Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0456925
Nº Convencional: JTRP00037969
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: DIVÓRCIO
TRIBUNAL
PARTILHA
REVISÃO
ACTO ADMINISTRATIVO
Nº do Documento: RP200504180456925
Data do Acordão: 04/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA.
Decisão: REVOGADA A REVISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - Um acordo de partilha de bens conjugais, após dissolução do casamento por divórcio, decretado por Tribunal Francês, outorgado em notário naquele país, não pode ser considerado “decisão judicial” e, como tal, é insusceptível de ser objecto de revisão e confirmação por Tribunal português, por tal acto não revestir carácter jurisdicional, mas natureza administrativa.
II - Em tal caso o requerido, na intentada acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira, deve ser absolvido da instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

B.........., moradora na Rua .........., n° ..., .........., vem instaurar contra C.........., morador na .........., .........., acção especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira, nos termos e com os seguintes fundamentos:
- A e R contraíram casamento, sem convenção antenupcial, em 20 de Abril de 1968 em .........., .......... .
- A e R, emigrantes em França, divorciaram-se em França por sentença transitada em julgado proferida pelo Tribunal de Grande Instância de Creitel (Val de Marne), em 25 de Julho de 2001.
- Tal sentença de divórcio foi reconhecida pelo ordenamento jurídico Português e ambas as partes encontram-se divorciadas em Portugal.
- Em 17 de Junho de 2002 ambas as partes procederam a acto de partilhas após divórcio perante o notário Jean Michel FIRCOWICZ, notário associado da Sociedade Civil Profissional “Jean Parentaud e Jean Michel Fircowicz”, proprietária do Cartório Notarial em Boissy Saint Leger (VaI de Marne) 3 bis, Rue de Paris.
- No ponto 6 sob a epígrafe - Transação entre as partes - A e R proprietários de dois imóveis e bens móveis, procederam à partilha dos seus bens da seguinte forma:
Todos os imóveis e móveis situados em França, assim como as despesas inerentes à partilha dos ditos bens, foram atribuídos ao Réu;
Todos os imóveis e móveis situados em Portugal assim como as despesas inerentes à partilha dos ditos bens foram atribuídos à Autora .
- A e R comprometem-se a tomar todas as diligências necessárias e úteis em Portugal de forma a que se transfira apenas para o nome da A os bens situados em Portugal.
Deste modo seguiu-se a liquidação do regime patrimonial, composição dos bens a dividir e as retomas e indemnizações.
- Pela escritura de partilhas atribuída à A todos os bens móveis existentes em Portugal e da mesma forma todos os bens imóveis existentes em Portugal.
- O casal era proprietário de um prédio misto sito em Portugal, nomeadamente:
o prédio misto composto por casa de habitação e terreno de cultura sito no .........., freguesia e concelho de .........., estando a parte urbana inscrita na matriz sob o art. 271 e a rústica sob o Art. 1315, descrito na Conservatória sob o n° 77112.
- O mencionado acto de partilhas, acto voluntário de ambas as partes, consta de documento sobre cuja autenticidade e inteligência não deve haver dúvidas, provém de autoridade competente - notário - não pode ser objecto de excepções, não contém decisão contrária aos princípios de ordem pública e não ofende as disposições do direito privado português.
- O acto escriturado transitou em julgado.

Termos em que veio requerer a confirmação da sentença em questão, conferindo à mesma força executória, para todos os devidos efeitos legais e, designadamente, os efeitos da partilha que a mesma decreta, de molde a que possa produzir todos os seus efeitos em Portugal e em consequência a A registe em seu nome na Conservatória do Registo Predial de .......... .

Citado o requerido, não deduziu oposição.

Ouvido o MP manifesta-se este no sentido de não concessão da revisão e confirmação da partilha efectuada, porque o acto notarial revidendo carecer de natureza jurisdicional, devendo absolver-se o requerido da instância.

Vejamos.

Concordamos com a posição do MP.
De facto, a requerente B.......... pede a revisão e a confirmação de um acto de partilha de bens, após e dada a dissolução do seu casamento por divórcio, efectuada num cartório notarial francês e perante um notário, por ter havido acordo entre as partes nesse sentido.
O que nos é presente para observação e confirmação é um instrumento notarial – escritura notarial - que formaliza o acordo a que as partes chegaram. Não se coloca dúvida sobre a sua autenticidade ou inteligibilidade de tal documento, só que dele não consta nem contém qualquer decisão que se possa rever e nem mesmo por forma delegada.
Ora, o art. 1094º n.º 1 do CPC, sob o título de “Da revisão de sentenças estrangeiras”, estabelece que nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro ....................................................
Ou seja, o que se revê e é permitido pela lei processual civil são decisões estrangeiras judiciais ou para judiciais de árbitros ou se serviços públicos investidos, em país estrangeiro, de autoridade para proferir decisões sobre concretas e específicas questões – Ac. R. Coimbra, de 7 de Julho de 1998, CJ, Tomo IV, pág. 6 –
Não pode rever-se um simples acordo das partes, ainda que elaborado e chancelado por um notário, mais ainda quando a sua actividade em França é simplesmente privada.
Por outro lado e usando um argumento vertido nas alegações do MP, também Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, págs. 455/456, refere que «a palavra tribunal deve ser entendida no sentido de autoridade à qual o Estado em cujo ordenamento se integra tenha concedido o poder jurisdicional» e que «a aplicação das normas relativas ao reconhecimento das sentenças estrangeiras depende apenas de se tratar de verdadeiros actos jurisdicionais».
Acontece que o instrumento revidendo não tem natureza jurisdicional mas antes natureza administrativa, não podendo ser considerada como uma sentença/decisão, no sentido acima exposto.
Segundo a lei francesa – art. 837 do CC Francês -, o notário não tem poderes jurisdicionais.
E citando também, como o fez o MP, o Ac. STJ, inserido em BMJ 342, se pode concluir que o acto notarial de partilha tem feição meramente administrativa e não jurisdicional, donde insusceptível de revisão e confirmação nos termos do art. 1094º do CPC.
E mesmo que existisse, em hipótese meramente ficcional, decisão a rever e se aceitasse como boa, dado o conteúdo desta incidir sobre imóveis sitos em Portugal, dispondo sobre a situação jurídica de direitos reais relativos a imóveis, estar-se-ia a violar o disposto na al. a) do art. 65-A do CPC, que determina a competência exclusiva dos tribunais portugueses para as acções que versem sobre direitos reais ou pessoais de gozo sobre bens imóveis sitos em território português – Ac STJ, de 1 de Março de 2001, CJ, Tomo I, pág. 134 -.

Diga-se, por fim, que o reconhecimento do acto notarial estrangeiro está prevista na Convenção de Haia, de 5-10-61, aprovada por ratificação do DL n.º 48.450 de 24 de Junho de 1968, exigindo-se-lhe – art. 3º e 4º - a oposição da apostilha passada pela autoridade competente do Estado donde emana o documento.

Termos em que se nega a revisão e a confirmação da partilha celebrada por instrumento notarial por carecer tal acto de natureza jurisdicional, absolvendo-se o requerido da instância.
Custas pela requerente.
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Porto, 18 de Abril de 2005
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome