Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0531836
Nº Convencional: JTRP00038219
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200506230531836
Data do Acordão: 06/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARADA COMPETÊNCIA.
Área Temática: .
Sumário: I- Antes da interposição do recurso da decisão arbitral em processo de expropriação por utilidade pública não há qualquer «acção cível» para efeitos do artº 97º da LOFTJ, mas antes um processo de natureza cível a caber no domínio do artº 99º dessa Lei Org., o que significa que com a remessa a Tribunal se fixa a competência dos Juízos Cíveis;
II- Sendo interposto recurso, então, de duas uma:
- Ou não é requerida a intervenção do Tribunal Colectivo (por recorrente, recorrido ou no eventual recurso subordinado) e toda a tramitação corre nos Juízos Cíveis (artº99º);
- Ou é requerida a intervenção do Tribunal Colectivo e, então, o processo é remetido às Varas Cíveis (ut artº 97º, nº4, da LOFTJ).
-E basta que uma só das partes requeira tal intervenção, já que no âmbito do recurso da decisão de arbitragem em processo de expropriação por utilidade pública rege uma norma especial (artº 58º) que, como tal, prevalece sobre o regime regra estabelecido pelo artigo 646º, nº1, do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

No ...º Juízo Cível (...ª Secção) do Porto correm termos uns autos de expropriação por utilidade pública com o nº ..........5TJPRT, em que é expropriante O Município do Porto.

As partes interpuseram recurso da decisão arbitral proferida nesses autos.
A expropriante requereu a intervenção do Tribunal Colectivo, ao abrigo do disposto no artº 58º do Cód. das Expropriações.

Foi, então, proferido pelo Mmº Juiz do aludido ...º Juízo Cível (...ª Secção) o seguinte despacho (fls. 5):
“Admitem-se os recursos interpostos a fls. 62 e 88, [....].
Tendo em conta que a entidade expropriante requereu a intervenção do colectivo e que o valor dos autos é superior à alçada da relação remeta os autos às Varas Cíveis desta cidade nos termos do artº 97º, nº1, Al. a), da LOTJ”

Remetido o processo à ..ª Vara Cível do Porto (...ª Secção), foi, pelo respectivo juiz, proferido o seguinte
Despacho (fls. 6):
“Uma vez que a intervenção do tribunal colectivo não foi requerida por ambas as partes, o julgamento será realizado pelo tribunal singular- cfr. o disposto no artº 646º, nº1, do C.P.C.
Pelo que as Varas Cíveis são incompetentes, em razão da forma do processo, para a realização do julgamento-Artº 97º, nº4, da L.ºF.T.J..
Sem custas.
Notifique.”

Ambos os despachos transitaram em julgado.

Vem, então, a expropriante, ao abrigo do disposto no artº 117º do CPC, requerer a resolução do conflito de competência.

Os Srs. Magistrados em conflito foram ouvidos (ut artº 118º CPC), apenas tendo emitido resposta o Mmº Juiz da ...ª Vara Cível, sustentando a incompetência das Varas Cíveis para o prosseguimento dos autos expropriativos (fls. 10 ss).

Foi cumprido o demais ritualismo legal, tendo O Mº Pº emitido parecer no sentido de que a aludida competência cabe ao ...º Juízo Cível do Porto.

A expropriante apresentou as suas alegações (ut artº 120 CPC), sustentando a competência da ...ª Vara Cível do Porto.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

Ressalta do explanado que importa dirimir o conflito de competência gerada entre o ...º Juízo Cível (...ª Secção) do Porto e a ....ª Vara Cível (...ª Secção) do Porto, para o processamento e decisão do recurso de arbitragem nos presentes autos de expropriação.

Os factos disponíveis são os supra relatados.

A questão suscitada reduz-se a de saber a quem incumbe a tramitação dos termos posteriores à interposição de recurso da decisão arbitral, nos termos do disposto no artº 58º do Código das Expropriações (Dec.-Lei nº 168/99, de 18.09), quando apenas uma das partes requereu a intervenção do tribunal colectivo (no caso, a entidade expropriante).

O artº 97º, nº1, al. a), da LOTJ (Lei nº 3/99, de 13.01), dispõe que nas acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do Tribunal a Relação em que lei preveja a intervenção do tribunal colectivo, é às Varas Cíveis que compete a preparação e julgamento dessa acções, dispondo, por sua vez, o artº 99º dessa mesma Lei que compete aos juízos cíveis a preparação e julgamento dos processos de natureza cível que não forem da competência das Varas e dos Juízos de pequena instância.
Cremos não haver dúvidas de que o processo de expropriação - emergente da Lei nº 168/99, de 18.09-- se rege por normas específicas, sendo, como tal, um processo especial (cfr. Alberto dos Reis, Procs Especiais, vol. I e Castro Mendes, Direito Processual Civil, Apontamentos das Lições dadas ao 4º ano de 1973-1974, vol. I). Tal resulta claro do estatuído nos arts. 52º ss. Além das normas específicas, rege-se este processo pelas disposições gerais e comuns que, não estando aí prevenidas, teremos que recorrer ao que prevê o processo ordinário.
Assim, o artº 58º C. Exp. regula o recurso da arbitragem e impõe que nele se exponham as razões das divergências, se ofereçam todos os documentos e provas e se requeira a intervenção do Tribunal Colectivo.
Bem se sabe que o processo expropriativo comporta uma fase administrativa e outra contenciosa, aplicando-se a esta os princípios gerais reguladores do processo civil (cfr. Osvaldo Gomes in Expropriações por Utilidade Pública a pág. 369)
A primeira fase, por sua vez, desdobra-se numa fase de tipo administrativo por excelência e outra que podemos chamar de pré-contenciosa mas que decorre em parte (cfr. artº 42º nº 2 C. Exp) no Tribunal, havendo ainda a fase de recurso.

Acção, segundo o Prof. Manuel de Andrade nas suas Noções Elementares Proc. Civil a pág. 3, é a pretensão de tutela jurisdicional formulada em juízo para determinada relação material de direito e inicia-se com a petição inicial (cfr. artº 467º do CPC).
Por outra via, a competência determina-se pelo pedido do autor (BMJ 394/453 e 431/554) e fixa-se no momento em que a acção é proposta (Ac. Rel. Porto nos Sumários desta Relação nº 14/2.205 e artº 22º da Lei Org.), sendo com a petição e de acordo com o modo como surge desenhada a pretensão do autor que se deve determinar a forma de processo (BMJ 311/204).
Ora, quando no artº97º da LOFTJ se atribui a competência das Varas para preparar e julgar «acções declarativas cíveis», o que se pretende abranger são precisamente as «Acções» com as suas características essenciais, tal como atrás as definimos.
Nesta perspectiva, parece evidente que a simples recepção de um processo em Tribunal para numa primeira fase se destinar, normalmente, à simples adjudicação da propriedade e posse (ou ainda para a arbitragem-artº 42 nº 2), e às notificações das partes na expropriação de que podem recorrer (artº 52º), não pode ser entendida como uma «acção» para os efeitos acima referidos, antes se configura ou aproxima com aquilo a que o artº 99º da LOFTJ - que fixa a competência dos juízos cíveis – denomina de «processos de natureza cível».
Ou ainda, com tal remessa a Tribunal dos autos de expropriação não se pode dizer que se deu inicio a uma verdadeira, a uma correcta acção declarativa, designadamente para efeitos do apontado artº 97º da Lei Org. e de Func. Trib. Judiciais onde se fixa a competência das Varas para as «acções declarativas» (ver. ainda, Ac. Rel. de Évora, in Col. Jur. 20-2-270).
Certo é que há quem entenda que a decisão de arbitragem já é um verdadeiro julgamento e que a decisão de adjudicação da propriedade (artº 51º nº 4) é tida como decisão judicial (J. O Gomes, ob. cit a págs. 334 e 382).
Porém, como refere F. Alves Correia in «As Garantias do Particular ........», a pág. 114, o acto de transferência da propriedade e da posse, embora da competência do Juiz do Tribunal Comum, não é um acto judicial sob o ponto de vista material pela simples razão de que aquele não tem qualquer poder de julgamento ou de apreciação da legalidade ou ilegalidade da expropriação (neste sentido, também, o Ac. da Rel. do Porto in CJ 24/2/181 e segs, ).
Só quando as partes se não conformem com a decisão arbitral e interponham recurso é que o Tribunal Judicial é verdadeiramente chamado a decidir de fundo, sobre a indemnização.

A verdadeira fase e já de natureza contenciosa inicia-se, portanto, com a interposição do recurso de arbitragem (ut artº 58º do CE).
Daqui que se conclua que a competência cível para a recepção dos autos de expropriação em Tribunal, em consequência da prévia remessa efectuada ao abrigo do disposto nos artsº 51º nº 1 ou 54º nº2 e 42º nº 2, do C. Exprop., deve ser definida de acordo com o artº 99º da Lei Org., o que impõe a competência dos juízos cíveis.
Daqui que toda a supra apelidada de actividade administrativa--- englobando a pré-contenciosa como a do despacho de adjudicação e a eventual interposição dos recursos--, se deve desenvolver nos Juízos Cíveis - fixando-se a competência aquando da remessa dos autos a tribunal.
O mesmo é dizer que os juízos cíveis são competentes para todos os autos de expropriação, remetidos a Tribunal, pelo menos até ao despacho de adjudicação e interposição do recurso.

Com a interposição de recurso para o tribunal, dá-se início a uma nova fase.
Porém, esta nova fase de recurso continua a não poder ser vista como uma «acção declarativa» para efeitos do artº 97º da LOFTJ, mas antes continua como uma fase de recurso integrada no processo expropriativo de natureza civil, a desenrolar nos Tribunais, pelo que não nos parece que, sem mais, se fixe com ela a competência das Varas.
Efectivamente, tudo vai depender do desenvolvimento do processo nesta nova fase contenciosa de recurso. Mais precisamente, tudo vai depender do facto de ser, ou não, requerida a intervenção do Tribunal Colectivo.

In casu, foi requerida-- nesta nova fase que se iniciou, portanto, com a interposição do recurso da decisão arbitral-- a intervenção do colectivo.

Uma nova questão surge, então: será que se aplicam aqui, sem mais, as regras (gerais) previstas na lei processual civil, ou seja, impõe-se que a intervenção do colectivo seja requerida por “ambas as partes”, como vem disposto no artº 646º, nº1, do CPC (redacção do DL nº 183/2000, de 10.08)?
Ou, ao invés, será que basta que uma das partes o requeira?
Se bastar, então, como resulta do artº 97º, nº4, da LOFTJ, envia-se o processo para as « ..... varas cíveis para julgamento e posterior devolução». E, então, a competência passaria a pertencer à ...ª Vara Cível do Porto.

Esta a questão que cumpre agora dilucidar, pois dela depende a resolução do presente conflito de competência para o prosseguimento dos autos nesta nova fase que se inicia com o recurso da decisão arbitral proferida nos autos.
Vejamos, pois.

Não vemos - ao contrário do sustentado pelo Mº Público (fls. 16) - que seja aqui aplicável o artº 646, do CPC para, com base nele, se procurar defender a competência do Juízo Cível, dado que apenas uma das partes requereu a intervenção do tribunal colectivo.
Não é esse o nosso entendimento, salvo o muito devido respeito pela posição da Ilustre Procuradora da República.

Efectivamente, não nos parece possível comparar as coisas no processo comum e no processo expropriativo.
Efectivamente, ao passo que no processo comum, logo com a petição inicial surge a eventualidade da intervenção do Tribunal Colectivo e os autos prosseguem ao longo de inúmeros actos sempre sob essa eventualidade, já no processo expropriativo tal possível ou provável intervenção só surge na fase de recurso, quando já tudo está definido quanto à competência dos Juízos Cíveis.
O artº 646º do CPC tem como pressuposto que desde a petição da «acção declarativa» esteja fixada a competência. O que não pode aplicar-se à expropriação, pois este processo em nada se assemelha àquela «acção declarativa». Até ao momento da interposição do recurso da arbitragem não se pode dizer que se esteja perante algo parecido com uma acção declarativa.
E, assim sendo, não pode deixar de se considerar que o regime especial do Cód. das Exp. prevalece sobre o regime regra estabelecido pelo artº 646º nº 1, do CPC (cfr. Cód. das Exp., Revisto e Anotado, 2ª ed., de Pedro Cansado Pães, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa).
Se é certo que o Cód. das Exp. remete para o CPC, não é menos certo que o faz em termos subsidiários, ou supletivos.
Assim, havendo norma especial no CE sobre determinada aspecto, não há que recorrer à lei geral adjectiva civil.
Tal norma existe: o artº 58º.

Sintomático da diferença entre a regulamentação da intervenção do tribunal colectivo no processo de expropriação e nas acções ordinárias é precisamente, e desde logo, o facto de no processo ordinário ser necessário que ambas as partes o requeiram (artº 646º, do CPC), enquanto que no processo expropriativo basta que seja requerido pelo recorrente ou pelo recorrido.
É o que parece resultar do disposto nos artsº 58º e 60º, do Cód. Exp.. O que se compreende, desde logo porque, por vezes, os expropriados são inúmeros (artº 39º, anterior 38º -- Ac. STJ in BMJ 474º-387). Pelo que não é razoável supor - presumindo que “o legislador consagrou as soluções mais adequadas” (artº 9º, nº3 CC) - que fosse intenção do legislador exigir neste tipo de processo (especial) que ambas as partes - que podem ser inúmeras...! - fossem obrigadas a requerer o colectivo para que o mesmo pudesse operar.

Este entendimento foi sufragado pelo STJ, no Ac. de 25.09.2003 [Publicado na Internet, site do STJ, cujo relator foi o Exº Sr. Consº Neves Ribeiro, doc. nº SJ200309250018567] em referência à limitação gradual da intervenção do tribunal colectivo resultante das alterações legislativas introduzidas no processo civil.
Por se nos afigurar de especial relevo para a questão aqui em discussão, permitimo-nos transcrever as seguintes passagens deste Aresto:
“[................]. A resenha que acaba de fazer-se não tem outro sentido que não seja destacar a desconsideração que as sucessivas leis do processo têm vindo a fazer, relativamente à intervenção do tribunal colectivo, quer em razão de uma alegada simplificação processual, quer pela utilização de meios tecnológicos substitutivos, ou assim considerados.
[................].
Enfim, se é certo que o julgador tem que aplicar a lei (artigos: 206º da Constituição; 4º-1 da LOFTJ; 3º-1 e 4º-1 e 2, do EMJ; e 8º do Código Civil), certo é também não parecer adequado que seja remetido, na dimensão criativa da decisão, para uma posição silenciadora e acrítica sobre a bondade e justeza da lei, quando a aplica, ou seja, no momento da concreta realização do direito.
Tudo por dizer, que a limitação gradual da intervenção do tribunal colectivo, insere-se numa lógica que - queira-se, ou não - é a que tem traçado o caminho legislativo, especialmente a partir de 85, acentuando-se, depois, em 95/96, até hoje.
Suprimiu-se a regra geral da oficiosidade de intervenção do colectivo, no âmbito comum do processo civil; Admitiu-se a sua intervenção quando pedida por ambas as partes; E mesmo assim com as excepções contidas nas três alíneas do nº. 2, do artigo 646º, do Código de Processo Civil.
13. Não se foi tão longe, no âmbito especial do processo expropriativo.
Só que, ainda aqui, na linha da mencionada tendência limitadora da intervenção do tribunal colectivo, condicionou-se, cumulativamente, a sua intervenção, quer a certo valor fixado pela decisão de arbitragem, quer à solicitação do recorrente no acto de interposição do recurso dessa decisão.
Em resumo: no processo civil, em geral, o critério decisivo de intervenção do colectivo deixou de ser objectivamente o valor da causa em litígio, mas a manifestação da vontade das partes (das duas partes), requerendo a intervenção; no processo especial de recurso da arbitragem expropriativa, bastará, aí, a solicitação de uma só das partes.
Bem ou mal foi esta a concepção a que aderiu o legislador [......].”

E continua: “Mas também se concluiu que, no âmbito do recurso da decisão de arbitragem em processo de expropriação por utilidade pública, rege a matéria uma norma especial, e como tal, prevalecente sobre o regime regra estabelecido pelo artigo 646º-1, do Código de Processo Civil.
Ou seja, explicitando de forma mais exaustiva, a norma especial do artigo 58º transcrita, exige o requisito do requerimento de intervenção do colectivo pelo recorrente, no acto de interposição do recurso - norma especial, segundo o artigo 7º-3, do Código Civil, que afasta as regras gerais reguladoras de idêntica matéria, nomeadamente, as contidas nos artigos 110º-4, 512º-1, 646º-1, todas do Código de Processo Civil.
É essencial, desde o principio, a afectação do recurso à jurisdição competente, determinando-se a estrutura processual - singular ou colectiva - de intervenção na preparação e julgamento do recurso de arbitragem que se lhe afecta.
[..............].
Ao afastar a intervenção automática da intervenção do tribunal colectivo no julgamento da matéria de facto, em causas de certo valor, a opção do legislador foi confiar à parte (ou ambas as partes) a avaliação do interesse da intervenção colegial, e pedi-la, sendo caso, em tempo certo.
No processo expropriativo, como vimos, basta a manifestação de vontade de uma das partes - a que recorre, sem estar dependente do acordo da outra.
A intervenção fica dependente da vontade expressa e escrita da parte requerente, na altura que recorre. («No requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral o recorrente deve ... requer a intervenção do tribunal colectivo ...» - artigo 58º transcrito).
Aqui, o processo especial, impõe que o recorrente, quando recorre, solicite logo, a intervenção do tribunal colectivo, para daí em diante se determinarem e desenvolverem os passos processuais que supõem o julgamento colegial da matéria de facto.
Não estamos numa situação paralela à do artigo 512º-1, do Código de Processo Civil, de abertura de instrução probatória clássica do processo, elaborado que tenha sido, o questionário.
Ao contrário, no processo civil em geral, a intervenção do colectivo depende do requerimento de ambas as partes, conforme dispõe o artigo 646º-1.
É elementar entenderem-se assim as coisas, quer quanto à disponibilidade de qualquer das partes no recurso de arbitragem avaliar do seu interesse, e, por aí, poder pedir a intervenção do colectivo; quer quanto à oportunidade processual de fazer essa avaliação, sob pena de precludir a eventualidade e a faculdade correspondentes, se o não fizer.”
Os sublinhados são da nossa autoria.
Neste sentido, o Ac. Rel. do Porto, de 8.5.2003, disponível no site do MJ: “não tendo sido requerida a intervenção do tribunal colectivo, apesar de legalmente admissível a requerimento de alguma das partes, não há lugar à saída do processo do juízo a que foi adequadamente distribuído e onde deve continuar até final.”, bem assim o Ac. da mesma Relação, de 21.10.2004, disponível no mesmo site (nº convencional JTRP00037271) - sublinhado nosso.

Não é, portanto, aplicável ao processo de expropriação o art. 646º, nº 1 do CPC, na redacção dada pelo DL nº 183/2000, de 10.8.

Como bem se escreveu no acórdão desta Relação, proferido em 23.10.2003, in proc. nº 3984/03, desta 3ª Secção, em que foi relator o Exmº Des. Oliveira Vasconcelos, “trata-se manifestamente de um preceito inserido na tramitação do processo comum ordinário”, que “não deve ser aplicado ao processo expropriativo”.

Anote-se, finalmente, que, na mesma senda, se escreveu no Ac. da Rel. de Lisboa, de 12.03.1998, Col. Jur., Ano XXIII, Tomo II, pág. 93, que “A aplicação das normas do Código de Processo Civil ao processo de expropriações só tem lugar no caso de existirem lacunas na lei expropriativa”.
Lacuna que, como vimos, não existe no que tange à questão que ora nos ocupa. Se o legislador quisesse aplicar ao processo expropriativo o preceito do artº 646º, CPC, bastava, ou nada dizer sobre a questão da intervenção do tribunal colectivo - recorrendo-se, então, eventualmente e de forma supletiva, ao CPC--, ou expressar-se nos mesmos termos que se expressou o legislador no aludido artº 646º CPC, isto é, dizer, sem rodeios ou margem para dúvidas, que a intervenção do tribunal colectivo só teria lugar caso “ambas as partes” o requeressem. Não o disse, porém. Pelo que outra posição razoável não vemos que se possa aceitar que não a sufragada supra.

CONCLUINDO:
Antes da interposição do recurso da decisão arbitral em processo de expropriação por utilidade pública não há qualquer «acção cível» para efeitos do artº 97º da LOFTJ, mas antes um processo de natureza cível a caber no domínio do artº 99º dessa Lei Org., o que significa que com a remessa a Tribunal se fixa a competência dos Juízos Cíveis;
Sendo interposto recurso, então, de duas uma:
Ou não é requerida a intervenção do Tribunal Colectivo (por recorrente, recorrido ou no eventual recurso subordinado) e toda a tramitação corre nos Juízos Cíveis (artº99º);
Ou é requerida a intervenção do Tribunal Colectivo e, então, o processo é remetido às Varas Cíveis (ut artº 97º, nº4, da LOFTJ).
E basta que uma só das partes requeira tal intervenção, já que no âmbito do recurso da decisão de arbitragem em processo de expropriação por utilidade pública rege uma norma especial (artº 58º) que, como tal, prevalece sobre o regime regra estabelecido pelo artigo 646º, nº1, do Código de Processo Civil.

DECISÃO:

Termos em que acordam os Juizes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em decidir o presente conflito de competência, atribuindo a competência para os ulteriores termos do processo expropriativo à ...ª Vara Cível do Porto.

Sem custas.

Porto, 23 DE Junho de 2005
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves