Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
583/11.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DIREITO À INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RP20130214583/11.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 02/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I- A convocatória dos sócios cooperadores para uma assembleia-geral ordinária da cooperativa deve mencionar o assunto sobre o qual a deliberação irá ser tomada, como corolário do direito à informação.
II- O direito à informação é assegurado se, juntamente com a convocatória, é enviado aos sócios o relatório de gestão onde consta a proposta da direcção sobre a distribuição dos resultados do exercício, bem como o parecer do conselho fiscal sobre tal proposta, que foram objecto da deliberação.
III- É válida a deliberação tomada pelos sócios na assembleia-geral para a qual assim tenham sido regularmente convocados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo nº 583/11.0TVPRT.P1 – Apelação 1ª
Varas Cíveis do Porto
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Desembargador Aristides de Almeida
2º Adjunto: Desembargador José Amaral
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
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Os Autores, B…., e C…., casados em regime de comunhão de adquiridos e ambos residentes na Rua …, n.º 234, …., .. – .. Vila Nova de Gaia, instauraram acção declarativa de anulação de deliberações sociais ao abrigo do regime processual civil experimental previsto no DL 108/2006 de 8 de Junho, contra D…., CRL, pessoa colectiva n.º 503 937240, com sede na Rua …., … – .., Porto, pedindo que se declare a nulidade da assembleia-geral ordinária da Ré de 2 de Julho de 2011 e de todas as deliberações que nela foram tomadas, ou, caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese de raciocínio, a anulação de todas as deliberações que nela foram tomadas por vícios das próprias deliberações, consubstanciados em violação de lei imperativa e dos estatutos da Ré.
Para tanto, e no essencial , alegam que a convocatória para assembleia geral ordinária destinada à aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício não continha na ordem de trabalhos os assuntos previstos no artigo 47º do Código Cooperativo e no artigo 2º dos Estatutos da Ré, como ainda não continha os legalmente exigíveis pelo artigo 376º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às cooperativas por força do disposto no artigo 9º do Código Cooperativo.
Assim, a convocatória em causa apenas incluía na ordem de trabalhos a aprovação do relatório e das contas e do parecer do conselho fiscal, era omissa no tocante à tomada de deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados e era também omissa quanto à apreciação geral dos órgãos de administração e fiscalização da Ré.
Prosseguem, alegando que nem mesmo por via indirecta se poderia considerar sanada esta nulidade, porquanto dos documentos anexos à convocatória apenas constava uma proposta genérica do Conselho Fiscal inserida no seu parecer, sendo certo que este órgão não possui legitimidade para tomar deliberação sobre aplicação de resultados, e a Direcção não tomou deliberação autónoma e concreta sobre o tema crucial da aplicação de resultados a propor à assembleia-geral, de forma a satisfazer as regras imperativas dos artigos 69º a 73º do Código Cooperativo.
Concluem pela notória nulidade da convocatória, a qual deveria ter impossibilitado o funcionamento da assembleia, com subsequente nova emissão de convocatória para que aquela viesse a realizar-se em data posterior, uma vez satisfeitas as exigências legais de convocação.
Alegam ainda que a assembleia prosseguiu ilegalmente os trabalhos, com o realce estranho de que pelo Presidente da Mesa ela foi considerada uma assembleia-geral extraordinária para assim afastar a aplicabilidade das normas legais aplicáveis às assembleias-gerais ordinárias, foram postos de imediato à votação o relatório de gestão e as contas do exercício, em conformidade com o único ponto constante da ordem de trabalhos, sendo que, tudo foi aprovado por maioria, com dois votos contrários dos Autores, que consignaram em acta as suas razões de discordância e da impugnação de tal deliberação, conforme doc. 4 anexo à acta, no qual, em síntese, registaram os Autores na sua declaração de voto o facto de a assembleia ter sido convocada para se realizar muito para além do prazo legal previsto nos artigos 45º nº1 e 49º b) do Código Cooperativo, 21º b) dos Estatutos da Ré e 65º nº5 e 376º nº1 do Código das Sociedades Comerciais, e ainda para além do prazo limite excepcional previsto no artigo 67º deste último diploma legal, aplicável subsidiariamente por força do artigo 9º do Código Cooperativo.
Alegam que houve violação da lei e dos estatutos sem qualquer justificação, nem mesmo tentada, seja pela Direcção, pelo Presidente da Mesa da Assembleia-Geral ou pelo Conselho Fiscal, o que equivale a uma grave preterição dos deveres legais dos membros dos seus órgãos sociais em desrespeito da lei e dos associados da cooperativa.
Por outro lado, alegam que o relatório de gestão e as contas foram submetidos a aprovação da assembleia-geral em ostensiva situação de insuficiência de informação quanto à vida interna da cooperativa, o que as mesmas deveriam precisamente garantir.
Retomando a apreciação do relatório de gestão aprovado, alegam que este, pelo seu teor, não obedece minimamente às exigências impostas pelo artigo 66º do Código das Sociedades Comerciais, uma vez mais aqui aplicável por força do artigo 9º do Código Cooperativo e, por isso, os cooperadores chamados à assembleia não tiveram possibilidade de colher informação mínima sobre a evolução da actividade e desempenho da cooperativa ou do seu enquadramento na crise, quer no plano financeiro, quer no dos diversos domínios indissociáveis à sua função social educativa, não exibindo o dito relatório aprovado, qualquer dos elementos informativos obrigatórios previstos no nº 4 do citado artigo 66º do CSC.
Assim sendo, a deliberação que o aprovou incidiu verdadeiramente sobre um relatório que, pela ausência de conteúdo, é puramente inexistente.
O mesmo sucedeu com os documentos de prestação de contas, já que não houve qualquer prestação de contas, sendo inequívoca e manifesta a violação dos artigos 65º nº1 e 377º do CSC, porquanto, não foram apresentados nem disponibilizados quaisquer documentos susceptíveis de garantirem uma efectiva prestação de contas, designadamente em observância ao SNC, que substitui o extinto POC.
A deliberação que aprovou as contas nestas circunstâncias sempre será pois inválida, por preterição das regras legais citadas no domínio do dever de prestação de contas.
O que, consequentemente, sempre invalidaria igualmente a deliberação subsequente de aplicação de resultados, que da deliberação de aprovação das contas é dependente.
Concluem, alegando que todas as deliberações constantes da acta da assembleia-geral ordinária realizada no dia 2 de Julho de 2011 são nulas por vício da própria assembleia onde foram tomadas, já que foi ela convocada com violação da lei e dos estatutos da Ré.
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Citada, a Ré contestou, e, no essencial, impugnou parte da factualidade alegada na petição inicial, apresentou diferente interpretação dos factos admitidos e excepcionou o abuso de direito por parte dos AA ao formularem as suas pretensões.
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Foi proferida decisão que julgou procedente , por provada, a acção e, assim, anulou todas as deliberações tomadas na assembleia-geral ordinária da Ré de 2 de Julho de 2011
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Não se conformando com a decisão proferida, veio a ré dela interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
1-Quer se considere o direito cooperativo como um direito especial do direito societário, quer se lhe reconheça verdadeira autonomia, o certo é que o C.Cooperativo constitui um corpo de normas que o legislador criou visando regular diversos aspectos da vida dos entes cooperativos, atendendo às especificidades e às características próprias dos entes cooperativos, mormente o seu escopo mutualístico e os princípios cooperativos.
2-Para que se possa recorrer às normas do Código das Sociedades Comerciais para buscar a regulamentação legal da vida societárias das cooperativas, que, de acordo e na literalidade do artº 9º do C.Coop, é o direito subsidiário que, em caso de lacuna, deve ser aplicado, há que, em primeiro lugar, dar por verificada a existência de uma lacuna, e, em segundo lugar, verificar que à aplicação subsidiária do direito societário não se opõem os princípios cooperativos.
3-Da conjugação do texto legal dos artºs 45º e 49º alíneas b), c) e d) do C. Cooperativo resulta que o legislador cooperativo criou um regime especial no que respeita à gestão dos entes cooperativos e à apreciação da actividade dos órgãos de direcção e fiscalização, afastando-se, assim, do regime do CSC, estatuindo que a assembleia geral ordinária reunirá obrigatoriamente duas vezes em cada ano, uma até 31 de Março, para apreciação e votação das matérias referidas nas alíneas b) e c) do artº 49º do referido código, e outra, até 31 de Dezembro, para apreciação e votação das matérias referidas na alínea d) do mesmo artº 49. C.Coop
4-Nas cooperativas, apesar da Direcção ser o órgão executivo e de gestão corrente, a gestão do ente cooperativo cabe e está sempre deferida à assembleia geral e aos cooperantes, de acordo com o denominado Princípio da Gestão Democrática, sendo que, para além disso, e a acrescer, deve também, em obediência aos princípios cooperativos, a gestão e a actividade da cooperativa ser acompanhada e participada pelos cooperantes, conforme estatui a disposição do artº 34º do C.Coop.
5-Cabendo a gestão da cooperativa aos cooperantes e tendo os cooperantes participação activa na gestão, e obviamente na fiscalização, não sentiu o legislador necessidade de incluir no elenco dos assuntos a apreciar e deliberar na assembleia geral anual de aprovação de contas aqueles que elencou quanto às sociedades anónimas, meras sociedades de capitais e não de pessoas e, muito menos, inspiradas pela pessoalidade que inere ao tipo cooperativo.
6-Tal diversidade decorre, sobre o mais, da circunstância de que, enquanto nas sociedades anónimas o órgão de gestão é o conselho de administração e não a assembleia geral – artº 390º do CSC –, e é um órgão autónomo no exercício dos largos poderes de gestão que lhe estão atribuídos, só devendo subordinar-se às deliberações dos accionistas apenas nos casos em que a lei ou o contrato o determinarem, já nas cooperativas a gestão é pré-definida e quotidiana acompanhada e participada pelos cooperantes.
7-Decorre ainda essa diversidade de regimes da circunstância das sociedades anónimas serem sociedades de capital que visam o lucro, máxime a remuneração do capital investido pelo accionista, ao passo que as cooperativas são pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.
8-Nas sociedades comerciais, mormente sob a forma anónima, é fundamental que após a aprovação das contas e estabelecidos os resultados – mais-valia ou acréscimo que é libertado em resultado de toda a actividade da sociedade durante o exercício – e cumpridas as prescrições da Lei e do pacto social, ocorra deliberação dos accionistas que aprecie a proposta da administração constante do relatório quanto à sua aplicação, pois só com a aprovação dessa, ou doutras propostas, ficará definido o lucro distribuível que, na parte correspondente ao capital detido, irá reverter para o accionista, como é seu direito – cfr. artº 294º do CSC – ao invés do que ocorre nas cooperativas que não visam no seu escopo, nem têm como função, a obtenção do lucro, especialmente na perspectiva da remuneração do capital investido.
9-A ausência de fins lucrativos da cooperativa não significa que a cooperativa não possa, e muito menos não deva, actuar de forma a gerar resultados líquidos positivos na sua actividade, pois essa criação de excedentes deverá ser maximizada com os factores de produção (capital e trabalho), traduzindo a eficiência, que deverá estar sempre presente, a fim de que a cooperativa atinja os seus objectivos, de acordo com o estipulado nos artºs 2º e 3º do Código Cooperativo, mas sim que as cooperativas estão impedidas de distribuir pelos cooperadores o valor dos excedentes anuais gerados em consequência das operações da cooperativa com terceiros – não cooperadores – ou em medida diversa do valor resultante das operações que efectuar com os cooperadores.
10-Nas cooperativas de prestação de serviços, máxime nas cooperativas de ensino como a Ré, os eventuais excedentes, porque decorrem de operações com terceiros, não são susceptíveis de distribuição – artºs 72º e 73º do C.Coop – (tal como ocorreu com os resultados do exercício de 2010 em causa nos autos, todos eles decorrentes de operações com terceiros, prestação de serviço lectivo a terceiros e não com os cooperantes), desempenhando um papel essencial, pois são a fonte criadora de poupança e acumulação, permitindo o investimento produtivo a criação de mais riqueza e emprego, constituindo, por isso, a fonte imediata do autofinanciamento da empresa cooperativa, permitindo a realização do 4º princípio cooperativo, que se traduz na sua autonomia e independência.
11-A aplicação de resultados não assume nas cooperativas a mesma importância que assume nas sociedades comerciais sobre a forma anónima, em termos de, nestas últimas, ser um dos assuntos a discutir e deliberar na assembleia geral anual com autonomia sobre a deliberação respeitante ao relatório de gestão e às contas do exercício, não havendo caso omisso no C.Coop no que respeita aos assuntos a deliberar autónoma e individualmente na assembleia geral anual de aprovação de contas, mas caso pensado pelo legislador cooperativo que estabeleceu uma normatividade diferente daquela que está prevista para as sociedades anónimas e adequada à realidade, também diferente entre as cooperativas e aquelas sociedades comerciais.
12-Essa diversidade de regimes não exclui da deliberação de aprovação do relatório de gestão, contas do exercício e parecer do Conselho Fiscal, a discussão e pronúncia dos cooperantes reunidos em assembleia geral sobre a aplicação e destino a dar aos resultados que resultarem das contas a aprovar e, também, sobre a actividade dos órgãos de gestão e fiscalização durante o exercício – Direcção e Conselho Fiscal – pois o órgão de gestão – Direcção – não está dispensado de elaborar e apresentar anualmente aos cooperantes o relatório de gestão e as contas do exercício – artº 45º e 49º alínea b) do C.Coop – em obediência às regras dos artºs 65º e seguintes do CSC.
13-De acordo com o artº 66º nº 5 alínea f) o relatório de gestão deve conter uma proposta de aplicação dos resultados devidamente fundamentada, que a Direcção de qualquer cooperativa, tal como a da Ré, tem de fazer integrar no relatório de gestão que apresenta aos cooperantes na assembleia geral anual de apreciação da cooperativa e prestação de contas, essa proposta de aplicação dos resultados que visa, obviamente, que a mesma seja discutida, apreciada e objecto de deliberação pelos cooperantes na assembleia geral anual obrigatória cuja realização é imposta pela alínea b) do artº 49º e pelo artº 45º do C.Coop, para que, por um lado, da discussão, apreciação e deliberação dos cooperantes sobre as contas do exercício decorra a fixação do resultado do exercício que o mesmo gerou e, por outro lado, fique fixado o seu destino.
14-A aplicação dos resultados proposta pela Direcção no relatório de gestão é objecto e está compreendida na deliberação tomada pelos cooperantes em relação a esses documentos e às contas do exercício e respeita à afectação dos resultados positivos, quando os houver, às reservas.
15-Do mesmo modo, também na assembleia geral anual de aprovação de contas é efectuada a apreciação geral da administração e fiscalização ocorrida no exercício, que se contém e integra a deliberação que aí se formar quanto aos documentos de prestação de contas, contas e parecer do conselho fiscal, mas sem que tal assunto tenha de ser autónoma e individualizadamente deliberado pelos cooperantes, ao contrário do que sucede nas sociedades comerciais, tal como decorre da disposição do nº 3 do artº 68º do C. Coop.
16-Através da convocatória, os sócios ficam a saber qual o assunto sobre que é chamado a pronunciar-se, com uma tríplice finalidade: dá aos seus membros oportunidade de ajuizarem do seu interesse na participação do processo; instruírem-se e habilitarem-se a participar dele com conhecimento de causa; excluir do processo os concretos membros do colégio sem legitimidade para nele intervirem, sendo suficiente a identificação na convocatória do “thema deliberandum”, de forma directa e acessível, de modo a permitir aos interessados os elementos mínimos de informação que lhes permitam conhecer, de modo satisfatório, a concreta questão sobre que se deverá deliberar.
17-Os Recorridos ao receberem a convocatória ficaram cientes e conscientes dos temas a deliberar na assembleia geral para que foram convocados, especialmente, de que nela iria ser tomada deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados efectuada pela Direcção, limitando a sua discordância à necessidade de individualização desse tema na ordem do dia constante da convocatória, o que apenas decorreu de um entendimento errado, salvo o devido respeito, da aplicação das normas do artº 376º do CSC às cooperativas.
18-A votação individualizada dessa deliberação que acabou por ser efectuada na assembleia dos autos, não constitui nem comporta qualquer vício de procedimento, máxime na convocatória, e não violou o direito dos AA. à informação, tal como se afirma na douta sentença sob recurso, quer porque a convocatória é clara no sentido de que era assunto a discutir e debater na assembleia dos autos a proposta de aplicação de resultados contida no relatório de gestão, quer porque eles sabiam que tal assunto iria ser deliberado.
19-A votação individualizada da proposta de aplicação de resultados para além de não reconhecer a nulidade da convocatória, nenhum prejuízo ou violação de lei ou dos estatutos causou ou provocou, nem fez aditar à ordem do dia nenhum ponto ou assunto que não estivesse nela contido.
20-A expressão unanime da vontade dos cooperantes no sentido de ocorrer essa deliberação, e de forma individualizada, sempre deverá ser entendida ou como deliberação universal nos termos e para os efeitos do artº 50º do C.Coop ou como deliberação social cuja impugnação não pode ser peticionada pelos Recorridos, posto que também a tomaram, sendo a pretensão dos recorridos decorrente de uma conduta abusiva que, no limite, impõe a paralisação do exercício do direito de impugnação que os Recorridos vieram exercitar a juízo.
21-A decisão recorrida é, em si mesma contraditória, porquanto, ao mesmo tempo que julga não ter havido vício da convocatória quanto à deliberação de aprovação do relatório, contas e parecer do conselho fiscal, mas apenas em relação à deliberação de aplicação de resultados, decidiu, a final, anular todas as deliberações tomadas na assembleia em apreço com base nesse único vício da convocatória, isto é, mesmo em relação àquela deliberação (de aprovação do relatório, contas e parecer do Conselho Fiscal) que, de acordo com a Mtmª Juiz a Quo não padeceu de qualquer vício na sua convocação, especialmente porque a deliberação de aprovação das contas não é conexa nem dependente da que na assembleia em causa foi tomada quanto à aplicação dos resultados, por forma a que a anulação desta última acarrete a anulação da primeira, o que gera a nulidade da douta sentença nos termos da disposição do artº 668º nº 1 alínea c) do CPC ou, a assim não se entender, sempre impõe a sua revogação.
22-Violou, assim, a douta decisão recorrida, as regras dos artºs 1º, 2º, 3º, 9º, 34, 45º, 46º, 47º, 49º, 50º. 69º a 73º do C.Coop e artºs 58º e 376º do CSC.
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Pelos recorridos foram apresentadas contra-alegações, nas quais pugnam pela manutenção da decisão recorrida.
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Cumpre decidir, sendo certo que objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, acima transcritas, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.
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Nessa linha de orientação, as questões a decidir, suscitadas pela recorrente na presente apelação são:
- a de saber se foi garantido aos recorridos, na convocatória que lhes foi enviada para a Assembleia geral ordinária de 2 de Julho de 2011, o seu direito à informação;
- se se considerar que não, se tal violação pode acarretar a nulidade de todas as deliberações tomadas ou apenas a que era abrangida pelo direito à informação;
- se a decisão recorrida padece da nulidade invocada pela recorrente, da contradição entre os fundamentos e a decisão.
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Foram dados como provados, na 1ª Instância, os seguintes factos:
1 -Por cartas registadas idênticas, ambas datadas de 17 de Junho de 2011, os Autores foram convocados para uma assembleia-geral ordinária da Ré a realizar no dia 2 de Julho do mesmo ano.
2 -Nessas cartas, foram remetidas aos Autores as respectivas convocatórias com indicação da ordem de trabalhos, cujo teor é igual ao teor do documento nº3 junto à petição inicial e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
3 - Como desses documentos consta, tinha a assembleia-geral ordinária convocada como único ponto de ordem de trabalhos, a “apreciação e votação do Relatório e Contas do D….. relativas ao ano de 2010, bem como o Parecer do Conselho Fiscal”.
4 -Conjuntamente com esta convocatória, foi pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, E….., remetido aos Autores, quanto às contas, um documento contabilístico intitulado de “Balancete Razão Financeira Mensal Acumulado” reportado ao final do ano de 2010, junto como documento nº4 da petição inicial e cujo teor aqui se dá por reproduzido e uma acta nº 20 de uma reunião da Direcção da Ré realizada a 23 de Maio de 2011, que aprovou o Relatório, correspondente ao documento nº5 junto à petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5 -Para além destes documentos, receberam ainda os Autores na mesma data e pela mesma via postal uma outra acta nº 20, mas agora do Conselho Fiscal, contendo o seu parecer sobre a aprovação das contas, e que corresponde ao documento nº6 junto à petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6 -No dia e hora previstos para a realização da assembleia-geral, ou seja, no dia 2 de Julho de 2011, pelas 18 horas, o Autor B….. compareceu pessoalmente na sede social da Ré, fazendo-se acompanhar de instrumento de mandato de sua mulher aqui Autora C….., para intervir na assembleia a título pessoal e em representação desta.
7 -Os trabalhos da assembleia foram presididos pelo Presidente da Mesa E…. na presença de Notário, que viria a elaborar a acta de acordo com o disposto no artigo 63º nº 6 do Código das Sociedades Comerciais por assim ter sido previamente requerido pelos Autores.
8 -Após ter sido dado início aos trabalhos, com a leitura da convocatória contendo a ordem de trabalhos, o Autor pediu a palavra e suscitou como questão prévia a nulidade da convocatória, nos termos do documento junto a fls 85-verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual, no essencial, o Autor alega que “tratando-se de uma convocatória para assembleia geral ordinária destinada à aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício, deveria a ordem de trabalhos conter, não só os assuntos previstos no artigo 47º do Código Cooperativo e no artigo 2º dos Estatutos da Ré, como ainda os legalmente exigíveis pelo artigo 376º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às cooperativas por força do disposto no artigo 9º do Código Cooperativo”.
9 -Os trabalhos da Assembleia prosseguiram e procedeu-se à votação em primeiro lugar do relatório de contas e do parecer do conselho fiscal e posteriormente à votação da aplicação de resultados proposta pela Direcção, e aquele relatório e o parecer do conselho fiscal foram aprovados pelos três votos favoráveis dos cooperantes identificados na acta tendo sido apresentados dois votos contra dos Autores.
10- Os Autores consignaram em acta as suas razões de discordância e da impugnação de tal deliberação, conforme doc. 4 anexo à acta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual, em síntese, registaram os Autores na sua declaração de voto o facto de a assembleia ter sido convocada para se realizar muito para além do prazo legal previsto nos artigos 45º nº1 e 49º b) do Código Cooperativo, 21º b) dos Estatutos da Ré e 65º nº5 e 376º nº1 do Código das Sociedades Comerciais, e ainda para além do prazo limite excepcional previsto no artigo 67º deste último diploma legal, aplicável subsidiariamente por força do artigo 9º do Código Cooperativo.
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Do direito à informação dos sócios cooperantes:
Compulsados os documentos juntos aos autos constatamos que por cartas registadas idênticas, ambas datadas de 17 de Junho de 2011, os Autores foram convocados para uma assembleia-geral ordinária da Ré a realizar no dia 2 de Julho do mesmo ano.
Nessas cartas foram remetidas aos Autores as respectivas convocatórias com indicação da ordem de trabalhos, que é a seguinte: a “apreciação e votação do Relatório e Contas do D…. relativas ao ano de 2010, bem como o Parecer do Conselho Fiscal”.
Conjuntamente com esta convocatória, foi remetido aos Autores, quanto às contas, um documento contabilístico intitulado de “Balancete Razão Financeira Mensal Acumulado” reportado ao final do ano de 2010 e uma acta de uma reunião da Direcção da Ré realizada a 23 de Maio de 2011, que aprovou o Relatório, da qual consta o seguinte: “O Resultado Líquido do exercício foi positivo de € 247.700,83. Propomos que este valor seja assim distribuído: o valor positivo de € 247.700,83 vai a Reservas livres.
Para além destes documentos, receberam ainda os Autores, na mesma data e pela mesma via postal, uma outra acta do Conselho Fiscal, contendo o seu parecer sobre a aprovação das contas, da qual consta que “O Conselho Fiscal acompanhou de perto as actividades da Sociedade e, analisando as contas, as achou conformes com a realidade e a legalidade, pelo que propõe à Assembleia Geral a sua aprovação.
O Resultado Liquido do exercício foi positivo de € 247.700,83. Propomos que este valor seja assim distribuído: o valor positivo de € 247.700,83 vai a Reservas livres”.
No dia e hora previstos para a realização da assembleia-geral, ou seja, no dia 2 de Julho de 2011, pelas 18 horas, o Autor B….. compareceu pessoalmente na sede social da Ré, fazendo-se acompanhar de instrumento de mandato de sua mulher aqui Autora C….., para intervir na assembleia a título pessoal e em representação desta.
Os trabalhos da assembleia foram presididos pelo Presidente da Mesa.
Após ter sido dado início aos trabalhos, com a leitura da convocatória contendo a ordem de trabalhos, o Autor pediu a palavra e suscitou, como questão prévia, a nulidade da convocatória, nos termos do documento junto a fls 85-verso, no qual, no essencial, o Autor invoca a nulidade da convocatória alegando que:
“1- A convocatória deverá conter a ordem de trabalhos da assembleia e tratando-se de uma assembleia geral ordinária, destinada à aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício, a ordem de trabalhos deve obrigatoriamente incluir, para além dos assuntos previstos no artigo 47º do Código Cooperativo e 26º dos Estatutos da Ré, também os que constam do artigo 376º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades anónimas, em virtude do disposto no artigo 9º do Código Cooperativo.
2- Ora, a convocatória dirigida aos cooperantes para a presente assembleia –geral ordinária apenas inclui na ordem do dia a aprovação do relatório e das contas do exercício e do relatório do Conselho Fiscal.
3- Não inclui na ordem de trabalhos, assim ocorrendo omissão que gera nulidade da convocatória, a deliberação a tomar sobre a proposta de aplicação de resultados e a apreciação geral dos órgãos de administração e fiscalização da Cooperativa.
4- Sendo ainda de realçar que nem mesmo consta da convocatória a proposta de aplicação de resultados a formular pela Direcção, já que a única referência sobre este assunto obrigatório vem apenas aflorado no intitulado “parecer” do Presidente do Conselho Fiscal que, para o efeito não tem legitimidade.
5- Sendo certo que tal deliberação é exigível em face do que determina o regime financeiro das Cooperativas, designadamente, ao longo dos artºs 69º a 73º do Código Cooperativo.
Assim,
Dada a manifesta invalidade da convocatória, por mim e em representação da cooperadora (…) proponho a anulação da convocatória da presente assembleia, com subsequente desconvocação desta para realização em data futura, desde que devidamente convocada nos termos legais”.
Os trabalhos da Assembleia prosseguiram e procedeu-se à votação, em primeiro lugar do relatório de contas e do parecer do conselho fiscal e, posteriormente, à votação da aplicação de resultados proposta pela Direcção; aquele relatório e o parecer do conselho fiscal foram aprovados pelos três votos favoráveis dos cooperantes identificados na acta, tendo sido apresentados dois votos contra dos Autores.
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Cumpre referir, antes de mais, que como resulta dos documentos analisados, em momento algum, quer da Assembleia Geral ordinária na qual participou (por si e em representação da esposa), quer ao longo dos autos, o A. levantou a questão da falta de informação sobre os assuntos que iriam ser discutidos e deliberados na Assembleia geral.
A questão por ele colocada, quer na Assembleia Geral, como questão prévia, quer na presente acção, prende-se apenas com a nulidade da convocatória para aquela Assembleia que não continha, expressamente, a distribuição dos resultados como um dos pontos a tratar nela, o que viola o disposto no artº 276º do Código das Sociedades Comerciais (aplicável às Cooperativas, por força do artigo 9º do Código Cooperativo).
Ora, a questão colocada pelo A. foi resolvida na sentença recorrida, a contento de ambas as partes (uma vez que os A.A. se conformaram também com a decisão proferida), como da mesma consta:
“...resulta claro do texto legal que foi intenção inequívoca do legislador estabelecer um regime especial no Código Cooperativo quanto aos temas obrigatórios a tratar na Assembleia Geral Ordinária, do que resulta que as matérias cuja apreciação e votação são obrigatórias para as sociedades comerciais - ver artigo 376º, nº1 als a) a d) do CSC – não constituem aquelas que as Cooperativas devem obrigatoriamente apreciar e votar na assembleia geral ordinária a que alude o nº2 do Cód. Cooperativo.
Por conseguinte, não é legítimo afirmar, como fazem os Autores, a existência de uma lacuna no Código Cooperativo relativamente às matérias que são de apreciação e votação obrigatória na assembleia geral anual.
Concluindo: Não é legalmente obrigatório que a convocatória para assembleia geral ordinária da Ré destinada à aprovação do relatório de gestão e das contas do exercício, contivesse , não só os assuntos previstos no artigo 45º do Código Cooperativo, como ainda os legalmente exigíveis pelo artigo 376º do Código das Sociedades Comerciais”.
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Todavia, acrescenta a mesma sentença, “…sempre se dirá que no caso em apreço existiu violação do direito à informação dos cooperantes autores, na vertente do vício de procedimento na convocação da assembleia geral (sublinhado nosso), porquanto, a convocatória da Ré dirigida aos autores não contemplava, como um dos pontos da ordem dos trabalhos, a apreciação e a votação da proposta da Direcção sobre a aplicação de resultados, matéria que foi objecto de deliberação na assembleia geral da Ré ocorrida a 2 de Julho de 2011”.
E continua: “Atente-se que nem mesmo por via indirecta se poderia considerar sanada esta omissão, porquanto dos documentos anexos à convocatória apenas constava a acta nº 20, na qual a Direcção propôs que o resultado líquido do exercício ali indicado (€ 247 700,83) fosse levado a Reservas Livres e uma proposta genérica do Conselho Fiscal inserida no seu parecer, sendo certo que este órgão não possui legitimidade para tomar deliberação sobre aplicação de resultados.
E nem se diga que os Autores, perante o teor da convocatória recebida, no uso do direito de informação preparatória da assembleia geral, a que alude o artigo 289º, nº1, do do CSC, deveriam ter accionado a faculdade de aclarar a situação, porquanto, a convocatória formalmente apenas referia como matérias a serem apreciadas as seguintes: “apreciação e votação do Relatório e Contas do D….. relativas ao ano de 2010, bem como o Parecer do Conselho Fiscal.
Assim sendo, formalmente, é inequívoco que o conteúdo da convocatória omitiu menção indispensável à pretendida apreciação e votação da proposta da Direcção sobre a aplicação de resultados, com a consequente anulabilidade das deliberações tomadas, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 33º, 45º, 47º e 49º do Código Cooperativo, e dos artigos 377º, nºs 5, al. e) e 8, 58º, nº1, al. a) e c) e 4, al. a), estes do Código das Sociedades Comerciais.”
“Em consequência do exposto, o tribunal conclui pela procedência da pretensão dos Autores no sentido de serem anuladas todas as deliberações tomadas na assembleia-geral ordinária da Ré de 2 de Julho de 2011”.
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Ora, neste último ponto – único, aliás, que é objecto do presente recurso – não podemos concordar com a decisão recorrida.
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No que respeita ao direito à informação, dispõe o art. 33º nº 1 c) do Código Cooperativo (Lei 51/96, de 7/9 e DL 441-A/82, de 6/11) que os cooperadores têm direito, nomeadamente, a requerer informações aos órgãos da cooperativa e examinar a escrita e as contas da cooperativa, nos períodos e nas condições que forem fixados pelos estatutos, pela assembleia geral e pela direcção.
E dispõe o art. 58º do CSC (aplicável às cooperativas, por força do artº 9º do CC), que são anuláveis as deliberações que (…) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação (alínea c).
Consideram-se, para efeitos deste artigo, elementos mínimos de informação (nº 4, a): As menções exigidas no art. 377º nº 8 (“O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada); b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescrito pela lei ou pelo contrato.
Como decorre também do Preâmbulo do DL 280/87, de 8-07 (que alterou o CSC), no seu nº3, o direito à informação é “um elemento fundamental da actividade societária” que “não deve ser entorpecido por limitações que lhe retirem a operância, em termos de razoabilidade.”
Essencial para a lei é que a convocação da assembleia geral não seja deixada ao mero capricho dos sócios com as inerentes perturbações e prejuízos que daí adviriam.
A convocação da reunião constituiu, assim, pressuposto de toda a deliberação proferida em assembleia, sendo a sua falta ou irregularidade susceptíveis de afectar a sua eficácia.
Por isso, a assembleia, ao ser convocada, tem, naturalmente, de começar por saber qual o assunto sobre que é chamada a pronunciar-se e, nesta ordem de ideias, deve a convocatória estabelecer e precisar o «thema deliberadum».
Como refere Pinto Furtado (Curso de Direito das Sociedades, 4ª edição, Almedina, 2001, pp. 413 e 414), esta exigência visa uma tríplice função, ou seja, dar aos seus membros a oportunidade de ajuizarem o seu interesse na participação do processo; instruírem-se e habilitarem-se a participar nele com conhecimento de causa; e excluir do processo os concretos membros do colégio desprovidos de legitimidade para nele intervirem.
E acrescenta: a identificação do “thema deliberandum” deve ser efectuada de forma directa e acessível, de modo a permitir aos convocados uma ideia minimamente satisfatória de qual seja a concreta questão sobre que se deverá deliberar.
Por isso a importância e complexidade de semelhantes funções impõe que “o thema deliberandum” seja estabelecido com antecedência, isto é, no momento da convocação da assembleia geral, e com precisão.
Calvão da Silva (Estudos de Direito Comercial, Pareceres, Almedina 1996, pp. 267 A 269) defende também que “a ordem de trabalhos deve apresentar precisão necessária e suficiente, com a clareza inequívoca do objecto a tratar, individualizado e concretamente fixado, de modo a que os sócios fiquem a saber o “thema deliberandum”, não podendo a ordem de trabalhos proposta ser genérica, abstracta ou indefinida”.
Entendemos, contudo, que perante os preceitos e princípios enunciados, o direito de informação dos A.A. foi suficientemente acautelado pela ré, com as convocatórias àqueles dirigidas.
Aliás, como acima se deixou dito, nunca, em momento algum, os A.A. invocaram a falta de informação sobre os assuntos a tratar na Assembleia Geral como um vício da Assembleia ou das deliberações nela tomadas.
A questão por eles colocada, e resolvida na sentença recorrida, era apenas de ordem formal: da inclusão das matérias a decidir na Assembleia na convocatória que lhes foi dirigida pela ré.
Trata-se de realidades diferentes, tratadas também de forma diferente na sentença recorrida.
De facto, perante a matéria de facto provada e os documentos existentes nos autos, os A.A. não podiam invocar, objectivamente, falta de informação sobre as matérias a decidir na Assembleia Geral do dia 2 de Julho, perante toda a documentação que lhes foi enviada pela ré, juntamente com a convocatória para aquela Assembleia.
Efectivamente, dos documentos juntos aos autos (e que constam da matéria de facto dada como provada) resulta que conjuntamente com a convocatória foi remetido aos Autores, quanto às contas, um documento contabilístico intitulado de “Balancete Razão Financeira Mensal Acumulado” reportado ao final do ano de 2010, e uma acta de uma reunião da Direcção da Ré realizada a 23 de Maio de 2011, que aprovou o Relatório, da qual consta o seguinte: “O Resultado Líquido do exercício foi positivo de € 247.700,83. Propomos que este valor seja assim distribuído: o valor positivo de € 247.700,83 vai a Reservas livres.
Para além destes documentos, receberam ainda os Autores na mesma data e pela mesma via postal uma outra acta, do Conselho Fiscal, contendo o seu parecer sobre a aprovação das contas, da qual consta que “O Conselho Fiscal acompanhou de perto as actividades da Sociedade e analisando as contas, as achou conformes com a realidade e a legalidade, pelo que propõe à Assembleia Geral a sua aprovação.
O Resultado Liquido do exercício foi positivo de € 247.700,83. Propomos que este valor seja assim distribuído: o valor positivo de € 247.700,83 vai a Reservas livres.
Ou seja, estavam já os A.A. minimamente informados, quando foram convocados para a reunião da Assembleia Geral da ré que um dos assuntos a tratar naquela reunião seria o da distribuição do Resultado Líquido do exercício (levado, obrigatoriamente, a Reservas), como o foi, com a participação dos A.A., que votaram, embora desfavoravelmente, tais propostas.
Como se decidiu no Acórdão do STJ de 10/1/2012 (disponível em www.dgsi.pt), as menções do aviso convocatório não requerem um grau de pormenor tão elevado como o que se exige às propostas a apresentar à assembleia, sendo suficiente a identificação do “thema deliberandum”, de forma directa e acessível, de modo a permitir aos interessados os elementos mínimos de informação que lhes permitam conhecer, de modo satisfatório, a concreta questão sobre que se deverá deliberar.
Ora, todos os cooperantes, máxime os AA, quando receberam a convocatória, juntamente com os documentos mencionados, ficaram a saber que a mesma iria versar a apreciação e votação do relatório de gestão e contas do exercício de 2010, abrangendo, necessariamente, a proposta de aplicação de resultados que constava do relatório de gestão que acompanhou a convocatória.
Aliás, tão clara foi a convocatória para os AA., no sentido de que iria na assembleia ocorrer deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados do exercício contida no relatório da Direcção – e reproduzida no parecer do Conselho Fiscal – que eles, sem necessitarem de qualquer esclarecimento ou informação a ser prestada, quer pelo Presidente da Mesa, quer pela Direcção, quanto aos assuntos a tratar e às deliberações a tomar, arguiram a nulidade da convocatória por não ter sido incluída na ordem do dia a deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados.
Escudaram-se os AA na questão formal de não constar individualizada na ordem do dia essa proposta, pois, para eles era claro que constando a proposta de aplicação de resultados do relatório de gestão elaborado pela Direcção, tal assunto iria ser colocado à discussão e deliberação dos cooperantes.
Vale isto por dizer que os AA ao receberem a convocatória ficaram cientes dos temas a deliberar na assembleia geral para que foram convocados, especialmente, de que nela iria ser tomada deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados efectuada pela Direcção, limitando apenas a sua discordância à necessidade de individualização desse tema na ordem do dia constante da convocatória, o que apenas decorreu de um entendimento errado, como veio a ser reconhecido na sentença recorrida, da aplicação ao caso da norma do artº 376º do CSC.
Aliás, como resulta da acta daquela Assembleia, os trabalhos da Assembleia prosseguiram e procedeu-se à votação, em primeiro lugar, do relatório de contas e do parecer do conselho fiscal, e, posteriormente, à votação da aplicação de resultados proposta pela Direcção, tendo os A.A. participado na votação (votando contra aquela proposta) sem levantarem qualquer problema de falta de informação.
Como acima se disse, em momento algum, quer da Assembleia Geral ordinária na qual participou (por si e em representação da esposa), quer ao longo dos autos, o A. levantou a questão da falta de informação sobre os assuntos que iriam ser discutidos e deliberados naquela Assembleia geral.
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Além disso, como não podia deixar de ser do conhecimento dos A.A. os resultados positivos apurados pela cooperativa nas suas relações com terceiros não cooperantes não podiam ser distribuídos pelos sócios (artºs 72º e 73º do C.Coop).
A R. é uma cooperativa de ensino – cfr. art. 4º nº 1 l) do Cód. Cooperativo (Lei 51/96, de 7/9) e DL 441-A/82, de 6/11 -, cuja actividade principal se estabelece numa relação com terceiros não cooperadores.
Ora, quer se considere o direito cooperativo como um direito especial do direito societário, quer se lhe reconheça verdadeira autonomia, o C.Cooperativo constitui um corpo de normas que o legislador criou visando regular diversos aspectos da vida dos entes cooperativos.
Fê-lo, atendendo às especificidades e às características próprias dos entes cooperativos, mormente o seu escopo mutualístico e os princípios cooperativos
O art. 2º do CCoop dá-nos a noção de cooperativas como pessoas colectivas autónomas, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.
Esta noção é, assim, delimitada pelos seguintes elementos: livre iniciativa no acto da constituição; capital e composição variáveis e não condicionados; satisfação dos interesses económicos, sociais ou culturais dos seus membros ou de terceiros; respeito pelos princípios cooperativos como pressuposto da validade da sua constituição e funcionamento; exercício da actividade por via da cooperação e entreajuda dos seus membros (Raposo Subtil e outros, Legislação Cooperativa (anotada), 30).
Além disso, os princípios cooperativos, indicados no art. 3º do referido diploma são a adesão voluntária e livre; a gestão democrática pelos membros; a participação económica dos membros; a autonomia e independência; a educação, formação e informação; a intercooperação; o interesse pela comunidade (Rui Namorado, Introdução ao Direito Cooperativo, 188 e segs.).
Acresce que a cooperativa não tem fins lucrativos porque não se constitui para que se obtenham dividendos a repartir, mas sim para satisfazer as necessidades dos associados, permitir-lhes produzir, trabalhar, vender, comprar, obter créditos ou empréstimos, adquirir casas, etc, em condições económicas mais vantajosas.
Ou seja, a cooperativa não se constituiu para obter lucros a repartir entre os cooperadores, mas sim para lhes outorgar vantagens directamente repercutíveis na esfera jurídica de cada um deles (Rui Namorado - Introdução ao Direito Cooperativo, Almedina, pag. 317).
Isso não significa, contudo, que a cooperativa não possa e não deva actuar de forma a gerar resultados líquidos positivos na sua actividade, pois essa criação de excedentes deverá ser maximizada com os factores de produção (capital e trabalho), traduzindo a eficiência que deverá estar sempre presente, a fim de que a cooperativa atinja os seus objectivos, de acordo com o estipulado nos artºs 2º e 3º do Código Cooperativo (Arlindo Alegre Donário, in Natureza dos Excedentes e Reservas nas Cooperativas, CARS, pag. 23).
Essa criação de excedentes pode resultar, ou das operações efectuadas no exercício da cooperativa com os cooperadores, quer com terceiros não cooperadores.
Acrescentando o mesmo autor que os excedentes não são lucros porque não são directa e estatutariamente gerados pelo capital, resultando apenas de decisões ou de estratégias administrativas ou políticas dos cooperadores enquanto tais e não enquanto detentores de títulos de capital, pois os acréscimos patrimoniais do exercício resultantes das operações entre a cooperativa e os cooperantes são gerados e obtidos à custa dos próprios cooperadores (neste sentido Rui Namorado, ob cit,. pags. 317 e 318, e Manuel António Pina, in Direito aos Lucros, Almedina, pag. 44.)
Daí que, em relação a estes excedentes – gerados pelas operações da cooperativa com os cooperadores – o legislador cooperativo permita a sua distribuição pelos cooperantes, classificando-a e qualificando-a como retorno – cfr. artº 73º nº 1 do C. Coop – já que esse valor não pode ser considerado, nem tratado, como lucro, isto é, como a remuneração do capital investido, constituindo, sim, o retorno do valor criado pelos cooperadores no processo produtivo, que é o fundamento do cooperativismo (Arlindo Alegre Donário, ob. citada, pags. 24 e 25).
Em face do exposto é claro que o fim e a natureza das cooperativas obsta que o valor dos excedentes anuais gerados em consequência das operações da cooperativa com terceiros – não cooperadores – possa ser distribuído pelos cooperadores.
Como refere Arlindo Alegre Donário (ob. citada, pag. 17), a parte dos resultados líquidos (excedentes) provenientes das operações com terceiros, está absolutamente excluída de poder retornar aos cooperadores, traduzindo-se a finalidade não lucrativa das cooperativas na concretização dessa proibição – artºs 72º e 73º do C.Coop.
Assim sendo, especialmente nas cooperativas de prestação de serviços, máxime nas cooperativas de ensino como a Ré, os eventuais excedentes, porque decorrem de operações com terceiros, não são susceptíveis de distribuição – artºs 72º e 73º do C.Coop.-, sendo considerados terceiros em relação à cooperativa todos os sujeitos jurídicos não cooperadores, tanto os que criam valor acrescentado como os que permitem a sua realização através das operações de oferta e procura no mercado onde a cooperativa está inserida.
Ora, reportando-nos ao caso dos autos, os resultados do exercício da ré do ano de 2010, todos eles decorrentes de operações com terceiros – prestação de serviço lectivo a terceiros – e não com os cooperadores, não podiam, de forma alguma, ser distribuídos pelos sócios – mas necessariamente levados a Reservas (reservas legais ou reservas livres) – como era, forçosamente do conhecimento dos A.A., enquanto sócios.
Tais excedentes – decorrentes das operações com terceiros – desempenham, de facto, nas cooperativas, um papel essencial, pois são a fonte criadora de poupança e acumulação, permitindo o investimento produtivo e criação de mais riqueza e emprego, constituindo, por isso, a fonte imediata do autofinanciamento da empresa cooperativa, permitindo a realização do 4º princípio cooperativo, que se traduz na sua autonomia e independência (Arlindo Alegre Donário, ob. citada, pag. 25).
Assim, está explicada a razão porque a aplicação de resultados não assume nas cooperativas a mesma importância que assume nas sociedades comerciais sobre a forma anónima, em termos de, nestas últimas, ser um dos assuntos a discutir e deliberar na assembleia geral anual e com autonomia sobre o ponto prévio de deliberação sobre o relatório de gestão e sobre as contas do exercício.
Donde se poder concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que não há caso omisso no C.Coop no que respeita aos assuntos a deliberar autónoma e individualmente na assembleia geral anual de aprovação de contas, mas caso pensado pelo legislador cooperativo que estabeleceu uma normatividade diferente daquela que está prevista para as sociedades anónimas e adequada à realidade, também diferente, entre as cooperativas e aquelas sociedades comerciais.
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Concluímos do exposto que não houve violação do direito de informação dos AA com a convocatória levada a cabo pela ré, para a Assembleia Geral Ordinária de 2 de Julho de 2011, sendo plenamente válidas as deliberações tomadas na mesma Assembleia, para a qual os A.A. foram regularmente convocados.
Procedendo as 1ªas conclusões das alegações da recorrente, ficam prejudicadas as demais questões por ela colocadas.
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Sumário do Acórdão (artº 713º nº 7 do CPC):
I – A convocatória dos sócios cooperadores para uma Assembleia Geral Ordinária da Cooperativa deve mencionar o assunto sobre o qual a deliberação irá ser tomada, como corolário do direito à informação dos sócios.
II – A ré assegura esse direito de informação se juntamente com a convocatória enviar aos sócios o relatório de gestão do qual consta a proposta da direcção sobre a distribuição dos resultados do seu exercício, bem como o parecer do conselho fiscal sobre tal proposta.
III – Será, assim, válida a deliberação tomada pelos sócios na Assembleia Geral, para a qual assim tenham sido regularmente convocados.
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Decisão:
Julga-se procedente a Apelação, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a acção.
Custas (da Apelação) pelos recorridos.

Porto, 14.2.2013
Maria Amália Pereira dos Santos
Aristides Manuel da Silva Rodrigues de Almeida
José Fernando Cardoso Amaral