Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0733538
Nº Convencional: JTRP00040587
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: DECLARAÇÃO DE IRS
FORÇA PROBATÓRIA
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200709200733538
Data do Acordão: 09/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 730 - FLS. 140.
Área Temática: .
Sumário: I – Não constituindo a declaração de IRS mais do que um documento particular, e sendo a respectiva autoria aceite pelo declarante, só pelo Fisco pode ser invocada a força probatória que lhe advém do preceituado no art. 376º, do CC.
II – A incapacidade permanente parcial é, “per se”, um dano patrimonial indemnizável, é um dano patrimonial futuro, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto


B………………., Lda., C…………………… e D…………………, instauraram no Círculo Judicial de Penafiel, onde foi distribuída ao …..º Juízo sob o nº ………/03.8TBAMT, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra a Ré E……………., S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar os seguintes Valores:
a). À Autora B…………..:
-. Uma indemnização no valor global líquido de 19.423,00, correspondente aos danos patrimoniais resultantes da perda da viatura acidentada.
- Uma indemnização do valor de 5.781,00, correspondente ao valor pago com o aluguer da viatura de substituição.
b). Aos AA. C……………..e D……………..:
- O salário não auferido pelo Autor C…………….. em consequência do período de 19 dias de baixa, no valor de 646,90€.
- Uma indemnização correspondente à incapacidade parcial permanente de 6% que para o Autor C…………….. resultou do falado acidente, no valor de 12.986,00€.
- O salário não auferido pela Autora D………………. em consequência do período de 30 dias de baixa, no valor de 2.306,94€.
- Uma indemnização correspondente à incapacidade parcial permanente de 9% que para a autora D……………… resultou do falado acidente, no valor de 49.647,00€.
Subsídios de refeição não auferidos pela Autora D........................ em consequência do período de baixa motivada por acidente, no valor de 64,84€.
- A compensação por danos não patrimoniais sofridos pelos AA identificados em b) em decorrência do acidente em causa, em valor nunca inferior a 2.500,00€ para cada um deles.

Para tanto alegaram que no dia 8 de Dezembro do ano 2000, pelas 14h50m, na no Itinerário Principal n.º 4, (vulgo IP4), ao Km 73,1, na serra do Marão, concelho de Amarante, ocorreu um acidente de viação, onde foram intervenientes, o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula VA-2556-.., propriedade de F…………………., conduzido por G……………………, cidadão de nacionalidade Espanhola, e o veículo automóvel de matrícula ..-.. -LS, marca Volkswagen, modelo Passat, propriedade da Autora B……..…….. e conduzido por C......................., dando-se o acidente por culpa exclusiva do condutor do veículo espanhol.
Deste acidente resultaram para os AA. danos corporais e materiais, e danos no veículo LS, que vêm a traduzir-se em danos patrimoniais e não patrimoniais.

Citada, veio a Ré contestar a acção, excepcionando a sua ilegitimidade passiva, alegando que não celebrou qualquer contrato de seguro com o proprietário do veículo VA-2556-… que se encontrava seguro através da citada apólice mas na sua congénere espanhola, E1………………., invocando a legitimidade passiva para a presente acção do Gabinete Português da Carta Verde, ao abrigo do DL 522/85 de 31.12 e na Convenção Complementar Intergabinetes. Impugnou a dinâmica do acidente, alegando que o C....................... enquanto funcionário da firma B……………, Lda, conduzia o referido veículo no cumprimento de ordens emanadas pela sua entidade patronal.

No seguimento da contestação vieram os AA. chamar a intervir como Réu, contra ele dirigindo o pedido inicialmente formulado, o Gabinete Português da Carta Verde.

Foi admitido o chamamento do Gabinete Português da Carta Verde, a fls. 107 dos autos, que após citação apresentou contestação nos mesmos termos em que tinha sido apresentada pela Ré E……………..

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou a Ré, E………….., S.A. parte ilegítima e em consequência foi absolvida da instância.
Foi fixada a matéria de facto assente e elaborada base instrutória
Realizou-se o julgamento, após o que a matéria de facto foi decidida conforme o despacho de fls. 501 a 515 e 517 a 518, que não sofreu qualquer reparo.

Foi proferida sentença que decidiu nos termos seguintes:
“Pelos fundamentos aduzidos julgamos a acção parcialmente procedente e, em consequência condenamos o Réu Gabinete Português da Carta Verde a pagar:
À Autora B………………, Lda, a quantia global de 19.423,00€ (dezanove mil quatrocentos e vinte e três euros), com juros a partir da citação até integral e efectivo pagamento, como atrás se deixou dito.
Ao Autor, C………………, a quantia global de 10.500,00€ (dez mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, com juros a partir da citação até integral e efectivo pagamento, como atrás se deixou dito.
À autora D………………, a quantia global de 17.871,78€ (dezassete mil oitocentos e setenta e um mil euros e setenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, com juros a partir da citação até integral e efectivo pagamento, como atrás se deixou dito.”

Inconformados com tal decisão, dela vieram os AA. apelar para este Tribunal da Relação do Porto, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
Quanto à recorrente B……………..:
I.
1. O Réu, Gabinete Carta Verde, confessou a ocorrência e a dinâmica do acidente de viação ajuizado.

2. Em sede de julgamento apuraram-se inequivocamente as consequências do dito acidente de viação, quer quanto à natureza, quer quanto à extensão dos danos sofridos pelos recorrentes.

3. A ocorrência do acidente, a sua dinâmica e as suas consequências estão provadas e apuradas.

4. Encontram-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual.

5. A douta sentença recorrida fixou, porém, um “quantum” indemnizatório global exageradamente inferior ao peticionado.

6. Está provado nos autos tanto o uso do veículo de substituição, como o valor do seu aluguer.

7. É destituída de fundamento a afirmação constante da douta sentença recorrida no sentido de que a A. recorrente “…não provou como lhe competia o uso de uma viatura de aluguer para substituição da viatura sinistrada, nem o valor desse aluguer pelo que este pedido tem necessariamente de improceder”.

8. Não é verdade que não esteja provado o valor do aluguer do dito veículo.

9. Além disso, não é, nem era, sequer, necessário provar o uso efectivo do veículo, mas apenas a necessidade da sua disponibilização, o que foi feito.

10. Deve, neste particular, ser substituída a douta decisão recorrida por uma outra que condene o R. a pagar à A. B………………….. o valor da disponibilização/utilização do veículo de substituição mencionado nos autos.

II
Quanto ao recorrente C.......................:

1. Considera o Tribunal, erradamente, que o A. recorrente não provou que tenha sofrido redução salarial e, por outro lado, que não fez prova do montante salarial auferido pelo mesmo.

2. O recorrente provou documentalmente, sem oposição da contraparte, a sua ausência do trabalho, por força da situação de baixa decorrente do acidente ajuizado.

3. Daí decorre, pela natureza das coisas e por prova produzida nos autos, ter sofrido a correspondente redução salarial.

4. O A. C…...................., para prova do seu salário médio mensal, a pedido do próprio Réu, apresentou requerimento nos autos, em 11/11/2004, juntando a sua declaração de I.R.S., conf. Fls. 174 e 175

5. Tal declaração é a melhor prova de rendimentos e salários auferidos pelo C….....................

6. Tal documento não foi impugnado pelo Réu, pelo que deveria ter sido considerado pelo Juiz de 1ª Instância, sem necessidade de recorrer à equidade mas sim à real e objectiva aplicação do salário real auferido pelo Autor C…...................., ou seja, 1.526,45 € / mês.

7. Deve a douta sentença ser, nesta parte, revogada, julgando-se procedente, porque legal e provado, o pedido indemnizatório correspondente à não percepção pelo recorrente dos salários correspondentes ao período de tempo em baixa.

8. Deve, ainda, ser revisto o quantitativo de indemnização por I.P.P. a pagar ao Autor C......................., sendo calculado de acordo com os valores salariais do mesmo, constantes das suas declarações de I.R.S. do ano de 2000, que foram juntas aos autos e que não foram sequer impugnados pelo Réu ou seu representante.

III.
Quanto à recorrente D………………:

1. Face à ponderação da matéria fáctica assente e atendendo à idade da demandante à data do acidente (48 anos), face ao grau de incapacidade reconhecida pelos exames médicos (5%), face à esperança de vida activa da mesma (até aos 65 anos) e da esperança de vida dos portugueses (71 anos) foi apresentado pela demandante um pedido de indemnização para ressarcir o dano proveniente da incapacidade sofrida pela mesma em consequência do acidente de viação em causa, ou seja a sua capacidade aquisitiva, num valor razoável de € 49.647,00.

2. Para cálculo de uma indemnização deste tipo a jurisprudência tem vindo a adoptar um critério destinado à determinação de um capital que produza o rendimento de que o lesado eventualmente foi privado.

3. Para alcançar tal desiderato a jurisprudência tem vindo a propor diversos métodos, aliás amplamente conhecidos.

4. A apelante, no petitório, fez uma clara opção pelo critério proposto no Ac. Do S.T.J. de 04/02/93 (in CJ, Acs. STJ, Ano I, Tomo I, 128) e posteriormente corrigido no Ac. do S.T.J. de 05/05/94 (in CJ, Acs. STJ, Ano II, Tomo II, 89) e que também já foi adoptado neste Colendo Tribunal, no Ac. da R.P., de 16/03/95.

5. O processo contém todos os elementos para que qualquer uma das fórmulas propostas pela jurisprudência possa ser aplicada.

6. O Senhor Juiz “a quo” entendeu fazer uso da equidade concedendo aos Réus um “desconto” ou “prémio” a que a utilização de tal critério se mostra desajustado e demasiado injusto e penoso para a demandante.

7. A cautela aconselha que o recurso à equidade seja sempre, tanto quanto possível, estribado em considerandos objectivos e não apenas em simples construções discricionárias e subjectivas.

8. O Tribunal “a quo” foi equilibrado e parcimonioso relativamente aos danos morais, mas foi excessivamente parco na fixação da indemnização equitativa correspondente à I.P.P.

9. Há um claro desequilíbrio ponderacional entre ambas as indemnizações.

10. Há que rever o que está mal, preservando o que está bem.

11. O critério e valores seguidos na p.i. e extraído dos supra citados arestos é o melhor, o mais objectivo e o mais ponderado meio de se determinar, com uma margem aceitável de segurança e de justiça, a indemnização a pagar pelo Réu à demandante.

12. Mesmo que tal critério fosse “temperado” com recurso à equidade o certo é que o valor de indemnização correspondente à perda de I.P.P. da demandante ascenderá sempre a quantitativo bastante superior aos € 13.000,00 constantes da douta sentença, contra o valor objectivamente calculado e constante do petitório de € 49.986,00, quantitativo esse que seria mais justo e mais adequado aos contornos do caso concreto.

13. Deverá, por conseguinte, ser a douta sentença recorrida, revogada nesta parte e fixado um novo “quantum” indemnizatório, nos termos supra expostos.

14. A douta sentença recorrida, salvo melhor opinião, violou, entre outros, o disposto nos artigos 483.º, 503º. do Código Civil.

Termos em que deve o presente recurso vir a obter o desejado provimento e, em decorrência, deve a douta decisão recorrida ser parcialmente revogada e nessa parte substituída por uma outra que condene o Réu nos termos supra mencionados, com o que se fará sã, serena e inteira JUSTIÇA.

Apenas a Ré E………………. contra-alegou, no sentido da manutenção do julgado.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo presente que o recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Reunamos a matéria de facto que foi considerada provada:

A) No dia 8 de Dezembro de 2000, pelas 14,50 horas, no Itinerário Principal nº 4, ao quilómetro 73,1 na Serra do Marão, concelho de Amarante, ocorreu um embate;
B) Na altura do embate estava tempo chuvoso e o piso estava molhado;
C) Foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros com a matrícula VA-2556-.., propriedade de F………………, conduzido por G………………e o veículo com a matrícula ..-.. -LS, da marca Volkswagen, modelo Passat, propriedade da B……………………., Lda., e conduzido pelo A. C……………….;
D) A responsabilidade civil emergente de acidente de viação pelos danos causados pelo veículo com a matrícula VA-2556-… foi transferida para a E………….., S.A., através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 9704750750;
E) O “salvado” do veículo ..-.. -LS tem o valor de € 4.489,00 (quatro mil e quatrocentos e oitenta e nove euros);
F) Em 11 de Dezembro de 2000, a A. B……………., Lda., enviou a E………….., S.A., o fax cuja cópia se encontra a fls. 41 e segs.;
G) Em 21 de Dezembro de 2000, a A. B…………….., Lda., enviou a E………………, S.A., o fax cuja cópia se encontra a fls. 44.

H) O veículo VA-2556-… seguia no sentido Vila Real – Amarante.
E o ..-.. -LS seguia no sentido Amarante – Vila Real.
I) Quando o VA-2556-… estava prestes a acabar de efectuar uma ultrapassagem a outro veículo que seguia no mesmo sentido de marcha fez um pião.
J) E ultrapassou o traço contínuo separador das hemi-faixas de rodagem.
K) E invadindo a “faixa de rodagem contrária” embateu no ..-.. -LS.
L) No momento do embate o ..-.. -LS estava quase parado.
M) O ..-.. -LS ficou com a frente destruída.
N) O VA-2556-.. sofreu danos na retaguarda.
O) Em consequência do embate, o A. C....................... sofreu traumatismo torácico com fissura do esterno.
P) E a A. D........................ sofreu traumatismo torácico com fissura do externo e traumatismo do tornozelo direito.
Q) Tendo sido transportados ao Hospital de S. Gonçalo, em Amarante, onde lhes foram ministrados os primeiros socorros.
R) Os AA. C....................... e D........................ sofreram dores no momento do embate e com os tratamentos. A Autora dores de grau 2 numa escala de 7 graus de gravidade crescente. O autor dores de grau 1 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
S) E sofreram angústia porque transportavam no veículo um filho.
T) Os AA. fizeram tratamento médicos e a Autora esposa fez fisioterapia.
U) E gozavam de boa saúde e não tinham qualquer deficiência física ou orgânica.
V) Tinham constante boa disposição e grande alegria de viver.
W)E ficou com uma Incapacidade Permanente Geral de 5%.
X) Em consequência do embate, a A. D........................ esteve em situação de baixa por doença entre 11 de Dezembro de 2000 e 10 de Janeiro de 2001.
Y) Tendo deixado de receber salários ilíquidos no valor de € 2.306,94 (dois mil e trezentos e seis euros e noventa e quatro cêntimos).
Z) E os subsídios de refeição no valor global de € 64,84 (sessenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).
AA)E ficou com Incapacidade Permanente Geral de 5%.
BB) À data do embate, a A. D........................ auferia um salário mensal ilíquido de 2.306,94€.
CC) O veículo ..-.. -LS valia 23.912,00€ à data do embate.
DD) A estimativa de reparação do ..-.. -LS, sem desmontagem, ascendia a 16.399,24€ (dezasseis mil, trezentos e noventa e nove euros e vinte e quatro cêntimos).
EE) O Réu Gabinete Português da Carta Verde juntou aos autos a fls. 119, um documento em que entende que dada a extensão dos danos, o veículo sinistrado ..-.. -LS foi considerado “perda total”.
FF) A Autora D………….. exerce as funções de professora do quadro de nomeação definitiva, consoante documento de fls. 33.

APRECIANDO:
I
Quanto à recorrente B…………….:
Insurge-se a apelante contra a absolvição da Ré relativamente ao pedido indemnizatório concernente com a perda do uso do veículo sinistrado.

No tocante a esta pretensão, é dito na sentença que a A. “…não provou como lhe competia o uso de uma viatura de aluguer para substituição da viatura sinistrada, nem o valor desse aluguer pelo que este pedido tem necessariamente de improceder”.

Apreciando, importará atentar na factualidade quesitada pertinente com tal matéria, vertida no quesito 28º, com a seguinte redacção:
“A A. B……………. despendeu € 5.781,00 (cinco mil setecentos e oitenta e um Euros) com o aluguer de uma viatura de substituição?”
Na fundamentação dessa resposta negativa dada a tal quesito, consta o seguinte: “A resposta dada ao artigo 28º ficou a dever-se ao facto de os documentos de fls. 39 e 40 terem sido impugnados, não haver recibos de pagamento daquelas quantias e nenhuma testemunha ter vindo depor sobre os pagamentos daquelas quantias”.
Ora, face a esta fundamentação, especialmente quando é dito que não existem recibos de pagamento daquelas quantias, fica-nos a certeza de que o Tribunal não teve na devida consideração os recibos que foram juntos aos autos a fls. 187 e 188 dos autos, emitidos pela mesma entidade que emitiu as facturas de fls. 39 e 40, recibos aqueles em tudo coerentes com os elementos das ditas facturas e cujo conteúdo não foi posto em causa pelos demandados.
Estamos em crer, pois, que se o tribunal tivesse ponderado os recibos em causa, que não sofreram impugnação, com valor probatório incólume, outra resposta não poderia ter dado ao quesito senão a de “Provado”.
Assim, ao abrigo do art. 712º nº 1 al. a), 1ª parte, decide-se alterar a resposta ao quesito 28º para “Provado”.
Impor-se-á, como tal, o correspondente ressarcimento do prejuízo ali compreendido, mediante a condenação do R. Gabinete Português da Carta Verde no pagamento daquela quantia.
Procede, assim, inteiramente, a apelação da A. B……………..


II
Quanto ao recorrente C.......................:

Insurge-se este apelante contra o facto de o Tribunal recorrido não ter considerado provado o salário por si auferido e bem assim a redução salarial decorrente da situação de baixa resultante do acidente.
Vejamos:
O salário do A. C....................... foi vertido no quesito 21º onde se pergunta se “à data do embate, o A. C....................... auferia um salário mensal se € 1.078,15 (mil e setenta e oito Euros e quinze cêntimos)”.

Este quesito teve a resposta de “Não provado”, constando do despacho de fundamentação que “a resposta negativa dada aos artigos 18º, 19º, 21º, resultou do facto de os documentos de fls. 27, 30, terem sido impugnados e nenhuma testemunha ter vindo a Tribunal depor sobre o assunto e ainda por não haver qualquer documento junto aos autos onde a entidade patronal do Autor C....................... declare o vencimento deste.”

O que o apelante, pretende, é, ao fim de contas, que o Tribunal julgue positivamente aquele quesito, com base na declaração de IRS que juntou aos autos, cujo conteúdo não foi efectivamente impugnado.
Na realidade, o documento de fls. 185 retrata a declaração de IRS feita pelos AA C....................... e mulher e D…………… em 28 de Abril de 2000, relativa ao ano fiscal de 1999.
Ora, sendo certo que essa declaração foi feita vários meses antes da eclosão do acidente, sendo inadmissível conjecturar-se que os valores ali mencionados tenham sido empolados com vista á maximização da indemnização, o certo também é que a confissão contida em tais documentos e a sua força probatória, tal como o art. 376º do CC determina, só produzirá efeitos em relação à entidade a que se dirigem.
Nos presentes autos apenas provam que os AA. fizeram essas declarações perante as entidades fiscais competentes, não podendo aqueles pretender retirar das mesmas a prova plena dos seus rendimentos, apesar de nenhuma oposição ter sido deduzida ao respectivo teor.
Assim, não sendo a declaração de IRS mais do que um documento particular e a sua autoria aceite pelo declarante, a força probatória que lhe é atribuída pelo art. 376º do CC só pode ser invocada pelo Fisco.

Contudo, sempre se impõe a sua livre apreciação pelo tribunal(1).
Acontece que, no caso vertente, o Tribunal nem se debruçou sobre tais documentos, tanto quanto se infere da fundamentação negativa acima transcrita, que aos mesmos não podia deixar de se reportar, dada a importância probatória dos mesmos.

Deste modo, sendo lícito aos AA. utilizar qualquer meio de prova em direito permitido para demonstrar o quantitativo dos seus rendimentos, mas sendo certo que ao quesito 21º nenhuma testemunha foi ouvida, nada obsta a que façamos uso da 1ª parte do nº 1 do art. 712º do CPC, e nessa medida, considerando a força probatória (pelo menos parcial, considerando-se provado o montante quesitado, plasmado no documento de fls. 30) da declaração de IRS de fls. 185, que o Tribunal recorrido de todo ignorou, se altere a resposta negativa dada pelo Tribunal recorrido para “PROVADO”.

Já quanto ao quesito 18º (que questiona a situação de baixa por doença com afectação da capacidade de trabalho do A. C......................., de 11 a 29 de Dezembro de 2000), tendo sido indicada ao mesmo a testemunha H………………., e não tendo o apelante posto em causa o julgamento da matéria de facto nos termos do art. 690º - A do CPC, está este Tribunal inibido de alterar a resposta dada ao mesmo nos termos da primeira parte do nº 1 do art. 712º do CPC, já que não dispomos de todos os elementos de prova que serviram de base àquela decisão.(2)

Assim, não podendo proceder a apelação em relação à invocada redução de salário em consequência da alegada situação de baixa, já deverá proceder no tocante ao quantitativo indemnizatório inerente à IPP de 5% (resposta ao quesito 20º) de que o apelante C....................... passou a padecer em consequência do acidente.

Ajuizando a indemnização em apreço, haverá que ter presente que se trata de um indivíduo com 48 anos de idade à data do acidente, auferindo o salário mensal de € 1.078,15, como engenheiro mecânico.

O tribunal recorrido fixou esta indemnização em € 8.000, para tanto lançando mão do salário mínimo nacional, cujo montante nem especificou, e apelando à equidade.

Desde já adiantaremos que o valor indemnizatório fixado na sentença não se revela adequado, tendo em atenção as circunstâncias pessoais do visado e bem assim o vencimento ora apurado.

Voltemos a lançar mão do Ac. deste Tribunal de 21/04/2005, Proc. 0531755(3), relatado pelo Ilustre Desembargador Fernando Baptista, em que o aqui relator interveio como adjunto, desde logo referindo que várias têm sido as decisões dos nossos Tribunais Superiores, em especial do STJ, no que respeita à indemnização devida por danos futuros associados a IPP, designadamente em virtude de acidente de viação.

Assim, no Ac. do STJ de 19.02.2004, Proc. 03A4282, no referido sítio da net., escreve-se com total pertinência:
“Ora, como já referimos em inúmeros Acórdãos deste Supremo Tribunal, a jurisprudência nacional tem vindo a fazer um grande esforço de clarificação na matéria, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjectivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis.
Assim, assentou-se de forma bastante generalizada nas seguintes ideias (cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 10.2.98 e 25.6.02, na CJ Ano VI, I, 66, e Ano X, II, 128, ambos fazendo um ponto da situação bastante completo):
- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
- No cálculo desse capital interfere necessariamente a equidade;
- As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
- Deve ser deduzida a importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida (em média, um terço dos proventos auferidos);
- Deve ponderar-se a circunstância de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
- Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres acaba de ultrapassar a barreira dos oitenta anos).”

Ainda no mesmo aresto se escreve:
“Na verdade, sendo vários os critérios que vêm sendo propostos para determinar a indemnização devida pela diminuição da capacidade de ganho, e nenhum deles se revelando infalível, devem eles ser tratados como meros instrumentos de trabalho com vista à obtenção da justa indemnização, pelo que o seu uso deve ser temperado por um juízo de equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 566º”.

É que, tal como é também dito no mesmo Acórdão, “… o dano aqui em causa não se esgota na perda de capacidade de ganho; vai além disso, incluindo a limitação do lesado como pessoa atingida na sua integridade física: hoje e no futuro, até ao final dos nossos dias, terá de despender mais esforço físico e psíquico para levar a cabo todas as tarefas indispensáveis á sua sobrevivência. E isto, face aos textos legais citados, é susceptível de indemnização.”

Diga-se ainda que a incapacidade permanente parcial é, de "per se", um dano patrimonial indemnizável, é um dano patrimonial futuro independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços(3).
A saúde do apelante sofreu, sem dúvida, um dano que tem de ser juridicamente protegido e quantificado.

Tal tipo de dano é um conceito normativo tomado por vezes como sinónimo de dano à saúde; o chamado dano biológico (conceito eminentemente médico-legal) não pretende significar senão a diminuição somático - psíquica do indivíduo, sendo o dano à saúde um conceito jurídico - normativo que progressivamente se vem identificando com o dano corporal (4).

Não restam dúvidas de que a incapacidade parcial permanente de 5% irá acompanhar o A. apelante pela vida fora, aumentando a dificuldade das tarefas diárias, constrangendo as suas aptidões e bem-estar laboral e pessoal, criando-lhe as correspondentes limitações de natureza aquisitiva, pois não será capaz de trabalhar tanto e de tanto produzir quanto seria se não fosse portador de tal handicap, de alguma forma afectando a sua esperança de vida laboral, mercê das toracalgias (em determinadas posições) de que passou a padecer com carácter de permanência, sendo que tal quadro poderá ser obviante da melhor progressão na carreira e do correspondente auferimento de remuneração mais generosa.
Assim, recorrendo à via da equidade como a de reflexão mais adequada à fixação do quantum indemnizatur, diremos que tem plena justificação a indemnização de € 25.000.

III
Quanto à A. D…………….:

Põe esta em causa, também, a indemnização que lhe foi arbitrada pelos danos futuros inerentes à IPP de 5% de que passou a ser portadora em consequência do acidente.
Ponderando, chamando aqui à colação a reflexão que fizemos em relação ao A. C......................., dando a mesma como reproduzida, diremos que, tendo em conta a idade da demandante à data do acidente (44 anos), o grau de incapacidade apurado de 5%, o vencimento mensal ilíquido de € 2.306,94, e o tipo de lesão e sequelas de que passou a padecer (amiotrofia dos gémeos direitos, com dores no pé e tornozelos direitos e marcha claudicante em situação de esforços físicos intensos), potencialmente limitativos da liberdade de movimentos necessária ao pleno desenvolvimento da actividade docente que a mesma exerce, temos como razoável a cifra indemnizatória de € 40.000,00.

Procede, assim, parcialmente, a apelação.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença recorrida quanto aos seguintes montantes indemnizatórios:
- Quanto à A. B…….……., condenando o Réu Gabinete Português de Carta Verde a pagar-lhe a quantia de € 5.781,00 (cinco mil setecentos e oitenta e um Euros) relativa à despesa por aquela assumida com o aluguer de uma viatura de substituição, acrescida de juros legais vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, no mais mantendo a sentença recorrida;
- Quanto ao A. C......................., condenando o mesmo Réu a pagar-lhe a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil Euros) relativo à IPP de 5% de que o mesmo ficou portador em consequência do acidente, acrescida de juros legais vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, no mais mantendo a sentença recorrida;
- Quanto à A. D…………….., condenando o mesmo Réu a pagar-lhe a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil Euros) relativo à IPP de 5% de que a mesma ficou portadora em consequência do acidente, acrescida de juros legais vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, no mais mantendo a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes e apelada, na proporção do respectivo decaimento.

Porto, 20 de Setembro de 2007
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
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(1) Neste sentido o Ac. RL de 29.01.2004, in CJ 2004, 1º, 93.
(2) Neste sentido o Ac. RP de 15.05.2001, processo nº 0120621, in www.dgsi.pt.
(3) In www.dgsi.pt.
(4) Ac. STJ de 4/12/96 e de 8/6/93, BMJ 462, 396 e CJ/STJ, Tomo II, pag. 138 CJ/STJ, Tomo II, pág. 101, e de 24/2/99, BMJ 484, 359.
(5) Vide João António Álvaro Dias, in Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Teses, Almedina, Setembro 2001, pág.99. Também os Ac STJ de 5/2/87, BMJ 364, 819, de 17/5/94, CJ/STJ, Tomo II, pág. 101, e de 24/2/99, BMJ 484, 359.