientes num contrato de locação financeira celebrado pelo Réu com a empresa “D………, S.A.”, e que a comunicação da mora se deveu a um “lamentável lapso”, um erro informático imprevisível e inevitável, que o Réu resolveu logo que o mesmo foi detectado, corrigindo no mesmo dia em que o Autor lho informou a comunicação da responsabilidade de risco de crédito manualmente pelo sistema Banco de Portugal “on line”, tendo a situação ficado corrigida no dia seguinte, e defendendo que não há lugar à sua responsabilização por inexistir qualquer ilicitude nem dolo.
O Autor replicou, mantendo a posição assumida na petição inicial e aduzindo que a mera culpa é suficiente para a responsabilização do Réu existindo no caso, negligência da sua parte.
Foi elaborado despacho saneador, seleccionou-se a matéria de facto tida por assente e elaborou-se a Base Instrutória (BI), com os factos ainda controvertidos.
Tal despacho não foi objecto de qualquer reparo.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todo o legal formalismo, tendo sido proferida decisão sobre a à matéria de facto, decisão essa que também não foi questionada.
Foi então proferida sentença onde se decidiu julgou do seguinte modo:
Julgou-se parcialmente procedente a acção e, em consequência condenou-se o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), mais se absolvendo o mesmo Réu do restante pedido contra si formulado.
Desta sentença recorreu o Réu C…….. SA, sendo este seu recurso considerado tempestivo e legal, admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo.
Isto sob condição de ser prestada caução no montante fixado pelo Tribunal, o que veio a acontecer após tramitação do respectivo apenso nos termos 981º e seguintes do Código de Processo Civil.
O Apelante alegou e o Apelado respondeu.
Recebido o processo nesta Relação, foi proferido despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir este recurso.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
A presente acção deu entrada em juízo no dia 29.04.2008.
Assim sendo e tendo em conta o que decorre do disposto nos artigos 11º, nº1 e 12º, nº1 do respectivo preâmbulo, a este recurso são aplicáveis as regras processuais previstas no D.L. nº303/2007 de 24 de Agosto.
Ora como é por demais sabido e sem prejuízo das questões que forem de conhecimento oficioso obrigatório, o objecto deste recurso está definido pelo teor vertido pelo Apelante nas conclusões das suas alegações (cf. artigos 660º, nº2, 684, nº3 e 685º-A, nº1 do CPC).
E é o seguinte esse teor:
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Quanto ao Autor, conclui este nas suas contra alegações, do seguinte modo:
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O Tribunal “a quo” teve como provados os seguintes factos:
1) O R. é uma instituição de crédito que se dedica à celebração de operações bancárias e prestação de serviços conexos [A) dos factos assentes];
2) No exercício da sua actividade celebrou com a empresa “D………, S.A.” o contrato de locação financeira nº200600417801, conforme termos do documento de fls. 96 a 100, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [B) dos factos assentes];
3) No âmbito desse acordo foi entregue ao R., como garantia do seu bom e integral cumprimento, um impresso tipo livrança subscrito pela empresa “D………, S.A.” e igualmente, a título pessoal, por dois dos seus sócios, entre os quais o A. [C) dos factos assentes];
4) A 13/02/2008, na base de dados gerida pelo Banco de Portugal nos termos do D.L. nº 29/96, de 11/04, e da Instrução nº 7/2006, do Manual de Instruções do Banco de Portugal, denominada “Central de Responsabilidades de Crédito”, que indica o montante de responsabilidades por classe e tipo de créditos, identificando ainda a instituição financeira concedente do crédito e responsável pela informação, estavam incluídos dois créditos individuais de classe 1, concedidos pelo R. ao A., nos montantes, respectivamente, de € 8.310,00 do tipo 04 (responsabilidades de financiamento a médio e longo prazo) e de € 509,00 do tipo 07 (responsabilidades de crédito em mora, que compreende créditos e juros não pagos no prazo contratado) [D) dos factos assentes];
5) O R. nunca concedeu ao A. os créditos individuais mencionados no ponto anterior, que foram reportados à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal [E) dos factos assentes];
6) O R. enviou à “D…….., S.A.” uma carta datada de 14/02/2008, na qual escreve que “Na sequência dos contactos estabelecidos, vimos pela presente certificar, nesta data, a regularidade do crédito que mantém com o C…….., não se verificando qualquer situação de mora ou incumprimento contratual”, acrescentando “Aproveitamos a oportunidade para evidenciar, que a situação irregular que constou temporariamente na centralização de Crédito do Banco de Portugal, resultou de um lamentável lapso processual, ao qual V. Exa(s). foi completamento alheio, e que o Banco C……… já accionou todos os mecanismos ao seu alcance junto daquela Instituição para a eliminação absoluta da referência em causa (…)”, conforme termos do documento de fls. 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [F) dos factos assentes];
7) A 6 de Março de 2008 já não constavam da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal os créditos individuais mencionados no ponto 4 [G) dos factos assentes];
8) Com data de 5 de Março de 2008, o “E……….., S.A.” subscreveu a informação constante de fls. 19, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual refere que, “na sequência de um pedido de crédito” deste, alertaram o ora A. “da existência de incumprimentos junto do Banco de Portugal e da necessidade de esclarecimento da situação para prosseguimento do pedido de crédito” [resposta ao ponto 1º da base instrutória];
9) O A. é um industrial considerado e respeitado, com um percurso pessoal e empresarial tido como impoluto pelas pessoas das suas relações [resposta ao ponto 2º da base instrutória];
10) Ao longo da sua vida nunca foi conhecida a existência de qualquer situação de incumprimento dos seus compromissos bancários [resposta ao ponto 3º da base instrutória];
11) A inclusão dos créditos mencionados no ponto 4 na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e a circunstância de tal informação ter estado disponível aos destinatários com acesso a tal base de dados, aptos a dela extraírem conclusões que seriam falsas, colocou em causa a honra, a consideração e o bom nome do A. [resposta aos pontos 4º e 5º da base instrutória];
12) Fruto da inclusão dos créditos mencionados no ponto 4 na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e das suas consequências, resultaram preocupações para o A. que lhe abalaram a saúde psíquica e emocional, com alterações do sistema nervoso, agravadas pelo receio de que pessoas suas conhecidas e amigas pudessem ter conhecimento daquela informação da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal [respostas aos pontos 6º e 7º da base instrutória].
Face ao acabado de expor, resulta para nós claro que a única questão que importa apreciar e decidir no âmbito deste recurso, tem a ver com a correcção da quantia arbitrada ao Autor a título de indemnização pela inclusão por parte do Réu de informações erradas na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
Sendo certo que o Apelante não recorreu da decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância e não existe em nosso e entender qualquer razão para nos termos do disposto no artigo 712º, nº1 alínea b) do CPC proceder a qualquer alteração da mesma, os factos provados a ter em conta são apenas e só os antes melhor descritos.
E perante estes, resulta para nós claro que no caso concreto estão verificados os pressupostos da apelidada responsabilidade extracontratual prevista no artigo 483º e seguintes do Código Civil.
Recordemos pois e antes do mais, qual o teor deste normativo:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
São pois requisitos da obrigação de indemnizar, nestes casos de responsabilidade civil por facto ilícito, os seguintes:
-a prática de um facto humano ilícito (violador de um direito de outrem ou de disposição legal);
-a culpa (traduzida no juízo de reprovação da conduta do agente que podia e devia no caso concreto e perante as circunstâncias existentes, ter agido de outra forma e que deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, (cf. artigo 487º, nº2 do Código Civil);
- o dano, (considerado este como o prejuízo material ou moral sofrido por outrem por facto praticado pelo agente a quem o facto é imputado);
- por fim e de acordo com a denominada teoria da causalidade adequada consagrada no nosso sistema jurídico, o nexo de causalidade entre o facto ilícito culposo e o dano (cf. artigo 563º do CC).
Perante o exposto, podemos pois afirmar, que não obstante ser hoje indiscutível, a clara tendência para aumentar a extensão da responsabilidade objectiva (ou pelo risco), o nosso ordenamento jurídico continua a exigir nos casos de responsabilidade civil subjectiva a verificação da culpa como pressuposto indispensável dessa responsabilidade.
Como defende Antunes Varela, (cf. Das Obrigações em Geral, 7º edição, Volume II, pág.97), “agir com culpa significa actuar por forma a que a conduta do agente seja pessoalmente censurável ou reprovável e o juízo de censura ou reprovação dessa conduta só se pode apreciar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia, ter agido de outro modo.”
De todo o modo tem vindo a ser aceite, que para que o agente seja obrigado a indemnizar o dano causado, não basta que o facto ilícito que praticou seja em abstracto considerado, causa adequada desse dano, exigindo-se que seja causa concreta do mesmo.
Ora no caso dos autos temos como provado que a 13.02.2008, na base de dados gerida pelo Banco de Portugal nos termos do D.L. nº 29/96, de 11/04, e da Instrução nº 7/2006, do Manual de Instruções do Banco de Portugal, denominada “Central de Responsabilidades de Crédito”, que indica o montante de responsabilidades por classe e tipo de créditos, identificando ainda a instituição financeira concedente do crédito e responsável pela informação, estavam incluídos dois créditos individuais de classe 1, concedidos pelo Réu ao Autor, nos montantes, respectivamente, de € 8.310,00 do tipo 04 (responsabilidades de financiamento a médio e longo prazo) e de € 509,00 do tipo 07 (responsabilidades de crédito em mora, que compreende créditos e juros não pagos no prazo contratado).
Mais se apurou (cf. pontos 4 e 5 dos factos provados), que o Réu nunca concedeu ao Autor os créditos individuais acabados de mencionar, que foram reportados à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
Aliás e como avisadamente se afirma na sentença recorrida, nem sequer é possível fazer qualquer correspondência entre o contrato de locação financeira referido nos pontos 2 e 3 e o crédito do tipo 04 comunicado à Central de Responsabilidades, na medida em que o valor de tal contrato, mesmo tendo em conta apenas o valor das prestações que ainda faltariam pagar à data de Fevereiro de 2008, em nada é coincidente com o montante de € 8.310,00 comunicado, e, por outro lado, no que concerne ao A., esta situação sempre integraria o tipo de crédito com o código 12 (correspondente a fianças e avales, conforme o Anexo II (Parte I) à Instrução 7/2006 do Banco de Portugal) e nunca o tipo de crédito com o código 04, que respeita apenas à pessoa com quem foi celebrada a operação de crédito, no caso correspondente ao aludido contrato de locação financeira, e que é a sociedade “E………., S.A.”.
Por outro lado e como resulta agora do ponto 6 da matéria de facto que ficou provada, tal informação de acordo com o que fez constar numa carta por si enviada a esta sociedade, foi qualificada pelo próprio R. como uma “situação irregular” que “resultou de um lamentável lapso processual”, que o mesmo diligenciou por regularizar pelo menos a partir da data em que enviou tal carta, (14.02./2008), verificando-se que em 06.03.2008 essa informação respeitante aos dois referidos créditos já não constava da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal (cf. ponto 7 da mesma matéria).
Todavia, em virtude da inclusão da informação da existência dos dois aludidos créditos na Central de Responsabilidades, o A. ainda foi alertado, antes de 5 de Março de 2008, pelo “E………, S.A.” “da existência de incumprimentos junto do Banco de Portugal e da necessidade de esclarecimento da situação para prosseguimento do pedido de crédito” (ponto 8).
Dos pontos 10 e 11, resultou provado que a inclusão dos créditos mencionados no ponto 4 na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e a circunstância de tal informação ter estado disponível aos destinatários com acesso a tal base de dados, aptos a dela extraírem conclusões que seriam falsas, colocou em causa a honra, a consideração e o bom nome do A., que é um industrial considerado e respeitado, com um percurso pessoal e empresarial tido como impoluto pelas pessoas das suas relações, nunca lhe tendo sido conhecida ao longo da sua vida, a existência de qualquer situação de incumprimento dos seus compromissos bancários.
E do ponto 12 dos aludidos factos provados, temos como certo que fruto da inclusão dos créditos mencionados no ponto 4 na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e das suas consequências, resultaram preocupações para o A. que lhe abalaram a saúde psíquica e emocional, com alterações do sistema nervoso, agravadas pelo receio de que pessoas suas conhecidas e amigas pudessem ter conhecimento daquela informação da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
Perante o acabado de expor, deve agora recordar-se o que prescreve o artigo 484º do Código Civil.
Assim, “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.”
Por outro lado e como se correctamente recorda a Sr.ª Juiz “a quo”, no art. 70º do Código Civil (tutela geral da personalidade), determina-se que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.”
Mostra-se igualmente adequada a referência ao artigo 484º do mesmo código quando prevê a responsabilização de “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva”.
Como também certeiramente se afirma, deste normativo e na esteira do defendido por P. Lima e A. Varela no seu Código Civil Anotado, resulta a ideia de que nestes casos deve bastar, que o facto em causa “seja susceptível, dadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade”.
Como defende Capelo de Sousa, em Direito Geral de Personalidade, 1995, a pág. 596 e seguintes, “por crédito, deve entender-se o prestígio da pessoa, …gerador de confiança financeira, de convicção social de solvabilidade…ao passo que o bom-nome ou reputação abrangerá tudo o que se refere ao prestígio da própria pessoa…no plano da lisura e do relevo da sua conduta social.”
Ora como se afirma na sentença recorrida e aqui se não questiona, perante os factos apurados e antes melhor descritos e atento o disposto no artigo 483º, nº1 do CC, é de concluir que no caso correu um facto ilícito, violador de direitos subjectivos do Autor, cuja responsabilidade é passível de ser imputada ao Réu aqui Apelante.
E isto por não se poder esquecer que face ao disposto no artigo 484º do Código Civil, para a ilicitude da afirmação ou divulgação do facto basta que este seja susceptível de prejudicar o crédito ou o bom-nome de terceiro, sendo certo que conforme resulta do próprio teor do nº 4, do art. 3º, do D.L. 29/96, de 11.04, em vigor à data dos factos, “a informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante do Serviço de Centralização de Riscos do Crédito, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou rectificação.”
Quanto aos danos, conclui também a 1ª instância que da matéria de facto apurada nos pontos 8 a 12, se deve retirar que a actuação do Réu causou danos ao Autor, danos esse que foram consequência adequada do procedimento melhor explicado no ponto 4 da mesma matéria.
E isto relembre-se, por ser claro que estando em causa o direito ao crédito e ao bom-nome, nos devemos bastar com a susceptibilidade de ocorrer o prejuízo dos mesmos direitos.
Por último e no que se refere á culpa, dúvidas se não suscitam igualmente quanto á sua verificação na situação em apreço.
A este propósito a sentença recorrida é clara e profusa na forma como aborda esta questão, pelo que nos dispensamos de tecer mais considerações, optando por aludir apenas aos pontos que nela temos como mais relevantes.
Assim é importante recordar o que prescreve o artigo 487º, nº2 do CC, no que toca á forma como em concreto, deve ser apreciada a culpa.

Já sabemos que na situação dos autos o Réu comunicou erradamente à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal a existência a cargo do Autor das responsabilidades aludidas no ponto 4 da matéria de facto, com as características, vindo posteriormente a assumir que a ocorrência de tal situação se deveu a “um lamentável lapso processual”.
Damos o nosso inteiro acordo à ideia de que estando como estamos no âmbito do Direito Bancário, “enquanto Direito do dinheiro e dos sectores sociais especializados no seu manuseio”, cada vez mais um “Direito de serviços”, por força da desmaterialização da moeda, em que “as operações monetárias mais simples são, no fundo, actuações simbólicas dos operadores, uns perante os outros, actuações essas a que se associa o surgimento de vínculos abstractos”, é de exigir um grande cuidado e diligência no tratamento dos dados a fornecer, para que não sejam fornecidos dados que não correspondem à realidade e cuja divulgação possa causar ofensa aos direitos das pessoas, nomeadamente aos direitos de personalidade, cuja tutela constitucional não pode nem deve ser esquecida.
No caso e como avisadamente se refere, era de todo exigível ao Réu que previsse a possibilidade de ocorrência dos tais “lapsos processuais” no tratamento da informação ou mesmo na comunicação dessa informação ao Banco de Portugal e da consequente inclusão na Central de Responsabilidades de informações incorrectas, e que, em face dessa previsão, tomasse todas medidas possíveis e adequadas a evitar a ocorrência de tais “lapsos” e de danos por força desses “lapsos”, assegurando-se da correcção das informações inseridas naquela base de dados.
O que, clara e manifestamente não foi assegurado na situação concreta.
Assim e mesmo considerando que num curto espaço de tempo o Réu diligenciou no sentido de corrigir o seu procedimento desadequado e já amplamente de nós conhecido, é de concluir que o mesmo agiu, pelo menos, com mera culpa ou culpa em sentido estrito, omitindo no mínimo o dever de diligência que lhe era exigível, sendo por isso de censurar a sua conduta.
Deste modo, não devem pois restar dúvidas de que no caso, estão reunidos os pressupostos da ilicitude e da culpa funcional do Réu, sendo por isso o mesmo responsável pelos prejuízos causados ao Autor com a sua conduta.
Sabemos que o Autor pretendia ser indemnizado pelos danos não patrimoniais por si sofridos com tal situação, através do recebimento da quantia de € 250.000,00.
O Tribunal “a quo” fixou em € 20.000,00 tal quantia indemnizatória.
Neste recurso o Réu entende que esta deve ser corrigida, optando-se por um valor nunca superior a € 5.000,00.
E salvo melhor opinião, merece provimento pelo menos em parte, a pretensão recursiva que aqui formula.
Mas antes do mais importa recordar o que a este propósito consagra a nossa lei substantiva.
Assim, o artigo 496º do C.C. prescreve que devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Sabemos também que atento o disposto nas regras conjugadas dos artigos 496º e 566º, nº3 do mesmo código e tendo em conta as circunstâncias previstas no artigo 494º, o tribunal deve atribuir uma compensação financeira ao lesado, a qual e não se apurando o valor exacto dos danos sofridos, será fixada com recurso às regras da equidade.
No caso concreto, verifica-se que pelo menos a 13.02.2008 constavam incluídas em nome do Autor na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal as responsabilidades decorrentes dos créditos aludidos no ponto 4, que o Réu nunca concedeu ao Autor e que, pelo menos a 06/03/2008 tais créditos já não constavam dessa mesma base de dados.
Com manifesta importância para este efeito, provou-se ainda o seguinte:
-Com data de 5 de Março de 2008, o “E…….., S.A.” subscreveu a informação constante de fls. 19, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual refere que, “na sequência de um pedido de crédito” deste, alertaram o ora A. “da existência de incumprimentos junto do Banco de Portugal e da necessidade de esclarecimento da situação para prosseguimento do pedido de crédito”;
- O Autor é um industrial considerado e respeitado, com um percurso pessoal e empresarial tido como impoluto pelas pessoas das suas relações;
- Ao longo da sua vida nunca foi conhecida a existência de qualquer situação de incumprimento dos seus compromissos bancários;
- A inclusão dos créditos mencionados no ponto 4 na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e a circunstância de tal informação ter estado disponível aos destinatários com acesso a tal base de dados, aptos a dela extraírem conclusões que seriam falsas, colocou em causa a honra, a consideração e o bom nome do Autor;
- Fruto da inclusão dos créditos mencionados no ponto 4 na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e das suas consequências, resultaram preocupações para o Autor que lhe abalaram a saúde psíquica e emocional, com alterações do sistema nervoso, agravadas pelo receio de que pessoas suas conhecidas e amigas pudessem ter conhecimento daquela informação da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
Como bem refere a Sr.ª Juiz, não devem pois restar dúvidas de que estamos perante danos com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito.
Isto porque, “tendo em conta as exigências da vida moderna e do funcionamento actual da sociedade, concretamente nas suas facetas económica e financeira, o facto de constarem inscritas responsabilidades em nome de uma pessoa, na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, para mais sendo uma delas de crédito em mora, põe em causa o direito dessa pessoa ao bom nome e ao crédito, afectando nomeadamente a confiança, por parte de instituições de crédito e outras entidades que com aquela estabeleçam relações negociais, na honorabilidade negocial dessa mesma pessoa – e isto independentemente do montante que esteja em causa, pois que mais do que o valor do crédito em mora, o que é relevante é a qualidade de bom ou mau pagador do visado (…).
Como ali se realça é importante para a fixação do montante indemnizatório a arbitrar ao Autor, o facto de ter ficado provado que “o E…….. alertou o A. para a necessidade de esclarecer a situação para poder prosseguir o pedido de crédito que lhe fora formulado pelo A. – ponto 5).”
Mas por outro lado e em contraponto é igualmente de considerar que a situação lesiva dos direitos do Autor, só se prolongou por cerda de um mês, já que foi corrigida pelo próprio Réu logo que do facto teve conhecimento.
Assim sendo e tendo as soluções encontradas em casos idênticos como é paradigma o apreciado no Acórdão da Relação de Lisboa de 15.11.2007, relatado por Ana Luísa Geraldes no processo nº7965/2007-8 e publicado em www.dgsi.pt/jtrl, temos como adequada a verba indemnizatória de € 10.000,00.
Por último também entendemos que por força do disposto no artigo 661º, nº1 do CPC, não deve haver lugar à condenação da Ré no pagamento de juros de mora.
Em suma e como antes já havíamos defendido, procede em parte o recurso interposto.
Sintetizando a argumentação nos termos do disposto no artigo 713º, nº7 do CPC:
- A responsabilidade que tem por base a afirmação ou difusão de factos capazes de prejudicar o crédito e o bom-nome de qualquer pessoa, seja singular ou colectiva, a que alude o artigo 484º do Código Civil, exige a verificação dos pressupostos previstos no artigo 483º do mesmo código.
- Ainda que corrigida logo que objecto de correcção logo após ter tido do facto conhecimento, a inclusão indevida por parte de um instituição bancária, do nome do Autor na denominada “Central de Responsabilidades de Crédito” do Banco de Portugal, deve considerar-se como um comportamento passível de um juízo de censurabilidade e de reprovação e por isso enquadrável na previsão legal do artigo 487º do Código Civil.
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto e, em conformidade, condena-se o Réu a pagar ao Autor, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);
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Custas por Apelante e Apelado na proporção do respectivo decaimento (art. 446º, nºs 1 e 2 do C.P.C.).
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Notifique.

Porto, 27 de Maio de 2010
Carlos Jorge Ferreira Portela
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Pedro André Maciel Lima da Costa