Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0733398
Nº Convencional: JTRP00040759
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: INTERVENÇÃO PROCESSUAL
CONVOLAÇÃO
Nº do Documento: RP200710150733398
Data do Acordão: 10/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 734 - FLS 146.
Área Temática: .
Sumário: Apontando a correspondente factualidade alegada para a existência de um direito de regresso do chamante, nada impede o juiz de, perante tal factualidade, admitir o chamamento sob a veste adequada de intervenção acessória, apesar de requerido a título de intervenção principal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

B………., S.A., veio na contestação requerer a intervenção principal provocada dos C………., S.A. alegando em síntese que não foi por erro ou negligência do Banco R. que o cheque a que se faz menção na p.i. não chegou ao seu destinatário, mas sim por engano dos C………., S.A., entidade que em 28 de Fevereiro de 2003 notificou o Banco de que alguns objectos haviam sido extraviados nos circuitos postais, entre os quais o cheque em causa.
Mais alega que foi o lapso/incumprimento dos C………., S.A. que originou os danos alegados pelo A., impossibilitando-o de recorrer à via judicial para cobrar o seu crédito.
Por fim alega que o Banco tem todo o interesse na intervenção dos C………., S.A. na presente acção, uma vez que são os C………., S.A. que devem responder pelo prejuízo causado ao autor.
Conclui referindo que o interveniente tem em relação ao objecto da causa um interesse igual ao do Banco R..

Devidamente notificado o A. opôs-se à requerida intervenção principal, alegando, em síntese, que não é parte na relação contratual desenvolvida entre o Banco R. e os C………., S.A., sendo que, se existiu alguma violação contratual por parte dos C………., S.A. em relação ao R., esta será questão a ser dirimida entre eles.

Foi proferido despacho que decidiu nos termos seguintes:
“Termos em que decido indeferir o suscitado incidente de intervenção principal provocada, sendo certo que também não podemos fazer admitir tal pretendido chamar a título de intervenção principal acessória, por tal não ter sido peticionado pelo réu.”

Deste despacho veio o R. B………., S.A. agravar para este Tribunal da Relação, oferecendo as suas alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
1. O douto despacho recorrido que indeferiu o incidente de intervenção principal provocada e não admitiu a intervenção acessória, por não ter sido peticionado pelo réu, deve ser revogado, pois nela não se fez correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do Direito.
2. Atento que o Mº Juiz expressa que “o chamado tem interesse em intervir nestes autos relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento”, o R., ora Recorrente, entende que o Mº Juiz “a quo” devia ter admitido oficiosamente a intervenção acessória provocada dos C………., S.A..

3. Dispõe o art. 330º, nº 1, do Cód. Proc.Civil que:
"O réu que tenha acção de regresso contra um terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal".
4. E o nº2 do art.331º, do mesmo diploma, determina que
“O juiz, ouvida a parte contrária, deferirá o chamamento quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal”.
5. Conforme ensina o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, a intervenção do terceiro é requerida “para auxiliar o réu na sua defesa e a sua actividade não pode exceder a discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso que fundamenta a intervenção (art. 330º, nº 2). Com este chamamento, o demandado obtém não só o auxílio do terceiro interveniente, como também a vinculação deste último à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332º, nº 4). Portanto, a intervenção do terceiro não é acompanhada de qualquer alteração no objecto da causa e, menos ainda, de qualquer cumulação objectiva". (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª Ed., p.179)
6. Para a admissão deste incidente é necessário que o R. articule factos que evidenciem a existência de uma relação jurídica material entre o R. e um terceiro, conexa com a que é objecto da causa principal, o que o Recorrente fez na contestação, alegando, designadamente, que:
a) Em 31 de Julho de 2002, o R. expediu o aludido cheque, via C………., S.A., em correio registado (conforme é prática corrente nos Bancos) para a Rua ………., n.º …, …. ………., morada de destino da correspondência da conta do A.
b) Em 28 de Fevereiro de 2003, os C………., S.A. notificaram o Banco R. que “os objectos mencionados no documento-anexo foram extraviados nos circuitos postais” e que dentre os referidos documentos encontrava-se o cheque n.º ………., no valor de Eur. 60.000,00, pertencente ao A., e que o R. havia expedido, em 31 de Julho de 2002, razão pela qual o A. não recebeu o supra citado cheque.
c) O cheque não chegou ao destinatário por engano dos C………., S.A., pelo que R. não pode ser responsabilizado por quaisquer erros, enganos ou lapsos de Terceiros.
d) Os C………., S.A. admitem o seu lapso, assumindo, desta forma, a responsabilidade do extravio do aludido cheque do A. (“Não podendo deixar de apresentar o nosso pedido de desculpas pelo sucedido…”.
e) Entre os C………., S.A. e o Banco R., existe uma relação contratual, pela qual os Correios se obrigam a entregar a correspondência dos seus Clientes mediante o pagamento, por parte destes, de uma determinada quantia correspondente ao selo postal.
f) Os Correios não lograram entregar a correspondência que lhes fora confiada pelo R. ao seu destinatário, o A., incumprindo, assim, o contrato a que se encontravam obrigados.
g) O Banco R. tem todo o interesse na intervenção dos C………., S.A. na presente acção, uma vez que são os C………., S.A. que devem responder pelo prejuízo causado ao A.
7. Os factos alegados pelo Recorrente, na sua contestação, permitem configurar um direito de indemnização viável e conexo com o objecto da relação controvertida nestes autos, na medida em que a eventual condenação do R., ora Recorrente, permite-lhe accionar o chamado – C………., S.A. - que assim fica reflexamente vinculado pelo caso julgado.
8. E tanto assim é que o Mº Juiz “a quo” entende que os C………., S.A. têm interesse em intervir na acção relativamente às “questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento”.
9. Justificava-se, assim, a admissão da intervenção acessória provocada dos C………., S.A..
10. Não obstante o ora Recorrente ter deduzido o incidente de intervenção principal provocada dos C………., S.A., o Mº Juiz “a quo” poderia e deveria ter procedido à correcção oficiosa do mesmo, por apelo aos princípios enformadores do processo civil.
11. Conforme decorre do nº1, do art.265º, do Cód. Proc. Civil, sob a epígrafe “ Poder de direcção do processo e princípio do inquisitório”, o Juiz tem o dever de “providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção”, isto "sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes".
12. E dispõe o nº3 do referido dispositivo legal que compete “ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
13. Mais, o princípio da adequação formal, plasmado no art.265º-A, do Cód. Proc. Civil, determina a prática oficiosa “dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações”, sempre que “a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa".
14. E o art. 266º, do CPC, determina que o juiz, os advogados e as partes devem almejar a obtenção, com brevidade e eficácia, da justa composição do litígio, o que exige, por um lado, (i) o correcto apuramento da verdade sobre a matéria de facto para se obter a sensata e adequada decisão de direito; e, por outro lado, (ii) impõe a actuação de boa fé, sem dilações inúteis, com vista a que a decisão seja proferida, atentas as particulares exigências do processo, no menor lapso temporal.
15. Assim sendo, e salvo melhor opinião, o Mº Juiz “a quo” devia ter aproveitado o pedido de intervenção principal provocada deduzido pelo ora Recorrente, aceitando-o como incidente de intervenção acessória e ordenando a prosseguimento nos termos do art. 332º e ss do Cód. Proc. Civil.
16. Neste sentido, vide, por exemplo,
a) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15/10/2004, proferido no Proc.0434954, in www.dgsi.pt, onde se lê:
“Esta qualificação do incidente de intervenção acessória provocada pode e deve ser efectuada por parte do tribunal ao abrigo do disposto nos arts 264º, 265-A e 664º, do CPC”, não obstante a existência de requerimento do R. a indicar o incidente de intervenção principal.

b) Acórdão do STA, de 19/03/1998, proferido no proc. 043242:
“I - O requerente do incidente de intervenção de terceiros deve, indicar o incidente adequado à situação concreta;
II - Se não fizer, o chamamento não pode, só por si, ser indeferido;
III - Quando os factos articulados pelo requerente persistam com segurança determinar qual o tipo de incidente pretendido pela norma, deve o juiz admiti-lo.” (in www.dgsi.pt).

17. O douto despacho recorrido decidindo como decidiu, não fez correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, pelo que o mesmo deve ser revogada por violar, designadamente, o art.265, 265-A e 266º, todos do Cód. Proc. Civil.

Nestes termos e, nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso e, em consequência, revogando o douto despacho e ordenando a sua substituição por um que admita o incidente de intervenção acessória, farão como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

À nossa tarefa interessa a tramitação acima exposta.

APRECIANDO:

O que nos interessa averiguar e decidir é se, tendo o Banco demandado ora agravante requerido a intervenção principal dos C………., S.A., poderia (e deveria) o Tribunal, entendendo não ser adequada a intervenção principal mas sim a intervenção acessória, ter admitido este incidente.

Vejamos cada um dos incidentes de intervenção de terceiros:

Dispõe o art. 325º do CPC (Intervenção Provocada):
“1. Qualquer das partes pode chamar a Juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2. Nos casos previsto no artigo 31º-B, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar”.

Como é sabido, com a reforma de 1995 foi eliminado o incidente do chamamento à demanda (anterior art. 330º CPC). E certo é que na sua actual configuração normativa, o incidente de intervenção principal provocada abarca não apenas as hipóteses de intervenção principal provocada regulado pelo anterior art. 336º, como também as situações susceptíveis de integrar o pretérito chamamento à demanda, tipificadas no antigo artigo 330º, e ainda quando, nos casos de cumulação subjectiva subsidiária, regulados no art. 31º-B, o autor chame a intervir como réus os terceiros contra quem pretenda formular pedido subsidiário.
Em suma: este incidente engloba «todos os casos em que a obrigação comporte pluralidade de devedores, ou quando existam garantes da obrigação a que a acção se reporta, tendo o réu interesse atendível em os chamar à demanda, quer para propiciar defesa conjunta, quer para acautelar o eventual direito de regresso ou subrogação que lhe possa assistir»[1].

Na base do incidente em apreciação está o direito de se fazer intervir, ao lado ou como associados do(s) autor(es) ou réu(s), quem tiver interesses semelhantes aos dos litigantes com quem se pretende a associação, sendo certo que, em princípio, esse interesse se afere pelos fundamentos da acção, não podendo exorbitar do contexto da causa petendi e do pedido.

Por outro lado, tal como emerge do referido art. 325º, há que ter sempre em conta o condicionalismo previsto no art. 320º, CPC, que refere os casos em que pode ter lugar a intervenção, como parte principal, numa causa pendente entre duas ou mais pessoas, admitindo expressamente que possa intervir “Aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 27º e 28º”.

O interveniente faz valer um direito próprio, paralelo, análogo ou semelhante, mas não incompatível, ao de uma das partes primitivas, tal como preceitua o art. 321º.

O art. 27º citado prevê, por sua vez, que a acção possa ser proposta por todos ou contra todos aqueles a quem respeitar a relação material controvertida (litisconsórcio voluntário).

Do exposto resulta que, para que o incidente possa ser admitido, é imperioso que o interveniente possa vir a juízo fazer valer um direito seu, próprio, um direito pelo qual pudesse ab initio demandar ou ser demandado com a parte a quem pretende associar-se ou que o pretende ter ou ver como associado.
Como se refere no preâmbulo do DL 329-A/95, “o esquema que define a figura da intervenção principal, caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa”, traduz-se na cumulação no processo da “apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa coma relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais”.

O mesmo é dizer que a acção podia desde logo ser proposta contra o chamado para intervenção, pois que era ele, tal como o réu, parte legítima para contradizer.
Surge assim um litisconsórcio sucessivo, configurando o incidente “uma projecção em causa pendente das situações previstas nos arts. 27º, 28º ou 30º”[2].
Com a expressão “interesse”, visa-se o pressuposto processual da legitimidade, reconduzindo-se a uma questão de legitimidade plural (litisconsórcio sucessivo), in casu de legitimidade plural passiva.

Há que salientar, porém, que a consideração deste pressuposto da legitimidade plural que com o aludido incidente se visa assegurar, é apreciada ou ajuizada precisamente no momento em que vem requerida a intervenção principal, devendo atender-se aos elementos de que nesse mesmo momento constem dos autos, pouco importando então averiguar do mérito da pretensão subjacente.

Por seu turno, dispõe o art. 330º (Intervenção Acessória Provocada):
1. O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.

Esta intervenção acessória ou subordinada, sub-espécie do incidente de intervenção principal, substituiu o antigo incidente de chamamento à autoria, inspirado na romana litis denuntiatio, por se entender, face à estrutura do incidente de intervenção principal, que se não justificava a autonomia que a lei outrora lhe consagrava.[3]
Com este incidente de intervenção acessória provocada pode a ré contar com o auxilio na sua defesa relativamente à discussão das questões susceptíveis de se repercutirem na acção de regresso ou de indemnização invocada como fundamento do chamamento.
Isto não é mais do que “um incidente de intervenção acessória suscitado pelo réu que pretende fazer intervir no processo o sujeito passivo de uma relação jurídica material controvertida conexa com a que é objecto da acção[4].
A intervenção (acessória) de terceiro, nos termos do transcrito preceito, contra quem o primitivo R. afirma ter acção de regresso, para ser indemnizado, em caso de sucumbência, destina-se essencialmente, não a obter a condenação do chamado mas a estender-lhe a força do caso julgado formado na acção[5].
Destina-se a “impor-lhe o efeito do caso julgado resultante da sentença a proferir contra o réu chamante e dispensar este de, na acção de indemnização, a propor contra aquele, fazer a prova de que na demanda anterior empregou todos os esforços para evitar a condenação”[6].
O chamado, por via da intervenção acessória, não é parte principal na causa e a sua actuação visa auxiliar a defesa do chamante “não para obstar à própria condenação, reconhecidamente impossível, mas produzir a improcedência da pretensão que o autor deduziu no confronto do réu-chamante”[7].

Aqui, chegados, cumpre-nos apreciar o nosso caso:

O A. D………. demanda o B………., S.A., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 60.000,00 acrescida de juros, alegando, em síntese e no essencial, os seguintes factos:
- Que é dono de cheque (cujo nº indica) sacado sobre E………., no valor de € 60.000,00, com data de 25 de Julho de 2002, que em 24 de Julho entregou na sucursal do R. em ………, cujo gerente era o sacador do cheque, vindo o cheque a ser debitado na conta do A. com a menção de que tinha sido devolvido, devolução que nunca existiu, vindo o Banco R., por carta de 29.11.2004, a informar que o cheque fora devolvido em 26.7.2002 com o motivo de “cheque revogado por justa causa – extravio” e que “o cheque foi expedido em 31.7.2002 via C………., S.A. em correio registado para a … morada do A.;
- que isso não corresponde à verdade, o cheque não estava revogado, nunca tendo sido entregue ao A., o que fora confirmado pelos C………., S.A., apesar das insistências do A. nesse sentido;
- Que ao não devolver o cheque, que constituía o único meio de prova que o A. detinha contra o sacador, o Banco R. fez com que o A. perdesse a tutela penal e também de accionar o sacador em acção judicial com vista a obter o correspondente pagamento, causando-lhe o correspondente prejuízo.

O Banco R. contestou, impugnando a matéria de facto alegada pelo A., alegando, em síntese, que anulara o lançamento em conta (do A.) do cheque em causa em virtude do “extravio” do mesmo, tendo de seguida expedido o cheque para a morada do A., por correio registado, assim restituindo atempadamente o cheque a fim de o A., querendo, recorrer `via judicial para satisfação do seu crédito.
Tendo os C………., S.A. informado o Banco de que “os objectos mencionados no documento anexo foram extraviados nos circuitos postais”, o Banco, invocando o engano dos C………., S.A. requer a “intervenção provocada” desta entidade, uma vez que a mesma deve “responder pelo prejuízo causado ao A.”.
Não sendo esta expressão explícita, da mesma não se pode afastar o sentido de o Banco R. ter em vista a acção de regresso sobre os C………., S.A., assim respondendo pelo montante do “ prejuízo causado ao A.” por cujo pagamento eventualmente venha ser condenado (ele R.) a pagar ao A.

De outro modo, bem interpretando o por si alegado (embora em termos pouco precisos), sem o mencionar directamente, aquele seu requerimento tinha apenas como pressuposto a existência do seu direito de regresso sobre os C………., S.A., o que sustentaria o incidente de intervenção provocada acessória (art. 330º do Código de Processo Civil).

No caso dos autos, inexiste igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o do Banco R., que é parte principal, a que se iria associar, não se verificando uma situação de pluralidade subjectiva subsidiária.
De facto, jamais o chamado C………., S.A. pode ser tratado como parte principal, uma vez que não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida, mas tão somente sujeito passivo de uma eventual acção de regresso ou indemnização implicitamente configurada pelo Banco R. chamante.
A situação dos autos espelha verdadeiramente uma intervenção acessória ou subordinada, visando colocar o terceiro chamado em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão de questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento, pretendendo o R. obter não só o auxílio do terceiro interveniente, como também a vinculação deste último à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332º, nº 4).

Tal como foi deduzida a acção, direccionada apenas a responsabilizar o Banco R., por não ter procedido atempadamente à devolução do cheque, a intervenção do chamado C………., S.A., tal como foi configurada facticamente pelo Banco chamante, nunca poderia ocorrer ao abrigo de uma situação de listisconsórcio ou de coligação tal como previsto nos art. 28º e 30º do CPC, uma vez que, não existe qualquer relação negocial entre o A. e o chamado, estando assim afastado o incidente de intervenção principal provocada.

Contudo, existe uma clara relação conexa por parte dos C………., S.A. com a não devolução do cheque por parte do Banco R. ao A., cerne factual da acção, mas essa conexão só se verifica entre o R. e o chamado C………., S.A..
Por isso, a circunstância de o R. ter apelidado o chamamento como “intervenção principal” não pode justificar por si só o indeferimento, já que se trata de qualificar factos e não o incidente em si.

Com efeito, a factualidade alegada pelo R. no seu requerimento de chamamento, embora erradamente considerada como integrante de “intervenção principal”, não pode deixar de ser interpretada na óptica da existência de uma relação conexa configuradora de um eventual direito de regresso sobre o chamado, caso se venha a prova o extravio do cheque “nos circuitos postais”.

Com efeito, depreende-se da matéria de facto (não de direito) alegada na contestação onde é suscitado o incidente, que a pretensão do Banco R. é a de que os C………., S.A. seja seu associado na causa (mais apropriadamente “auxiliar”- art. 330º nº 1), para que, na eventualidade de vir a provar-se a não devolução atempada do cheque por parte do Banco ao A., possa intentar acção de regresso contra o chamado.

Assim, permitindo os factos alegados pelo Banco R. a sua integração no quadro do incidente de intervenção acessória provocada (que também é uma intervenção provocada, mas não principal como erradamente disse o R. chamante), e sendo certo que a qualificação jurídica do incidente de intervenção acessória provocada pode e deve ser efectuada por parte do tribunal ao abrigo do disposto nos art. 264º, 265-A e 664º do CPC, sempre haverá que admitir o chamamento como “intervenção acessória”, nos termos do art. 330º e segs do CPC.[8]

Apenas deixando uma nota sobre os art. 265º - A e 664º do CPC:
Dispõe aquele normativo que “quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações”.
Escreve J. Pereira Baptista[9] que “segundo este novo princípio de adequação formal… será viável a adopção, “ex officio”, de um esquema processual peculiar, mediante a determinação da prática dos actos mais ajustados ao fim do processo e das adaptações convenientes e necessárias, sempre que a tramitação legalmente prevista não se revele adequada às especificidades da causa”.

Segundo este mesmo autor, devendo as partes ser ouvidas, o juiz não está delimitado, na sua actuação, pela concordância das mesmas partes, assim se afastando a versão final que constava originalmente do Dec. Lei nº 329 – A /95, na medida em que, revestindo o direito processual natureza de direito público, se afigurou mais correcto que a sua aplicação não ficasse dependente de assentimento das partes, pela elementar razão de que será o juiz, enquanto exerce funções de soberania, quem deverá providenciar, pela própria autoridade em que está investido, pela adequação, nas vertentes da sua necessidade e dos respectivos termos concretos.

Este princípio interpenetra-se claramente, mercê do espaço de actuação que concede ao juiz, com a liberdade de adequação dos actos processuais que a lei atribui ao mesmo julgador no art. 664º, segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do art. 264º”.

Este normativo impõe ao juiz que respeite e não altere a causa de pedir, devendo manter-se no quadro fáctico determinante da acção, não podendo imiscuir-se nas asserções produzidas pelas partes que fundamentam as conclusões.
Porém, sendo estas conclusões inadequadamente qualificadas sob o ponto de vista jurídico, nada impede o juiz, antes tudo o aconselha, a proceder à qualificação acertada.
O que significa que o juiz age livremente no tocante à qualificação da causa de pedir independentemente da que é feita pelas partes.

Ensina Alberto dos Reis[10] que “pelo que respeita ao direito, o juiz move-se livremente. Não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Pode ira buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram (indagação); pode atribuir às regras invocadas pela partes sentido diferente do que estas lhes deram (interpretação); pode fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram (aplicação)”.

Também Vaz Serra referiu[11] que o autor não tem o ónus de qualificar juridicamente a causa de pedir, bastando-lhe expor os factos, e cabendo depois ao tribunal a qualificação jurídica dos mesmos.

“O procedimento demasiado ritualizado e com efeitos preclusivos não permite atingir a justiça que se procura através do processo” [12].

No caso vertente, percebendo-se da factualidade alegada pelo Banco demandado que o mesmo insinuava um direito de regresso sobre os C………., S.A., embora tenha qualificado o chamamento deste á acção como intervenção principal, nada impedia o juiz de, em face daquela inserção fáctica, admitir o chamamento sob a veste adequada da intervenção acessória.

Exigir outra postura será contrariar o espírito subjacente à reforma processual civil que o novo Código consubstancia, a qual de alguma forma “liberalizou” a relação entre as partes e o tribunal, colocando o acento tónico “na supremacia do direito substantivo sobre o processual, os princípios da cooperação e da descoberta da verdade material”, procurando-se, acima de tudo, alcançar uma decisão de mérito pronta e verdadeiramente justa.

Assim, impõe-se-nos reconhecer os fundamentos do agravo, determinantes da revogação do despacho recorrido.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que admita o incidente de intervenção acessória suscitado pelo R. agravante, nos termos do art. 330º e segs. do CPC, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Sem custas (cfr. art. 2º. Al. g) do CCJ).

Porto, 15 de Outubro de 2007
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo

__________________________________
[1] Relatório do DL nº 329-A/95, de 12.12.
[2] Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, II, 169.
[3] cfr. Salvador da Costa, in Os incidentes da Instância, pág.120.
[4] cfr. Salvador da Costa ob. Citada, pág.121 e também Ac. RC de 18.10.1983-CJ, ano 1983, tomo IV, pág.59.
[5] Acs. STJ, de 01/06/2003, e de 10/11/2005, em ITIJ/net, procs. 04A1767 e 05A1538
[6] Ac. RL, de 13/2/97, BMJ, 464/604
[7] Lopes do Rego, em Comentários ao Código de Processo Civil, 252 e seguintes.
[8] Neste sentido o Ac. RP de 15.10.2004, in www.dgsi.pt, processo nº 043954, nº convencional JTRP 00037244.
[9] In Reforma do Processo Civil – Princípios Fundamentais, 1997, pag. 66 e nota 114.
[10] Código de Processo Civil Anotado, 5º, 453.
[11] In RLJ 105º, 233.
[12] Aspectos do Novo Processo Civil”, A. Marques dos Santos, Lebre de Freitas e outros, 1997, 34.