Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0751909
Nº Convencional: JTRP00040332
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
COMODATO
Nº do Documento: RP200705160751909
Data do Acordão: 05/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 299 - FLS 49.
Área Temática: .
Sumário: I - A má fé referenciada no art. 756.º, b) do CC deverá ser considerada no sentido psicológico, sendo que a equiparação do comodatário ao possuidor de má fé a que se reporta o art. 1138.º n.º1, no que concerne às benfeitorias realizadas na coisa comodatada, em termos de presunção, é apenas para efeitos da indemnização a que alude o art. 1273.º do CC.
II - Uma coisa é a existência de má fé para o exercício do direito reconhecido no referido art. 1273.º e outra a má fé para exclusão do direito de retenção.
III - E só haverá má fé do retentor quando, havendo vícios ou defeitos na aquisição, deles tenha conhecimento, não se abstendo de realizar as despesas com a coisa retida, apesar de tais vícios ou defeitos, e quando realize as despesas com a consciência de prejudicar ou lesar o direito do dono da coisa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1- No Tribunal Judicial de St.ª Maria da Feira, os Autores B……….. e esposa C………., residentes na Rua ………., …, ………., Vila Nova de Gaia intentaram a presente acção declarativa com forma de processo ordinário contra “D………, Lda.”, com sede no ………., ………., Sta. Maria da Feira, alegando resumidamente:
Por escritura pública outorgada no 1º Cartório da Secretaria Notarial de Sta. Maria da Feira, datada de 17/6/1980, constante de fls. 71-v a 72-v do livro 72, o Autor, na altura já casado com a Autora no regime de comunhão geral de bens, declarou comprar a E………. e mulher F………., que declararam vender, os seguintes prédios rústicos:
a) – uma leira de mato e pinhal, situada no ………., freguesia de ………., a confinar de nascente com G………. e H………., do poente com E………., do norte com a estrada e do sul com caminho de servidão, omisso no registo e inscrito na matriz sob o artigo 422;
b) – um terreno de mato e pinhal, sito no mesmo lugar e freguesia, a confinar do norte com a estrada, do nascente com I………., do sul com J………. e do poente com L………., omisso no registo e inscrito na matriz sob o artigo 421;
Alguns anos após a escritura anteriormente referida, os AA. edificaram no mesmo terreno um prédio urbano de rés-do-chão, destinado a comércio, a confinar do norte com a estrada, do sul com os autores, do nascente com G………. e do poente com a rua, que se encontra inscrito na matriz urbana sob o artigo 2154.
Adquiriram tal prédio por compra e até por usucapião.
A R. – que tem como únicos sócios o seu filho M………. e a esposa deste N………. – tem estado a ocupar gratuitamente esse prédio e na sequência de autorização que lhe deram e que, por virtude de deterioração das relações entre si e aquele seu filho e nora, pretendem que tal prédio lhes seja restituído a fim de lhe darem o destino e utilização que poderão escolher.
Concluem pedindo que se condene os Réus a reconhecerem que os AA. são donos de tal prédio urbano e a reconhecerem que a ocupação que fazem da casa que dele faz parte é puramente gratuita e por mera condescendência, tolerância e favor dos AA., bem como a fazerem a entrega da mesma casa aos AA. livre e desembaraçada de pessoas e coisas.

2 – A Ré contestou e deduziu pedido reconvencional, nos termos constantes de fls. 21 e ss., excepcionando a verificação da usucapião a seu favor relativamente ao prédio em questão e depois impugnando os factos alegados pelos AA. no sentido da sua pretensão.
Conclui pedindo a condenação dos AA. a reconhecê-la como dona do prédio (cuja propriedade terá adquirido por usucapião) e, caso assim se não entenda, a pagar-lhe a quantia de 30.000.000$00 de indemnização – em virtude de despesas com obras e manutenção que realizou no imóvel com vista à sua adaptação a supermercado e de prejuízos inerentes à sua entrega – e a ser-lhe reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel..

3 – Os AA. na réplica impugnam a verificação da usucapião a favor da R. e impugnam os factos alegados por esta para sustentar o seu pedido reconvencional.
Porque entretanto faleceu o A. marido, vieram a ser habilitados como seus herdeiros e para em sua representação prosseguirem os termos da acção C………., O………. e M……… .

4 - O processo prosseguiu termos, realizando-se audiência preliminar, com a elaboração de despacho saneador, (fls. 241 e ss), tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, que não foi objecto de reclamações.
Observado o legal formalismo procedeu-se a julgamento.
No decurso da audiência o douto Mandatário da Ré requereu que a testemunha “Dr. P……….” não fosse inquirido uma vez que estava impedido.
Os Autores opuseram-se.
Foi então proferido o despacho de fls. 392 e 393 a indeferir o requerido[1].

5 - Deste despacho foi interposto recurso de Agravo pela Ré “D………., Lda.”, a qual formulou as seguintes conclusões:
1ª- Neste autos foi peticionado, pelos autores B………., entretanto falecido, e C………., ora agravada, que a agravante fosse condenada a reconhecer os autores como donos legítimos possuidores do prédio de casa de rés-do-chão, para comércio, sito no ………., na Rua ………., em ………., Santa Maria da Feira, que é ocupado pela agravante concluindo-se pelo pedido de entrega do referido prédio livre e desembaraçado de pessoas e coisas.
2ª- Pela agravante foi deduzido pedido reconvencional através do qual foi peticionado que os autores sejam condenados a reconhecerem a Ré / agravante como dona e legítima proprietária do mesmo imóvel ou serem os autores condenados a indemnizar a Ré / agravante pelos prejuízos sofridos por esta.
3ª- Neste processo foi arrolado como testemunha dos autores um Ilustre advogado, Dr. P………., que, por sua vez é mandatário da aqui agravada no processo de inventário entretanto requerido por óbito do autor falecido, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.
4ª- Acontece que neste, como naquele processo de inventário, discute-se a questão da propriedade da casa referida em 1. destas conclusões, aqui para efeitos de definir quem é o proprietário e ali, no processo de inventário, para definir a massa da herança que ficará menor ou maior conforme nestes autos se venha a definir que a casa não pertence ou pertence à herança.
5ª- Após requerimento apresentado pela agravante previamente à inquirição do Ilustre Advogado, informando o Tribunal da existência do processo de inventário, do facto de o Ilustre Advogado aqui indicado como testemunha pelos autores ser ali advogado constituído, e ainda o facto de num e noutro processo estarem em causa os mesmos bens, e de em suma, tal conexão de processos pôr em perigo a violação de sigilo profissional da testemunha, vinculada a ele,
6ª- Pelo M.º Juiz a quo foi proferido despacho onde se refere em suma, afigurar-se difícil a concordância prática entre o disposto no artigo 6l8., nº 3 do C.P.C. e o disposto no artigo 87°, nº 5 do E.O.A., e concluir-se que, face ao facto de o Sr. Advogado não ter pedido escusa de depor como testemunha, o Tribunal irá proceder à sua inquirição com muita atenção.
7ª- Despacho que, salvo o devido respeito por opinião contrária, viola precisamente o disposto no artigo 6l8., n.º 3 do C.P.C., conjugado com o artigo 87., n.º 5 do E.O.A., porquanto:
8ª- Dos factos acima expostos resulta que em Tribunais diferentes, existem pendentes duas causas, discutindo-se em ambas a propriedade da casa de rés-do-chão, para comércio, sita no ………., na Rua ………., em ………., Santa Maria da Feira.
9ª- O Ilustre advogado, indicado nestes autos como testemunha, sendo mandatário da aqui agravada no processo de inventário referido tem acesso a uma série de elementos que lhe são facultados, no âmbito do mandato, em relação aos quais está obrigado ao sigilo profissional, resultando do seu depoimento um risco sério de violação de sigilo profissional.
10ª- O facto de o Tribunal estar muito “atento”, que está certamente, não permite descortinar situações de violação de sigilo profissional, que, em última análise, são sempre justificadas pelo Ilustre advogado como tendo sido transmitidas no domínio da amizade.
11º- Ora, muito mais habilitada do que o tribunal, porque dotada de meios para o efeito, está a Ordem dos Advogados para decifrar a existência ou não de factos sujeitos a sigilo profissional, e no primeiro caso, para decidir da sua dispensa, pois a Ordem dos Advogados elabora um processo, reunindo elementos, de onde fica muito melhor posicionada para decidir acerca do sigilo profissional.
12ª- Ora, o tribunal, com a redacção dada ao artigo 618 pelo DL n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro, não ficou desobrigado de obstar à prestação de depoimento com violação de sigilo profissional.
13ª- Tanto assim é que o direito que impende sobre o advogado de se escusar a responder, é um poder-dever que incumbe ao tribunal fazer respeitar.
14ª- Aliás, com a entrada em vigor do D.L. n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro, manteve-se em vigor o disposto no artigo 81 n.º 5 do DL n.º 84/84 de 16 de Março, actualmente no artigo 87 n.º 5 da Lei n.º 15/2005 de 26 de Janeiro que determina que «Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo».
15ª- O artigo 87 n.º 5 do E.O.A é exactamente a regra correlativa das regras processuais, nomeadamente do artigo 618 do CPC.
16ª- Ora, o tribunal para se assegurar de que a prova não é feita através de meios ilícitos, o que é, além de imperativo legal, essencial do ponto de vista da economia processual, tem que ter meios que lhe permitam poder ouvir a testemunha com a garantia de que não há violação de sigilo profissional.
17ª- Ora, se o Tribunal não tem meios para averiguar da existência ou não de sigilo, como notoriamente não tem, mais não tinha do que recusar o depoimento prestado por advogado nestas condições.
18ª- Ponto em que entendemos, com o devido respeito, que andou mal o Tribunal a quo, por manifesta violação do disposto no artigo 618 n.º 3 do CPC conjugado com o artigo 87 n.º 5 do E.O.A
19ª- Aliás, o Mº Juiz do Tribunal a quo inquiriu várias vezes o Ilustre Advogado que pretendia depor a fim de saber se este tinha pedido dispensa à Ordem dos Advogados ao que o ilustre Advogado disse que não tinha.
20ª- Se de facto o Ilustre Advogado estava tão convicto de que os factos que eram do seu conhecimento não estavam a coberto do sigilo profissional, nada obstava que tivesse questionado a Ordem dos Advogados sobre tal facto, surgindo assim em audiência, de forma completamente isenta.
21ª- Apesar disso, o Ilustre Advogado indicado como testemunha não o pretendeu fazer tendo, no nosso entendimento, andado mal o Tribunal a quo ao permitir, mesmo assim, a sua inquirição, ainda que com muita atenção.
22ª- De resto, a questão da capacidade da testemunha para depor, sempre que possível, deve ser resolvida a priori, ou seja antes da testemunha violar o sigilo profissional, mediante consulta à Ordem dos Advogados dirigida pela pessoa que pretende depor.
23ª- Só excepcionalmente é que esta questão deve ser resolvida a posteriori, pois, tal significa que já houve violação de sigilo profissional, tendo-se produzido uma prova ilícita.
24ª- Com a devida vénia, deve dizer-se que o douto despacho proferido pelo mº Juiz do Tribunal a quo deve ser revogado porque ilegal e, em consequência o depoimento prestado pelo Ilustre Advogado Dr. P………., declarado sem valor algum, por manifesta impossibilidade de fazer prova em juízo.
Conclui pedindo a revogação do despacho recorrido.

6 – Os agravados não apresentaram contra alegações.

7 – A matéria quesitada mereceu as respostas que constam do despacho de fls. 483 a 488, que não foi objecto de reclamação.
Posteriormente foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência decidiu:
“- condenar a R. a reconhecer os AA. como donos do prédio identificado sob o número 2 da matéria de facto e a fazer a entrega do mesmo aos AA. livre e desembaraçado de pessoas e coisas;
- condenar os AA. a pagar à R. a quantia que se vier a apurar em execução de sentença, relativamente ao valor das benfeitorias – calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa – que acima se classificaram como úteis e que estão referidas sob os números 6 e 8 da matéria de facto;
- absolver os AA. do restante pedido formulado na reconvenção”.

8– Apelou a Ré, nos termos de fls. 541 e ss, formulando as seguintes conclusões:
1ª- A recorrente não concorda com a douta decisão proferida, e o motivo da discordância assenta, por um lado no erro de julgamento da matéria de facto, de tal forma grave que conduziu a uma decisão final absolutamente injusta, bem como, e não obstante isso, na errada aplicação do Direito, consubstanciada na violação das normas constantes dos artigos 1296, 1252 nº 2, 216 nº 3, 754 e 755 todos do Código Civil.
2ª- A decisão proferida sobre a matéria de facto carece de uma quase total falta de fundamentação, o que em nada contribui para a compreensão de algumas das respostas dadas aos quesitos, agora vertidas nos factos provados (ponto III destas alegações).
3ª- No modesto entendimento da recorrente deve ser alterado o pontos 5 da matéria de facto e alterada a resposta restritiva dada ao quesito 10º da Base Instrutória, na parte em que é referido – sem concretizar a data nem o ano – que foi após o casamento de M………. e N………. (actuais sócios-gerentes da Ré e que antecederam esta na posse que esta defende) que estes instalaram no prédio referido sob o número 2 um supermercado, que, para o efeito, desde já se impugna (artigo 690-A do C.P.C.).
4ª- Da articulação dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento — e porque não foi posta em causa, nem diminuída, a credibilidade de nenhum deles pelo Tribunal – conclui-se, com segurança, que o estabelecimento comercial que se encontra no prédio referido no ponto 2 dos factos provados, foi instalado em 1984 pelos referidos M………. e N………., que são os actuais sócios-gerentes da Ré (ora recorrente).
5ª- Designadamente do depoimento da testemunha Q………. (prestou depoimento em 21.10.2005, gravado na cassete n.º 1, do lado A de 0000 a 1222 do lado A, da cassete nº 2, na cassete nº 3, do lado A, de 0000 a 1303) e o depoimento da testemunha S………. (prestou depoimento em 28.10.2005, e gravado na cassete nº 1, do lado A, de 0000 a 2478, na mesma cassete, lado B, de 0000 a 1200), depoimentos cujas transcrições pontuais se encontram no ponto IV destas alegações.
6ª- Dado que os depoimentos citados depuseram com clareza e rigor sobre a data de instalação do estabelecimento comercial e dada a essencialidade da prova desse elemento, constante do quesito 10º da Base Instrutória impunha-se como resposta aos quesitos que tocam esta matéria (7º e 10º da Base Instrutória), nesta parte, que fosse esclarecido e dado como provado que os referidos M………. e N…………, que agora representam a Ré e que a antecederam na posse, instalaram o estabelecimento no prédio referido no número 2 dos factos provados em 1984. Motivo por que se requer a reapreciação dos elementos probatórios atrás indicados e a consequente alteração do ponto 5 da matéria de facto.
7ª- No modesto entendimento da recorrente deve ser alterada a resposta dada ao quesito 9º da Base Instrutória, que inquiria sobre o facto de os AA. (aqui recorridos) terem dado aos referidos M……… e N………. – sócios-gerentes da Ré e que antecederam a Ré na posse que esta defende – o prédio em discussão nos autos referido no número 2 dos factos provados, e também a resposta dada ao quesito 25º da base Instrutória, que inquiria sobre o facto de a Ré (aqui recorrente) se comportar como se fosse a legítima proprietária do imóvel, que, para o efeito, desde já se impugnam (artigo 690º-A do C.P.C.).
8ª- A resposta negativa ao quesito 9º da Base Instrutória deveu-se à aplicação pelo M.º Juiz do artigo 516 do C.P.C., recurso que no nosso modesto entendimento seria de evitar, até porque existem elementos probatórios suficientes para concluir que os AA. deram de facto aos sócios-gerentes da Ré (ora recorrente) o prédio em discussão nos autos por contrato de doação.
9ª- Só aceitando que, de facto, os AA. deram o prédio aos sócios-gerentes da Ré — cuja posse posteriormente transmitiram à Ré - se compreende que estes tenham visto (as obras realizadas pela Ré foram-no com conhecimento dos AA. — ponto 10 dos factos provados) a Ré levar a efeito no prédio todas as obras que se encontram descritas nos pontos n.ºs 6, 7, 8 e 9 do factos provados, e não tenham reagido contra a realização das mesmas.
10ª- Caso contrário, aceitando tratar-se de um contrato de comodato, temos fundamentos para concluir que o A. marido se quis enriquecer à custa do seu filho (o referido M………. é filho dos AA.), o que tendo em conta os depoimentos das testemunhas dos próprios AA. é incompatível com a personalidade do A. marido que era uma pessoa que gostava de ajudar os filhos.
11ª- Era o próprio A. marido que dizia publicamente ter dado um estabelecimento a cada um dos seus filhos (e também uma casa) nomeadamente em conversas com pessoas vizinhas, o que resulta dos depoimentos das testemunhas Q………. (prestou depoimento em 21.10.2005, gravado na cassete n.º 1, do lado A de 0000 a 1222 do lado A, da cassete nº 2, na cassete nº 3, do lado A, de 0000 a 1303) e S………. (prestou depoimento em 28.10.2005, e gravado na cassete nº 1, do lado A, de 0000 a 2478, na mesma cassete, lado B, de 0000 a 1200), e cuja reapreciação se requer e cuja transcrição se encontra no ponto V destas alegações.
12ª- Os depoimentos produzidos em audiência designadamente os últimos aqui referidos impunham resposta afirmativa ao quesito 9º, sem recurso ao disposto no artigo 516º do C.P.C., por manifestamente injusto, quando resultou provado terem os AA. dado aos referidos M………. e N………. o prédio em discussão nos autos.
13ª- Mas, ainda que assim não se entendesse, e que se mantivesse tal dúvida no julgador, o facto é que o comportamento da Ré (ora recorrente) traduziu-se por um exercício contínuo de poderes de facto sobre o prédio em discussão, de tal forma convicto que a Ré (aqui recorrente) surgia e comportava-se como se fosse verdadeira titular do direito de propriedade sobre o prédio em questão.
14ª- A Ré (ora recorrente) levou a efeito todas as obras que se acham definidas nos pontos 6, 7, 8 e 9 dos factos provados, actos que pela sua grandeza revelam que a Ré estavam convencida ser a titular do direito de propriedade sobre o imóvel.
15ª- Aliás, tais actos eram presenciados pelos AA. (ora recorridos), sem estes prestarem qualquer autorização, nem criarem qualquer oposição, confirmando publicamente que tinham dado um estabelecimento a cada filho.
16ª- A reapreciação dos depoimentos das testemunhas Q………. (prestou depoimento em 21.10.2005, gravado na cassete n.º 1, do lado A de 0000 a 1222 do lado A, da cassete n. 2, na cassete n. 3, do lado A, de 0000 a 1303) e S………. (prestou depoimento em 28.10.2005, e gravado na cassete nº 1, do lado A, de 0000 a 2478, na mesma cassete, lado B, de 0000 a 1200) que desde já se requer e cuja transcrição pontual se encontra no ponto V destas alegações, determinará o Tribunal a uma resposta positiva ao quesito 25º da base Instrutória, declarando que a Ré se comportava como se titular fosse do direito de propriedade sobre o imóvel.
17ª- Tanto mais que depois de os referidos M………. e N………… terem instalado o estabelecimento comercial de supermercado, os AA. (ora recorridos) deixaram de exercer quaisquer poderes de facto sobre o imóvel (cfr. fundamentação das respostas dadas à matéria de facto, in fine), comportando-se a Ré (ora recorrente) como se verdadeira titular do direito de propriedade fosse.
18ª- Nem o pagamento de contribuição autárquica pelos AA. (aqui recorridos) representa qualquer acto material de posse sobre o imóvel em questão, porque tal acto não pressupõe, para ocorrer o seu pagamento, a existência de uma relação de facto com o prédio — o A. marido pagava a contribuição autárquica porque era em nome dele que o prédio se encontrava inscrito nas Finanças, e era a ele que era dirigido o pedido para pagamento da respectiva contribuição, sem que com isso a exercer qualquer acto material sobre o bem — Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 25.06.1996, publicado na C.J., 1996, Tomo III, p. 32.
19ª- Ora, ainda que persista a dúvida quanto à doação feita pelos AA. à Ré do prédio em discussão nos autos, sempre se imporia resposta diferente ao quesito 25º, porquanto da prova produzida em audiência resultou provado que a Ré se comportava em relação ao prédio objecto de discussão como se fosse a verdadeira proprietária dele (pois de outra forma torna-se inexplicável a intensidade com que exerceu os poderes de facto sobre o imóvel).
20ª- E a resposta positiva ao quesito 25ª – exigida além do mais pelos depoimentos produzidos em audiência, cuja reapreciação aqui foi requerida — conferirá à conduta da Ré (ora recorrente), o elemento volitivo essencial à prova da inversão do título da posse, ou seja, a prova de que a Ré (ora recorrente) exercia a posse sobre o prédio em nome próprio e não em nome dos AA. (ora recorridos).
21ª- Sendo certo que a lei presume a posse naquele que exerce o poder de facto (artigo 1 252., n.º 2 do C.C.).
22ª- Na certeza de que este Venerando Tribunal procederá à alteração do conteúdo do ponto 5 dos factos provados, fazendo constar, ao invés, que os referidos M………. e N………. instalaram o estabelecimento comercial de supermercado em 1984,
23ª- E procederá à alteração da resposta dada ao quesito 25º da Base Instrutória, dando como provada a convicção da Ré no exercício do direito de propriedade sobre o imóvel em causa nos autos, enquanto direito próprio, na convicção de ser a sua legítima proprietária.
24ª- O que permite concluir que a Ré, por si e pelos antepossuidores M………. e N………., há mais de 15 anos, exerce a posse plena sobre o imóvel em discussão nos autos, convicta de que exerce um direito próprio, de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, e de boa fé, o que lhe permite a aquisição por usucapião nos termos do artigo 1290 e 1296 do CC.
25ª- Donde, em conformidade com tal alteração às respostas dadas aos quesitos, e a consequente alteração dos factos provados, deve ser alterada a douta sentença proferida, também na parte decisória, sendo esta substituída por outra que declare a Ré como sendo a proprietária do prédio em discussão nos autos, propriedade essa adquirida por usucapião, condenando igualmente os AA. a reconhecerem a Ré como sendo a proprietária do imóvel referido, e a absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos do seu direito de propriedade.
26ª- Os AA. (ora recorridos) provaram a aquisição derivada do direito, mediante documento que juntaram aos autos, mas já não a aquisição originária, sendo, nessa parte absolutamente incoerente a sentença proferida.
27ª- Ora, se o Tribunal, para decidir a aquisição originária do direito pelos AA., não se baseia na posse anterior à dos AA. (por não ter sido apurado o tempo da mesma), partindo do ano de 1980 (data em que compraram o prédio) até ao ano de 1984 (data até à qual é inequívoca a prática de actos de posse sobre o prédio — cfr. ponto 4 dos factos provados -, sendo que a partir dessa data se discute a existência da posse na pessoa dos AA. ou a existência da posse na pessoa da Ré), e mesmo somando o período que decorre desde Outubro de 2000 (momento da citação da Ré) até à data da prolacção da sentença, não existe posse sequer de 15 anos.
28ª- Logo não pode dar-se como assente a aquisição originária do direito de propriedade sobre o prédio em causa nos autos por parte dos AA. (ora recorridos), e ao tê-lo feito, como fez o Mº Juiz a quo, violou o disposto no artigo 1296 do Código Civil.
29ª- Acresce que o M. Juiz a quo configurou a presente situação jurídica como sendo um comodato, o que a Ré (ora recorrente) não pode aceitar porquanto esteve no uso do prédio em discussão nos autos na qualidade de proprietária e não na qualidade de comodatária.
30ª- Não obstante isso, o M.º Juiz a quo afasta o direito de retenção da Ré o que fundamenta nos termos do artigo 756 al. b) do Código Civil, dizendo que não há direito de retenção a favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito, o que não é de aceitar.
31ª- “1 - A má fé referenciada no artigo 756º, b) do C.C. deverá ser considerada no sentido psicológico.” — Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 07.04.1982, publicado no BMJ, 320.2, p. 407.
32ª- “1. [...]
“2. A equiparação do comodatário ao possuidor de má fé a que se reporta o artigo 1138., n.9 1, do Código Civil, no que concerne às benfeitorias realizadas na coisa comodatada, em termos de presunção, é apenas para efeitos da indemnização a que alude o artigo 1273 do Código Civil.
“3. A má fé na realização das benfeitorias a que se refere a alínea b) do artigo 756., todos do Código Civil — conhecimento pelo comodatário de que por via da realização das obras estava a lesar os interesses de outrem — tem a ver, como elemento excludente, com a constituição ou não do direito de retenção para garantia do direito de crédito do retentor [...]”
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.02.2006, publicado em www.dgsi.pt.
33ª- Ora, no caso dos autos a Ré (ora recorrente) é titular do direito de retenção sobre o imóvel em discussão, porquanto, mesmo a admitir-se que a Ré é detentora (o que só por uma questão de raciocínio se coloca), recebeu o imóvel de forma lícita (artigo 756. do CC.), existe reciprocidade entre o crédito da Ré relativo a obras realizadas no imóvel e o direito dos AA. a retomar o imóvel, e existe conexão substancial entre ambos (artigo 754º C.C.).
34ª- Motivo por que ao decidir como decidiu o M. Juiz fez errada aplicação do disposto no artigo 756.2, al. b), violando dessa forma o disposto no artigo 754º e 755, al. e) todos do C.C., devendo, também nessa parte ser revogada a douta sentença proferida, declarando-se o direito de retenção da Ré sobre o imóvel em discussão nos autos.
35ª- De qualquer forma, a ser de manter a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que não se acredita, requer-se que a mesma seja fundamentada nos termos do artigo 712º, n.º 5 do C.P.C.
Conclui pedindo a procedência do presente recurso.

9 – A Recorrida C………. ofereceu contra-alegações defendendo a manutenção do decidido.

II – FACTUALIDADE PROVADA

Encontram-se provados os seguintes factos:

1. Por escritura pública outorgada no 1º Cartório da Secretaria Notarial de Sta. Maria da Feira, datada de 17/6/1980, constante de fls. 71-v a 72-v do livro 72, o Autor, na altura já casado com a Autora no regime de comunhão geral de bens, declarou comprar a E………. e mulher F………., que declararam vender, os seguintes prédios rústicos:
a) – uma leira de mato e pinhal, situada no ………., freguesia de ………., a confinar de nascente com G………. e H………., do poente com E………., do norte com a estrada e do sul com caminho de servidão, omisso no registo e inscrito na matriz sob o artigo 422;
b) – um terreno de mato e pinhal, sito no mesmo lugar e freguesia, a confinar do norte com a estrada, do nascente com I……….., do sul com J……….. e do poente com L………., omisso no registo e inscrito na matriz sob o artigo 421; [A) dos factos assentes];
2. Alguns anos após a escritura anteriormente referida, os AA. edificaram no mesmo terreno um prédio urbano de rés-do-chão, destinado a comércio, a confinar do norte com a estrada, do sul com os autores, do nascente com G……….. e do poente com a rua, que se encontra inscrito na matriz urbana sob o artigo 2154 [B) dos factos assentes];
3. A R. encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o nº03370/911218, sendo seus únicos sócios e gerentes M………. e mulher N……….; tal R. ocupa, desde a sua constituição, o prédio urbano referido sob o número 2 sem qualquer contrapartida económica, designadamente sem pagar qualquer renda [D) e C) dos factos assentes];
4. Pelo menos até mais ou menos 1984, os AA., por si e antepossuidores, usaram e fruíram os prédios referidos sob o número 1 – inicialmente como terreno de mato e pinhal, cultivando e colhendo os respectivos frutos, abatendo árvores e utilizando-as em seu proveito, e posteriormente erigindo a construção referida sob o número 2 – pagando sempre e até ao momento as respectivas contribuição e impostos, praticando tais actos à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e com a convicção de serem os seus legítimos proprietários [respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º];
5. Após o casamento de M………. e N………. – respectivamente filho e nora dos AA –, estes instalaram no prédio referido sob o número 2 um supermercado, no qual exercem diariamente a actividade de venda de artigos de mercearia, bebidas, frutas, artigos de limpeza e similares [artigo 6º da petição inicial, não impugnado, e respostas aos quesitos 7º, 10º, 11º e 12º];
6. A R. montou ali uma instalação eléctrica adequada à sua actividade [resposta ao quesito 13º];
7. A R. procedeu ali à construção de um escritório em divisória de alumínio [resposta ao quesito 14º];
8. A R. montou uma rede de frio de forma a servir os aparelhos de frio ali colocados; instalou ainda uma rede de esgotos adequada à sua actividade, reconstruindo todo o pavimento [respostas aos quesitos 15º, 16º e 17º];
9. A R. adquiriu diversas máquinas e mobiliário de escritório; adquiriu ainda material informático, cujo valor não foi possível determinar [respostas aos quesitos 18º, 19º e 20º];
10. As obras referidas sob os números 6, 7 e 8 foram realizadas com o conhecimento dos AA. [resposta ao quesito 21º];
11. Os actos referidos sob os números 5, 6, 7 e 8 vêm sendo praticados pela R. sem oposição de quem quer que seja e à vista de toda a gente [respostas aos quesitos 23º e 24º];
12. As obras referidas sob os números 6, 7 e 8 aumentam o valor do prédio referido sob o número 2, sendo que as referidas sob os números 6 e 8 não são susceptíveis de ser levantadas [respostas aos quesitos 26ºe 27º];
13. O valor do material de escritório e equipamento de supermercado ascende a cerca de 12.215 euros [resposta ao quesito 29º];
14. Com a entrega do prédio, a R. deixará de obter lucros da exploração do referido supermercado naquele local, não tendo sido possível determinar o valor do mesmo [resposta ao quesito 32º].
Estes os factos provados.

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 710 n.º 1 do CPC “a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada”.
Deste modo impõe-se apreciar, em primeiro lugar, o agravo interposto pela Agravante/apelante.
A) A questão a decidir é apenas uma, a saber:
Sendo indicado como testemunha um Advogado e tendo a parte contrária afirmado que o mesmo estava impedido de depor, podia o Sr. Juiz a quo ter admitido o seu depoimento, apesar daquele não ter pedido escusa de depor?
Afigura-se-nos que no caso concreto a resposta tem necessariamente que ser afirmativa.
Vejamos:
Nos termos do artigo 87 n.º 1 al. a) da Lei 15/2005, de 26 de Janeiro, (Estatuto da Ordem dos Advogados-E.O.A.):
“O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:”.
al.a) – A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste.”
Dispõe o artigo 618 n.º 3 do CPC que «devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no n.º 4 do artigo 519».
Tendo presentes estes princípios jurídicos analisemos a factualidade concreta.
Pelos Autores foi arrolado como testemunha o Dr. P……….., tendo essa indicação sido efectuada logo na petição inicial, apresentada em juízo em 25/09/2000.
Na audiência de julgamento realizada em 20 de Abril de 2005 (cfr. Acta de fls. 358 e ss) o Douto mandatário da Ré opôs-se à inquirição daquela testemunha alegando que o mesmo era Advogado constituído da Autora no processo de inventário requerido por óbito do seu marido (o Autor B………..).
A referida testemunha Dr. P……….. não solicitou à Ordem dos Advogados a dispensa de sigilo profissional.[2]
O Exmº Juiz recorrido antes da inquirição do Sr. Advogado como testemunha ouviu-o nos termos documentados a fls. 361/362, tendo o Sr. Advogado afirmado que “não pediu dispensa à Ordem porque entende que não devia pedir, porque os factos que pelos quais pretendo depor não tive deles conhecimento no exercício da profissão de Advogado, mas sim pelo facto de ser vizinho e amigo dos aqui intervenientes há longos anos, sendo uns e outros visitas praticamente diárias da casa correspondente”.
Acrescentou ainda “todos os conhecimentos que tenho prendem-se única e exclusivamente com o facto de ser vizinho e amigo e não por deles ter tomado conhecimento no exercício da sua profissão”.
Por último disse que “na sequência de uma queixa efectuada à Ordem dos Advogados pelo Sr. M………., por si ou na qualidade de sócio gerente de D………., Lda, foi questionada a questão em apreço tendo-se a Ordem pronunciado no sentido de que o respondente não estava impedido de relatar factos dos quais tivesse conhecimento como cidadão comum e como tal poderia depor”.
Considerando aqueles princípios jurídicos, sumariamente enunciados, e tendo presentes os factos descritos o despacho recorrido (transcrito supra I-4 nota 1) – que admitiu o Sr. Advogado a depor como testemunha – não é passível de qualquer censura.
Impõe a lei à generalidade das testemunhas – artigo 519 n.º 1 do CPC – o dever de prestar depoimento.
Essa é a regra geral.
Existem, todavia, excepções que se encontram regulamentadas no artigo 618 já citado.
Uma, que agora não importa analisar (n.º 1 do citado artigo), prevê que as testemunhas se possam recusar a depor.
Outra, na qual se enquadra a hipótese em apreço (n.º 3 do citado artigo), quando as testemunhas arroladas têm o dever de não depor devido à circunstância de os factos em causa estarem abrangidos pelo sigilo profissional.
A testemunha em questão é um Advogado e como tal encontra-se sujeito ao sigilo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente em relação aos factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste (artigo 87 do EOA).
Porém, como claramente decorre destes preceitos, a testemunha/Advogado apenas em relação aos factos abrangidos pelo sigilo se encontra impedida de depor, pois apenas em relação a estes se deve salvaguardar a relação de confiança entre o cliente e o advogado (relação de confiança essa que impõe aquele sigilo profissional).
Quanto a todos os factos não abrangidos pelo sigilo a testemunha/Advogado é livre de prestar o seu depoimento.
O Advogado é também um cidadão (de pleno direito) e nessa qualidade não está impedido de depor sobre factos dos quais teve conhecimento fora do âmbito das suas funções profissionais.
A existência de situações de dever de sigilo profissional (como a dos presentes autos) prende-se com razões de ordem pública e não com razões derivadas de um qualquer contrato celebrado entre a parte e o Advogado.
No caso presente a ré deduziu oposição à inquirição da testemunha/Advogado invocando que o mesmo era Advogado constituído da Autora no processo de inventário requerido por óbito do seu marido (o Autor B……….).
Como é evidente estamos perante uma oposição inconsequente uma vez que não enuncia, de entre os factos a que a testemunha iria depor, quais os factos que eventualmente estariam abrangidos pelo sigilo profissional.
De todo o modo o Sr. Juiz a quo, no cumprimento estrito do seu dever, inquiriu a testemunha/Advogado sobre as razões e os motivos que determinaram a oposição da Ré bem como sobre o modo como conheceu os factos sobre que iria depor e desse modo ponderou se os mesmos estavam abrangidos pelo artigo 87 do EOA.
Perante o depoimento/esclarecimento do Sr. Advogado o Sr. Juiz entendeu que os factos em apreço não estavam sujeitos ao sigilo profissional e como tal não dependiam que de uma qualquer autorização da AO.
Afigura-se-nos que o Sr. Juiz recorrido agiu correctamente. Efectivamente resulta do depoimento/esclarecimento efectuado (e não foi colocado em questão pela Ré) que a testemunha em causa apesar de ser Advogado é também vizinho e amigo dos Autores tendo sido nessa qualidade e por causa dessa relação de amizade e vizinhança que tomou conhecimento dos factos sobre os quais iria depor.
Ou seja, não foi por causa das suas funções de Advogado no processo de inventário que a testemunha teve conhecimento dos factos a que ria depor.
Aliás, basta recordar que, logo na petição inicial, o Sr. Advogado foi indicado como testemunha dos Autores, sendo que o inventário (por óbito do Autor marido) apenas é instaurado alguns anos depois.
A testemunha apesar de ser Advogado e de ser Advogado de uma das partes num outro processo não teve conhecimento dos factos nas circunstâncias enunciadas no artigo 87 do EOA, pelo que não estava impedida de depor não tendo que pedir escusa como pretendia a Ré.
Por último, refira-se que após ter sido prestado o depoimento pela testemunha/advogado a ré não invocou qualquer nulidade nem apontou qualquer facto sobre o qual tivesse incidido o depoimento e que estivesse abrangido pelo sigilo profissional.
Deste modo, entendemos que bem andou o Sr. Juiz a quo em ter admitido o depoimento da testemunha em causa não tendo sido cometida qualquer nulidade.[3]
Em suma, impõe-se a improcedência das conclusões do Agravo e, consequentemente do recurso.

B) Importa apreciar de seguida a Apelação.
As questões concretas a decidir no presente recurso são apenas as seguintes:
1ª - Verifica-se erro de julgamento e falta de fundamentação da matéria de facto, devendo por isso a matéria constante do ponto 5 ser modificada, como consequência da alteração das respostas dadas aos quesitos 7, 9, 10 e 25?
2ª - Alterada a matéria de facto nos termos pretendidos impõe-se decisão diferente da recorrida?
3ª - Mesmo admitindo-se que a Ré é apenas detentora do imóvel deve considerar-se (ao contrário do decidido) que a Ré é também titular de um direito de retenção sobre esse imóvel?

C) Vejamos a primeira questão: Verifica-se erro de julgamento e falta de fundamentação da matéria de facto, devendo por isso a matéria constante do ponto 5 ser modificada, como consequência da alteração das respostas dadas aos quesitos 7, 9, 10 e 25?

1- Como é sabido, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 712 do Código de Processo Civil.
E, nos termos n.º 1 do artigo 690-A do CPC “quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito “no caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522-C”.
“Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento”, n.º 2 do artigo 522 do CPC.
Nos presentes autos a prova produzida encontra-se gravada, tendo o Recorrente procedido à indicação do depoimento das testemunhas Q………., S………. (depoimentos esses que se encontram parcialmente transcritos nas alegações) para fundamentar a sua divergência com a decisão recorrida.
Encontram-se verificados os pressupostos processuais legais para a reapreciação da prova, artigos 712 n.º 1 al. a) e b) e 690-A ambos do Código de Processo Civil.

2- Mas analisemos.
Será que assiste razão à recorrente em pretender ver alteradas as respostas dadas aos quesitos que indica?
Importa ter em atenção que a apreciação da prova produzida está necessariamente ligada ao valor que o Julgador atribui não só a cada depoimento (visto não só de forma isolada mas também quanto apreciados globalmente) bem como ao valor que igualmente atribui aos diversos documentos que lhe são submetidos bem como às diligências que realizou.
Estamos em face de um problema de valoração da prova produzida em audiência.
Nos termos do artigo 655 n.º 1 do Código de Processo Civil o Tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Tal preceito consagra o princípio da prova livre, o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia.
Prova Livre que nas palavras do Prof. Alberto dos Reis “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”, CPC, Anotado, vol. IV, p. 570.[4]
E, não podemos esquecer que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas”, artigo 515 do Código de Processo Civil, ou seja a prova deve ser apreciada globalmente.
A prova testemunhal, atenta a sua falibilidade, impõe cuidados acrescidos na sua avaliação a fim de poder ser devidamente valorada.
Ponderando este principio da prova livre deve o julgador motivar os fundamentos da sua convicção, de forma a permitir o controlo externo das suas decisões.
Acresce que a gravação sonora (e mesmo a posterior transcrição escrita) não permite captar todos os elementos que influenciaram a decisão do julgador.
Na verdade, as testemunhas por vezes têm reacções e comportamentos que apenas podem ser percepcionados e valorados por quem os presencia, não sendo possível à Relação através da gravação (ou transcrição) reapreciar o processo como o julgador formulou a sua convicção.
“Há, na verdade, uma profunda diferença entre a posição do Juiz que, dirigindo a audiência, assiste à prestação dos depoimentos, ouvindo o que as testemunhas dizem e vendo como se comportam enquanto ouvem as perguntas que lhes são feitas e a elas respondem, e a outra, bem diversa, daquele que apenas tem perante si a transcrição, nas alegações, do teor dos depoimentos e a possibilidade de ouvir as respectivas gravações sonoras ( cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos dobre o Novo Código de Processo Civil”, LEX, 1997, pp. 399-400, António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 2ª ed. Pp. 270-271 e Acórdão do STJ de 19.04.2001, Proc. N.º 435/01)”, Ac. do STJ de 12/03/2002, Proc. N.º 697/01.
O Juiz da 1ª instância é quem se encontra em melhor posição para avaliar e decidir quanto ao valor a atribuir a determinado depoimento.
Essencial é o modo e a forma como os factos provados se encontram fundamentados, ou seja ao modo como o Sr. Juiz motivou as respostas dadas à matéria de facto, ao modo como fundamentou a sua convicção, uma vez que os juízes têm o dever de fundamentar de motivar as suas decisões para que possam ser controladas por aqueles a quem se destinam.
Por último não podemos deixar de chamar a atenção que os recursos em sede de matéria de facto visam apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento.
“O recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” Fórum Justiciae, Maio 99.
Por isso, se repete, a possibilidade de recurso em matéria de facto prevista no artigo 712 do CPC tem como finalidade garantir a correcção do apuramento da matéria de facto.
Todavia “a sindicância à convicção do julgador da 1º instância, a realizar por este tribunal de recurso, apenas se mostra adequada quando a mesma se apresenta manifestamente contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Deve ter-se presente que ao tribunal de 2ª instância não pode ser exigido que procure uma nova convicção sobre depoimentos de pessoas cuja presença física lhe está ausente, mas indagar se a convicção formada no tribunal recorrido tem suporte razoável naquilo que a gravação demonstra”.[5]

3- Feitas estas considerações é tempo de descermos ao caso concreto.
A Recorrente entende que os quesitos 7º, 9, 10 e 25º da Base Instrutória devem ver a sua resposta alterada.
Desde já se afirma que nenhuma razão lhe assiste.
Ouvidos e lidos (na parte transcrita) os depoimentos das testemunhas indicadas na motivação do recurso (testemunhas Q……….., S……….), bem como das restantes testemunhas inquiridas em audiência sobre esta matéria, entendemos que não existem fundamentos para alterar as respostas dadas aos artigos da Base Instrutória, nomeadamente àqueles que o Recorrente pretende ver alterados.
A questão central deste recurso (e da acção) reside em determinar a propriedade do imóvel. Na opinião da Recorrente deveria dar-se como provado que esse imóvel foi doado aos sócios gerentes da Ré (o filho e nora dos Autores, respectivamente M………. e N……….).
Ora perante os depoimentos das testemunhas Q………., S………., sempre conjugadas com os demais depoimentos e documentos juntos aos autos, não vemos razões para alterar as respostas dadas.
Importa recordar que nos autos foram apresentadas duas versões completamente distintas, duas versões contraditórias quanto não só à data da instalação do estabelecimento da Ré no prédio mas também quanto ao facto de os Autores terem ou não doado o prédio aos sócios gerentes da Ré (o filho e nora dos Autores, respectivamente M……….. e N……….).
Perante depoimentos contraditórios, como determinar quem mente e quem fala verdade?
O Sr. Juiz não se convenceu totalmente da versão defendida nos autos pela Ré e não vemos razão para censurar essa decisão.
Ponderando que a prova deve ser apreciada em conjunto e não isoladamente, em nossa opinião não existem razões para, perante os depoimentos de todas as testemunhas, designadamente das indicadas na motivação do recurso, alterar as respostas dadas aos quesitos.
Aqueles depoimentos não abalam nem são susceptíveis de contraditar a fundamentação expressa na decisão que respondeu à matéria de facto.
E tal fundamentação, que consta de fls. 483 a 488, ao contrário do que afirma a Recorrente é bem expressa e eloquente. Como é evidente a fundamentação é também um acto global, não se podendo ler uma frase solta, isolada de todo o conteúdo do despacho.[6]
No despacho que respondeu à matéria de facto a Mmª Juiz a quo fundamenta aquelas respostas, esclarecendo quais são os depoimentos e os documentos que teve em consideração.
O despacho em análise referiu quais os concretos meios de prova que serviram de suporte à sua decisão mas também as razões pelas quais eles se tornaram (ou não) credíveis e porque foram decisivos para que o julgador decidisse no sentido apontado.
O Mmª Juiz a quo fundamentou, motivou, as respostas à matéria de facto fazendo uma análise crítica das provas testemunhais, ponderando igualmente os documentos juntos.
Aliás é sintomático que o despacho que respondeu à matéria quesitada não foi objecto de qualquer reclamação, designadamente por falta de fundamentação.
Como se afirmou supra o recurso em matéria de facto destina-se fundamentalmente a corrigir um erro de julgamento. Ora esse erro não se evidencia nos presentes autos.
Nada há a censurar neste ponto, inexistindo, pois, razões para alterar a matéria de facto provada face à prova testemunhal produzida.
Não se vislumbram, pois, razões para alterar a matéria de facto provada.
Em resumo, a decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, está devidamente fundamentada e a factualidade provada não pode ser colocada em crise pelo depoimento das invocadas testemunha impondo-se a improcedência desta questão arguida pela Recorrente.

D) Resolvida a primeira questão vejamos a segunda e terceira questão, uma vez que merecem resposta conjunta: Impõe-se solução jurídica diversa (do decidido em 1ª instância) e deve considerar-se (ao contrário do decidido) que a Ré é também titular de um direito de retenção sobre esse imóvel?
Entendemos que assiste razão parcial à recorrente.
Como se decidiu supra a matéria de facto dada como provada em 1ª instância deve manter-se inalterada.
Desse modo torna-se inequívoco que a pretensão da Ré em ver alterada a sentença na parte em que condenou a R. a reconhecer os AA. como donos do prédio identificado sob o número 2 da matéria de facto e a fazer a entrega do mesmo aos AA. livre e desembaraçado de pessoas e coisas está votada ao insucesso.
Face aos factos provados melhor enunciados supra é manifesto que nunca pode a Ré ver reconhecida a sua pretensão em ser reconhecida como proprietária do prédio em discussão.
Neste particular não assiste qualquer razão à Ré, devendo manter-se o decidido.
Mas mais decidiu a sentença recorrida “condenar os AA. a pagar à R. a quantia que se vier a apurar em execução de sentença, relativamente ao valor das benfeitorias – calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa – que acima se classificaram como úteis e que estão referidas sob os números 6 e 8 da matéria de facto”.
Apesar desta condenação entendeu a decisão recorrida que não assistia à Ré qualquer direito de retenção uma vez que “quanto às despesas que efectuou no prédio a R. é equiparada ao possuidor de má fé” e “nos termos do art. 756º b) do C. Civil, não há direito de retenção a favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito”.
Neste ponto entendemos que a razão se encontra do lado da Recorrente.
Vejamos.
Dispõe o artigo 754 do Código Civil que “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”
E, nos termos do artigo 755 n.º 1 al. e) do Código Civil gozam ainda do direito de retenção … o comodatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues em consequência do respectivo contrato, pelos créditos deles resultantes.
Por último estabelece o artigo 756 al. b) do Código Civil que “não há direito de retenção a favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito”.
Ficou demonstrado que a Ré realizou no prédio comodatado benfeitorias úteis pelas quais deve ser ressarcida pelos Autores.
Estamos assim perante um contrato de comodato celebrado entre os Autores e os sócios da Ré e perante obras (benfeitorias úteis) realizadas pela ré no bem comodatado.
O direito de retenção que a Ré pretende ver reconhecido a seu favor permitir-lhe-ia obter, pelo valor da coisa ou dos seus rendimentos, com preferência sobre todos os outros credores, o pagamento daquelas benfeitorias.[7]
Apesar disso a decisão recorrida entendeu que atento o disposto no artigo 756 al. b) citado não assiste à ré qualquer direito de retenção, uma vez que a ré é equiparada ao possuidor de má fé.[8]
Ora, como bem salienta a recorrente citando o Ac. do STJ de 07/04/1982 “A má fé referenciada no artigo 756º, b) do C.C. deverá ser considerada no sentido psicológico” sendo que a equiparação do comodatário ao possuidor de má fé a que se reporta o artigo 1138 nº 1, do Código Civil, no que concerne às benfeitorias realizadas na coisa comodatada, em termos de presunção, é apenas para efeitos da indemnização a que alude o artigo 1273 do Código Civil. [9]
É que uma coisa é a existência de má fé para o exercício do direito reconhecido no referido art. 1273º, e outra, a má fé para exclusão do direito de retenção.
E só haverá má fé do retentor quando, havendo vícios ou defeitos na aquisição, deles tenha conhecimento, não se abstendo de realizar as despesas com a coisa retida, apesar de tais vícios ou defeitos, e quando realize as despesas com a consciência de prejudicar ou lesar o direito do dono da coisa.[10]
A má fé na realização das benfeitorias a que se refere a al. b) do artº 756º do C.Civil - conhecimento pelo comodatário de que por via da realização das obras estava a lesar os interesses de outrem - tem a ver, como elemento excludente, com a constituição ou não do direito de retenção para garantia do direito de crédito do retentor.[11]
No caso presente a Ré encontra-se obrigada a entregar o imóvel aos Autores mas tem reconhecido a seu favor um crédito com origem nas benfeitorias úteis que realizou com conhecimento dos autores. Encontram-se claramente preenchidos os requisitos de que depende a existência do direito de retenção pela ré/recorrente.
Deste modo, nesta parte se impõe a procedência das conclusões do recurso, com a consequente revogação da sentença (também nesta parte) devendo proceder, parcialmente, o pedido reconvencional formulado pela ré – ou seja, na parte em que pede que lhe seja reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel, pelo pagamento das benfeitorias úteis que nele realizou.

Em suma, apesar de não ocorrerem motivos para modificar a matéria de facto, entendemos que existem razões (suportadas na factualidade provada) para que seja alterada a fundamentação de direito, pelo que se impõe a procedência parcial do presente recurso, devendo considerar-se (ao contrário do decidido) que a Ré é também titular de um direito de retenção sobre o imóvel.

IV – Decisão

Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em:
1º- Negar provimento ao recurso de agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
2º- Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência revoga-se a decisão recorrida.
3º- Julga-se a acção totalmente procedente e, em consequência decide-se:
- condenar a R. a reconhecer os AA. como donos do prédio identificado sob o número 2 da matéria de facto e a fazer a entrega do mesmo aos AA. livre e desembaraçado de pessoas e coisas.
E, julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência decide-se:
- condenar os AA. a pagar à R. a quantia que se vier a apurar em execução de sentença, relativamente ao valor das benfeitorias – calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa – que acima se classificaram como úteis e que estão referidas sob os números 6 e 8 da matéria de facto;
- reconhece-se à ré o direito de retenção sobre o imóvel pelo pagamento das benfeitorias úteis que nele realizou e em que os autores estão condenados.
Custas do agravo pela Agravante e da apelação pela Recorrente e Recorridos na proporção de ¾ e ¼, respectivamente.
Porto, 16 de Maio de 2007
José António Sousa Lameira
Jorge Manuel Vilaça Nunes
José Rafael dos Santos Arranja

____________________________________
[1] É do seguinte teor o despacho recorrido: “Decorre do disposto no artigo 618 n.º 3 do CPC que «devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no n.º 4 do artigo 519», sendo tal redacção do DL 180/96 de 25 de Setembro.
Por sua vez estabelece o Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, no seu artigo 87 n.º 1:
«O Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, (…)», enunciando-se depois a título exemplificativo quais são essas situações e, designadamente:
«Factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste» [a)];
estabelecendo-se mais à frente no seu número 5 que :
«Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo».
Ora, afigura-se-nos alguma dificuldade em proceder à concordância prática entre o citado artigo 618 n.º 3 do CPC que confere aos profissionais sujeitos a sigilo profissional, entre eles os advogados, a faculdade de escusa, com o preceituado no citado segmento do artigo 87 n.º 5 do referido Estatuto, que tipifica um meio de prova proibido.
De resto este artigo 87 n.º 5 não tem carácter inovatório e já constava no E.O.A, na versão do DL n.º 84/84 de 16 de Março no art. 81 n.º 5.
Assim, e tentando conjugar na medida do possível, os dois normativos, afigura-se-nos que, não tendo o Sr. Advogado pedido escusa de depor como testemunha, não pode este Tribunal liminarmente e desde já, afastar o seu depoimento, mas antes proceder à audição do mesmo nessa qualidade de testemunha e estar atento às revelações que o mesmo faça no sentido de ser observado o disposto no artigo 87 n.º 5 do E.O.A, sendo certo que a violação do segredo profissional sempre fará incorrer o mesmo em responsabilidade civil, profissional e disciplinar, mas que neste momento e, como é óbvio, não é susceptível de avaliação pelo tribunal.”
[2] Sobre o que se deve entender por «segredo profissional» podemos ler no Ac. STJ de 2 de Outubro de 2003, Relator Conselheiro Armindo Luís “entende-se, na generalidade, a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão (cfr. Fernando Elói - "Da inviolabilidade das correspondências e do sigilo profissional dos funcionários telégrafo-postais" - in O Direito, Ano LXXXVI, 1954 - pág. 81).
No Parecer nº. 49/91 do Conselho Consultivo da Proc. Geral da República, expressa-se em síntese que "o segredo profissional é a proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional" (cfr. Diário da República - II Série, nº. 64, de 16/03/95)”.
[3] Importa afirmar que idêntica posição foi adoptada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-01-2007, desta mesma secção, proferido no Processo n.º 0626517 do qual foi Relatora a Srª. Desembargadora Anabela Dias da Silva, no qual se discutia exactamente o mesmo despacho com os mesmos intervenientes mas num outro processo.
Podemos ler nesse Acórdão “Ora, o simples facto de exercer a profissão de advogado, de no exercício dessa profissão ter (ou ter tido) uma das partes como cliente, não tendo o seu conhecimento sido adquirido nas circunstâncias descritas no artº 87º citado, não impede a testemunha de depor em juízo.
Na verdade, o regime legal do segredo profissional do advogado não se destina a impedir o depoimento da testemunha por ser advogado. O advogado pode depor como testemunha, pois, antes de ser advogado é um cidadão de pleno direito. A limitação ao seu depoimento é excepcional só devendo ocorrer na medida do estritamente necessário à salvaguarda do escopo que preside ao estabelecimento de um segredo profissional próprio.”
[4] Importa ter sempre presente que o princípio da livre apreciação da prova está intimamente conexionado com o principio da oralidade, como bem salientava o Prof. Alberto dos Reis “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares) é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E, citando Chiovenda terminava “ao juiz que haja de julgar segundo o principio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” CPC, Anotado, vol. IV, p. 566 e ss
[5] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de. , proferido no processo n.º 6721/2006 da 5ª secção de que foi Relator o Desembargador Caimoto Jácome e o qual subscrevemos como adjunto.
[6] Os Juízes têm o dever de fundamentar devidamente as suas decisões que não sejam de mero expediente.
Esse princípio está consagrado não só na Lei Fundamental (artigo 205 da CRP) mas também em diversos preceitos do CPC, de que é exemplo o citado artigo 653 do CPC (veja-se também o artigo 158 do CPC).
O julgador deve motivar as respostas aos quesitos indicando as razões que o levaram a decidir em determinado sentido.
Deve concretizar qual o meio de prova que o convenceu de certo facto. Deve ainda “referir, na medida do possível, as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova”.
A motivação das respostas aos quesitos deve referir, não só os meios concretos de prova, mas também as razões por que eles se tornaram credíveis e decisivos para o julgador.
Este dever de fundamentar as decisões tem a virtualidade de permitir o controle externo das mesmas, permitindo que as partes, principais destinatários daquelas e os cidadãos em geral sejam convencidos da bondade e da certeza de tais decisões.
[7] Sobre a natureza do direito de retenção, cfr. Mota Pinto, in “Direitos Reais”, pág. 135. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, I, pág. 772; Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, II, pág. 91; Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 430; Manuel de Andrade, in “Direito das Obrigações”, pág. 230.
[8] Sendo certo que nos termos do art. 1138º nº 1 do C. Civil, o comodatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé dispõe o art. 1273º nºs 1 e 2 do C. Civil que o possuidor de má fé tem direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela, e caso, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
[9] Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.02.2006, publicado em www.dgsi
[10] cf. Ac. do STJ de 7.10.82, in www.dgsi.pt
[11] cf. Ac. STJ de 9.02.2006, in www.dgsi.pt.