Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0737252
Nº Convencional: JTRP00041048
Relator: JOSÉ FERRAZ
Descritores: LETRA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
RELAÇÕES CAMBIÁRIAS IMEDIATAS
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULAS EXCESSIVAS
CAUÇÃO
Nº do Documento: RP200801310737252
Data do Acordão: 01/31/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 746 - FLS 134.
Área Temática: .
Sumário: I – O avalista que é parte na convenção de preenchimento de letra aceite e entregue em branco ao portador pode opor a esse portador a excepção de preenchimento abusivo.
II – O avalista de uma letra obriga-se com a mera .assinatura da letra nessa qualidade, sem necessidade de inscrição de outra declaração no sentido da contracção da obrigação.
III – À anulação de uma cláusula contratual geral por consagrar “penas desproporcionadas aos danos a ressarcir” não interessa a irrelevância ou a inexistência de danos concretamente sofridos, mas os prejuízos que, normal e tipicamente, resultam, dentro do “quadro negocial padronizado” em que o contrato se integra, da insatisfação do direito do credor.
IV – Havendo sido prestada caução para garantia do cumprimento das obrigações de determinados contratos de “ALD”, o não pagamento pontual de determinada ou determinadas prestações não importa a perda das quantias entregues a título de caução do bom cumprimento, senão na medida em que forem necessárias à satisfação dessas mesmas prestações, imputando-se o seu valor ao que estiver em dívida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1) – B………., Lda, com sede na Rua ………., ., Figueira da Foz, e escritório na ………., …., .º andar, sala .., Porto, instaurou execução comum, no .º juízo de execução do Porto, contra:
C………., LDA,
D………. e
E………., todos com “domicílio” na Rua ………., …, ………., Aveiro, para o pagamento de quantia certa.

Deu à execução uma letra de câmbio, no valor de € 29.468,24, com data de emissão de 99/12/01 e de vencimento em 200/03/08, assinada, sob a expressão “aceite” pela primeira e assinada, no verso e sob a expressão “por aval ao aceitante”, pelas restantes executadas.
Alega que a letra, apresentada a pagamento, não foi paga pelas executadas, na data de vencimento ou posteriormente.

Citadas, as (todas) executadas deduziram oposição.
Alegam, em síntese, que a letra dada à execução foi assinada em branco e visou garantir o cumprimento de dez (10) contratos de aluguer de longa duração, ficando a exequente autorizada a preencher a letra nos termos da cláusula 2º/2, alíneas a) e b), do respectivo contrato de garantia, igual para cada um dos contratos ALD celebrados por aquela com a “embargante” C………., LDA.

A letra foi preenchida pelo valor exequendo no pressuposto de que a C………., LDA, é devedora dessa importância por virtude de incumprimento dos contratos ALD, mas esta é, pelo contrário, credora da embargada.
Por um lado, é controvertido o direito de resolução dos contratos de ALD, o que é objecto da acção ordinária nº …/04, da .ª Vara Cível, .ª Secção, do Porto, e, por outro, em 28/07/2003, a exequente enviou à primeira executada um carta a pedir o pagamento da quantia de € 13.494,66, como sendo o saldo a si favorável relativo ao 10 contratos ALD, incluído o valor de € 2.576,96 de juros.

Não obstante essa solicitação da C………., LDA, a embargada (exequente) não indicou os meses em dívida nem fundamentou o valor dos juros pedido.
Apesar do que, a “embargante”, em 03/09/2003, pagou à embargada a quantia de € 11.500,00 em dinheiro e esse valor não foi deduzido nos montantes exigidos pela exequente.

Quanto a um dos contratos (relativo ao SEAT ………., matrícula ..-..-NV), todas as prestações foram pagas e, não obstante ter sido prestada uma caução, na data da celebração, de € 5.5147,97, não foi essa importância deduzida ao valor global peticionado pela exequente.

A embargada não resolveu os restantes contratos de acordo com o prescrito na cláusula 10ª/1 dos contratos, sendo a invocada dívida incerta, ilíquida e inexigível.

A primeira executada pagou todos os alugueres vencidos nos meses anteriores Julho de 2003 e, em 20/09/2003, segundo a embargada, os alugueres vencidos e em dívida ascendiam a € 3.812,73, pelo que só esse poderia ser o valor devido à exequente.

O termo final dos contratos ocorre em 01/08/2004, pelo que, a cessarem os contratos em 20/09/2003, estariam em dívida onze prestações mensais, apenas podendo ascender a € 15.820,92 o valor global, pelo que não podia exceder € 7.910,46 o valor da indemnização prevista na cláusula 10º/6 dos contratos.
Valor esse que, aditado dos € 3.812,73, perfazia o valor global de € 11.723,19, bem diferente do valor que foi inscrito na letra dada à execução como título executivo.

Sucede que, a serem resolvidos os contratos, teria a embargada de devolver à embargante as cauções que ascendem a € 44.167,38, valor que compensa o montante pedido, assistindo, nesta situação, a todos os executados o direito de recusar qualquer prestação que seja reconhecida à exequente, enquanto esta não restituir as cauções.

Terminam a pedir que se declare improcedente o pedido executivo e se condene a exequente, como litigante de má fé, a reembolsar as executadas de todas as despesas a que a sua conduta der causa, incluindo os honorários do mandatário.
+
A exequente contesta a oposição.
Diz que a primeira executada não pagou os alugueres de Julho de 2003 nem dos meses subsequentes, perfazendo em 20/09/2003, data da resolução dos contratos, o valor de € 3.812,73.
Interpelou a primeira executada para efectuar o pagamento da quantia em falta, restituir os veículos, o que esta não fez, antes continuou a fruí-los a seu bel-prazer até que foram apreendidos em procedimento cautelar.

A primeira executada deixou de pagar várias prestações e não devolveu os veículos tendo os mesmos que ser apreendidos, afirmando que o valor pedido constante da letra inclui, para além das prestações em dívida, a indemnização igual a 50% dos alugueres vincendos a título de clausula penal (clausula 10º, nº 6 dos contratos), e juros de mora, e que a quantia da letra já integra os pagamentos feitos.

Por outro lado, diz que a sociedade executada, por repetidas vezes, não pagou os alugueres nas datas dos vencimentos e os valores entregues pela executada foram imputados nos valores dos alugueres.
Termina a pedir a improcedência da oposição.
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Foi julgada extinta a instância quanto à executada /oponente “C………., LDA”, por ter sido declarada falida.
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Proferido despacho saneador a julgar a instância regular, e dispensada a selecção da matéria de facto (sem que se veja a alegada simplicidade mencionada no despacho de fls. 112, como, de resto, se revela na decisão sobre a matéria de facto, a fls. 359/363) prosseguiu o processo para julgamento.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, e decidida a matéria de facto provada e não provada, foi proferida sentença que, julgando a oposição parcialmente procedente, reduziu a quantia exequenda a € 17.968,2, com juros de mora à taxa peticionada, contados desde 20/05/2004, vencidos e vincendos.

2) – Inconformadas com a sentença, recorrem ambas as partes.
2.1) - A exequente, alegando conclui doutamente:
“I
A apelante é dona e legitima portadora da letra exequenda de 29.468,24 € emitida em 01.12.99 e com vencimento em 08.03.2004.
II
Tal facto dado por provado obsta a que se possa arguir o preenchimento abusivo da letra quer quanto à quantia, quer quanto à data da emissão e vencimento constantes da letra.
III
Cabe ao embargante o ónus de alegar e provar o preenchimento abusivo da letra de câmbio.
IV
As oponentes não provaram o preenchimento abusivo da letra.
V
O pagamento da quantia de 11.500,00 €, em 03/09/2003, é INÓCUO para o valor inscrito na letra e não constitui preenchimento abusivo da letra pelo que não pode ser deduzida à quantia exequenda.
VI
Para que a quantia de 11.500,00 € fosse deduzida á quantia exequenda era necessário que as oponentes tivessem alegado e provado que:

pagaram a quantia de 11.500,00 € após a data de vencimento da
letra (após 08/03/2004)
e
que os 11.500,00 € se destinaram ao pagamento parcial dessa
letra.
VII
Face á literalidade do título exequendo, são inócuos os documentos de fls. 52 a 54.

Termos em que,
revogando a douta sentença recorrida .
e
julgando improcedente a oposição,
farão V. Exas. JUSTIÇA.”

2.2) – Por sua vez, as oponentes (D………. e E……….), alegam doutamente e concluem:
1ª. Ao contrário do que é dito na sentença-recorrida, existem e foram invocados pelas Recorrentes pactos de preenchimento da letra entregue em branco. Pactos esses que definiam as regras de preenchimento da letra que não foram respeitados pela recorrida B………., Lda.
2ª. Dado que o cumprimento dessas regras de preenchimento era um facto constitutivo do direito da B………., Lda, cumpria-lhe a ela a prova de que o montante aposto na letra não violava o pacto da B………., Lda.
3ª. Sem embargo, as recorrentes, além do preenchimento abusivo da importância de 11.500,00 € reconhecido pela sentença, lograram provar, que - mesmo que se considere válida a cláusula 10º n.º 6 dos contratos - a soma dos alugueres vencidos, com 50% dos “alugueres vincendos” e com o montante dos juros de mora respeitantes aos alugueres vencidos é de 10.808,76 €.
Quantia quase três vezes inferior ao valor de 29.468,24€ que foi aposto na letra pela B………., Lda.
4ª. Porém, mesmo esta quantia de 10.808,76 € não será exigível em contratos em que não existem alugueres vincendos. Se o prazo dos contratos era de 1 mês com renovação automática por prazos idênticos, não se vê que se considere a existência de alugueres vincendos após a data da resolução dos contratos.
5ª. E essa quantia também será muito inferior caso se entenda (e as Recorrentes entendem-no) que a cláusula 10ª nº 6 dos contratos é desproporcionada relativamente aos danos que pretende ressarcir.
6ª. Além de 50% dos “alugueres vincendos” ser uma percentagem muito superior à percentagem normal de 20%, também no caso não se verificaram os próprios pressupostos insertos na cláusula penal que a levariam a ser considerada como indemnização justa.
7ª. Assim a cláusula penal inserta no n.º 6 da cláusula 10ª dos contratos é uma cláusula geral contratual proibida pelo art° 19° alínea c) do DL. N.º 446/85 de 25/10 e por isso nula.
8ª. Por sua vez a cláusula penal especial prevista na cláusula 11ª dos contratos é manifestamente desproporcionada pelo simples facto de a indemnização aí prevista se adicionar à indemnização resultante da cláusula 10ª n.º 6. Trata-se também de uma cláusula contratual geral proibida pela norma referida na conclusão anterior.
9ª. Mas mesmo que, por mera hipótese, o não fosse, a indemnização dela resultante - considerando que nem 1 mês decorreu entre a data da resolução dos contratos e a data da entrega à B………., Lda dos veículos alugados - nunca justificaria os 29.468,24 € colocados na letra.
10ª. Em qualquer caso o montante de 44.167,38 € que relativamente aos 10 contratos de ALD foi entregue pela C………., Lda à B………., Lda, no início dos mesmos, a título de caução, deveria ter impedido que esta última tivesse preenchido a letra por qualquer montante.
11ª. Tendo sido tal importância entregue pela C………., Lda à B………., Lda no início dos contratos, para garantia do cumprimento dos mesmos, logo se terá de concluir que estamos perante cauções que a B………., Lda pode utilizar para se pagar das obrigações pecuniárias emergentes do incumprimento dos contratos de ALD pela C………., Lda.
12ª. Como no caso o montante das obrigações pecuniárias resultantes dos incumprimentos contratuais é inferior o montante total das cauções prestadas, tal significa que a B………., Lda não só não tinha o direito de preencher a letra em branco dada de garantia, como ainda tinha a obrigação de devolver a diferença.
13ª. A sentença ao considerar como perdidas a favor da B………., Lda as cauções prestadas pelas C………., Lda, acaba por lhes conferir uma natureza de cláusulas penais, absolutamente incompatível com o objectivo com que foram prestadas, com a própria letra dos contratos e com a noção legal da caução.
14ª. Se tal entendimento ainda poderia ter algum cabimento à luz da redacção da cláusula 3ª n.º 2 do contrato n.º …., já não terá qualquer cabimento face à redacção das cláusulas 3ª n.º 3 dos restantes 9 contratos.
15ª. E mesmo no contrato n. ° …. a cláusula em referência dificilmente se pode considerar uma pura cláusula penal. Se assim fosse teria esse nome, tal como as restantes cláusulas que figuram nesse e também nos restantes contratos.
16ª. A responsabilidade das Recorrentes, avalistas na letra entregue em branco à B………., Lda, é medida pela responsabilidade da avalizada C………., Lda. Se esta ainda tem a receber o excesso de cauções prestadas, naturalmente que às Recorrentes nada pode ser exigido. Pelo que deve proceder na íntegra a oposição que deduziram.
17ª. A sentença - recorrida viola, entre outras normas, o art. 19° alínea c) do DL n.º 446/85 de 25/10, o art. 342° do C.C., as normas dos contratos de ALD respeitantes às cauções e a natureza legal de caução como garantia especial.
18ª. É pelo menos estranho que não seja qualificado como litigante de má-fé, quem inclua numa letra uma importância de 11.500,00 € que sabia ter sido paga.

Termos em que, e nos demais que doutamente não deixarão de suprir, se requer a V. Exªs. que revoguem a sentença-recorrida na parte em que declarou improcedente a oposição das Recorrentes. Substituindo-a por decisão que declare a procedência total da oposição das Recorrentes.”

Não foi apresentada resposta aos recursos.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

3) – Na sentença recorrida, vem julgada como factualidade provada a seguinte:
1- A exequente é dona e legítima portadora de uma letra subscrita pelos executados de 29.468,24 euros, emitida em 01-12-99 e com vencimento a 08-03-2004, conforme o teor do documento junto a fls. 23 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2- A predita letra foi assinada em branco pelos embargantes.
3- Tendo a letra sido entregue à exequente com a finalidade exclusiva de garantir o cumprimento de dez contratos de aluguer de longa duração celebrados (nºs …., …., …., …., …., …., …., …., …., …., entre a exequente e a C………., Ldª, referente a dez veículos automóveis ligeiros, conforme o teor do doc. de fls. 7 a 38, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4- Ficando a exequente autorizada a preencher a letra.
5- Em 28-07-2003 a exequente enviou à executada a carta junta a fls. 50, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6- A oponente pagou à exequente a importância de 11.500 euros em dinheiro em 03/09/2003.
7- Em 05/9/2003 a embargada enviou à embargante outra carta junta a fls. 52, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8- O pagamento de 11.500 euros em dinheiro efectuado em 03/09/2003 não é abatido na importância pedida na predita carta.
9- Em 16/9/2003 a embargada enviou à embargante um fax discriminando a dívida, conforme o teor do documento junto a fls.53 a 54, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10- No fax de 16/9/2003 não é feita qualquer referência ao pagamento de 11.500 Euros.
11- Um dos veículos alugados Seat ……… matrícula ..-..-NV foi furtado em 9/4/2003, conforme o teor do doc. de fls. 55, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12- Tendo sido comunicado à seguradora pela própria embargada.
13- Desde a data do furto que o veículo deixou de estar ao serviço da embargante.
14- A embargante C………., Ldª, prestou na data da celebração do contrato de 01/09/1999, uma caução de 1.032.075$00, corresponde a 5.147,97 Euros.
15- Os contratos celebrados foram resolvidos ou confirmada a sua resolução pelo tribunal, conforme o teor da certidão de fls.188 a 194, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
16- A embargada prestou cauções nos termos dos preditos contratos no valor global de 44.167,38, para garantir o bom e pontual cumprimento dos contratos referidos, valores a ser devolvidos imediatamente após termo dos preditos contratos, conforme o teor dos documentos juntos a fls.7 a 38, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
17- A embargante não pagou os alugueres vencidos em Julho de 2003, nem quaisquer dos subsequentes, os quais até à declaração de resolução do contrato formulada a 20/09/2003 somam 3.812,73 euros.
18- A embargada interpelou a C………., Lda, em 05/09/2003 para efectuar o pagamento da quantia então em falta, restituir os veículos automóveis sob pena de resolução, conforme o teor dos documentos juntos a fls. 316 a 317, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
19- Apesar de interpelada para restituir os veículos a embargada continuou a fruí-los a seu bel-prazer, vindo a ser apreendidos em execução de providencia cautelar, conforme o teor dos documentos juntos a fls. 279 a 315, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
20- Desde o início dos contratos de aluguer que a embargante por repetidas vezes não pagou os alugueres na data dos seus vencimentos, nomeadamente em Setembro de 99 emitiu cheque que foi devolvido por falta de provisão, em Novembro de 99 não pagou na data do vencimento, em Janeiro 2000, Fevereiro, Março, Abril Maio, Julho 2000.
21- E em todos os meses subsequentes.
22- A embargada interpelou-a sempre em todos os meses ao longo dos contratos para efectuar o pagamento.
23- Fez deslocar colaboradores seus às instalações da “C………., Lda” para cobrar alugueres em mora.
24- A embargada fez diligências com vista a receber a indemnização da seguradora inerente ao furto do veículo ..-..-NV, porém o recibo tem de ser assinado pela “C………., Lda” por ser esta a segurada.
25- A Companhia de Seguros F………. emitiu o recibo e ofereceu o pagamento no valor de 6.0002,10 Euros; porém, a “C………., Lda” recusou-se a assinar o recibo.

Havendo que aditar a que decorre dos documentos juntos pelas partes (e concretização do seu teor), não impugnados:
26- Em acção instaurada pela exequente contra a executada/oponente C………., Lda, julgou-se validamente resolvidos os contratos mencionados em 3-
27- Por acordos entre exequente e (todas) as executadas, ficou aquela autorizada a preencher a letra mencionada em 1- “apondo-lhe:
a) como data de vencimento, qualquer data à escolha da B………., Lda desde que posterior à data da verificação do incumprimento;
b) como valor, a soma de todas as quantias que forem devidas pelo CLIENTE, acrescida de juros de mora vencidos, e, bem assim, de todas as penalidades contratuais e legais”.
28- O contrato mencionado em 11- e 14- foi celebrado em 01/09/99, sendo acordado o valor do aluguer mensal de 25.000$00, acrescido do IVA.
29- O contrato nº …., relativo ao veículo ..-..-ON, mencionado em 3-, foi celebrado em 01/12/99, tendo sido acordado o valor dos alugueres mensais, subsequente ao primeiro, em 42.308$00, acrescido do IVA.
30- Os contratos nºs …., …., …., …., referidos em 3- foram celebrados em 01/08/99 e os restantes, não mencionados em 28 e 29, foram celebrados em 01/09/99, tendo sido acordado o valor do aluguer mensal de 25.000$00.
31- Na carta referida em 5), de 28-07-2003, a exequente comunica à executada “C………., Lda”estar em dívida pelo valor de € 10.917,70, relativos a alugueres não pagos, acrescidos de € 2.576,96 relativos a encargos de mora, no total de € 13.494,66.
32- Pela carta mencionada em 7) e 18), de 05/9/2003, a exequente comunica à “C………., Lda” estar a dever-lhe a quantia de € 12.415,69, acrescidos de € 2.926,3, de encargos de mora, no total de € 15.342.03.
33- Pelo fax mencionado em 9), de 16/09/2003, a exequente comunica à “C………., Lda” a descrição dos valores que diz estarem em dívida por esta, e que ascendem, no total, a € 18.299,77, sendo € 12.355,95 de alugueres, € 3.966,35 de juros e € 1.972,47 de despesas de recuperação de crédito.
34- Na sequência da apreensão em processo cautelar, os veículos ..-..-NV e ..-..-NV foram entregues à exequente em 06/11/2003; o veículo ..-..-NV foi entregue em 22/10/2003; o veículo ..-..-NV foi entregue em 23/10/2003; o veículo ..-..-NV foi entregue em 12/12/2003; os veículos ..-..-NV, ..-..-NV, ..-..-NV e ..-..-ON foram entregues em 23/01/2004.

4) – Quanto ao recurso da “B………., Lda” – entende esta que o pagamento de € 11.500,00, em 03/09/2003 – als. 6 e 8 da matéria de facto, é inócuo para se concluir pelo preenchimento abusivo, que as oponentes não provaram. Para que aquela quantia pudesse ser abatida ao valor da letra, teria de ser paga após a data de preenchimento.

À execução serve de título executivo uma letra de câmbio, aceite por C………., Lda, e avalizada pelas demais executadas.
A letra é um título formal, literal e abstracto.
Os direitos e obrigações dos subscritores determinam-se em face do teor literal, das cláusulas inscritas nesses documentos, sem recurso a outras exteriores. Esse título incorpora obrigações abstractas, independentes da relação subjacente, do fundamento ou da causa da subscrição.
A relação causal e a relação cartular são independentes. A pessoa demandada por virtude da letra não pode opor ao portador as excepções fundadas nas relações pessoais dele com o sacador ou com os portadores anteriores (art. 17º da LULL), mas pode defender-se com a convenção de preenchimento se nela intervém. Aquele obstáculo à invocação das excepções fundadas nas relações pessoais com o sacador ou portadores anteriores só tem lugar no âmbito das relações mediatas (quando entre o portador e o demandado se interpõe outro ou outros signatários, quando a partes na relação casual não o são simultaneamente da relação causal). Esse obstáculo não existe nas relações imediatas, situação em que pode ser invocada a relação causal e todas as excepções nela fundadas, desaparecendo o óbice da abstracção.

A letra dada à execução foi entregue à exequente (não saindo da posse desse portador) sem que estivesse completa, totalmente preenchida – pontos 2 e 4 da materialidade assente – e destinava-se a garantir o cumprimento de dez contratos de “aluguer de longa duração” celebrados entre a “C………., Lda” e a “B………., Lda”, mencionados na alínea 3 dos factos provados.
Trata-se de uma letra em branco, como aquela que no momento de ser passada está incompleta, lhe falta algum elemento/requisito dos previstos no artigo 1º da LU, devendo ser completada até ao momento da apresentação a pagamento.
Se incompleta no momento de ser passada, for completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a sua inobservância ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido o título de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave (artigo 10º da LU). Tal inobservância pode ser, porém, oposta no domínio das relações imediatas.
Neste âmbito, se a letra for completada em violação dos acordos de preenchimento, pode a pessoa demandada em virtude da letra invocar essa excepção para afastar a pretensão do portador que violou a convenção de preenchimento que, como qualquer contrato, deve ser pontualmente cumprida. O pacto de preenchimento traduz-se na convenção pela qual as partes definem os termos em que a letra em branco (incompleta) deve ser completada ou em que deverá definir-se a obrigação cambiária.
Tendo-se celebrado essa convenção, de acordo com ela deve ser feito o preenchimento. A sua violação constitui fundamento de defesa que pode ser invocado pelos pactuantes, em caso de demanda judicial.
Aquele que invoca o abuso de preenchimento, por violação desse contrato, haverá de alegar e provar não só a convenção como também a conduta que traduz o preenchimento abusivo.

Como se depreende das alíneas 2, 4 e 27 dos factos provados, a letra foi entregue à exequente, pelo menos, sem a data de vencimento e o valor incorporado.
E foi acordado entre a portadora (exequente/apelante) e (todas) as executadas e oponentes, intervenientes na convenção de preenchimento, para o que ora releva, que a letra podia/devia ser preenchida pelo valor correspondente à “soma de todas as quantias que forem devidas pelo CLIENTE, acrescida de juros de mora vencidos, e, bem assim, de todas as penalidades contratuais e legais”. Convenção invocável pelas ora apeladas (D………. e E……….), por serem partes nessa convenção, negociada com a apelante.

Destinando-se a letra a servir de garantia do cumprimento, pela aceitante, das obrigações emergentes dos contratos “ALD” celebrados com a apelante (“B………., Lda”), só podia ser preenchida, legitimamente, pelos valores devidos em função desses contratos, à data do preenchimento (08-03-2004).
Para determinar os valores devidos, em virtude dos contratos referidos, impõe-se atender a tudo quanto foi pago pela aceitante, por conta das obrigações deles emergentes. Não pode a portadora deixar de atender a todos os valores pagos e vir exigir, pela via cambiária, mais que aquilo que está em dívida. Se incorpora quantias já pagas, fá-lo abusivamente, em violação do pacto de preenchimento.

Ficou provado, sem controvérsia, que, por conta das dívidas fundadas nos ditos ALD’s, a sociedade oponente (a “CLIENTE”) pagou à exequente a importância de 11.500 euros, em dinheiro, em 03/09/2003 (al. 6 dos factos provados), e que, no preenchimento da letra, no que respeita às importâncias em dívida, a portadora/apelante não teve em atenção, nos valor pagos, essa quantia (al. 8 dessa matéria factícia – “o pagamento de 11.500 euros em dinheiro efectuado em 03/09/2003 não é abatido na importância pedida na predita carta”). O que significa que inclui no valor da letra, indevidamente e pelo menos (dado que na letra se incluem prestações moratórias), € 11.500,00.
A desconsideração desse montante, por parte da apelante, já se vinha verificando, sem justificação ou explicação, como dão conta os factos aprovados sob as alíneas 8) e 10).
Provado ficou que a letra exequenda englobou essa quantia não devida.
Não sendo devida, por ter sido paga, o preenchimento, pelo menos nessa medida, é abusivo, com o que em nada interfere o que consta provado em 1- da matéria de facto.
Improcede o recurso interposto pela “B………., Lda”.

5) – Quanto ao recurso interpostos pelas oponentes/avalistas.
Analisando-se as conclusões recursivas, nelas suscitam-se as questões:
a) existência de pacto de preenchimento,
b) se cabia à apelada a prova do cumprimento desse pacto,
c) se inexistem alugueres vincendos a pagar,
d) nulidade da cláusula 10ª/6 e 11ª dos contratos,
e) inexistência da dívida da letra, ainda que sem os € 11.500 deduzidos pela sentença,
f) se as “cauções” prestadas a favor da apelada, de montante superior ao crédito invocado, determina a inexistência das obrigações exequendas.

6.1) – Ao contrário do que as apelantes afirmam, na sentença não se afirma inexistir pacto de preenchimento, mas que inexiste convenção no sentido da inversão do ónus da prova (da violação desse pacto). Na verdade, foi celebrado acordo de preenchimento da letra, como as oponentes alegam (ponto 3 da oposição) e resulta claramente provado no processo (als. 3, 4 e 27 da matéria de facto – e “contratos de garantia” titulados pelos documentos juntos pelas oponentes, a fls. 37/38, e pela apelada, com a contestação, a fls. 103/120). Contratos esses em que são parte, não apenas a aceitante da letra mas também as avalistas (ora, apeladas), daí a sua legitimidade para invocarem esse pacto em oposição à pretensão da exequente.
Em função desses acordos, a apelada podia preencher a letra (caução) “apondo-lhe:
a) como data de vencimento, qualquer data à escolha da B………., Lda desde que posterior à data da verificação do incumprimento;
b) como valor, a soma de todas as quantias que forem devidas pelo CLIENTE, acrescida de juros de mora vencidos, e, bem assim, de todas as penalidades contratuais e legais”.
Sem justificação se revela a censura à sentença, neste aspecto.

6.2) – Como atrás se escreveu, o encargo da prova da violação do pacto de preenchimento onera quem invoca essa violação, pois visa afastar o direito do portador do título cambiário dele emergente (artigo 342º/2 do CC).
O aceitante, o avalista ou outro signatário desses documentos contraem a obrigação cartular, nos termos que emergem do seu teor literal, pela simples aposição das suas assinaturas, dispensando-se a inscrição de outra declaração no sentido de contracção da obrigação, na qualidade em que o fazem. O direito do portador da letra basta-se na sua posse legítima. E todos os signatários são solidariamente responsáveis, perante o legítimo portador, pelo pagamento da letra (arts. 43º, 47º e 48º da LULL).
Demandados pelo legítimo portador do título, fundando a defesa em violação de algum acordo de preenchimento (estranho ao título), recai sobre eles o ónus da prova do acordo de preenchimento e das cláusulas violadas. Entendimento que colhe a aceitação da generalidade da jurisprudência. Só assim não será se houver causa de inversão do ónus da prova, sem fundamento, na concreta situação.
Deste modo, forçoso é concluir que às apelantes incumbia provar que a letra apresentada à execução foi preenchida, após a sua entrega à exequente, em violação dos acordos antes firmados. Não colhem, neste âmbito, as razões das apelantes.

6.3) – Na posição das apelantes, resolvidos os contratos ALD’s, com efeitos a 20 de Setembro de 2003, não existem alugueres vincendos a pagar, dado que os contratos foram celebrados pelo prazo de um mês.
Posição com que se concorda, pois que resolvidos os contratos ficam destruídas as relações contratuais de que decorria a obrigação do seu pagamento. Se a parte resolve o contrato é porque perdeu o interesse na sua subsistência e, portanto, no seu cumprimento.
À “B………., Lda”, após resolver os contratos, não assiste o direito de exigir do outro contraente qualquer prestação a título de aluguer, que não os alugueres vencidos, como contrapartida do gozo efectivo da coisa alugada.
Sucede que, na espécie, não se alega e, também por isso, não se encontra provado que no quantum inscrito na letra estejam incluídos os alugueres ou alugueres vincendos (suposta a permanência dos contratos), referentes a períodos posteriores a 20 de Setembro de 2003.
A questão tem a ver com a cláusula 10ª/6 dos contratos celebrados com o seguinte teor “se o contrato for resolvido pela B………., Lda nos termos dos números anteriores, o cliente ficará obrigado, na óptica da renovação do contrato até ao seu termo, a pagar à B………., Lda uma indemnização igual a 50% dos alugueres vincendos, a título de cláusula penal especial que a B………., Lda e o cliente acordam ser justa, face ao prejuízo possível que a devolução não imediata da viatura e o não pagamento dos alugueres causará à B………., Lda”.
No valor da letra se inclui a indemnização prevista nessa cláusula.
Sendo cada um dos contratos “ALD” sido celebrado pelo prazo de um (1) mês, e devendo os respectivos alugueres ser pagos no primeiro dia útil do mês a que disser respeito (cláusula 3ª/1 de cada contrato), resolvidos aqueles (com referência a 20/09/2003) não haveria alugueres vincendos para efeitos de cálculo da prevista indemnização. Dizem as apeladas.
Não temos essa interpretação como a adequada ao sentido da cláusula e à vontade das partes no acto da celebração. No contrato de aluguer, o locador apenas se vincula a proporcionar ao locatário o gozo da coisa locada, desconhecendo-se, no caso, da existência de convénio no sentido da aquisição dos veículos pela locatária, no termo do total das renovações previstas.
No exercício da autonomia privada (artigo 405º do CC), não obstante os contratos serem celebrados por um mês, foi convencionada a renovação automática por outros sessenta (60) períodos iguais, a que a locadora não podia obstar, no exacto cumprimento da locatária (cláusula 13ª). O investimento da locadora, em função do que é determinado o valor do aluguer, é feito na perspectiva da duração pelo período das renovações previstas nos contratos, daí que, obstando o locatário á renovação, incorre na obrigação de indemnizar a locadora em 50% dos valores que, a título de alugueres, aquela receberia até ao termo final das renovações. Em termos efectivos, o contrato é celebrado pela locadora por todo esse período, de resto, o período normal de duração económica do bem (destinado ao exercício da actividade da locatária, que se vê financiada em espécie).
A locatária não deve os alugueres que teriam vencimento, na perspectiva da renovação do contrato, após a resolução. Simplesmente, em caso de resolução, por incumprimento do locatário, vincula-se a indemnizar a locadora, sendo a indemnização calculada em função do montante global dos alugueres que, na renovação dos contratos pelo período previsto, seriam pagos à locadora. Simplesmente se convenciona a determinação do valor da indemnização, o que não é interdito às partes. Sem fundamento se mostra a posição das apelantes.

6.4) – Da alegada nulidade das cláusulas 10ª/6 (atrás reproduzida) e 11ª de cada um dos contratos celebrados, pois nela se consagram cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
É o seguinte o teor da cláusula 11ª “em qualquer das hipóteses em que o cliente deva devolver o veículo, e sem prejuízo do disposto na cláusula anterior, a B………., Lda terá o direito a uma indemnização, pelo tempo em que estiver indevidamente desapossada do veículo, igual ao dobro do que seria devidos e o aluguer estivesse em vigor nesse período de mora, a título de cláusula penal especial”.
Estabelece o artigo 19º, alínea c), do DL 446/85, de 25/10 (na redacção d DL 220/95, de 31/08) – sob a epígrafe “cláusulas relativamente proibidas” que “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado” as cláusulas gerais que “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.

São cláusulas contratuais gerais as cláusulas “elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar” (artigo 1º/1 do citado DL), o que normalmente acontece com os chamados contratos de adesão. São cláusulas, elaboradas de antemão e sem negociação, caracterizadas pela generalidade, rigidez e indeterminação (em relação aos sujeitos que as podem utilizar). Um dos pactuantes estabelece genérica e antecipadamente o conteúdo das cláusulas e ‘quem quiser contratar tem de aceitar esse modelo sem discutir’
Sem dúvida que as citadas cláusulas 10ª e 11ª citadas são cláusulas contratuais gerais, predispostas pela apelada para serem apresentadas a um público indeterminado (os seus potenciais clientes), que não tem interferência na sua conformação ou possibilidade de as modificar, senão a elas aderir ou não (se não aceitar o modelo proposto).

Na interpretação e integração das cláusulas gerais aplicam-se as regras legais sobre a interpretação e integração dos negócios jurídicos, no contexto de cada contrato singular em que se incluam (artigo 10º do referido DL), devendo as cláusulas ambíguas ser interpretadas com o sentido que lhes daria o contraente indeterminado normal (dotado de discernimento, diligência e capacidade médias, como o padrão médio a atender, ‘sem prejuízo da consideração das características e condições do negociador concreto, se conhecidas da contraparte’) que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las quando colocado na posição do aderente real. No domínio da interpretação da mencionadas cláusulas 10ª e 11ª, e na presença das normas dos arts. 236º e 238º do CC, não suscitam dificuldade na determinação do seu sentido.

Mas consagram cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir?
As cláusulas penais indemnizatórias constituem uma pré-fixação da indemnização, (convenção permitida - arts. 810º e 812º do CC). Se excessivas ou desproporcionadas aos danos a ressarcir, podem ser as penas reduzidas ou, quando integrem cláusulas contratuais gerais, declaradas nulas, nos termos do artigo 19º, al. c), do DL 446/85.
Constituindo uma forma de liquidação prévia dos danos (e não meramente coercitivas ou de compulsão ao cumprimento, embora, não sendo essa a função ou finalidade exclusiva o que pode determinar a sua nulidade, acabe por produzir também esse efeito, na medida em que alerta o devedor para os riscos que corre em caso de inexecução do contrato e, por isso, estimula o cumprimento voluntário das obrigações assumidas), a cláusula dispensa o credor, em caso de inadimplemento do devedor, de recorrer à indemnização que ela substitui, e fica o devedor inibido de alegar e demonstrar que os danos sofridos pelo credor foram inferiores ao montante pré-convencionado. Não está, todavia, impedido de provar a inexistência de danos ou a sua insignificância, quando comparados com o montante convencionado, para afastar o cumprimento dessa cláusula ou peticionar a sua redução, respectivamente.

A aplicação do citado artº 19º, c), do DL 446/85, citada pelas apelantes, não tem relação com os danos efectivamente sofridos nem com o incumprimento contratual concreto. A qualificação da cláusula geral como "desproporcionada aos danos a ressarcir", cláusula que respeita tão somente ao montante da pena fixada, tem de ser aferida pelos prejuízos “que normal e tipicamente resultam, dentro do <quadro negocial padronizado> em que o contrato se integra, da insatisfação do direito do credor”. Para aferir essa desproporção (o que torna nula a cláusula), os danos terão de ser avaliados “por cálculos de probabilidade e por valores médios e usuais, tendo em conta os factores que, em casos daquele género, habitualmente relevam na produção e na medida dos prejuízos”[1]. Têm-se em conta os danos que, no momento da estipulação, são de “prever de acordo com o normal decurso das coisas”. Não são danos sofridos, antes prejuízos que provavelmente ocorreriam, em situação de inexecução do negócio, atendendo ao que normalmente sucede em casos do mesmo género.
Neste enquadramento, acaba por ser irrelevante que a locadora (ALD) sofra danos efectivos, se estes foram avultados ou diminutos ou se a locatária não cumpriu as obrigações emergentes do contrato, para submeter as cláusulas (que se referem à indemnização em caso de inexecução) do contrato à proibição do artigo 19º, c, citado). Para esse efeito, atender-se-ia apenas à estipulação e aos danos que são normais, prováveis e usuais, em casos semelhantes.

A questão é colocada, não em termos de redução ou afastamento da pena por inexistentes ou insignificância os danos da apelada a ressarcir (para o que nada se alegou) mas de afronta das cláusulas contratuais à norma do artigo 19º, c), por consagrarem penas desproporcionadas.
Não se alegaram factos bastantes à qualificação dessas cláusulas como abusivas, ou seja, que permitam concluir por excesso das cláusulas penais estipuladas nos contratos, atento o modelo contratual revelado pelas ditas cláusulas, nomeadamente dos riscos assumidos pela locadora no incumprimento da locatária, na presença da espécie de bens locados e da sua forte degradação pelo mero decurso do tempo, com os consequentes perdas das vantagens previstas com a celebração e também dos danos decorrentes daquela degradação sem a contrapartida contratual.
Trata-se de negócios em que o locador tem mais a ganhar com o cumprimento do que com o incumprimento, mesmo com as indemnizações previstas para essas situações, sempre de incerta satisfação. São grandes os riscos assumidos, é demasiado elevado o capital aplicado pelo locador; a utilização dos bens pode tornar estes imprestáveis, sem que o locador tenha possibilidade de lhes dar segunda utilização. Se pesadas são as penas estabelecidas, são também elevados os riscos dos locadores, daí que se procurem defender fixando antecipadamente essas cláusulas penais.
A cláusula 10ª/6 (tal como a cláusula 11ª – com campo de aplicação diverso do daquela, tendo esta cláusula, no domínio da locação comum, o equivalente na norma do artigo 1045º/2 do CC) não é, em abstracto (sendo irrelevante, para o efeito, que o seja em concreto), exagerada ou desproporcionada aos danos a ressarcir, não sendo nula em face do artigo 19º, c) do DL 446/85 (mesmo que esta norma se refira também às clausulas indemnizatórias e não apenas às cláusulas penais sancionatórias[2]).
Não colhe a pretensão das apelantes quanto à nulidade das cláusulas citadas.

6.5) – Mais aduzem as apelantes que, mesmo na validade das citadas cláusulas 10º e 11ª, inexiste o crédito invocado pela apelada, ainda que deduzidos os € 11.500,00 nos termos da sentença recorrida, nomeadamente por, após a resolução, pouco tempo ter estado a apelada sem a posse dos veículos, apreendidos no mês seguinte.
Deve dizer-se que, apesar de não provar esse facto e pelos documentos que constam do processo não corresponder à verdade, a apreensão, em procedimento cautelar não significa entrega dos veículos à apelada, que tem lugar apenas com a efectiva entrega, momento a partir do qual passa a detê-los na sua posse e a poder dar-lhe utilização que entenda.
Como se verifica da alínea 34 da matéria de facto, os veículos não foram apreendidos e entregues à apelada ao mesmo tempo nem esta esteve sem a sua posse apenas durante um mês. Durante esse período, nos termos da cláusula 11ª dos contratos, a locatária ficou obrigada a pagar o dobro da quantia devida a título de aluguer.
Na quantia inscrita na letra, pode encontrar-se, além dessas quantias substanciais devidas em função da cláusula 11ª, o valor dos alugueres devidos à data da resolução dos contratos (al. 17 da matéria de facto), os respectivos juros de mora à taxa contratual (cláusula 9ª), a indemnização correspondente a 50% do valores dos alugueres que seriam devidos se os contratos atingissem o termo das renovações contratuais (cláusula 10ª/6) e eventuais despesas relacionadas com a recuperação dos veículos (cláusula 10ª/3).
Deduzidos os € 11.500,00 nos termos da decisão recorrida, o valor da letra não tem de se limitar aos 10.808,76 € aludidos na conclusão 3ª (correspondentes aos 3.812,73 euros de alugueres em dívida à data da resolução, acrescida da indemnização prevista na cláusula 10ª/6, no valor de € 6.720,58, e dos juros de mora sobre os alugueres em dívida, no valor de € 275,45 – segundo os cálculos das apelantes nas alegações, conforme pontos 37 a 42 das mesmas). Além desses valores acrescem, pelo menos, os previstos na cláusula 11ª e poderão acrescer outros referentes à recuperação dos veículos.
Cabendo às oponentes provar a violação do pacto de preenchimento, no que ora releva, que na letra foram incluídos valores não devidos em função dos contratos ALD’s e não tendo feito essa prova, improcede a questão quanto á limitação da dívida da locatária (e das apelantes) aos referidos € 10.808,76.

6.6) – Entendem as apelantes que tendo sido prestada uma caução no valor global de 44.167,38, que a locadora pode utilizar para se pagar do quanto lhe é devido em função das obrigações assumidas pelos contratos celebrados, e face ao alegado valor que diz em dívida, tem aquela a restituir o excesso, nada lhe sendo já devido.

Na sua contestação, a ora apelada alegou que a “a C………., Lda não entregou valores à embargada a título de caução” (artigo 37º) e “os valores entregues foram imputados aos alugueres devidos pelas C………., Lda na vigência dos contratos” (artigo 39º).
Contrariamente ao alegado, provou-se a prestação da caução naquele montante (alínea 16 da matéria de facto) e não se provou que tais valores (até porque foi negada a sua entrega) tenham sido imputados aos alugueres devidos (quais?) na vigência dos contratos.
Não alegou a apelada, na sua contestação, serem (ou deverem ser) tais valores de “caução” (cuja entrega negou) perdidos a seu favor por incumprimento contratual. Apenas que não foram prestadas as alegadas cauções.

Na sentença recorrida entendeu-se que as quantias entregues a título de caução só seriam devolvidas no final dos contratos, se pontualmente cumpridos, o que não aconteceu, sendo perdidas a favor da locador.
Além das cláusulas penais previstas nas cláusulas 10ª/6 e 11ª, acresceria assim a grave “penalidade” da perda das cauções prestadas, que, com excepção do contrato nº …. (em que a caução é de 598.163$00, agora, € 2.983,62), são todas no valor unitário de 1.032.075$00, agora, € 5.147,97, ou seja, considerando o valor dos alugueres (com excepção daquele contrato) de 25.000$00 cada, sem inclusão do IVA, tal caução corresponde a cerca de 67% do valor global dos alugueres.

Com excepção do contrato nº …., em todos os demais consta da cláusula 3ª/3 “a título de caução, para garantir o bom e pontual cumprimento deste contrato, o cliente entregou nesta data à B………., Lda a quantia de Esc.: 1.032.075$00 que lhe será devolvida imediatamente após o termo deste contrato”.
Só nesse contrato …. o teor da cláusula 2ª/2 é de “a título de caução, para garantir o bom e pontual cumprimento deste contrato, o cliente entregou nesta data a quantia de Esc.: 598.163$00 que perderá a favor da B………., Lda em caso de incumprimento por parte do cliente de qualquer das obrigações resultantes deste contrato”.

A caução (no sentido que aqui releva) é uma garantia (especial) das obrigações (prevista nos arts. 623º e seguintes do CC), tem como função a garantia do cumprimento de determinada obrigação; é o meio pelo qual se assegura ou garante o cumprimento duma obrigação[3]. Como escreve Antunes Varela[4], a caução “é sinónimo de segurança ou de garantia especial da obrigação e serve para abranger os casos em que a lei ou a estipulação das partes exige a prestação de qualquer garantia especial ao credor”.
A caução destina-se a garantir o cumprimento das obrigações, com determinada fonte contratual ou não, para salvaguarda ao credor das prestações não cumpridas pelo devedor. Com a garantia, ao credor fica assegurada a satisfação das prestações não efectuadas pelo devedor, e só nessa medida.
In casu, as “cauções” foram prestadas pela locatária para “garantir o bom e pontual cumprimento” das obrigações emergentes dos contratos ALD, devendo ser devolvido o respectivo montante satisfeitas que fossem essas obrigações. Caso desapareça a obrigação, a caução perde a sua razão de ser que é a salvaguarda do pagamento das importâncias que à apelada devessem ser efectuadas.
Na situação, a “caução” não tem a natureza de cláusula penal coercitiva, compulsória ao cumprimento, meramente sancionatória ou punitiva, caso em que a caução não substitui nem acresce à obrigação de indemnizar. A ser essa a finalidade e função das cláusulas que as prevêem, estariam ao alcance da norma do artigo 19º, al. c), do DL 6/85, por manifestamente desproporcionadas aos danos a ressarcir, tendo em presença o também acordado nas referidas cláusulas 10ª e 11ª, e, portanto, teriam de ser julgadas nulas.
Quer significar-se que o não pagamento pontual de determinada ou determinadas prestações, não importa a perda das quantias entregues a título de caução do bom cumprimento, senão na medida em que forem necessárias à satisfação dessas mesmas prestações, imputando-se o seu valor ao que estiver em dívida.
Tendo em atenção a pretensão da apelada formulada na execução, as únicas importâncias em dívida, com origem nos contratos ALD’s, são – confessadamente - as inscritas na letra dada à execução, a que se impõe deduzir € 11.500,00 abusivamente inscritos nesse título, sendo que apenas € 3.812,73 respeitam a alugueres vencidos, à data da resolução dos contratos (alínea 17 da matéria de facto). O crédito global da apelada ascenderia, na data do preenchimento da letra, ao máximo de € 17.968,29 (sendo de alugueres em dívida apenas aquele valor de € 3.812,73).
No entanto, foi prestada a caução global de € 44.167,38, não restituída, muito superior ao quantitativo em dívida à apelada por virtude dos contratos ALD’s em causa.
Mesmo que se entendesse que a caução entregue com a celebração do contrato nº 3512, pelo teor da cláusula 2ª/2, determina a perda da caução (no valor de € 2.983,62), e que, nessa interpretação, a cláusula não seria nula (por não desproporcionada aos danos a ressarcir), ainda o remanescente é muito superior ao valor devido á apelada.
Imputando o valor das cauções ao valor da dívida das executadas, nenhum crédito resta à apelada/locadora com fundamento nos mencionados contratos ALD’s.
Pelo que a apelação procede, devendo julgar-se extinta a execução.

7) – Não obstante o que se refere na conclusão 18ª (com o exacto teor do quanto é alegado no ponto 70 das alegações), as apelantes não mantém, em recurso, qualquer pretensão de condenação da apelada como litigante de má fé, pelo que sobre esse assunto nada cumpre decidir.

8) – Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação do Porto:
8.1) – em julgar improcedente o recurso interposto pela apelante “B………., Lda” e confirma-se a sentença recorrida, na parte por esta impugnada,
8.2) – em julgar procedente a apelação das oponentes e, em consequência, revogar a douta sentença, julgar a oposição inteiramente procedente e extinta a execução e
8.3) – em condenar nas custas a “B………., Lda”.

Porto, 31/01/2008
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira

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[1] J. Sousa Ribeiro, Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, 48.
[2] Ver Pinto Monteiro, em “Cláusula Penal Indemnizatória", 592 e seguintes.
[3] Ver Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, 2º, 141, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed./622).
[4] Em “Das Obrigações Em Geral, II, 7ª Ed./472.