Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0031748
Nº Convencional: JTRP00031431
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP200102220031748
Data do Acordão: 02/22/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 6 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 112/99
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART342 N1.
CPC95 ART471 ART661 N2 ART672 ART807 N3.
Sumário: Provada a existência de danos, mas não se apurando o seu valor, apesar de sobre este ter incidido a produção de prova, deve relegar-se a sua liquidação para execução de sentença, quer se tenha formulado pedido genérico quer específico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
Eduardo ..............., intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra ............-Sistemas de Segurança, Lda, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de Esc. 2.127.000$00, acrescida de juros legais vincendos desde a citação, alegando, em síntese, que:
- adquiriu à ré um sistema de segurança anti-intrusão (alarme), que os funcionários da ré instalaram no seu estabelecimento comercial de venda de artigos de óptica, relojoaria e ourivesaria.
- na madrugada do dia --.--.----, foi o mesmo estabelecimento comercial assaltado, sem que o aludido sistema de alarme tivesse tocado, não obstante estar devidamente ligado, sofrendo por essa via o autor prejuízos derivados de objectos que foram efectivamente furtados do dito estabelecimento, orçando tais prejuízos, ainda por liquidar, no montante peticionado.
Em contestação, a ré invocou, em síntese, que:
-o sistema de alarme adquirido pelo autor e posteriormente instalado pela ré se encontrava em perfeitas condições de funcionamento, sendo certo que o autor, após a instalação do alarme, construiu no estabelecimento comercial uma montra interior, aproveitando o vidro existente e isolando com outros vidros a área envolvente do mesmo, ficando, deste modo, tal espaço fechado fora do alcance de acção dos raios ultra-sónicos e infravermelhos, impedindo assim que o mesmo tivesse funcionado, no momento do assalto.
A acção veio a ser julgada improcedente por não provada.
Inconformada com o decidido os autores recorreram, tendo concluído as suas alegações ,pela forma seguinte:
1-Face aos factos provados, dúvidas não há de que a Ré cumpriu defeituosamente a sua prestação, devendo assim ressarcir os danos causados ao A (art. 799 nº 1 e 798 e 562 e 563 do C. Civil).
2º-Feita a prova dos objectos furtados (13º da fundamentação de facto) ainda que não provado o montante exacto do prejuízo, podia o Tribunal recorrer à equidade para fixar o montante da condenação, já que possuía o mínimo de elementos para tal.
3º-Caso assim se não entendesse, sempre deveria ter sido relegada para execução de sentença a fixação do quantum indemnizatório, fazendo assim prevalecer as questões de caracter substancial e a obtenção de uma justiça material para o litígio sobre as questões de carácter formal e processual, meramente instrumentais em relação àquelas.
4º-Ao decidir como decidiu, o Exmo Senhor juiz a quo não fez a mais correcta interpretação das normas contidas nos artigos 566, nº 3 do C. Civil e 661, nº2 do CPC, tendo absolvido a Ré do pedido em violação do disposto, entre outros, nos artigos 799, nº 1 e 798, 562 e 563, todos do C. Civil.
Houve contra- alegações, onde se sustenta o decidido.
II- Fundamentos
a)- A matéria de facto provada.
1 - O autor explora um estabelecimento denominado “Óptica .......”, onde procede à venda de artigos de óptica, relojoaria e ourivesaria (A);
2- O autor encetou negociações com a ré para aquisição de um sistema de alarme para o estabelecimento identificado em 1. (B);
3 - Na sequência dessas negociações, o autor adquiriu à ré uma central “Conqueror” com exclusão, por sua opção, do botão de pânico, do detector de incêndio e da ligação à central da ré, pelo preço de Esc. 128.700$00 (C);
4- Antes da instalação do equipamento referido em 3., os técnicos da ré procederam à análise e estudo do estabelecimento identificado em 1. (D);
5- Nessa altura, os técnicos da ré verificaram que nesse estabelecimento existia um vidro colocado numa das paredes exteriores e uma porta para o respectivo acesso (E);
6- Em consequência do facto referido em 5., os técnicos da ré colocaram no estabelecimento dois detectores de movimentos, munidos de raios infravermelhos, um direccionado para toda a área comercial e respectiva porta de entrada, o outro direccionado para um cofre existente no estabelecimento (F);
7- Para além desses detectores de movimentos foi colocado um outro detector ultra-sónico direccionado para os vidros existentes, quer da porta quer da parede exterior (G);
8- O aparelho referido em 7. tinha por função detectar a quebra de vidros quer do existente na parede exterior, quer do existente na própria porta (H);
9- No dia --.--.----, cerca das 04,05 horas, indivíduos desconhecidos partiram um vidro da montra do estabelecimento identificado em 1. (1º);
10- E entraram nesse estabelecimento (2º);
11- Aquando dos factos referidos em 9. e 10., o alarme estava ligado (3º);
12- E não tocou (4º);
13- Os indivíduos referidos em 9. levaram consigo 25 armações Nicon, 15 Boegeres, 20 óculos de sol Sting, 25 óculos Rayban, 25 óculos Polaroid, 21 relógios, 6 anéis, 8 pulseiras, uma pulseira grossa e um fio grosso, objectos esses que se encontravam na montra do citado estabelecimento (5º);
14-O autor comunicou à ré os factos referidos em 1º a 6º (base instrutória) (7º);
15- Para reparação do prejuízo referido em 6º (base instrutória) a Companhia de Seguros ............. pagou ao autor a quantia de Esc. 967.000$00 (9º).
b)- Apreciação da matéria de facto, o direito e o recurso de apelação.
Sendo que é pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º,nº 3 e 690º, nºs 1 e 4 do CPC ),vejamos pois do seu mérito:
Diz o recorrente que face aos factos provados, designadamente feita a prova dos objectos furtados, ainda que não provado o montante exacto do prejuízo, podia o Tribunal recorrer à equidade para fixar o montante da condenação, já que possuía o mínimo de elementos para tal e caso assim se não entendesse, sempre deveria ter sido relegada para execução de sentença a fixação do quantum indemnizatório.
Na sentença concluiu-se, correctamente, que a conduta da ré se inseria no cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda de um alarme, que celebrou com o autor.
Porém, embora se tendo reconhecido que a deficiência do alarme causou danos ao autor, absolveu-se a ré do pedido, porquanto não foi demonstrado o quantitativo dos danos, já que a resposta ao quesito 6º, onde se perguntava se o valor dos objectos furtados era do valor de 3.094.000$00,foi de Não provado.
Disse-se expressamente na sentença que “A despeito de se ter logrado identificar os objectos furtados do estabelecimento comercial do autor e, correspondentemente, os prejuízos que daí advieram para o autor, cuja obrigação de indemnização incorre na esfera jurídica da ré (arts. 562º e 563º, do C.Civil), dado que, segundo as regras da experiência comum, tais danos não se concretizariam, caso o alarme tivesse tocado, não logrou o tribunal provar, muito embora tivesse sido submetido a produção de prova, o valor exacto dos objectos dos ao autor”.
Seguiu-se, assim, o entendimento que foi acolhido no Ac. do STJ de 17.01.1995-BMJ nº 443,pág. 395,de que não é permitido dar ao autor nova oportunidade para provar os mesmos factos que não logrou provar na acção declarativa , sob pena de se ofender a regra do ónus da prova a que se refere o art. 342º, nº 1, do C. Civil, bem como o caso julgado formal, contemplado no art. 672º do Cód. Proc. Civil, quando é certo que a decisão sobre a matéria de facto proferida na acção declarativa - no nosso caso a decisão de "não provado" ao artigo 6º da base instrutória - constitui, em si mesma, caso julgado formal, não podendo subsequentemente vir a ser contraditada por outra decisão proferida na acção executiva.
Sobre esta matéria, e perante a factualidade dos autos, não aderimos ao entendimento que foi acolhido na sentença.
Em contrário, subscrevemos a orientação que foi desenvolvida no Ac. do STJ de 29.01.1998-BMJ,nº 473,pág. 445,para dizer também que, ” a mais elementar razão de sã justiça, de equidade, veda a solução de se absolver o réu apesar de demonstrada a realidade da sua obrigação; mas também se revela inadmissível, intolerável, que o juiz profira condenação à toa ”.
Daí que se imponha a aplicação do disposto no nº 2 do art. 661º do CPC.
Esta norma, como se refere no citado acórdão, para o qual se remete em termos da reprodução de todo o historial doutrinário e jurisprudencial acerca da conjugação das regras do art 471º e 661º nº 2 do CPC, (-No mesmo sentido já se pronunciou esta Relação em Acórdão de 2-12-99,da 3ª secção,na apelação nº 1361/99) “tanto se aplica ao caso de se ter formulado pedido genérico, como ao caso de ser ter formulado pedido especifico, mas não se tendo conseguido fazer a prova da especificação. Ao proferir condenação genérica, o juiz não tem que se preocupar com o preceito formulado no & único do artº 275º ...”(cfr. Alberto Reis:CPC anotado, vol.I,pág. 615 e Vol.VI,pág. 71).
“...para tal tipo de decisão judicial não é preciso sequer que o autor tenha feito um pedido ilíquido... pode resultar das respostas aos quesitos que não confirmem inteiramente a certeza dos danos que o lesado invocasse...(cfr. Augusto Lopes Cardoso, O pedido e a sentença- Revista dos Tribunais, ano 93º,pág. 57)”.
“A aplicabilidade do nº 2 do artº 661º do CPC não depende de ter sido formulado um pedido genérico; mesmo que o autor tenha deduzido na acção um pedido de determinada importância indemnizatória, se o tribunal não puder averiguar o valor exacto dos danos, deve relegar a fixação da indemnização, na parte que não considerar ainda provada, para execução de sentença –Cfr, Vaz Serra-RLJ ano 114º,pág.309 e 310”.
Posto isto e concordando inteiramente com a qualificação jurídica feita na sentença, em termos de responsabilização da recorrida pelos danos ocorridos, por cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda do alarme, que apesar de ligado não funcionou para o fim para que foi adquirido, há que interpretar os factos dos danos, de forma objectivamente coerente.
Os objectos furtados do estabelecimento do autor, a que corresponde o valor dos danos sofridos pelo autor, foram, de facto, identificados, como resulta da resposta dada ao quesito 5º ( nº 13 dos factos acima dados como assentes).
São esses os prejuízos sofridos pelo autor, como consequência de o alarme não ter tocado (pois, como se diz na sentença, segundo as regras da experiência comum, tais danos não se concretizariam, caso o alarme tivesse tocado).
O que o autor não conseguiu provar ,no entendimento da resposta dada ao quesito 6º de não provado, foi que o valor desses objectos era de 3.094.000$00.
Existe aqui, na interpretação dada na sentença quanto ao significado desta resposta, uma incoerência/deficiência/contradição factual, não no que diz respeito ao quantitativo, mas no que dela se extraiu em termos de consequências para o desfecho da acção.
O tribunal verificou que existem danos, apenas não conseguiu quantificá-los, nem mesmo com recurso à equidade, na base dos valores participados à GNR, conforme documento de fls. 12.
Restava-lhe então usar da faculdade prevista no nº 2 do art 661º do CPC, relegando para execução de sentença o apuramento desses danos.
É que, interpretando a resposta ao quesito 6º apenas com o alcance que dela deve ser retirado, que é o de apenas não se ter provado que o valor dos danos não era de 3.094.000$00,podendo ser um outro valor dentro do peticionado, não há violação do caso julgado formal, ao admitir-se que pode o autor provar ainda o valor (diferente para menos dos 3.094.000$00) dos objectos que lhe foram furtados.
E tanto assim é que ,não havendo possibilidade de resolver a questão pela via da equidade, na acção declarativa, a lei processual consagra, na acção executiva, meios de atingir esse desiderato, como resulta do disposto no artº 807º nº 3 do CPC ”Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”.
Há, pois, que proferir condenação da ré em quantia a liquidar em execução de sentença.
No apuramento do valor desses danos há que deduzir o valor já recebido pelo autor de 967.000$00,pela respectiva seguradora, no que toca aos artigos de óptica furtados ,pelo que restará apenas quantificar o valor dos restantes objectos que foram furtados ao autor.
Concluímos, pois, que não pode ser feita uma aplicação restritiva do disposto no art. 661º nº 2 do CPC, devendo orientarmo-nos antes pela interpretação que vai no sentido de possibilitar ao lesado a indemnização em sede executiva, quando na acção declarativa não se logrou provar a quantidade dos danos.
Deste modo, não pode manter-se a decisão recorrida, impondo-se a sua revogação e a condenação da ré a pagar ao autor a indemnização que se liquidar em execução de sentença.
III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a ré a pagar ao autor a indemnização que se liquidar em execução de sentença.
Custas pela apelada em 1ª e 2ª instâncias.
Porto, 22 de Fevereiro de 2001
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
João Carlos da Silva