Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6734/09.7TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CONDOMÍNIO
DISPOSIÇÃO DE COISA COMUM
ONERAÇÃO
CONSENTIMENTO
Nº do Documento: RP201309096734/09.7TBVFR.P1
Data do Acordão: 09/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1405º, 1407º E 1408º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Quanto à disposição ou oneração (total ou parcial) da coisa comum, a lei subordina a sua validade ao consentimento de todos os condóminos; na falta desse consentimento, esse acto é ineficaz em relação aos condóminos/consortes que nele não consentiram (cf. art.ºs 1405º, n.º 1 e 1408º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
II - Não distinguindo a lei entre actos de administração ordinária e actos que excedem o âmbito da gestão normal (v. g., inovações na coisa comum; assunção de obrigações; renovações de contratos; etc.) – cf. art.ºs 1407º e 1408º, do Código Civil –, afigura-se que a solução mais conforme com o espírito da lei é a que exige, para os segundos, o consentimento unânime dos comproprietários.
III - Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, as autarquias locais respondem civilmente, perante terceiros, por violarem os seus direitos ou normas legais ou regulamentares que tutelem interesses directos destes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 6734/09.7TBVFR.P1

Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Ana Paula Amorim
Soares de Oliveira
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Sumário do acórdão:

1. Quanto à disposição ou oneração (total ou parcial) da coisa comum, a lei subordina a sua validade ao consentimento de todos os condóminos; na falta desse consentimento, esse acto é ineficaz em relação aos condóminos/consortes que nele não consentiram (cf. art.ºs 1405º, n.º 1 e 1408º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
2. Não distinguindo a lei entre actos de administração ordinária e actos que excedem o âmbito da gestão normal (v. g., inovações na coisa comum; assunção de obrigações; renovações de contratos; etc.) – cf. art.ºs 1407º e 1408º, do Código Civil –, afigura-se que a solução mais conforme com o espírito da lei é a que exige, para os segundos, o consentimento unânime dos comproprietários.
3. Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, as autarquias locais respondem civilmente, perante terceiros, por violarem os seus direitos ou normas legais ou regulamentares que tutelem interesses directos destes.
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. B…, casado com C…, instaurou[1], no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra a Junta de Freguesia …, Santa Maria da Feira, pedindo a condenação da Ré a reconhecer o direito de propriedade do A. sobre o prédio identificado nos art.ºs 1º e 2º da petição inicial (p. i.) (1), a remover à sua custa todas as construções de jazigos e sepulturas construídas na parcela de terreno de pelo menos 200 m2 imediatamente contígua ao antigo muro do cemitério (2), a repor a totalidade do terreno no seu estado anterior (retirando também os restos dos materiais de construção e entulhos que foram depositados no subsolo e zona imediatamente contígua à zona de jazigos e sepulturas ilegalmente construídas e recolocando a terra que de lá foi retirada) (3) e a pagar ao A. a quantia de € 35 000 a título de danos não patrimoniais pela ocupação abusiva do seu prédio e pelos sofrimentos, incómodos e vexames (4).
Alegou, em síntese: é comproprietário na proporção de ¼ do prédio rústico identificado nos art.ºs 1º a 3º da p. i.; em Janeiro de 2008 a Ré iniciou obras de ampliação do cemitério local e abordou o A. e os demais comproprietários, no sentido de cederem uma área de 200 m2 para a feitura da obra; o A. recusou ceder qualquer parcela de terreno sem previamente estarem cumpridas as formalidades de eventual expropriação; em 18.02.2009 a Ré, ou alguém a seu mando, colocou no prédio vários materiais de construção, o que levou à apresentação de reclamação por parte da filha do A. no Gabinete da Ré, após a qual os ditos materiais foram na sua quase totalidade removidos; no dia 06.4.2009 o A. recebeu uma carta da Ré na qual lhe comunicava que iria ocupar uma faixa com a área de 200 m2 e no dia seguinte o A. manifestou a sua oposição; a 8 ou 09.4.2009 o A. recebe comunicação da Câmara Municipal, segundo a qual fora deliberado requerer a “utilidade pública da parcela”, e dando-lhe prazo para aceitar ou contrapor o valor que propunham pelo terreno, nos termos dos art.ºs 10º e 11º, do Código das Expropriações; não obstante, em 27.4.2009 a Ré ou pessoas a seu mando ocuparam abusiva e ilegalmente a parcela em causa, dela removendo terras e usando parte do prédio para trânsito de máquinas e veículos; no dia 06.5.2009[2], acompanhado de quatro testemunhas, notificou o encarregado e o director da obra para se abster de ocupar o terreno e para que retirassem as máquinas e viaturas do mesmo; na sequência da assinalada notificação, tendo continuado a ocupação, o A., a 11.5.2009, requereu a ratificação de embargo extrajudicial e que foi decretada a 21.12.2009; a obra entretanto prosseguira, acabando por ficar concluída em Agosto de 2009; pela ocupação abusiva de terreno pertencente ao A. deve-lhe ser arbitrada uma indemnização em quantia não inferior a € 15.000; o A. sofreu perturbações graves em resultado da actuação da Ré, dando origem aos danos não patrimoniais mencionados nos art.ºs 61º e seguintes da p. i., “indemnizáveis em quantia não inferior a € 20.000”.
Contestando a acção, a Ré referiu, em resumo: as obras em apreço foram iniciadas em Janeiro de 2009; sabendo que o terreno pertencia a três pessoas, entrou em contacto com duas delas, “as quais detêm a maioria dos consortes exigida por lei, no sentido de estes autorizarem a ocupação e posse da faixa em apreço”; esses comproprietários, que formam “a maioria dos consortes exigida por lei”, através de documento escrito, “autorizaram a ocupação e transmitiram à Ré a posse da mencionada faixa de terreno”, pelo que a Ré agiu de forma totalmente lícita; existe um processo de expropriação da referida faixa de terreno, instruído pela Câmara Municipal …, já comunicado aos AA., sendo que a posse administrativa será brevemente concretizada; “tratando-se a referida autorização de ocupação de um acto de administração, a mesma, dado que foi tomada pela maioria dos consortes, é perfeitamente eficaz” perante a Ré. Conclui pela improcedência da acção.
Replicando, o A. afastou aquela perspectiva da Ré, tendo afirmado, designadamente, que “não havendo declaração de utilidade pública e publicação, não pode haver posse administrativa”. Concluiu pela improcedência da “excepção” e como na p. i..
Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionada, sem reparo, a matéria assente (depois aditada a fls. 104 a 106) e controvertida.
Na sequência do requerimento da Ré de fls. 44 visando a declaração da inutilidade superveniente da lide (face à declaração de utilidade pública de 23.8.2010 e à compra e venda de 09.9.2010, a que se referem os documentos de fls. 47 e 90, respectivamente), o Tribunal recorrido decidiu que o processo devia prosseguir quanto “aos pedidos atinentes com a indemnização por danos, extravasando tal pedido de condenação a parcela objecto da expropriação” (fls. 67 e seguinte).
Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal julgou a acção “totalmente improcedente, assim se absolvendo a Ré dos pedidos”.
Inconformados, os AA.[3] interpuseram a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:
1ª - Por força da escritura de partilha de 09.9.2010 o prédio identificado passou a pertencer à herdeira D… e ao comproprietário E…, os quais, por escritura do mesmo dia, venderam à Ré a parcela em causa, objecto da expropriação.
2ª - Em consequência destes actos notariais, verificou-se a inutilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos apresentados na acção, com excepção do que se refere à condenação na indemnização pelos danos verificados e peticionados de € 35 000 (pela ocupação abusiva e pelos danos não patrimoniais).
3ª - Nos documentos juntos com o procedimento de ratificação de embargo de obra (“doc. 6” e “doc. 10”), de Abril de 2009, os AA. comunicaram à Ré que qualquer ocupação e posse da parte desta era ilegal.
4ª - A Ré tinha consciência da ilicitude dos seus actos, tanto mais que se fez assessorar pelo respectivo mandatário, até pelo facto de, após a violação do direito de propriedade do A., ter accionado o mecanismo de expropriação camarária e por força do seu especial estatuto de autarquia local.
5ª - A ocupação abusiva do prédio dos AA. e a violação do direito de propriedade por parte da recorrida ocorreram desde pelo menos Fevereiro de 2009 e continuaram até ao momento da escritura (09.9.2010).
6ª - Os danos não patrimoniais sofridos verificaram-se durante o mesmo período de tempo.
7ª - A recorrida fez uso de expedientes dilatórios para proceder à realização da obra à revelia de toda e qualquer ordem decorrente do embargo extrajudicial, para que no tempo que mediou entre as diligências de oposição dos recorrentes e a ratificação do dito embargo a recorrida realizasse integralmente a obra a que se tinha proposto, demonstrando com tal atitude má fé, consciência da ilicitude e a culpa.
8ª - A sentença recorrida desvaloriza todas as diligências dos recorrentes no sentido de defenderem o seu direito, bem como todas as sequelas e consequências que para os mesmos daí advieram.
9ª - Estão em causa as diligências realizadas, o transtorno, os custos monetários e físico-psíquicos sofridos e suportados pelos recorrentes até à venda em Setembro de 2010, factos reportados a momento em que o recorrente era proprietário do imóvel em causa.
10ª - O desgaste e o sofrimento provocados pela actuação da recorrida foi um dos factores que impulsionaram os recorrentes a aceitar a partilha e divisão do património comum; não fora a actuação persecutória da recorrida e a solução da partilha e divisão patrimonial seria certamente outra, talvez mais favorável aos recorrentes.
11ª - A recorrida tinha consciência de que precisava de todos os comproprietários, apesar disso ignorou as constantes oposições dos recorrentes, incumpriu com o embargo extrajudicial até à sua ratificação, concluindo a obra, e não diligenciou sequer por se acautelar quanto à razão ou não dos recorrentes proveniente do embargo extrajudicial efectuado suspendendo as obras até decisão final, e essencialmente violou o direito de propriedade dos AA./recorrentes.
12ª - As sucessivas interpelações dos recorrentes, o sucessivo desrespeito pelas mesmas e o não cumprimento do embargo só podem ser entendidos como uma manifestação ilegal de autoridade de que se acha imbuída a recorrida, sendo por isso reveladores da existência do dolo ou pelo menos da negligência, pois que apesar de todas as oposições não se conteve de continuar a sua actuação ilícita, e conformou-se com o resultado tendo concluído as obras no decurso do embargo, quando tinha a obrigação de na qualidade de autoridade do poder local saber que tal não lhe era de todo licito ou justificável.
13ª - A recorrida sempre teve conhecimento que ia contra a vontade dos recorrentes, que estava com a sua atitude de se apoderar da parcela de terreno em causa a cometer um facto ilícito, provocando a lesão do direito dos recorrentes e não obstante nunca se absteve de continuar a agir dessa forma, demonstrando assim a inexistência de boa fé.
14ª - A recorrida cometeu culposamente a violação ilícita do direito dos recorrentes, ocasionando-lhes um prejuízo, preenchendo-se os requisitos exigidos pelo art.º 483º do Código Civil (CC)[4].
15ª - Perante a violação do direito de propriedade dos AA. e das normas legais e constitucionais destinadas a proteger a propriedade privada e a sua afectação a fins de utilidade pública, a culpa e a ilicitude da actuação da recorrida, a existência de ocupação abusiva do prédio e danos não patrimoniais, e o nexo de causalidade entre aquela violação culposa e os danos e lesões verificados, existe obrigação de indemnizar por parte da Ré.
16ª - A sentença recorrida violou o art.º 483º, do CC, e os mais elementares princípios jurídicos em vigor, devendo ser revogada.
A Ré respondeu à alegação pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso - art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do Código Processo Civil), importa decidir se e em que medida é a Ré obrigada a compensar o A. por danos não patrimoniais derivados da sua actuação.
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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
1) Encontra-se inscrito na matriz predial em nome do A., na proporção de um quarto, E…, na proporção de metade e D…, na proporção de um quarto, sob o art.º 2007, o prédio sito em …, freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, destinado a cultura, confrontando do norte com F…, do sul com G…, do nascente e do poente com H…, com a área de 2 400 m2. (A)
2) Tal prédio ficou a pertencer em comum e na proporção de metade para E…, de um quarto para o A. e de um quarto para D…, por partilha na herança de I…. (B)
3) A Junta de Freguesia … iniciou obras de ampliação no cemitério local. (C)
4) D… e marido declararam autorizar a Ré a ocupar uma área não superior a 200 m2 do prédio aludido em 1). (D)
5) E… e mulher D… declararam autorizar a Ré a ocupar uma área não superior a 200 m2 do prédio aludido em 1). (E)
6) Por carta datada de 03.4.2009 remetida ao A. foi comunicado que a Ré iria tomar posse e ocupar uma faixa de terreno com a área de 200 m2 do prédio aludido em 1), uma vez que os demais comproprietários autorizaram a mesma e detêm a maioria. (F)
7) Por carta datada de 07.4.2009 o A., através do seu Exmo. Advogado, comunicou ao Exmo. Advogado da Ré que não aceitava qualquer ocupação. (G)
8) A Câmara Municipal … comunicou aos AA. que na reunião camarária de 16.3.2009 foi deliberado requerer a declaração de utilidade pública da parcela de terreno sita no …, freguesia …, com a área de 181,91m2, a destacar do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 2007 e omisso à Conservatória do Registo Predial (CRP), por tal parcela ser necessária à ampliação do cemitério. Mais disse ter sido avaliada tal parcela em € 1 364,32, pelo que dispunham de um prazo de 20 dias para declararem se aceitavam o valor proposto ou apresentarem contraproposta. (H)
9) Por carta junta a fls. 51 e 52 ao procedimento cautelar a estes autos apensos (cujo teor se dá por reproduzido), os AA. comunicaram à Câmara que impugnavam a resolução de expropriar e não aceitavam a proposta apresentada. (I)
10) Em 18.02.2009 a Ré ou alguém a seu mando colocou no prédio em causa blocos, areias e outros materiais de construção. (J)
11) Em 27.4.2009, a Ré procedeu a escavações profundas em área superior a 200 m2 na zona do prédio indicada em 1), imediatamente contígua ao cemitério. (K)
12) Por carta datada de 28.4.2009 o Exmo. Mandatário do A. comunicou à Junta de Freguesia que “Os m/ clientes informaram-se ontem à noite que os trabalhadores aos serviço da Junta de invadiram e estão a retirar as terras da parcela que pretendem tomar à força ao m/cliente. Serve a presente para solicitar que impeça a cliente do Exmo. Colega de continuar a atropelar a lei, e que pare de imediato as obras no local, repondo as terras que já removeram a desocupando a parcela. (…)”. (L)
13) O Exmo. Mandatário do A. endereçou uma carta datada de 28.4.2009 ao Presidente da Câmara Municipal … cujo teor consta de fls. 57 do Procedimento Cautelar a estes autos apensos (que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), carta essa em que figuram designadamente os seguintes dizeres: “Ontem, dia 27.4.2009 (…) a Junta de Freguesia de Nogueira da Regedoura ou alguém de seu mando invadiram a parcela de que os m/ clientes são comproprietários, escavaram e removeram terras dessa parcela. Tal operação é ilegal, não permitida pela Lei das Expropriações. (…) Anexo à presente notificação que enderecei ao mandatário da Junta de Freguesia. E, pela presente, venho também notificar a Exma. Câmara na pessoa de V. Exª para: - De imediato, abandonar o prédio de que os m/ clientes são comproprietários; - Proceder à reposição das terras. (…)” (M)
14) No dia 06.5.2009, pelas 09.20 horas, o A. dirigiu-se ao local da obra referido em 3), acompanhado por J…, K…, L... e M…. (N)
15) No dia 09.9.2010 foi outorgada no Cartório Notarial de Espinho uma escritura pública denominada de compra e venda, na qual figuram os seguintes dizeres (cf. documento de fls. 90 a 92, aqui dado por reproduzido):
“(…) PRIMEIROS: B… (…) e mulher C… (…) SEGUNDA: N… (…), que outorga na qualidade de procuradora e em representação de D… (…) e marido O… (…).
DISSERAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES:
Que, pela presente escritura, o outorgante marido, com o necessário consentimento do seu cônjuge, vende aos representados da segunda outorgante, pelo preço global (…), já recebido, os seguintes bens: (…) 2. pelo preço de duzentos e vinte euros e cinquenta cêntimos, UM/QUARTO DO PRÉDIO RÚSTICO – composto de terreno de cultura com a área de dois mil e quatrocentos metros quadrados, sito em …, na freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, a confrontar de Norte com F…, Sul com G…, Nascente e Poente com H…, não descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz sob o artigo 2007, com o valor patrimonial para efeitos de IMT correspondente a essa proporção de 220,50 €.
(…) DISSE A SEGUNDA OUTORGANTE, na invocada qualidade: Que, aceita a venda, nos termos atrás exarados”. (O)
16) No dia 09.9.2010 foi outorgada no Cartório Notarial de Espinho uma escritura pública denominada de compra e venda, na qual figuram os seguintes dizeres [cfr. documento de fls. 228 e seguintes do Apenso A)]:
PRIMEIROS:
a) N… (…), que outorga na qualidade de procuradora e em representação de: D… (…) e marido O… (…) b) E… (…) e mulher P… (…) SEGUNDO: Q… (…), que outorga na qualidade de Presidente da Junta e em representação da FREGUESIA … (…).
DISSERAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES, nas invocadas qualidades:
Que são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio, na proporção de metade para os representados da primeira outorgante da alínea a) e de metade para os primeiros outorgantes da alínea b):
RÚSTICO – composto de terreno de cultura, com a área de dois mil e quatrocentos metros quadrados, sito em …, na freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, a confrontar de Norte com F…, Sul com G…, Nascente e Poente com H…, não descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz sob o art.º 2007, com o valor patrimonial de 25,98 €. (…) Que, pela presente escritura, vendem à representada do segundo outorgante, pelo preço de CEM EUROS, já recebido, o seguinte bem:
Parcela de terreno, com a área de cento e oitenta e um vírgula noventa e um metros quadrados, a confrontar do norte com F…, do sul com G…, de Nascente com E… e D… e de Poente com Cemitério da Junta de Freguesia, a desanexar do prédio rústico acima identificado.
DISSE O SEGUNDO OUTORGANTE, na invocada qualidade: Que, aceita a venda nos termos atrás exarados, destinando-se a parcela de terreno adquirida a anexar, para alinhamento de estremas, do prédio urbano de que a representada do segundo outorgante e possuidora, correspondente ao Cemitério Paroquial da Freguesia …, composto de terreno destinado a outros, com a área de sete mil e setenta metros quadrados, sito no …, da freguesia …, concelho de Santa Maria da Feira, a confrontar de norte com Avenida … e Rua …, de sul com Rua … e Herdeiros de S…, de nascente com D… e de E…, de poente com Igreja …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2822. (…) (P)
17) Os antecessores do A., e designadamente o pai deste, até sensivelmente 2004, colheram os frutos da terra do prédio referido em 1), e o A., depois do óbito do pai, continuou a fazê-lo pelo menos em parte desse prédio durante pelo menos mais um ou dois anos… (resposta ao art.º 1º)
18) …o que sucedeu ininterruptamente e à vista de toda a gente, com exclusão de quaisquer outras pessoas e sem oposição de quem quer que seja, dando-o a cultivar às pessoas por si designadas, usando o poço comum para extracção de água e rega do terreno, limpando-o de ervas daninhas, reparando as suas vedações, pagando contribuições e impostos relativos ao prédio em causa ao longo do decurso do tempo, sempre na convicção de que não estava a usar de direitos de outrem e tendo-o feito sem oposição de quem quer que seja, à luz do dia e de forma contínua. (2º a 9º)
19) A Ré tem à venda jazigos e capelas no local referido em 3) e em resultado da venda de jazigos e capelas advêm receitas para a autarquia. (resposta aos art.ºs 11º e 12º)
20) Na reunião referida em 8) foi aprovado o projecto de arquitectura para o aumento do cemitério. (resposta ao art.º 13º)
21) A Ré, por intermédio da empresa T…, Lda., escavou a parcela de terreno referida em 4) e 5) e derrubou o muro lateral que vedava o cemitério, situação que se verificava pelo menos aquando da ocasião mencionada em 14). (resposta ao art.º 15º)
22) No contexto das obras referidas em 21) foi feita uma rampa de modo a permitir o acesso de veículos e máquinas para as mencionadas operações de escavação e remoção de terras. (resposta ao art.º 16º)
23) No dia referido em 14) o A. notificou verbalmente as pessoas presentes na obra, a saber, o funcionário, o encarregado e o director da obra, para pararem de fazer as obras e se absterem de ocupar o terreno em causa… (17º)
24) …e para que se retirassem, bem como as máquinas e viaturas do terreno já identificado. (18º)
25) Tais pessoas ficaram bem cientes do aviso e do embargo em causa. (19º)
26) Não obstante, prosseguiram com os movimentos de terras e abertura de caboucos para a construção de alicerces das sepulturas que pretendiam implantar. (20º)
27) O A. e seus familiares foram várias vezes ao local, e o A. constatava com desespero a continuação da obra referida em 26). (resposta ao art.º 21º)
28) Em data não concretamente apurada o Exmo. Advogado do A. dirigiu-se ao local e abordou o Encarregado da Obra, instando-o a parar com a mesma e a sair do terreno. (resposta ao art.º 22º)
29) Ainda assim a Ré continuou as obras, sendo que fê-lo depois de o seu Exmo. Advogado por telefone ter dito ao Sr. Presidente da Junta de Freguesia que aquelas podiam continuar. (resposta ao art.º 23º)
30) As obras de construção dos jazigos e sepulturas na parcela de terreno referida em 4) e 5) mostravam-se concluídas em Setembro de 2009.[5] (resposta ao art.º 24º)
31) O A. sentiu-se desrespeitado na sua dignidade de cidadão… (25º)
32) …teve de recorrer a apoio médico… (resposta ao art.º 26º)
33) …sentiu-se gozado pelo órgão autárquico… (27º)
34) …sentiu-se envergonhado perante os vizinhos e amigos conhecedores dos factos descritos… (28º)
35) …sentiu-se afrontado pelas atitudes da Ré face à posição dos demais comproprietários que assumiram posição discordante do A…. (29º)
36) …sentiu-se triste, incomodado, doente e revoltado. (30º e 31º)
2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum (art.º 1408º, n.º 1). A disposição ou oneração de parte especificada sem o consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia (n.º 2 do mesmo art.º).
Quanto à disposição ou oneração (total ou parcial) da coisa comum, a lei subordina a sua validade ao consentimento de todos os condóminos [cf., ainda, o art.º 1405º, n.º 1[6]]; na falta desse consentimento, tais actos são ineficazes em relação aos condóminos/consortes que nele não consentiram; estes não necessitam, por conseguinte, de recorrer a qualquer meio de impugnação do acto, para conseguir que ele não lhes seja oponível.
Não distinguindo a lei entre actos de administração ordinária e actos que excedem o âmbito da gestão normal (v. g., inovações na coisa comum; assunção de obrigações; renovações de contratos; etc.) – cf. art.ºs 1407º[7] e 1408º –, afigura-se que a solução mais conforme com o espírito da lei é a que exige para os actos que excedam o âmbito da gestão normal (que transcendem a esfera da gestão ordinária) o consentimento unânime dos comproprietários, atendendo, designadamente, por um lado, a que o âmbito da administração, no caso da compropriedade, é consideravelmente mais restrito do que na esfera da actividade social e, por outro lado, à solução consagrada no art.º 1024º, n.º 2[8], ao exigir o consentimento unânime de todos os comproprietários para a realização de um acto de gestão normal, como é o arrendamento (de prédio comum/indiviso), ou seja, decorre do apontado quadro normativo que a lei não quis confiar à maioria (dos consortes) poderes para praticar actos que excedam o âmbito da gestão ordinária e envolvam profundas alterações ou inovações (materiais ou de destino) no objecto da compropriedade.[9]
3. Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei (art.º 1308º).
A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização (art.º 62º da Constituição da República Portuguesa).
Está assim garantido o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação.
O fundamento da expropriação circunscreve-se a razões normais e permanentes de utilidade pública, sendo reconhecido ao cidadão um sistema de garantias que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização.
O recurso à expropriação só deve ter lugar quando se gorar a aquisição por via negocial, que deve ser previamente explorada [cf., por exemplo, o disposto no art.º 11º do Código das Expropriações[10], aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.9], salvo porventura em caso de urgência excepcional.
A expropriação carece sempre de uma base legal (princípio da legalidade). No caso de expropriação através de lei, a autorização reside na própria lei expropriatória (expropriação legal); na hipótese de expropriação administrativa, a lei há-de estabelecer com suficiente rigor os requisitos do acto expropriatório, que exige uma prévia declaração de utilidade pública da expropriação a efectuar (acto através do qual a autoridade competente atesta o interesse público da obra ou trabalho legitimador do sacrifício de bens ou direitos patrimoniais dos particulares/cf. art.ºs 12º e seguintes do Código das Expropriações).[11]
4. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (art.º 483º, n.º 1).
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.[12]
É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art.º 487º).
Assim, a culpa – a imputação de um acto ilícito ao seu autor, traduzida no juízo segundo o qual este devia ter-se abstido desse acto[13] – deve ser apreciada in abstracto (segundo um critério/padrão objectivo), ou seja, em atenção à diligência de um homem normal (um bom pai de família) face ao condicionalismo do caso concreto e não à diligência normal do causador do dano; a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto; à culpa interessa o apuramento da diligência possível ou individualmente exigível, em face das circunstâncias concretas de cada caso.[14]
Do princípio da culpa segue-se que a culpabilidade do autor deve-se relacionar com o facto ilícito concreto, podendo-se concluir que o A. manifestou a sua indiferença em face das normas de conduta do Direito (dolo) ou uma desatenta ou descuidada posição em face das exigências de cuidado da ordem jurídica (negligência).[15]
5. Como bem se refere na decisão sob censura, os AA. propuseram a presente acção tendo por base um direito de compropriedade sobre determinado prédio, na proporção de ¼, considerando que determinada obra feita pela Ré era ilegal, porquanto não devidamente autorizada a ocupação do prédio.
Na pendência da acção, o direito de compropriedade invocado pelos AA. deixou de existir devido à alienação da sua quota no prédio através de escritura pública de compra e venda outorgada a 09.9.2010 [cf. II. 1. 15), supra, e o art.º 879º].
Ficaram assim prejudicadas as pretensões deduzidas na acção, à excepção da indicada por último [cf. ponto I, supra, ab initio], faltando decidir se, à data dos factos imputados à Ré, o A. era titular do direito de compropriedade, se a Ré violou esse direito e se, em consequência, advieram ao A. danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito.
Decorre dos autos e da materialidade apurada que, à data dos factos relevantes para a dilucidação do pedido subsistente, o A. era comproprietário do imóvel em causa [cf., designadamente, II. 1. 1), 2), 17) e 18), supra, e art.ºs 1263º, alínea a), 1287º, 1296º e 1403º].
Por outro lado, dúvidas não restam de que a Ré fez obras sobre uma parte especificada do mencionado prédio e com carácter permanente, no sentido em que implicavam uma afectação sem retorno previsível à fruição dos comproprietários [cf., sobretudo, II. 1. 3), 4), 5), 19) e 30), supra].
Daí que, tendo em conta o exposto em II. 2., supra, se considere inteiramente correcto o explanado pelo Tribunal recorrido quando conclui pela verificação de “circunstancialismo que releva pelo menos de uma oneração da parte do prédio afectada, e como tal carecia do consentimento de todos os consortes, não bastando pois para tanto uma decisão tomada por consortes que representassem a maioria do capital, como terá em concreto sucedido. (…) Não tendo a dita ocupação sido precedida, acompanhada ou seguida de consentimento do A., o que em bom rigor tínhamos era que as autorizações dadas pelos demais consortes e a ocupação correspondente pela Ré constituíam actos ineficazes quanto a ele.”
6. Já no que concerne à pretensão indemnizatória/compensatória deduzida contra a Ré, afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que não será de acolher a posição expressa na decisão sob censura.
À luz do disposto no n.º 1 do art.º 483º, entre outros pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, importa verificar se a Ré praticou um acto ilícito, culposo e causador de danos.
O Tribunal recorrido considerou a dita ocupação executada pela Ré como um acto objectivamente ilícito quanto ao A. [cf., ainda, nomeadamente, II. 1. 6), 10) e 11), supra], porque violador do direito de compropriedade deste.
Porém, veio depois a concluir não ser possível imputar essa ilicitude a culpa da Ré, na medida em que, por um lado, “a Ré actuou com o consentimento dos consortes que representavam a quase totalidade das quotas ideais do prédio (¾)”, e, por outro lado, não ficou demonstrado que a mesma “sabia que era insuficiente a autorização dos consortes que representavam ¾ das quotas ideais do prédio e que carecia ainda da autorização do A. para ocupar a parcela”, nem foi feita “a prova de factos que permitissem concluir que não usou da diligência devida”.
Na verdade, embora estejamos perante situação não isenta de dificuldades, pensamos que a Ré decidiu-se pela ocupação da parcela de terreno em causa contra a oposição do A., sendo que, até à conclusão da obra e não obstante as vicissitudes verificadas no procedimento cautelar de ratificação do embargo, nunca dele obteve o pretendido assentimento.
Decorre da factualidade apurada que as autarquias envolvidas [a Câmara Municipal … e a Ré] sabiam e/ou não podiam ignorar que, gorada ou impossibilitada a aquisição por via negocial, a ocupação/apossamento da parcela de terreno em causa apenas poderia ter lugar mediante a adopção dos procedimentos legalmente previstos, maxime, no contexto de uma expropriação por utilidade pública[16].
Ao não terem sido adoptados os procedimentos legalmente previstos e ao ter-se avançado para a realização da obra em questão apesar da manifesta, atempada e permanente oposição do A., a Ré não deixou de revelar, pelo menos, uma posição descuidada em relação a exigências (claramente) consagradas no ordenamento jurídico e, em particular, perante a esfera jurídica e os interesses do A., comproprietário do bem ocupado e cujo assentimento era igualmente necessário.
De contrário, legitimar-se-ia um acto ablativo da (com)propriedade à margem da ordem jurídica.
Daí que, sem quebra do respeito sempre devido por perspectiva diversa, se entenda que a factualidade provada permite fundar, pelo menos, tal postura descuidada, ou seja, a mera culpa pressuposta pela obrigação de indemnizar que se pretende fazer valer na presente acção e, por conseguinte, alicerçar o juízo segundo o qual a Ré devia ter-se abstido de adoptar a actuação contra a qual o A. sempre se opôs [cf., designadamente, II. 1. 6), 7), 10), 11), 12), 14), 21), 23), 24), 25), 26) e 30), supra] - deveria pois a Ré, ao invés, e era-lhe exigível, ser mais cautelosa/prudente, lançando mão dos procedimentos legalmente previstos, o que não fez.
Ademais, antolha-se correcto inferir que a recorrida teria consciência de que precisava do consentimento de todos os comproprietários, e é evidente ter ignorado as constantes oposições do recorrente, além de que incumpriu com o embargo extrajudicial (até à sua ratificação), concluindo a obra - um bom pai de família, nas mesmas circunstâncias, teria agido de modo diferente e mais cuidadoso…
Estas são, cremos, razões suficientes para dar por verificado/preenchido aquele requisito da obrigação de indemnizar (a culpa).
7. Em matéria de danos não patrimoniais, a lei estabelece que se deverá atender àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, e que o respectivo montante será fixado equitativamente (art.º 496º, n.ºs 1 e 3).
Ficou demonstrado que em razão da actuação da Ré, o A. e seus familiares foram várias vezes ao local, e o A. constatava com desespero a continuação da obra referida em II. 1. 26); o A. sentiu-se desrespeitado na sua dignidade de cidadão, teve de recorrer a apoio médico; sentiu-se gozado pelo órgão autárquico, envergonhado perante os vizinhos e amigos conhecedores dos factos descritos, afrontado pelas atitudes da Ré face à posição dos demais comproprietários que assumiram posição discordante, e triste, incomodado, doente e revoltado [cf. II. 1. 27) e 31) a 36), supra].
Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural [cf. art.ºs 562º e 566º, n.º 1] e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.
A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo [art.º 496°, n.º 3, 1ª parte].
Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.[17]
Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.
Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [art.ºs 494º e 496º, n.º 3, 1ª parte], bem como as exigências do princípio da igualdade.[18]
Tendo presente o mencionado quadro normativo e, designadamente, a natureza e a gravidade dos referidos danos, pensamos não poder deixar de atribuir ao A. a reclamada compensação por danos não patrimoniais, sendo também aqui inteiramente correcto e razoável o entendimento segundo o qual “até onde for admissível é preferível punir, civilisticamente, um acto ilícito que o deixar impune”[19].
Tudo ponderado e tendo em conta as indemnizações/compensações que vêm sendo atribuídas pelo nosso mais alto Tribunal[20], à vista dos factos provados, afigura-se que os danos não patrimoniais provocados pela actuação da Ré deverão ser compensados atribuindo-se uma quantia não inferior a € 2000 (dois mil euros), que temos como razoável e equitativa.
As “conclusões” da alegação do recorrente procedem parcialmente.
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III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, revoga-se a sentença e condena-se a Ré a pagar ao A. a compensação de € 2000 (dois mil euros) pelos danos não patrimoniais supra referidos, ficando a Ré absolvida do restante pedido.
Custas, nas instâncias, por AA. e Ré atento o decaimento e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido a fls. 178 e 180.
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Porto, 09.9.2013
José Fonte Ramos
Ana Paula Pereira de Amorim
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
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[1] Em 31.12.2009.
[2] Por lapso manifesto, escreveu-se, no art.º 31º da p. i., “6 de Maio de 2006”.
[3] Na sequência do despacho de fls. 130 (visando esclarecer “quem ocupava a parte activa na presente acção” – se o A. ou se este e mulher – e suprir a eventual falta de mandato quanto à esposa do A.), a fls. 131 e 132, A. e mulher vieram dar conta da intervenção desta, que ratificou todo o processado e juntou procuração forense.
Por despacho de fls. 133 julgou-se suprida a referida “falta” e “ratificado o processado”.
[4] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[5] A ratificação judicial do embargo (extrajudicial) foi requerida a 11.5.2009 e veio a ter lugar a 21.12.2009.
[6] No qual se preceitua: “Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção da suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.”
[7] Que, sob a epígrafe “Administração da coisa”, preceitua o seguinte: “1. É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985º [regime de administração das sociedades civis]; para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.
2. Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade.
3. Os actos realizados pelo comproprietário contra a oposição da maioria legal dos consortes são anuláveis e tornam o autor responsável pelo prejuízo a que der causa.”
[8] Dispõe o mencionado normativo: “O arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é válido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito e antes ou depois do contrato, o seu assentimento.”
[9] Vide, neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª edição (Reimpressão) Coimbra Editora, 1987, págs. 363 e seguintes e Henriques Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1967, págs. 260 a 265.
[10] Com a seguinte redacção:
“1 - A entidade interessada, antes de requerer a declaração de utilidade pública, deve diligenciar no sentido de adquirir os bens por via de direito privado, salvo nos casos previstos no artigo 15.º, e nas situações em que, jurídica ou materialmente, não é possível a aquisição por essa via.
2 - A notificação a que se refere o n.º 5 do artigo anterior deve incluir proposta de aquisição, por via de direito privado, que terá como referência o valor constante do relatório do perito.
3 - No caso referido no n.º 2 do artigo 9.º, a proposta é apresentada como alternativa ao realojamento nele previsto.
4 - Não sendo conhecidos os proprietários e os demais interessados ou sendo devolvidas as cartas ou ofícios a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, a existência de proposta é publicitada através de editais a afixar nos locais de estilo do município do lugar da situação do bem ou da sua maior extensão e das freguesias onde se localize e em dois números seguidos de dois dos jornais mais lidos na região, sendo um destes de âmbito nacional.
5 - O proprietário e os demais interessados têm o prazo de 20 dias, contados a partir da recepção da proposta, ou de 30 dias, a contar da última publicação nos jornais a que se refere o número anterior, para dizerem o que se lhes oferecer sobre a proposta apresentada, podendo a sua contraproposta ter como referência o valor que for determinado em avaliação documentada por relatório elaborado por perito da sua escolha.
6 - A recusa ou a falta de resposta no prazo referido no número anterior ou de interesse na contraproposta confere, de imediato, à entidade interessada na expropriação a faculdade de apresentar o requerimento para a declaração de utilidade pública, nos termos do artigo seguinte, notificando desse facto os proprietários e demais interessados que tiverem respondido.
7 - Se houver acordo, a aquisição por via do direito privado poderá ter lugar ainda que a área da parcela, ou da parte sobrante, seja inferior à unidade de cultura.”
[11] Vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, págs. 805 e seguintes.
[12] Vide Antunes Varela, in RLJ, 102º, págs. 58 e seguintes.
[13] Vide I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, 1986, págs. 316 e seguinte e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4 edição, Almedina, 1982, págs. 485.
[14] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 462 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, cit., págs. 498 e seguinte e 504, nota (3) (citando Esser).
[15] Vide J. Wessels, Direito Penal (aspectos fundamentais), Porto Alegre, Fabris, 1976, pág. 89, cujo ensinamento é transponível para o direito civil.
[16] E o despacho governativo que veio a declarar a utilidade pública (e autorizou a “posse administrativa”) foi proferido a 12.8.2010 e publicado no Diário da República a 31.8.2010 (cf. fls. 47).
[17] Vide, de entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente.
[18] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[19] Cf. o citado acórdão do STJ de 26.6.1991, in BMJ, 408º, 538.
Entendimento contrário, apenas poderá contribuir para o alastramento do sentimento de impunidade e de injustiça que também já se vai sentindo no domínio do direito civil.
[20] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 26.11.2009-processo 2659/04.0TJVNF.P1.S1, 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, 27.5.2010-processo 8629/05.4TBBRG.G1.S1, 14-9-2010-processo 267/06.0TBVCD.P1.S1, 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, 07.10.2010-processo 2171/07.6TBCBR.C1.S1, 21.10.2010-processo 1331/2002.P1.S1 e 11.11.2010-processo 270/04.5TBOFR.C1.S1, publicados no “site” da dgsi.