Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0650237
Nº Convencional: JTRP00038792
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: CONDOMÍNIO
IMPUGNAÇÃO
DELIBERAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ADMINISTRADOR
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RP200602060650237
Data do Acordão: 02/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: O condomínio, representado pelo seu administrador, tem legitimidade passiva, em acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, não tendo tal acção que ser intentada contra todos os condóminos a título singular.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO

B.......... e mulher C.........., residentes na Rua .........., ..., .........., e D.......... e mulher E.........., residentes na Rua .........., ..., .........., intentaram acção declarativa com processo comum sob a forma sumária, contra, "F.........., Lda.", com sede em .........., na qualidade de Administradora do Condomínio do Prédio Sito na Rua .........., n.º ... – G.........., .........., pedindo que deverão ser declaradas:
- nulas as deliberações tomadas em assembleia de condóminos, de 06/01/2005, porquanto foram violados os formalismos previstos na lei para a convocação da mesma, ou caso assim se não entenda
- nulas as deliberações tomadas supra referidas porquanto são as mesmas violadoras de normas de natureza imperativa, pois não respeitaram as regras relativas à maioria exigida para aprovação das deliberações, ou caso assim se não entenda,
- anuladas as deliberações tomadas supra referidas porquanto foram violados os formalismos previstos na lei para a convocação da mesma, ou ainda caso assim se não entenda,
- anuladas as deliberações tomadas supra referidas, uma vez que não respeitaram as regras relativas à maioria exigida para aprovação das deliberações, sendo assim contrárias Lei.
Alegaram, em síntese, factos que, na sua perspectiva, evidenciam a invalidade das deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 06/01/2005.
Citado o Condomínio, na pessoa da referida administradora, não foi deduzida contestação.
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Por despacho de fls. 25-26, o julgador da 1ª instância, considerando que está em causa a impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos, a acção deve ser intentada contra todos os condóminos, carecendo a administradora do condomínio de legitimidade passiva.
Decidiu, por isso, julgar verificada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e absolveu a ré da instância.
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Inconformados, os autores agravaram daquele despacho, tendo, nas suas alegações de recurso, concluído:
1ª - Sobe o presente recurso, da decisão que considerou verificada a excepção de ilegitimidade passiva da administradora do Condomínio, nos autos supra referidos, e absolveu assim a demandada da instância.
2ª - Tal situação não se afigura correcta.
3ª - Intentaram os recorrentes, acção declarativa com processo comum sob a forma sumária, contra "F.........., Lda.", sociedade comercial por quotas, com sede na Rua .........., ..., .........., pessoa colectiva nº ........., na qualidade de Administradora do Condomínio do Prédio Sito na Rua .........., n.º ... – G..........., entidade equiparada a pessoa colectiva, com o NIPC ......... .
4ª - Tal acção, respeitava à impugnação de deliberações tomadas em assembleia de condóminos, em que a demandada é administradora do condomínio.
5ª- Defende Sandra Passinhas in "A ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS E O ADMINISTRADOR NA PROPRIEDADE HORIZONTAL", 2.ª Edição, Almedina, p. 346, que "A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador. A redacção do artigo 1433.°, n.º 4, é anterior à reforma de 94 e não foi objecto de actualização. As controvérsias respeitantes à impugnação de deliberações da assembleia só satisfazem exigências colectivas da gestão condominial, sem atinência directa com o interesse exclusivo de um ou vários participantes, com a consequência que, nessas acções a legitimidade para agir cabe exclusivamente ao administrador."
6ª - No mesmo sentido dispõe o douto Acórdão da Relação de Lisboa. de 14 de Maio de 1998. CJ, III, p. 96 e seguintes. bem como os Acórdãos da Relação do Porto de 7/1/99 e 5/2/2004. disponíveis em www.dgsi.pt.
7ª- Ensinava Jorge Alberto Aragão Seia, in "Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios", Almedina, 2001, p. 207, referindo-se à legitimidade processual passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, "... o condomínio, ou seja, o conjunto de condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio - n.º l, do artigo 231.° do CPC- embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir com a acção".
8ª - O entendimento expresso na sentença de que se recorre, é de que sempre será "... necessária a intervenção de todos os interessados para que a decisão declare o direito de modo definitivo...".
9ª- Posteriormente refere ainda "... antes exigindo que intervenham todos os condóminos que votaram a(s) deliberação(ões) impugnadas.
10ª - Tal não se afigura coerente
11ª - A ser necessária a intervenção de todos os interessados, então teríamos que considerar como tal, não apenas os que votaram a(s) deliberação(ões), mas todos aqueles que são afectados pela(s) mesma(s).
12ª- Pois as deliberações tomadas em assembleia, uma vez tornando-se definitivas, vinculam não apenas os que as votaram, mas também os que não as votaram.
13ª - É cada vez mais usual a existência de condomínios compostos por dezenas, senão mesmo, centenas de condóminos.
14ª - O registo predial de aquisição de imóveis não é obrigatório,
15ª - O entendimento expresso na sentença recorrida, impõe um ónus processual quase impossível de cumprir para qualquer demandante, sempre que estejam em causa questões do condomínio.
16ª - Para Jorge Alberto Aragão Seia, ob. Cit., p. 204, "...ao conceder-lhe personalidade judiciária, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, isto é, em que ele pode intervir, nos termos dos artigos 1433.°, n.º 6 (como réu) e 1437.°, (como autor e como réu).
17ª - Defendendo assim o ilustre jurista, o nosso entendimento, de que a demandada é dotada de legitimidade processual passiva nos presentes autos.
18ª - No caso sub judice, não estamos perante questões relativas à propriedade ou posse dos bens comuns.
19ª- A sentença recorrida ao ter considerado verificada a excepção de ilegitimidade passiva da administradora do Condomínio, com a consequente absolvição da demandada da instância, violou o disposto nos artigos 1433.° n.º 6 do Código Civil, e artigo 6.° alínea e) do Código de Processo Civil.
20ª - Os artigos 1433.° n.º 6 do Código Civil, e artigo 6.° alínea e) do Código de Processo Civil, deveriam ter sido aplicados no caso sub judice, o que não sucedeu.
21ª - Verifica-se assim, a legitimidade processual passiva da demandada nos autos em apreço.

Não houve resposta às alegações.
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O julgador a quo sustentou o agravo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
O condomínio tem personalidade judiciária (artº 6º, e), do CPC).
A convocação e funcionamento das assembleias de condóminos estão regulados no artº 1432º, do CC.
Por sua vez, o artº 1433º, do CC, estabelece os termos em que podem ser impugnadas as deliberações da assembleia.
No nº 6, desse normativo, dispõe-se que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
No artº 1437º, do CC, preceitua-se a legitimidade activa e passiva do administrador do condomínio.
No artº 26º, do CPC, é-nos dado o conceito de legitimidade processual: o autor é parte legítima quando tem interesse em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção. A legitimidade deve aferir-se pela titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor.
Como é sabido, na última revisão do CPC (DL nº 329-A/95, de 12/12, e nº 180/96, de 25/09), o legislador veio consagrar, na redacção dada ao artº 26º, a tese do Prof. Barbosa de Magalhães, no sentido de que a legitimidade deve ser analisada pela titularidade da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor.
Assim, a ilegitimidade de qualquer das partes apenas ocorrerá quando em juízo se não encontrar o titular da alegada relação material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação. A legitimidade deve ser referida à relação jurídica objecto do litígio, determinando-se através da análise dos fundamentos da acção e qual a posição das partes relativamente a esses fundamentos.
Feitas estas breves considerações, analisemos a questão da legitimidade processual passiva suscitada no recurso.
A presente acção foi intentada contra o Condomínio, representado pela mencionada administradora.
Na decisão recorrida entendeu-se que estando em causa a impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos, a acção deve ser intentada contra todos os condóminos, carecendo a administradora do condomínio de legitimidade passiva.
Pese embora a questão seja controversa, não é esse o nosso entendimento.
Nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, o interesse em contradizer radica, aparentemente, nos condóminos.
No entanto, como refere Sandra Passinhas ("A ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS E O ADMINISTRADOR NA PROPRIEDADE HORIZONTAL", 2.ª Ed., p. 346), “A deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador”.
Ajuizou-se no Ac. da RL, de 14/05/1998 (CJ, 1998, III, 96), que entre os poderes do administrador do condomínio contam-se os inerentes à representação judiciária dos condóminos contra quem sejam propostas acções de impugnação de deliberações da assembleia (artº 1433º, nº 6, do CC). “Significa isso que, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia. E como a representação judiciária dos condóminos recai sobre o administrador, na falta de outra pessoa nomeada pela assembleia para o efeito, é o administrador que de ser citado como representante legal do condomínio, em obediência ao artº 231º, nº 1, do CPC” (no mesmo sentido, ver os Acs. desta Relação (3ª secção), de 07/01/1999 (proc. nº 1363/98) e 05/02/2004 (proc. 6927/2003).
Ao demandarem o Condomínio, representado pela administradora, os autores asseguram a legitimidade passiva nesta acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos.
Procedem, assim, as conclusões do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em dar provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, devendo ser proferida decisão em conformidade com o estatuído no artº 784º, do CPC, ou o que se houver por processualmente conveniente.
Sem custas (artº 2º, nº 1, al. g), do CCJ).

Porto, 6 de Fevereiro de 2006
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
José António Sousa Lameira