Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0417324
Nº Convencional: JTRP00037954
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE
Nº do Documento: RP200504180417324
Data do Acordão: 04/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: O contrato de trabalho declarado nulo ou anulável produz efeitos, como se fosse válido, relativamente ao tempo durante o qual esteve em execução (artigo 15º da LCT).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B.......... intentou a presente acção, com processo comum, contra o C.......... pedindo o pagamento da quantia global de € 40.805,79, acrescida dos juros legais de mora vincendos sobre a quantia de € 39.903,84.
Para tanto, alegou, em síntese:
Tendo prestado serviço para o demandado, no âmbito de um contrato de trabalho celebrado a termo certo, entre Abril de 2001 e 30 de Junho de 2002, aquando da cessação do contrato em causa, o réu, apesar de interpelado, não lhe pagou as importâncias remuneratórias que impetra, no montante global de € 39.903,84.
+++
Contestou o R., excepcionando a nulidade do contrato de trabalho desportivo que o A. diz ter celebrado consigo e, por impugnação, impugnando, pelo menos, em parte, a existência dos créditos que o autor alega.
+++
Elaborou-se despacho saneador, organizando-se a especificação dos factos considerados provados e a base instrutória, com reclamação do A., que foi indeferida.
+++
Inconformado com o saneador, na parte em que reconheceu ser motivo de nulidade do contrato de trabalho dos autos a falta de assinatura por uma das partes, dele agravou o A., limitando-se a sustentar que, sendo contrato dos autos um contrato a termo, tal omissão apenas gerava a nulidade do termo aposto, passando a considerar-se como um contrato sem termo.
+++
Contra-alegou o R., pedindo a confirmação do decidido.
+++
Tal recurso foi admitido como agravo, com subida diferida.
+++
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, condenando o R. a pagar ao A., a importância de € 24.939,90, a título de remunerações vencidas entre Janeiro e Maio de 2002, mais condenando o R. a pagar-lhe juros, à taxa legal, desde a data da interpelação, ocorrida em 30 de Junho de 2002 e até à data da sentença.
+++
Inconformado com esta decisão, dela recorreu o R., formulando as seguintes conclusões:
I
Não pode haver dúvida alguma de que o regime do Decreto-Lei 28/98, de 26 de Junho, se aplica aos treinadores de futebol (até se aplica as empresários desportivos), neste sentido já decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no Processo de Recurso nº 2443/02-1, 1ª Secção, em que foi recorrente o C.......... e recorrido D.........., que exige a necessidade da assinatura dos contratos, o que aqui se não verifica por banda do recorrido.
II
Entende pois o Autor-recorrente que deve, com todo o respeito que a decisão recorrida lhe merece, dever declarar-se a completa invalidade (nulidade) do contrato, não podendo assim o Réu C.......... ser condenado, por via do contrato junto aos autos, em qualquer sanção pecuniária.
III
Os contratos de trabalho desportivos são contratos formais, devendo ser assinados por ambas as partes, conforme artigo 5º nº 2 (e 6º) da Lei 28/98 de 26 de Junho que reza expressamente: “o contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes”, o que exclui, desde logo, a aplicação do regime geral do Decreto-lei 64-A/89 de 27.02 (e agora o Código do Trabalho se se entender que é a norma aplicável) e sua conversão em contrato sem termo;
IV
A isto acresce o disposto no artigo 6º da LCT que prescreve a liberdade de forma: “o contrato de trabalho não está sujeito a qualquer formalidade, salvo quando a lei expressamente determinar o contrário”, o que, em conjugação com o artigo 219º do C.C., que dispõe “a validade da declaração não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir”, afasta, “in totum” a convalidação do contrato.
V
É, também, de salientar que sendo o contrato de trabalho desportivo formal, sujeito a um regime especial, e como tal a requisitos e formalidades essenciais, a sua não observância acarreta a nulidade do mesmo, conforme prescreve o artigo 220º do C.C “a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”.
VI
Importa ainda dizer que a aposição de assinatura, no contrato desportivo, de ambas as partes é uma formalidade “ad substanciam”, logo a sua violação acarreta a nulidade do contrato, pois, in casu, a forma é necessária à existência da declaração, sendo que a falta desta, importa a inexistência da própria declaração (cf. “ confirmação”, 1º, 188, nota 311 de Rui de Alarcão, em “Teoria Geral”, 3ª Ed., 435, de Mota Pinto).
VII
Considerando os arts. 5º, nº 2, e 6º do Decreto-Lei 28/98, de 26 de Junho, (Lei do Praticante Desportivo) e os arts. 219º e 220º do Código Civil e o artigo 6º da LCT, urge declarar a nulidade do contrato de trabalho, que não pode pois produzir quaisquer efeitos, designadamente a obrigatoriedade de o recorrente pagar retribuições por via de um contrato nulo.
+++
Contra-alegou o A., pedindo a confirmação do decidido.
+++
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
+++
2. Factos provados (na 1ª instância):
a)- O autor foi admitido ao serviço do réu, em 26 de Abril de 2001, para, sob a orientação, a fiscalização e autoridade dos legais representantes deste, exercer as funções de treinador principal da sua equipa sénior.
b)- Auferia, na prestação da actividade referida, o demandante, na época de 2001, o vencimento de € 2.493,99 e, na época de 2002, a retribuição de € 4.987,98, sendo pagáveis, os referidos montantes, em dez prestações cada, e acrescendo, a estes valores, um prémio de manutenção e outro de subida de divisão.
c)- O contrato de trabalho em apreço teve o seu termo em 30 de Junho de 2002.
d)- E, aquando dessa cessação, o demandado não pagou ao demandante, os vencimentos correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2002.
e)- O réu reconheceu a existência dos créditos acabados de mencionar, o que ocorreu após o autor o ter interpelado para pagar em 30 de Junho de 2002.
+++
A matéria de facto supra transcrita, tal qual foi considerada provada na decisão de facto da 1ª instância, não foi objecto de impugnação pelas partes nem enferma dos vícios previstos no art. 712º do CPC., pelo que se aceita e mantém, a ela se aditando, por provado documentalmente o seguinte facto:
“f)- O contrato, referido nas alíneas a), b) e c), não foi assinado pelo Autor”.
+++
3. Do mérito.
A única questão suscitada pelo apelante consiste em saber, se sendo nulo o contrato de trabalho dos autos, este ficava sujeito ao regime do art. 15º da LCT, tal como consta da decisão recorrida.
Vejamos.
É pacífico nesta fase processual que o contrato de trabalho dos autos, apesar de reduzido a escrito, não foi assinado pelo recorrido, treinador de futebol.
Diga-se, a este propósito, que, contrariamente ao defendido pelo M.mo Juiz, ao caso em apreço não é aplicável o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, aprovado pelo Dec. Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, justamente por a actividade de treinador de futebol não se enquadrar nas actividades profissionais e desportivas previstas no art. 2º daquele diploma legal.
Não obstante, ao contrato de trabalho dos autos é aplicável a clª 6ª do CCT para os Treinadores Profissionais de Futebol, publicado no BTE nº 27, de 1997.07.22, com PE, publicada no BTE nº 37/97, aqui se estabelecendo que "o contrato de trabalho é obrigatoriamente reduzido a escrito, assinado pela entidade patronal e pelo treinador e deve ser lavrado em quintuplicado, destinando-se um exemplar para cada uma das partes os três restantes a ser enviados, no prazo de 5 dias, pelo clube à Liga FFP, à FPF, e à ANTF”.
Assim, o contrato de trabalho, que vinculava o autor ao réu, deve ser declarado nulo, já que o mesmo omitiu uma formalidade essencial, na medida em que nele não constava a assinatura de uma das partes, como a lei exige e comina - cf. art. 220º do CC.
No entanto, ao contrário do que pretende o recorrente, as consequências jurídicas dessa nulidade estão previstas no art. 15º da LCT, aplicável por força da clª 5ª do aludido CCT, que dispõe: "aplicam-se subsidiariamente ao contrato de trabalho celebrado entre os treinadores profissionais e os Clubes ou sociedades desportivas as normas do regime geral do contrato de trabalho, com excepção daquelas que se mostrem incompatíveis com a natureza específica da relação contratual".
Ora, refere o art. 15º, nº 1, da LCT, que “o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução ou, se durante a acção continuar a ser executado, até à data do trânsito em julgado da decisão judicial”.
Assim sendo, o contrato de trabalho dos autos, embora nulo, não deixa de produzir efeitos iguais aos do contrato válido, durante o tempo em que esteve em execução.
Não tendo o recorrente pago ao recorrido as remunerações objecto da sentença, estas são inteiramente devidas, não merecendo qualquer censura o decidido.
+++
A confirmação da sentença recorrida determina o não conhecimento o agravo interposto pelo recorrido, nos termos do art. 710º, nº 1, do CPC.
+++
4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
+++
Porto, 18 de Abril de 2005
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa