Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0844404
Nº Convencional: JTRP00041825
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: PEDIDO RECONVENCIONAL
Nº do Documento: RP200810270844404
Data do Acordão: 10/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 63 - FLS 170.
Área Temática: .
Sumário: I - De acordo com o art. 30º do CPT, “a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido no art. 85º da Lei 3/99 de 13.1, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal”.
II - O art. 85º do citado diploma (LOFTJ) estabelece na sua alínea p) que compete aos Tribunais de Trabalho conhecer das “questões reconvencionais que com a acção tenham relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação em que é dispensada a conexão”. Na alínea anterior, al. o), referem-se “questões… emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência…”
III - Se a Autora pede a condenação da ré a pagar-lhe as quantias decorrentes da cessação do contrato de trabalho e a ré, por seu turno, pede a condenação da autora em € 15.000,00, por danos provocados na sua imagem e credibilidade, por a autora ser procurada no âmbito de processo criminal a correr contra ela, é claro que entre os pedidos da A. e Ré não existe qualquer nexo ou ligação de acessoriedade, complementaridade e dependência, pelo que a reconvenção deduzida é inadmissível, já que o pedido da ré é perfeitamente estranho ao pedido da autora e não foi invocada compensação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. 274
Agr. 4404.08 – 4.ª
(PC …..07 - TTSMF)


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto Relatório.

1. Por discordar do despacho que lhe indeferiu o pedido reconvencional vem a ré B………., SA, interpor recurso de agravo, formulando as seguintes conclusões:
1.Vem o presente Agravo interposto do despacho de fls. 26 e ss., na parte em que considerou que “não se consegue apurar que o pedido reconvencional deduzido seja consubstanciado no facto jurídico (relação de trabalho emergente de contrato de trabalho – despedimento ilícito e não pagamento de retribuições) que serviu de fundamento à acção intentada pela Autora. A Ré chama à colação, para fundamentar o seu pedido reconvencional, factos alheios à relação laboral que constitui causa de pedir do Autor”, - itálico nosso.
2. Logo, o despacho em causa não teve em consideração um dos requisitos legalmente previstos para a admissibilidade da Reconvenção, nomeadamente a conexão por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.
3. Conforme, inter alia, Acórdão do STJ no Proc. n.º 06S251, de 03/05/2006, disponível in www.stj.pt, “(…) a reconvenção, em processo laboral, será admissível sempre que a causa de pedir da reconvenção seja conexa com a relação de trabalho que serve, ainda que mediatamente, de fundamento ao pedido do autor (…)”, - itálico nosso.
4. Ora, a indemnização que naquela e in casu é peticionada está relacionada com os danos que se verificaram durante a execução do contrato de trabalho, mormente devido às inúmeras interpelações de várias pessoas que se dirigiram à Agravada exigindo quantias que alegadamente seriam devidas por si e/ou familiares.
5. Tais acontecimentos, realce-se, tiveram lugar nas instalações da B………., SA, sitas em ………., Santa Maria da Feira, ou seja, no local de trabalho da ora Agravada,
6. O que, obviamente, teve reflexos, imediatos e mediatos, na actividade e no bom nome comercial da ora Agravante.
7. Acresce que, vários segurados tiveram conhecimento de que a Agravada era procurada no âmbito de um processo criminal,
8. O que levou a uma quebra de confiança de muitos clientes da B………., SA.
9. É que, sendo o objecto social da Agravante a mediação de seguros e resseguros, tal conhecimento levou a uma desconfiança de inúmeros mediados/segurados, que, na sequência do exposto, resolveram cortar relações comerciais com a Agravante.
10. A ofensa ao bom nome e consequentemente a lesão do crédito traduziram-se num dano patrimonial indirecto, que colocou inclusive em causa a potencialidade de lucro da Agravante (vide, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 05B1616, de 09/06/2005),
11. E o que tudo - danos na imagem, credibilidade e bom nome e, perda de clientes - culminou num prejuízo patrimonial de cerca de € 15.000,00.
12. Termos em que é evidente que os fundamentos do Despacho ora em crise falecem, de facto e de direito pois,
13. Os factos que deram causa à Denúncia pela Autora do seu contrato de trabalho – na versão da ora Agravante na sua Contestação - são, em suma, precisamente os mesmos que sustentam a Reconvenção.
14. Assim, porque o pedido da Agravante está relacionado com a Acção por acessoriedade e complementaridade, deve a Reconvenção ser admitida, sob pena de ser denegada Justiça.

A autora respondeu ao recurso, pugnando pelo seu não provimento.

O MP teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

Admitido o recurso foram colhidos os vistos legais.
2. Nos temos dos artigos 684, n.º 3 690, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], aplicáveis ex vi do art.º 1, n.º 2, alínea a) e art.º 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A única questão que a recorrente coloca à nossa apreciação consiste em saber se a reconvenção que deduziu é admissível.
De acordo com o art. 30, do Código de Processo do Trabalho, “a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido no art. 85, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.”
A ré fazendo apelo aos requisitos de acessoriedade, complementaridade ou dependência, decorrentes do art. 85, da LOTJ, supra citada, entende que a reconvenção deve ser admitida.
A presente problemática já foi abordada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 22.11.2006, www.dgsi.pt, em termos que merecem a nossa adesão e que para melhor explicitação se transcrevem:
“A admissibilidade da reconvenção depende da verificação de requisitos de natureza substantiva e adjectiva.
A falta destes requisitos (de natureza adjectiva) não está posta em causa.
Preceitua o artº 30º do Código Processo de Trabalho, na parte que interessa (quanto aos requisitos de natureza substantiva):
«1 - A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) artº 85º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro ....»
O artº 85º do citado diploma (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que define a competência em matéria cível dos tribunais de trabalho, estabelece na sua alínea p) que lhes compete conhecer das "questões reconvencionais que com a acção tenham relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação em que é dispensada a conexão."
Na alínea anterior - aliena o) - referem-se: "questões ... emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência ....".
Resulta, assim, das citadas disposições que a reconvenção é admissível: (i) quando o pedido do réu emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção - e não também à defesa, como consta da alínea a) do nº 2 do artº 274º do CPC -; (ii) quando o réu se propõe obter a compensação, (iii) e, ainda, quando entre a acção e a reconvenção intercedam as relações de conexão referidas na citada alínea p) por remissão para alínea o), ou seja, quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência (neste sentido o ac. do STJ de 3.05.2006, in revista nº 251/06).
Precisemos estes requisitos.
"O facto jurídico que serve de fundamento à acção" é a causa de pedir.
No artº 498º-4 do CPC, o legislador especifica certas causas de pedir: nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido. Daqui conclui Vaz Serra (in RLJ 109/313):
"Causa de pedir é (...) o facto jurídico concreto ou específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão". Esta concretização ou especificidade destina-se, além do mais, "a impedir que o demandado seja compelido a defender-se de toda e qualquer possível causa de pedir, só tendo de defender-se da concretamente invocada pelo autor..."
E é desse concreto fundamento invocado - processualmente designado por causa de pedir - que o autor faz derivar o direito que se arroga, com vista a obter um determinado efeito jurídico (em que se traduz o pedido). Assim, se o senhorio pretende obter o pagamento da renda, invoca (como causa de pedir) o contrato de arrendamento. Se pretende obter a resolução do contrato (despejo) invoca o fundamento de resolução. Se pretende ser indemnizado (por conduta ilícita do inquilino) invoca o facto (ilícito) gerador do dano. Isto para dizer que, embora todas as situações ocorram no âmbito do mesmo contrato, são diferentes as causas de pedir nas diferentes acções.
Outro laço substantivo que legitima o pedido reconvencional é ter por objecto a compensação de créditos. Neste caso, além de invocar um contracrédito (que satisfaça os requisitos previstos no artº 847º do CC), tem que formular na contestação a declaração de compensação (artº 848º-1 do CC).
A reconvenção é ainda admissível quando haja uma especial conexão entre o pedido reconvencional e a acção (acessoriedade, complementaridade e dependência).
A relação de acessoriedade e a relação de dependência pressupõem que haja um pedido principal (uma relação principal). Tanto o pedido acessório como o dependente estão objectivamente subordinados a esse pedido (principal). A diferença está na intensidade do nexo de subordinação.
O pedido dependente não subsiste se desligado da relação principal.
A relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um "complemento" do pedido formulado na acção. Não há subordinação, mas interligação. A discussão daquele pedido "completa", toca a relação jurídica (ou relações jurídicas) subjacente(s) à acção. Se estiverem em causa diferentes direitos de créditos - na acção e na reconvenção - é relativamente a tais relações de crédito, objectiva e subjectivamente consideradas, que se tem que aferir se existe a apontada complementaridade”.
No presente caso, a autora pede a condenação da ré na indemnização por antiguidade, e retribuições dos meses de Agosto a Novembro, bem como a fracção do subsídio de Natal, retribuições e subsídios de férias e de Natal, que se vencerem até final; e a ré, por seu turno, pede a condenação da autora em 15.000,00 por danos provocados na sua imagem e credibilidade, por a autora ser procurada no âmbito de processo criminal a correr contra ela.
Pelo que acima se viu, claro se torna que entre os pedidos da autora e o da ré, não existe qualquer nexo ou ligação de acessoriedade, complementaridade e dependência, sendo o pedido da ré perfeitamente estranho aos pedidos da autora. E não foi invocada compensação.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso da ré.

3. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pela ré, recorrente.

Porto, 2008.10.23
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
Luís Dias André da Silva

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[1] Serão deste diploma todas as referências normativas sem menção específica.