Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0810922
Nº Convencional: JTRP00041314
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
Nº do Documento: RP200805070810922
Data do Acordão: 05/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 527 - FLS 43.
Área Temática: .
Sumário: É correcta a dedução do erro máximo admissível ao valor da alcoolemia registado pelo alcoolímetro, mesmo que o arguido tenha confessado integralmente e sem reservas os factos imputados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 922/08-1.
1ª Secção Criminal.
Processo nº …/07.4GBSTS.

Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
1.
Nos autos de processo sumário nº …/07.4GBSTS do .º Juízo do Tribunal Judicial de Santo Tirso, foi o arguido
B………., casado, empresário, nascido em 06/12/1958, filho de C………. e de D………., natural de ………., concelho de Santo Tirso, portador do B.I. n.º ……., e residente na Rua ………., n.º .., ………., ….-… Santo Tirso,
Condenado
pela prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez p. p. pelo art. 292º, n.º 1 do CP, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €5,00 num total de €350,00.
e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 3 meses – 69º, n.º 1, alínea a) do CP.
2.
Desta sentença recorreu o Ministério Público.
Formula o recorrente, em síntese, as seguintes CONCLUSÕES:
2.1. O arguido declarou em audiência confessar os factos que lhe eram imputados.
2.2. Pelo que estava o tribunal obrigado a dar como provados os factos que vinham imputados ao arguido, tudo nos termos do artigo 344º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
2.3. Ou seja, que o arguido conduzia com uma taxa de alcoolemia de 2,20 g/litro no sangue.
2.4. Considerando a sentença recorrida que o arguido conduzia apenas com uma taxa de 2,04 g/litro no sangue, violou o disposto nos artigos 69º, nº 1, alínea a) e 292, nº 1, do Código Penal e 344º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
2.5. Pese embora os erros máximos admissíveis previstos pela Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto, nos presentes autos, não está posta em causa a regularidade da aprovação ou a verificação do alcoolímetro em questão.
2.6. Pelo que não é de aplicar o erro máximo admissível, o mesmo é dizer que se deve dar como provada a taxa de álcool 2,20 g e não 2,04 g/litro, devendo o arguido ser condenado em conformidade.
3.
A este recurso não respondeu o arguido.
4.
Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer a fls. 45 a 48, citando jurisprudência deste Tribunal da Relação do Porto e do Tribunal da Relação de Évora e concluindo pela procedência do recurso.
5.
Foram os autos a vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos e realizou-se a conferência.
II
Sem prejuízo das questões que, por lei, o tribunal pode e deve conhecer oficiosamente, face ao teor das conclusões de recurso, são as seguintes as questões a apreciar:
1. Averiguar se o tribunal a quo pode levar em consideração um possível erro máximo admissível (EMA) quanto ao alcoolímetro que procedeu à medição do álcool no sangue do recorrido.
2. Se, perante a confissão do arguido, em audiência, dos factos que lhe eram imputados, estava o tribunal obrigado a dar como provados tais factos, nos termos do artigo 344º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
III

Na sentença recorrida dão-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 27-10-2007, pelas 3:15 h o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-TV, na EN n.º …, ………., Santo Tirso, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos de 2,04 g/l, deduzida já a taxa de erro máximo admissível da TAS de 2,20 g/l que resultou do aparelho Drager Alcootest, fruto de bebidas alcoólicas que, prévia e voluntariamente, tinha ingerido.
2. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas suficientes para provocar uma taxa de álcool no sangue e, mesmo assim, quis conduzir o aludido veículo.
3. Sabia, ainda, que a sua conduta era proibida e punida pelo direito.
4. Não obstante, não deixou de actuar da forma descrita, agindo livre e conscientemente.
5. O arguido não tem antecedentes criminais.
6. O arguido é industrial/comerciante (comércio de fardamentos), auferindo cerca de €750,00 mensais.
7. É casado e a sua mulher é doméstica.
8. Tem uma filha com 16 anos de idade que é estudante.
9. Vivem em casa própria mas despende cerca de €400,00 mensais para pagamento de um empréstimo bancário - habitação.
10. Tem carta de condução há cerca de 18 anos.
11. Não tem antecedentes criminais.
12. Confessou os factos mostrando arrependimento.
13. Precisa da carta de condução para o exercício da profissão.
14. É uma pessoa considerada na comunidade.
IV
1.
A questão do erro máximo admissível (EMA):
Conforme se infere da decisão recorrida, pois o tribunal não se alongou na motivação desta matéria, limitando-se a dizer que o arguido conduzia “com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos de 2,04 g/l, deduzida já a taxa de erro máximo admissível da TAS de 2,20 g/l que resultou do aparelho”, ao dar como assentes os factos provados, maxime a taxa de alcoolemia, o julgador teve em consideração um erro máximo admissível no resultado de medição do alcoolímetro, questão que tem sido controversa na jurisprudência.
Se dúvidas havia quanto á melhor orientação nesta matéria, nomeadamente se a Portaria nº 748794 estava em vigor e se a mesma devia ser levada em conta, após a prolação da sentença recorrida, novos elementos surgiram quer na jurisprudência, quer em termos legislativos, sendo estes últimos determinantes para a posição por nós a assumir.
1.1.
Em termos jurisprudenciais, entendemos ser de realçar os seguintes acórdãos(1):
A)
Acórdãos com o entendimento de que se deve atender ao EMA:
1. Ac. TRG de 26.02.2007, proferido no processo 2602/06-2;
2. Ac. TRPorto de 19.12.2007, proferido no processo nº 0746058;
3. Ac. TRÉvora de 22.5.2007, proferido no processo nº 442/07-5.

B) Acórdãos com o entendimento de que não se deve atender ao EMA:
1. Ac. TRCoimbra de 30.1.2008, proferido no processo nº 91/07.3PANZR.C1;
2. Ac. TRLisboa de 23.10.2007, proferido no processo nº 3226/2007-5;
3. Ac. TRLisboa de 03.10.2007, proferido no processo nº 4223/2007-3;
4. Ac. TRLisboa de 09.10.2007, proferido no processo nº 5995/2007-5;
5. Ac. TRLisboa de 18.10.2007, proferido no processo nº 7213/2007-9;
6. Ac. TRLisboa de 23.10.2007, proferido no processo nº 7089/2007-5;
7. Ac. TRPorto de 06.02.2008, proferido no processo nº 0716626;
8. Ac. TRPorto de 12.12.2007, proferido no processo nº 0744023.
9. Ac. TRP de 14.03.2007, proferido no processo 0617247.
10. Ac. TRLisboa de 23.10. 2007, proferido no processo nº 7226/2007-5.
11. Ac. TRLisboa de 20.2.2008, proferido no processo nº 183/2008-3.
12. Ac. TRLisboa de 8.4. 2008, proferido no processo nº 1491/2008-5.

1.2.
Sobre a aplicação da margem de erro dos alcoolímetros, decidiu-se no acórdão desta Relação de 19.12.2007, supra citado:
“Em nenhum daqueles diplomas e nomeadamente na Portaria n.º 1006/98 se fala na absoluta infalibilidade dos aparelhos e consequente absoluta fidedignidade dos resultados dos exames, ou seja não excluem que possa haver alguma margem de erro, por mínima que seja, assim como também não estabelecem qualquer margem de erro a ter em consideração no resultado dos exames.
O M.º P.º não põe em causa que os aparelhos de medição de taxa de alcoolémia não são cem por cento fiáveis, podendo haver variações, ou seja, a taxa de alcoolémia resultante de um exame pode variar entre um limite mínimo e um limite máximo. O que põe em causa é a margem de erro fixada na Portaria n.º 748/94, de 13/08, utilizada na sentença recorrida.
Independentemente de se entrar na discussão sobre a vigência ou não da Portaria n.º 748/94, de 13/08 (embora numa análise perfunctória nos pareça que se encontra em vigor, uma vez que não foi revogada expressamente pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98, não é incompatível com este e não existe qualquer outro diploma que regulamente a margem de erro a que os aparelhos em causa podem estar sujeitos) uma coisa é certa: não existe qualquer diploma que vincule o tribunal, na apreciação da prova, ao resultado dos exames para detecção de álcool no sangue. Com efeito, tais exames não constituem prova pericial subtraída à livre apreciação do julgador, nos termos do art. 163.º do C. P. Penal. Trata-se de um meio de prova que, como refere Maia Gonçalves no CPP Anotado, 9.ª edição, pág. 380, constitui um meio de obtenção de prova através do qual se captam indícios relativos ao modo como e ao lugar onde o crime foi praticado. Embora constitua um meio de prova muito relevante, nem por isso está subtraído à livre apreciação do julgador e, consequentemente, à sua valoração nos termos do art. 127.º do C. P. Penal. E muito menos é impeditivo da aplicação do princípio in dubio pro reo. Assim, em caso de dúvida, por aplicação do princípio in dubio pro reo, pode o tribunal fixar uma taxa de alcoolémia inferior à que resulta do exame.” - negrito nosso.

1.3.
Por sua vez, sobre a não aplicação da margem de erro dos alcoolímetros, decidiu-se no acórdão desta Relação de 12.12.2007, igualmente supra citado, após uma análise pormenorizada sobre o conceito de medição:
“…ao definir as margens de erro máximo admissíveis para a validação/certificação de um instrumento de medição como alcoolímetro capaz de produzir medições susceptíveis de serem utilizadas, num processo judicial, como prova efectiva da presença de uma determinada concentração de álcool etílico no sangue do sujeito submetido a exame, o legislador não pretendeu lançar sobre o resultado de tais medições qualquer dúvida (ou reconhecer que esse resultado pode ser susceptível de qualquer dúvida), mas antes assegurar que, mantendo-se os eventuais erros de medição dentro das margens de erro máximo legalmente previstas, os resultados de quaisquer medições por eles realizadas devem ter-se por credíveis. Precisamente o oposto, afinal, do entendimento defendido pela Direcção-Geral de Viação[3].

Muito sucinta e conclusivamente, sem entrar em linha de conta com todas as questões que o problema suscita, diremos que, quer o direito penal, quer o contra ordenacional encontra-se, formatado pelo princípio da legalidade. Ele implica, na formulação do n.º 1 do artigo 29.º da Constituição, que «ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior». Segundo o artigo 1.º, n.º 1 do Código Penal: «só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática»; o art.º 2º do RGCO dispõe por sua vez que «só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática».
Na sua vertente formal – e no que aqui concretamente nos interessa – o princípio da legalidade impõe que só a lei (no seu preciso sentido jurídico-constitucional) pode valer como fonte directa de direito penal ou contra-ordenacional, isto é a definição do ilícito, penal ou contra-ordenacional, cabe necessariamente ao legislador e apenas a ele. No caso, o respeito por este princípio vem a implicar, que ao julgador ou às autoridades administrativas a quem compete aplicar a legislação (penal) pertinente não é lícito substituir – ou, sponte sua, frustrar –, sem mais, o esquema legalmente instituído de punição da condução rodoviária sob influência do álcool, em favor do sistema que, em abstracto, entendam mais adequado, se não tiverem motivos técnico-científicos ponderosos, tal como, aliás, impõe o artigo 163.º do Código de Processo Penal, atenta a natureza de prova pericial (lato sensu) das medições efectuadas pelos alcoolímetros.

Dir-se-á, no entanto – ignorando tudo quanto se escreveu já sobre a verdadeira natureza e alcance da definição de margens de erro máximo admissível para a certificação e/ou calibração dos alcoolímetros – que para a prolação de um juízo de censura jurídico-penal, ao menos nos casos de valores limite ou de fronteira entre os domínios da punição ou não punição, os Tribunais não deverão ignorar as margens de erro máximo em que as medições efectuadas pelos alcoolímetros se podem mover. Nesses casos, o conceito de dúvida razoável deveria ser mais flexível, de modo a evitar todo e qualquer risco de uma condenação potencialmente injusta.
Mas das duas uma: ou o resultado alcançado pelo alcoolímetro é válido para fins de prova, ou não é; a ideia de que poderá sê-lo depois de correcções não legalmente previstas e totalmente arbitrárias (porque nenhuma garantia há que efectivamente afectem o resultado das medições concretas efectuadas), afigura-se-nos uma terceira hipótese sem qualquer fundamento.

Neste contexto não se verificam os pressupostos para chamar à colação o princípio in dubio pro reo. Cumpre lembrar que em processo penal, e mesmo em sede pericial, a verdade que se tenta atingir não é a «verdade formal», mas a «verdade material». Mas porfia-se pela «verdade material» com a consciência de que não é «absoluta» ou «ontológica», mas uma «verdade judicial, prática e processualmente válida»[6]. Uma última precisão: se os agentes da administração devem obediência às directivas dos seus superiores, já os tribunais «apenas estão sujeitos à lei» art.º 203º da Constituição”.
1.4.
Sendo estas as posições, de sentido oposto, que vinham ganhando relevo, com a publicação da portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, entendemos que a situação ficou mais esclarecida e consequentemente, permite-nos agora, com mais segurança jurídica, dar uma resposta ao caso concreto.
Esta resposta passa necessariamente pela leitura dos resultados dos alcoolímetros no sentido de que se deve levar em conta o erro máximo admissível considerado como requisito essencial para a sua aprovação e posteriores verificações.

Sem nos prendermos com os demais requisitos a que deve obedecer cada um dos aparelhos aprovados, que passarão a efectuar a medição de etanol de cada condutor(2), fixemo-nos pois e apenas na margem de erro máximo admissível para a aprovação do dito alcoolímetro.
1.4.1.
Se dúvidas existiam quanto ao facto de a portaria nº 748/94, de 3 de Outubro, estar ou não em vigor, entendemos que com a portaria agora publicada, não deixa de ser feita uma interpretação autêntica no sentido de que a mesma se encontrava em vigor, na medida em que aquela é expressamente revogada pelo artigo 2º da portaria nº 1556/2007.
1.4.2.
De acordo com o preâmbulo desta portaria, “Para os instrumentos de medição abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, e que não mereceram qualquer adaptação através do Decreto-Lei n.º 192/2006, de 26 de Setembro, verifica-se a necessidade de actualizar as regras a que o respectivo controlo metrológico deve obedecer com vista a acompanhar, tecnicamente, o que vem sendo indicado nas Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal”.
Daí que a actualização seja feita “ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, conjugado com o disposto no n.º 1.2 do Regulamento Geral do Controlo Metrológico anexo à Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro” sublinhado nosso.

Por sua vez, nos termos do artigo 4º da Portaria, “os alcoolímetros deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos, definidos pela Recomendação OIML R 126”.
O que significa que os alcoolímetros deverão ser aprovados e verificados, dentro das margens de erro máximo admissível fixados na Portaria e que constam do anexo. Ou seja, têm de ser calibrados.
Pelo que, apenas poderão ser aprovados e considerados aptos nas verificações, os alcoolímetros que nos ensaios não excedam os valores de EMA da referida Portaria. Caso o excedam, não poderão merecer aprovação, quer inicial, quer após cada uma das verificações previstas(3).
Ora, se a aprovação e verificação dos alcoolímetros são feitas tendo como base uma regra técnica de não fiabilidade a cem por cento, mas sim tendo por base um possível erro avaliável nos limites fixados no anexo da Portaria 1556/2007, não pode a medição resultante de um destes alcoolímetros ser também considerada como judicial ou juridicamente correcta ou infalível.
A verdade formal(4) que emerge da medição de um destes alcoolímetros não tem correspondência garantida com a verdade material pretendida.
E a verdade judicial que deve estar presente é esta última.
Com a publicação desta Portaria nº 1556/2007, esvaziaram-se, no seu conteúdo, os principais argumentos sustentados para não levar em conta tais margens de erro admissível:
- De que a Portaria nº 748/94, de 13 de Agosto, não se encontrava em vigor(5);
- Da prevalência do princípio da legalidade, expresso no ac. desta Relação de 12.12.2007, supra citado: “Na sua vertente formal – e no que aqui concretamente nos interessa – o princípio da legalidade impõe que só a lei (no seu preciso sentido jurídico-constitucional) pode valer como fonte directa de direito penal ou contra-ordenacional, isto é a definição do ilícito, penal ou contra-ordenacional, cabe necessariamente ao legislador e apenas a ele”.
Daí que a questão seguinte consiste em avaliar até que ponto pode e deve o julgador levar em conta esta margem de erro que está subjacente na calibragem dos alcoolímetros, para fixar a taxa de alcoolemia que deve ser imputada ao agente, em termos criminais.
Em ambos os sentidos já supra se citaram vários acórdãos, incluindo desta Relação.
Após a publicação da Portaria nº 1556/2007, um outro foi produzido no recurso nº 479/08.1, datado de 2. 4. 2008 e onde se decide expressamente:
“Ora se existe um juízo técnico científico que nos diz que aquele aparelho, mesmo sobre controlo, tem, está em funcionamento e é usado, com um erro (tem sempre uma margem de erro - ou seja que o que ele traduz é não a realidade mas esta resulta de dois factores: a medida indicada e uma variável que nos permite aceder e estar o mais próximo possível da realidade) cremos que nos devemos aproximar da realidade.
Ora se sabemos que o erro existe e qual é (mas entre duas margens: mínimo e máximo), cremos que o que há a fazer é só corrigi-lo usando (porque em direito sancionatório) a certeza do erro mínimo (porque cientificamente não é possível eliminá-lo).
Ao contrário do Ac. R.P. de 12/12/07 cit., cremos que o não uso do juízo científico do conhecimento público ínsito na Norma “NF X20701 da AFNOR” adoptada ao controlo metrológico, traduzir-se-ia em erro notório na apreciação da prova, face exactamente ao conhecimento do tribunal das margens de erro de medição que aqueles aparelhos permanentemente comportam (pois como emerge da portaria os aparelhos são aprovados tendo essa margem de erro – artº 4º e 10º), e independentemente de considerar como o faz o Ac. RP 19/12/07 www.dgsi.pt/jtrp Proc. 0746058 que “O tribunal não está vinculado, na apreciação da prova, ao resultado dos exames para detecção de álcool no sangue, não constituindo tais exames prova pericial.”.
Por isso se nos afigura correcto, como o faz o Ac. R.G de 26/2/07 www.dgsi.pt/jtrp proc.2602/06-2 considerar que o Tribunal deve fazer uso das margens de erro dos aparelhos de medição (EMA: erro máximo admissível), por tal lhe permitir reduzir ao máximo o erro entre ao resultado do exame e a realidade, não constituindo em função do exposto óbice a existência ou não de norma legal (como se refere no Ac. R.P. de 14/3/07 www.dgsi.pt/jtrp proc. nº 0617247, posto que o juízo cientifico tenha subjacente o mesmo nível de conhecimento, que constitui a garantia da existência do erro.
Tal situação é neste momento igual á que ocorre com os aparelhos de controlo de velocidade (radar) em que a velocidade é calculada de acordo com o erro de medição do mesmo aparelho, resultado de idêntico juízo técnico-científico de controlo metrológico.
É que na verdade o crime (rectius infracção) resulta não do elemento (taxa) que o aparelho (meio ou instrumento) acusa (lê), (como se expressa a acusação), mas de o arguido conduzir um veículo com uma determinada taxa de álcool no sangue.

Assim se um juízo técnico científico, do conhecimento público, nos indica que determinado aparelho de medição tem uma margem de erro (que define) na análise do resultado do mesmo deve ser tido em conta esse erro, sob pena de erro notório na apreciação da prova”.
1.4.3.
Mas se este deve ser o procedimento correcto a seguir agora, pelo menos após a entrada em vigor da referenciada Portaria nº 1556/07, será de aplicar o mesmo procedimento às situações ocorridas antes da sua publicação, como é o caso dos presentes autos?
A nossa resposta é positiva.
E a mesma encontra suporte na mesma Portaria que, no artigo 10º, dispõe o seguinte:
“Os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo de legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica”.
Entendemos mesmo que se pode ir mais longe: se nos alcoolímetros aprovados e calibrados ao abrigo das regras desta Portaria se deve levar em conta a margem de erro máximo admissível, por maioria de razão se deve considerar relevante o eventual erro subjacente à medição dos alcoolímetros até aprovados para a mesma medição. Tanto mais que a lei só admite a sua manutenção e uso, se os mesmos nos ensaios não incorrerem em erros máximos admissíveis aos da presente tabela.
E, por sua vez, a publicação desta Portaria tem como principal fonte, os estudos técnico-científicos sobre Controlo Metrológico, nomeadamente as Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal.
2.
Este entendimento remete-nos de imediato para a questão seguinte, de apurar se, perante a confissão do arguido, em audiência, dos factos que lhe eram imputados, estava o tribunal obrigado a dar como provados tais factos, nos termos do artigo 344º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
Vejamos:
Nos termos do nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, resulta que a confissão implica a “passagem de imediato às alegações orais, e se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, á determinação da sanção”.
Por sua vez, do nº 3, alínea b), do mesmo diploma, a confissão não implica a consideração dos mesmos como provados, se o tribunal suspeitar, do carácter livre da confissão ou tiver dúvidas sobre a veracidade dos factos confessados.
Finalmente, o nº 4 estabelece que o Tribunal nestas circunstâncias decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção de prova.

Desta disposição legal é legítimo concluir que a confissão integral e sem reservas do arguido, não vincula, de um modo automático, o juiz, para aceitar, sem mais, a confissão e considerar de imediato provados os factos em causa.
O legislador, apesar da confissão, deixou espaço ao julgador, para decidir de acordo com a sua livre convicção e no espírito de independência e imparcialidade que deve estar subjacente em qualquer decisão.
Esta livre convicção não significa livre arbítrio. Com certeza que o julgador, ao não dar de imediato os factos provados como assentes, decidindo-se pela produção de outra prova ou recolher outros elementos, deverá motivar esta sua opção.
Neste sentido se pronunciou o ac. do STJ de 9.10.91 in BMJ 410, 591, ao dizer:
“Quer na hipótese de confissão integral e sem reservas – com ou sem verificação dos óbices descritos no nº3 do artº 344º do CPP- quer no caso de confissão parcial ou com reservas, o tribunal mantém intacta a sua liberdade de apreciação e consequentemente pode admitir ou não a confissão. II- E, assim, a confissão do arguido, mesmo no caso de ser admitida, não impede necessariamente a produção de prova em audiência, mormente no que concerne à prova da defesa para o efeito da escolha e da medida da reacção criminal a aplicar”.
Bem como o ac. da RC de 30.6.93, in BMJ 428, 705, onde se afirma:
“A circunstância de um arguido confessar em audiência de julgamento os factos constantes da acusação não implica necessariamente a condenação pela prática do crime imputado. Basta, por exemplo que, não se perfilhando a qualificação jurídica dos factos, se conclua pela inexistência de ilícito penal, ou que esclarecimentos complementares recolhidos na audiência levem a concluir pela não verificação do crime”.
2.1.
Traduzindo esta regra para o caso concreto, temos que, apesar de no auto constar uma taxa de alcoolémia de 2,20g/litro, o tribunal deu como provada, a taxa de 2.04g/litro.
E foi assim porque o tribunal deduziu à taxa de 2,20 g/litro, o equivalente ao erro máximo admissível para este grau de alcoolemia.

Como se decidiu no ac. desta Relação de 2. 4. 2008, supra citado,
“…a concreta taxa de alcoolémia de que o arguido vinha acusado resultou não de um concreto e preciso conhecimento do arguido, mas de um exame feito por uma máquina, cujo resultado era o descrito, donde a confissão do arguido apenas podia abranger o resultado do exame, (isto é que o aparelho acusara aquela taxa) e não que essa era a taxa de alcoolemia com que conduzia (não percepcionável directa e pessoalmente, em termos quantitativos pelo arguido, que apenas sabe do estado ou da ingestão de bebida alcoólicas).
…daqui resulta que a decisão do Juiz, conhecedor da existência de uma norma técnica (emergente dos conhecimentos técnico científicos actuais) - (publicada e inserida num diploma legislativo – logo de conhecimento geral e como norma legal), emerge do facto de “em sua convicção “suspeitar que o resultado do exame, não traduz a “realidade do acontecido” ou seja “da veracidade dos factos confessados” pois só através do exame eles podem ser determinados, ou seja que o resultado do exame efectuado (exame seja ele qual for) tem uma margem de erro;
Essa suspeita / certeza é fundada e de conhecimento geral e de que por isso dela deve fazer uso, quer como facto notório - que são os factos do conhecimento geral ou conhecimento publico …514º 1 CPC ex vi artº 4º CPP e por isso não estando sujeito a alegação e a prova, quer como facto de que tem conhecimento em virtude das suas funções (sendo dispensável no caso a junção de tais normas ao processo por serem de âmbito publico porque inserido em diploma legislativo para que se remete na decisão) - artº 514º2 CPC ex vi artº 4º CPP.
Ora in casu a confissão do arguido não pode abranger a concreta taxa porque é determinável por exame do aparelho (alcoolímetro), facto do conhecimento do juiz (e de qualquer pessoa como facto notório, e único meio de controle), pelo que considerar abrangida pela confissão uma concreta taxa de alcoolémia que apenas o aparelho pode medir é no mínimo ilógico”.
3.
Por todos estes considerandos, é possível formular as duas conclusões seguintes:
3.1. Ao não considerar provada a concreta taxa de alcoolémia expressa na medição do alcoolímetro e transposta para a acusação, não infringiu o julgador o disposto no artº 344º do Código de Processo Penal.
3.2. Ao aplicar ou deduzir àquela taxa de 2,20 g/litro, o erro máximo admissível para o caso, não violou o julgador igualmente qualquer dispositivo, antes fez uso do princípio da livre apreciação da prova.
V
Decisão
Por todo o exposto, decide-se:

Negar provimento ao recurso do recorrente Ministério Público, mantendo-se a decisão recorrida.

Sem custas.

Porto, 07.05.2008
Luís Augusto Teixeira
José Alberto Vaz Carreto

________________________
(1)Todos eles disponíveis no sítio da Base de Dados Jurídicas do Ministério da Justiça, referente a cada um dos respectivos Tribunais da Relação.
(2) “Concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” - artigo 2º, nº 1, da portaria nº 1556/2007.
(3) As do artigo 7º da mesma portaria.
(4) Porque aprovado de acordo com as regras leais em vigor para o efeito.
(5) V. entre outros, o ac. desta Relação, supra mencionado na decisão recorrida.