Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040302 | ||
| Relator: | CAIMOTO JÁCOME | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO PAULIANA ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RP200705090751208 | ||
| Data do Acordão: | 05/09/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA EM PARTE. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 298 - FLS 119. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Reconhecida em escrito particular uma dívida ( no caso, cheque) está o credor dispensado de provar a existência da relação fundamental (causal) , invertendo-se o ónus da prova. II - O aparente devedor não tem apenas que afastar determinada causa, mas convencer o Tribunal de que a prestação prometida ou a dívida reconhecida não tem qualquer causa. III- São requisitos cumulativos da impugnação pauliana: - Anterioridade do crédito ou, sendo posterior ao acto, tenha sido realizado com o fim de impedir a satisfação do crédito do futuro credor; impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito. - Incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou superior valor. - O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé, ou seja, com consciência do prejuízo que o acto possa causar ao credor. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO RELATÓRIO B………., com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C………., D………., E………. e mulher, F………., G………. e mulher, H………., todos com os sinais dos autos, pedindo: a) a condenação dos réus a verem interrompido o prazo de caducidade a que se refere o artigo 618º do Código Civil; b) a condenação da ré C………. a pagar ao autor a quantia de Pte. 13.000.000$00, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a data de vencimento do cheque invocado e até integral reembolso; c) a condenação de todos os réus a verem judicialmente declarada a impugnação pauliana da cedência do quinhão hereditário da ré C………. na herança de I………., objecto da escritura pública celebrada a 26 de Fevereiro de 1997 no 1º Cartório Notarial do Porto, com referência aos prédios descritos sob as fichas nº 01825/020597, 02614/181199; 02615/181199 e 02252/040698, todos da freguesia de ………., bem como da posterior herança partilhada subjacente ao registo a que se refere a cota G-2 do prédio descrito sob a ficha nº 01825/020597, da freguesia de ………., abrangendo tal impugnação quaisquer transmissões ou onerações posteriores; d) a condenação dos 2ºs a 4ºs réus a verem judicialmente decretada a ineficácia relativa dos actos alienatórios, e, em consequência, a restituírem os quinhões a eles cedidos pela ré C………. ao património desta, na medida do interesse do credor autor. Alega, em síntese, os factos atinentes à existência de um crédito sobre a 1ª ré, à invalidade da cessão de quinhão hereditário efectuada pelos réus e à procedência da impugnação pauliana. Citados, os réus contestaram, impugnando os factos vertidos na petição enquanto conducentes ao reconhecimento da invalidade da cessão e dos pressupostos da impugnação pauliana. Houve réplica do demandante. *** No saneador julgou-se, além do mais, improcedente a excepção do caso julgado. Saneado, condensado e instruído o processo, após julgamento foi decidido julgar a acção improcedente, absolvendo-se os réus do pedido. *** Inconformada, a autora apelou, tendo, nas alegações, concluído: 1ª- Na sentença de fls. 743 a 755 foram cometidos vários erros de julgamento, quer em matéria de facto, quer de direito, os quais podem ser sindicados por este Tribunal ad quem, pois o processo fornece todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto, estando reunidos os pressupostos exigidos pelo Artº 712° n° 1 als. a) e b) do C.P.C.. 2ª- A prova produzida no processo não consentia as respostas de NÃO PROVADOS aos quesitos l° e 2° da B. I.; pois, atentas as alegações e a posição das partes, combinadas com as provas documentais nele existentes, é manifesto que a prova testemunhal produzida pela parte contrária não se mostra idónea a infirmar o conjunta da prova testemunhal e documental produzida pelo A.. 3ª- Na decisão de facto (ponto 11 de fls. 739), é ostensivo que o Tribunal não atendeu a nenhuma prova documental existente no processo, limita-se a remeter para os registos magnetofónicos - o que conduz à nulidade prevista no Artº 668°, n° 1 al. d) «lª parte», do C.P.C.. 4ª- Ao quesito l°, o A. indicou as testemunhas: J………., L………., M………., N………. e O……….; e o que ressalta na fundamentação de facto é que o Tribunal só não acreditou nos depoimentos da 1ª, 4ª e 5ª; não se vê assim razão séria para que tenham sido desconsiderados os testemunhos das demais. 5ª- Acresce que, a requerimento dos RR. o A. juntou aos autos 219 documentos, que não foram objecto de impugnação; a falta de impugnação, tem as consequências previstas nos Arts. 374°, n° 1 e 376°, n° 1 do Cód. Civil, e nessa medida, fazem prova plena do seu conteúdo contra os RR., facto e prova que o Tribunal a quo descorou totalmente. 6ª- Do alegado nos Arts. l° a 9° da p.i., resulta que o crédito que o A. visa acautelar na pauliana emerge directamente do título de fls. 141 e não das relações causais subjacentes; a posse faz presumir a existência do direito, é sobre o devedor que recai o encargo de provar a inexistência, ilicitude ou falsidade. Alegaram os RR. que o cheque foi furtado pelo A. à la/R., versão que passou ao quesito 11° da B.I., e levou um rotundo não provado. 7ª- Em suma: a prova fornecida pelo processo impunha ao Tribunal a quo resposta inversa aos quesitos l° e 2°, ao assim não ter entendido, compete a este Tribunal ad quem no uso dos poderes consagrados no Artº 712°, n° 1, als. a) e b) «lª parte», do C.P.C., alterar o decidido na la instância, dando aos quesitos 1° e 2° a resposta de PROVADOS. 8ª- O mesmo sucede relativamente às respostas de não provados aos quesitos 3°, 4° 5°, 6°, 7° e ao 8º, e quanto às respostas restritivas dadas aos 9° e 10°, também a prova globalmente fornecida pelo processo e às presunções judiciais ao caso cabidas, impunha que aos mesmos quesitos fossem dadas resposta de provados - sem restrição. 9ª- As revelações dos RR. prestadas em depoimento de parte, não poderiam ter deixado de ser devidamente valoradas e consideradas nas respostas dadas aos quesitos 3°, 4°, 6°, 7°, 8° e 10°, no sentido de lhes responder provados, umas, por serem confessórias e as demais, por permitirem, a partir delas, retirarem-se as ilações correspondentes. 10ª- Os depoimentos das testemunhas L……… e M………. - cuja credibilidade não foi posta em causa pelo Mm° Juiz do julgamento - teriam que ter sido valorados e considerados nas respostas aos quesitos 1°, 9° e 10°, que não poderia ter sido outra que não a de PROVADOS. 11ª- A testemunha P………., com depoimento parcial e fortemente comprometido com os interesses dos RR. na causa, sem querer, acabou por referir expressa e repetidamente em audiência, que, quem pagou ao Q………. (seu cunhado) a parte dele nas partilhas, foi o S………., marido da (P/R.) "C1………." na época. 12ª- Em síntese conclusiva: a prova fornecida pelo processo, impunha ao Tribunal a quo que desse resposta inversa aos quesitos 1° a 8°, 12° e 13°, e provados sem restrição os quesitos 9° e 10°, ao assim não ter entendido na decisão de facto, compete agora a este Tribunal ad quem no uso dos poderes consagrados no Artº 712°, n° 1, als. a) e b) «lª parte», do C.P.C., alterar as respostas dadas pela lª instância aos mesmos quesitos, ou seja, dar a resposta de PROVADO aos quesitos 1° a 10°, e de não provados aos quesitos 12° e 13°, o que levará à total procedência da acção. 13ª- Dado que a sentença recorrida assenta nos pontos da matéria de facto fixada na decisão de facto, todas as críticas, razões e fundamentos supra invocadas pelo recorrente contra aquela decisão, são igualmente imputáveis à douta sentença a quo, sendo que, por razões de celeridade e de economia processuais aqui se não repetem e dão por integralmente reproduzidas. 14ª- Na sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo apenas se ateve aos factos dados corno provados na peça dos Factos Assentes e na decisão de facto; isto é, tal como o Mm° Juiz do julgamento, também o a quo na sentença recorrida desconsiderou totalmente a abundante prova documental junta pelo A. ao processo, prova essa que é adequada a darem-se como assentes mais os factos A) a N) do item 9 das alegações, que aqui se dão por reproduzidas e cuja fixação por este Tribunal ad quem já se requereu em sede de alegações e aqui reitera. 15ª- Todos aqueles factos provados por documentos, a exemplo do que já havia sucedido na decisão de facto, é patente que foram completamente desconsiderados na sentença recorrida, o que acarreta a sua nulidade como previsto no Artº 668°, n° 1 alínea d) «lª parte», do C.P.C.. 16ª- Tais factos, atenta a natureza e delicadeza deste tipo de acção não podiam deixar de ter sido considerados na sentença, já que conjugados com outros são de crucial importância para a partir deles se retirarem as ilações adequadas a surpreender, ainda que indirectamente, o conluio entre os intervenientes na escritura de fls. 46 a 49. 17ª- No caso que para aqui importa, como se provou, apesar da celebração da escritura, a lª R.-C………. manteve-se como anteriormente o vinha fazendo à frente da exploração do "T………." como coisa sua que é, o mesmo se aplicando à casa de habitação onde reside e sempre lá residiu. 18ª- Os empréstimos concedidos pelo A. à 1ª/R., incidentalmente alegados no Art. l° da p. i., destinaram-se precisamente para ela dar a sua parte aos irmãos cedentes, onde se inclui o Q………., que, como referiu e repisou a testemunha P………. (seu cunhado), tinha a certeza absoluta de que foi o S………., ex-marido da (lª/R.) C1………., quem ficou incumbido de pagar e pagou ao Q……….os 2.000 contos que lhe couberam pelos bens que a C1………. ficou dos pais. 19ª- Tais factos e contradições são relevantes e permitem as presunções judiciais fundadas nas regras práticas da experiência comum e nos conhecimentos da vida que estão vocacionadas para o alcance da verdade material, nomeadamente nos casos em que como o dos autos a prova directa é difícil de conseguir, ainda mais difícil do que é normal, atendendo que os intervenientes nesse acordo simulado são todos irmãos entre si, cunhados e mãe, e a maioria deles RR. na acção. 20ª- Os três requisitos exigidos e mencionados na 2ª metade de fls. 748, para a verificação de simulação no momento da conclusão de negócio jurídico, estão no caso todos preenchidos e verificados; o facto de não terem sido apurados pelo Tribunal a quo em sede de fixação da matéria de facto, tal vicissitude fica unicamente a dever-se aos supra apontados erros de julgamento em sede de apreciação da matéria de facto. 21ª- A parte do negócio que se ataca nesta acção, circunscreve-se à cedência do quinhão declarada na escritura pela lª/R.-B………., como se extrai claramente no pedido formulado em D) a fls. 18 e também já resultava do alegado no Artº 53° da p.i.. 22ª- No 2° parágrafo de fls. 750 evidencia-se outro erro de julgamento, manifesto e elucidativo da desconsideração pelo Tribunal das provas fornecidas pelo processo; é que nos autos existem três certidões (fls. 409 a 415, 418 a 423, e 493 a 516), as duas primeiras, articulados processuais produzidos em nome dos 2°s. a 4°s/RR., e a última, a Relação de Bens (fls. 504 a 516) apresentada pelos RR. na Repartição de Finanças para efeitos de imposto sucessório, estes documentos, são capazes de só por si inquinar o juízo discorrido pelo Tribunal a quo no 2° § de fls. 750. 23ª- Tais articulados e relação de bens imputáveis aos referidos RR., nos termos dos Arts. 374 °, n° 1 e 376°, n° 1 do Cód. Civil, fazem prova plena contra si dos factos neles contidos; e destes, não subsiste a menor dúvida de que quer o estabelecimento de T………., quer a habitação da C………., ambos versados nos autos, se incluem no acervo hereditário objecto da escritura de cessão; e se assim não fosse, os RR. tê-lo-iam dito expressamente em sua defesa na Contestação conjunta. 24ª- É também errado o discorrimento feito a fls. 751 ao reportar a causa de pedir a1egada pelo A., a uma causa complexa - resultante de fornecimentos de géneros alimentares e de empréstimos, tudo feito pelo autor... e restante construção apelando às respostas negativas aos pontos l° e 2° da base instrutória; quanto à resposta negativa dada ao quesito 1°, remete-se para tudo quanto a propósito já se alegou na parte A) desta peça. 25ª- No que se refere à resposta negativa ao quesito 2° citado e pressuposta ao discorrido a fls. 751 e 753, cumpre referir que a selecção da matéria de facto deve ter em vista apenas os factos relevantes para a boa decisão da causa, ora, não vindo questionada a força executiva de que goza o título (original) junto a fls. 141, e tendo em conta a presunção legalmente estabelecida a seu favor, e ainda aos factos provados em A) e B) na peça dos Factos Assentes e a resposta de não provado dada ao quesito 11° - é manifesto que a resposta de não provado ao quesito 2°, é inócua a obstar ao direito que ao A. assiste em razão do título e sua posse legítimos. 26ª- O alegado na 1ª parte do Artº l°da p.i., é meramente instrumental e foi ali vertido apenas para tornar mais inteligível as razões da posse do título pelo A.; a posse do título que faz presumir a existência do direito, os títulos de crédito são documentos cuja posse importa legitimação activa, habilitando o tomador a exercer ou transmitir o direito que incorpora, a ordem de pagamento dada ao Banco através de um cheque representa, em princípio, o reconhecimento unilateral da dívida. 27ª- O entendimento feito na sentença, é errado, na medida em que enquadra deficientemente a causa de pedir - que manifestamente é o título executivo convertendo-a numa alegada causa complexa resultante de fornecimentos de géneros alimentares e de empréstimos... que extrai das alegações da 1ª parte do Artº l° da p.i., e com esse entendimento desacertado, acaba por subverter as regras legais do ónus da prova, o que comporta nulidade. 28ª- O Tribunal a quo ao não aplicar o direito em função da relação cambiária, como era devido, atendo-se à relação causal, cometeu erro de julgamento, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito que a este Tribunal compete sindicar por via deste recurso. 29ª- Os erros de julgamento apontados nas conclusões antecedentes, enquanto prejudiciais à procedência do pedido de impugnação pauliana, conduziram o Tribunal a quo a decidir-se pela improcedência desta como é ostensivo no teor de fls. 754-755; por ter entendido que nos autos, erradamente, não é de reconhecer o crédito do autor sobre a ré C………, daqui arrancando para a falência do primeiro pressuposto de funcionamento do instituto da impugnação pauliana; entendimento que, em face dos factos comprovados no processo não é de manter e a reparação dos erros anteriores, conduzirá necessariamente também à reparação deste último. 30ª- Por todo o exposto, foram violadas na sentença recorrida, de entre outras, as normas substantivas dos Arts. 342°, 344°, 349°, 350°, n° 1, 351°, 374°, n° 1 e 376°, n° 1, do Cód. Civil e, as adjectivas dos Arts. 515°, 659°, n° 3, 668°, n° 1, alínea d) «1ª parte», do C.P.C., incumbindo a este Tribunal ad quem exercer os poderes de censura previstos no Artº 712°, n° 1, alíneas a) e b), do C.P.C.. Não houve resposta às alegações. *** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2- FUNDAMENTAÇÃO 2.1- OS FACTOS Considera-se provada a seguinte matéria de facto: 1-A ré C………. assinou o cheque nº ………., sacado sobre a conta de depósitos à ordem nº ………… da “W……….”, agência de Gondomar; 2-O autor depositou, no dia 12.11.1996, na agência de Gondomar do “X………., SA”, o cheque referido em 1-, tendo o seu pagamento sido recusado e o cheque devolvido por falta de provisão; 3-A 26 de Fevereiro de 1997, foi celebrada uma escritura pública no 1º Cartório Notarial do Porto, através da qual a ré C………. declarou vender o quinhão hereditário que lhe pertence na herança ilíquida e indivisa deixada por óbito de seu pai aos réus D………., E………., F………., G………. e H………., pelo preço de 200.000$00; 4-Y………. enviou à agência de Gondomar da “W……….” a carta junta a fls. 92 a 94, datada de 20 de Novembro de 1996, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 5- Após a outorga da escritura referida em 3-, a ré C………. continua a explorar o estabelecimento de T……….; 6-E continua a habitar a habitação sita por cima do estabelecimento; 7-Durante algum tempo, o autor, fazendo uso de uma relação de amizade que mantinha com a 1ª ré, solicitou à mesma e a Y………. que emitissem letras de favor; 8-As quais eram só e apenas assinadas por elas, no lugar do aceite, sendo posteriormente preenchidas pelo autor de acordo com as suas necessidades. 2.2- O DIREITO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil. O recorrente insurge-se, desde logo, contra a decisão sobre a matéria de facto, de fls. 738-740. O que se mostra posto em causa são as respostas à matéria dos quesitos 1° a 8º (negativas), 9º e 10º (restritivas) e 12º e 13º (positivas), da base instrutória. Na sua perspectiva, o tribunal deveria ter respondido positivamente, sem restrições, à matéria dos 1º a 10º, e negativamente ao perguntado nos quesitos 12º e 13º. O apelante pede a reapreciação da prova gravada, concretamente os depoimentos de parte (réus) e das testemunhas por si arroladas, nomeadamente L………., M………, bem como da documentação junta no processo. Esses elementos de prova apontam, no entender do apelante, no sentido do acolhimento da sua tese, a saber, da existência do crédito, da simulação da cessão de quinhões hereditários e/ou da verificação dos requisitos da impugnação pauliana. Vejamos. Fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 655º, nº 1, do CPC, em princípio essa matéria é inalterável. A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº 712º, do CPC. Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1ª instância. No caso em apreço, torna-se perfeitamente claro não ser aplicável a previsão da referida alínea c), do nº 1, do artº 712º, do CPC, pois que não foi apresentado documento novo superveniente. Tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, "a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido..." - nº 2, do artº 712º, do CPC. O recorrente cumpriu o ónus imposto no nºs 1 e 2, do artº 690º-A, do CPC. Com a introdução de novas regras sobre o regime legal disciplinador da admissão e reapreciação da prova feita em juízo não ficaram afastados os princípios fundamentais, inseridos na lei processual civil e que constituem esteios e suportes essenciais do ordenamento jurídico, a saber, os princípios da imediação, oralidade e concentração e da livre apreciação da prova. No citado artº 655º, nº 1, do CPC, consagra-se o princípio da liberdade de julgamento - livre apreciação da prova -, segundo o qual é concedido ao tribunal "apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto". E esta apreciação livre das provas tem de ser entendida como uma apreciação convicta do julgador, subordinada apenas à sua experiência e prudência e guiando-se sempre por factores de probabilidade e nunca de certezas absolutas, estas sempre intangíveis, nunca entendida num sentido arbitrário, de mero capricho ou de simples produto do momento, mas como uma análise serena e objectiva de todos os elementos de facto que foram levados a julgamento, tudo por forma a que uma resposta dada a determinado quesito seja o reflexo e "deve reflectir o resultado da conjugação de vários elementos de prova que na audiência ou em momento anterior foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação ou da oralidade" (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 209). Deve aceitar-se que a convicção do julgador da 1ª instância resulta da experiência, prudência e saber daquele, sendo certo que é no contacto pessoal e directo com as provas, designadamente com a testemunhal e no depoimento de parte, que aquelas qualidades de julgador mais são necessárias, pois é com base nelas que determinado depoimento pode ou não convencer quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recai, constituindo uma das manifestações dos princípios da oralidade e da imediação, por via das quais o julgador tem a oportunidade de se aperceber da frontalidade, tibieza, lucidez, rigor e firmeza com que os depoimentos são produzidos, mesmo do confronto imediato entre os vários depoimentos, do contraditório formado pelos intervenientes, advogados e juízes, do interrogatório do advogado que a apresenta, do contraditório do outro mandatário e das dúvidas do próprio tribunal, melhor ajuizando e aquilatando desta forma da sua validade. A finalidade do citado artº 712º, do CPC, é garantir a correcção do apuramento da matéria de facto, mas tal possibilidade tem de ser feita no respeito pelas normas jurídicas e processuais adequadas e, no caso presente, não se vislumbra que tenha existido qualquer incorrecção quanto ao apuramento da matéria de facto, livremente valorada pelo julgador da 1ª instância. A eficácia probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade da declaração e não também à exactidão ou eficácia do declarado (artº 376º e, entre outros, os Acs. STJ, BMJ, 267º/125, RC, BMJ, 439º/660, RL, CJ, 1993, II, 163). No entanto, os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (nº 2, do citado normativo). Fora desse âmbito, designadamente em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente. Por outro lado, a força probatória dos documentos autênticos está definida no artº 371º, do CC: fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos neles que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora. Importa, assim, distinguir os casos em que os meios de prova, designadamente determinados documentos juntos aos autos, têm força probatória plena e aqueles em que a não têm. Neste último caso, ou seja, de meios de prova a apreciar livremente pelo julgador (v.g. documental, testemunhal), a Relação só pode valorar esses meios, e daí partir para uma alteração das respostas à base instrutória, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da 1ª instância. É que só nesse caso a Relação se encontra numa posição igual à da 1ª instância para fazer uma apreciação livre (artº 655º, do CPC), o que pressupõe a possibilidade de considerar em simultâneo todas as provas produzidas. A sindicância à convicção do julgador da 1ª instância, a realizar por este tribunal de recurso, apenas se mostra adequada quando a mesma se apresenta manifestamente contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Deve ter-se presente que ao tribunal de 2ª instância não pode ser exigido que procure uma nova convicção sobre depoimentos de pessoas cuja presença física lhe está ausente, mas indagar se a convicção formada no tribunal recorrido tem suporte razoável naquilo que a gravação demonstra. Ora, analisada (ouvida) a prova (toda) gravada (depoimentos de parte e testemunhas), designadamente os depoimentos das referidas testemunhas, bem como a documentação junta pelo autor e réus, afigura-se-nos não existir fundamento para alterar as respostas à matéria dos mencionados quesitos. Na motivação da decisão sobre a matéria de facto o Sr. Juiz da 1ª instância refere: “I - No que respeita aos factos provados constantes das respostas positivas que antecedem foi valorado o conjunto da prova produzida nomeadamente: a) Relativamente às respostas aos quesitos 9° e 10°, foram valorados os depoimentos das testemunhas, L………., operador de loja, a quem o Autor pediu que o acompanhasse numa deslocação ao minimercado a fim de se proceder, por ordem do tribunal, à apreensão de mercadoria o que foi impossibilitado devido à oposição da 1 ° Ré que vivia por cima do estabelecimento e de M………., ex-vendedor de produtos alimentares, fornecedor daquele supermercado durante anos, tendo referido que a C………. subia a escadas para ir buscar os cheques ao andar de cima da mercearia onde habitava. Este último facto foi confirmado pela testemunha Q………., irmão dos Réus, o qual salientou que, não obstante a casa ser propriedade do seu irmão D………, é a sua irmã C………. quem ali reside, desde que se divorciou, e pela testemunha P………, cunhado da testemunha anterior Q………. . b) Quanto à matéria dos quesitos 12º e 13º, foram vai orados os depoimentos das testemunhas Z………. funcionária da mãe dos Réus, a qual confirmou que o Autor B………. era o fornecedor de batatas e de cebolas da mercearia a qual teve oportunidade de presenciar, assistiu por diversas vezes à mãe dos Réus e à Ré C……… a assinar diversas letras a pedido do Autor B………, conjugado com o depoimento da testemunha N………. que confirmou que quer a Ré C………. quer a mãe, Y………. aceitavam letras que depois o Autor descontava no banco onde o filho trabalhava. II - Quanto aos factos não provados importa salientar que sobre os mesmos ou não foi efectuada qualquer tipo de prova, ou se fez prova de realidade distinta ou a prova produzida foi manifestamente insuficiente, conforme tudo melhor decorre dos respectivos registos magnetofónicos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. A este respeito e no que concerne à matéria dos quesitos 1º e 2º refere-se que a prova testemunhal produzida se revelou falha de credibilidade ou pelo carácter mirabolante do depoimento (assim a testemunha J………., encontrar-se-ia, em dia e ano que não conseguiu precisar na loja de electrodomésticos da testemunha N………. quando a 1 a Ré entrou. Depois ouviu o barulho de teclas de máquina de escrever e o Autor referiu-lhe que ela lhe tinha vindo pedir para preencher um cheque, e que "deve ser para1 tramar alguém") ou pela natureza tendenciosa do mesmo (assim a testemunha N………., que se arroga igualmente um crédito sobre a 1ª Ré, o qual segundo ele foi quem preencheu o cheque em questão que teria sido depois assinado na sua presença mas ao ser-lhe perguntado o motivo por que o fez limitou-se a referir que a lª Ré lhe referia "que tinha medo de se enganar") pelo manifesto interesse na causa (assim a testemunha O………., filho do Autor).”. Atento o antes expendido sobre a reapreciação da prova na 2ª instância, não se vislumbram razões para desaprovar a convicção (positiva e negativa) formada no tribunal recorrido. No tocante à documentação (força probatória) junta pelo autor (fls. 19-59, 141, 187-301, 357-452, 471-529 e 559) e réus (fls. 92-107 e 576-626), respeitante documentos autênticos (certidões judiciais, notariais e registrais, etc) e particulares (talões de venda, cópias de cheques, de letras de câmbio, documentos bancários e outros), diremos que a mesma, por si só, não implica decisão diversa da proferida no tribunal recorrido. De seguro, o que sabemos é que o autor, a ré C……… e a mãe desta, Y…….., mantiveram relações de amizade, comerciais e/ou económicas e que esse relacionamento, outrora agradável e profícuo, deixou de o ser, a partir de fins de 1996. Por outro lado, o facto de a ré C………, mesmo após o negócio de cedência de quinhões hereditários, continuar a explorar o estabelecimento de mini-mercado e a residir na habitação sita por cima do mesmo, é, tal como bem se salienta na sentença recorrida, compatível com múltiplas realidades. Se bem que na apreciação dos factos reveladores da simulação ou da má fé (arts. 240º e 612º, do CC) as presunções judiciais ou juízos de experiência (artº 351º, do CC), e as naturais, tenham um papel muitas vezes decisivo, o certo é que tal não significa que o julgador pondere de forma irrazoável, imprudente, precipitada ou irracional as regras da experiência comum. Em suma, ponderada a prova testemunhal e a documental e tendo presente a referida motivação da decisão de facto bem como o estatuído no artº 516º, do CPC, afigura-se-nos não existir fundamento para alterar as respostas aos mencionados quesitos da base instrutória. A matéria de facto, antes vertida no item 2.1, é, pois, inalterável. Conclui o apelante que a decisão sobre a matéria de facto é nula na medida em que o tribunal recorrido não atendeu a nenhuma prova documental existente no processo. Invoca o disposto no nº 1, al. d), do artº 668º, do CPC. Importa ter presente as diferenças entre nulidades da decisão judicial (artº 668º, do CPC), modificabilidade da matéria de facto (artº 712º, do CPC), e a motivação da sentença (artº 659º, nºs 2 e 3, do CPC) com a fundamentação das respostas aos quesitos (artº 653º, nº 2, do CPC). A decisão judicial é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artº 668º, nº 1, alínea d), do CPC). Esta norma deve ser interpretada em sintonia com o disposto no artº 660º, nº 2, do mesmo diploma legal. A omissão de pronúncia existe apenas quando o juiz não considere as questões postas ao tribunal e já não no referente aos fundamentos (argumentos) de facto e de direito produzidos pelas partes em sustentação do seu ponto de vista (ver, entre outros, os Acs. do STJ, BMJ, 263º/187, 371º/374, 391º/565, 425º/450, e Rodrigues Bastos, "Notas", III, p. 227-228). Na decisão recorrida, o julgador a quo nenhuma questão relevante omitiu, pois que respondeu a toda a matéria dos quesitos da base instrutória. Não ter atendido, explicitamente, à prova documental significa apenas que o julgador, implicitamente, não considerou a documentação relevante ou evidenciadora da matéria de facto vertida nos quesitos 1º a 8º e parte dos 9º e 10º, numa livre apreciação da mesma, em conjugação com a restante prova. De salientar que o julgador da 1ª instância refere, na motivação, ter “valorado o conjunto da prova produzida”. Não ocorre a apontada nulidade judicial. Por outro lado, a motivação da decisão sobre a matéria de facto é deficiente? Naturalmente que, é bom recordar, a credibilidade ou a força decisiva dos meios de prova referenciados na motivação do mencionado despacho devem ser vistos à luz do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artº 651º, nº 1, do CPC, sendo que essa decisão se mostra suficientemente fundamentada. Com efeito, conforme ensinam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 653 e segs.) a fundamentação da decisão sobre matéria de facto exige, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador, a identificação precisa dos meios probatórios concretos que alicerçaram essa convicção (depoimento de parte, depoimento de certa testemunha, laudo, documento, etc). Depois, mas só na medida do possível, devem referir-se as razões da credibilidade ou da força probatória reconhecida a esses meios de prova, a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto. É este, também, o entendimento, maioritário, do nosso mais alto tribunal (ver, por todos, o Ac. do STJ, de 02/02/93, CJ, 1993, I, pág. 123). Ora, no aludido despacho de fls. 738-740, cuja fundamentação transcrevemos, o julgador a quo não se limita a indicar os meios de prova em que baseou a sua convicção positiva e negativa. Nessa decisão, o julgador especificou a sua convicção sobre a razão de ciência das testemunhas dos autores e réus, cotejando-a e analisando a respectiva credibilidade. Cumpriu-se, pois, o estatuído nos arts. 158º e 653º, nº 2, do CPC, respeitando-se o disposto no artº 205º, da Constituição da República, não se verificando a nulidade a que se alude no nº 1, al. b), do artº 668º, do CPC. * Assente a matéria de facto, importa analisar o mérito da acção.No que concerne à simulação, remetemos para o ajuizado, e bem, na decisão recorrida: dada a matéria de facto apurada, não resulta demonstrada, relativamente à cessão de quinhões hereditários, a desconformidade entre o querido e o declarado (artº 240º, do CC). Excluída a simulação, em face da factualidade provada, poder-se-á concluir, ou não, se o demandante logrou provar, como lhe competia (arts. 342º, nº 1, e 611º, do CC), os factos integradores da impugnação pauliana, ou, de outro modo, a verificação dos requisitos de procedência daquele instituto de conservação da garantia patrimonial, a que alude o artº 610º e segs. do CC. Desde logo, considerando o pedido formulado em B), da petição, importa saber se o autor é titular do crédito de Pte. 13.000.000$00, referido no articulado inicial. Vejamos. Na decisão recorrida, negou-se o crédito do autor, mencionando-se jurisprudência do STJ (Ac. de 21/05/2002). Para tanto, entendeu-se (sinteticamente) que: - “(…) o cheque subscrito pela ré C……… nem sequer foi junto com a petição inicial, o que sem margem para dúvida indica que a sua cópia (junta a fls. 19) foi apresentada como meio de prova da relação jurídica material subjacente; - Assim, não tendo o autor invocado a relação cambiária, utilizando o cheque e suas cópias como meio de demonstrar a relação jurídica material subjacente, não pode a decisão de mérito ater-se apenas à relação cambiária; - não se tendo demonstrado os factos de que o autor pretendia fazer surgir a obrigação de pagar (a realização de fornecimentos de produtos alimentares e o empréstimo de quantias em dinheiro), não pode a ré C………. ser condenada a pagar ao autor a quantia exigida por este”. A nosso ver, com o devido respeito, deve ser reconhecido o crédito do autor. Com efeito, provou-se, além do mais, que: - A ré C………. assinou o cheque nº ………., sacado sobre a conta de depósitos à ordem nº ………… da “W……….”, agência de Gondomar, datado de 11/11/96; - O autor depositou, no dia 12/11/1996, na agência de Gondomar do “X………., SA”, o referido cheque, tendo o seu pagamento sido recusado e o cheque devolvido por falta de provisão. O cheque é um título de crédito, o qual incorpora um direito (de crédito) definido nos precisos termos que dele constam. Da subscrição do cheque resulta a obrigação de o pagar (arts. 12º, 40º e 45º, da L.U. Relativa ao Cheque). A ré C………. reconhece ter assinado um cheque que veio à posse do autor, mas desconhece-se quem o preencheu, quem o entregou ao autor, e qual a causa jurídica que está na sua origem. Afirma-se, e bem, na decisão recorrida que, estando assente a autoria da assinatura aposta no cheque de fls. 141, mostram-se plenamente provadas as declarações que do mesmo resultam, designadamente a ordem à instituição bancária “W……….” para que pague ao autor a quantia de 13.000.000$00, na justa medida em que os réus não lograram demonstrar quer a posse ilegítima, quer o preenchimento abusivo do título (nº 1, do artº 376º, do Código Civil). Se é certo que a causa de pedir na presente acção não é, exclusivamente, cambiária, pois que se baseia também na relação substancial (fornecimento de géneros alimentares e empréstimo de dinheiro), pensamos que, invocada a relação cambiária, o autor e beneficiário do cheque não tinha o ónus de demonstrar a relação subjacente ou material, face ao disposto no artº 458º, do CC. Deste normativo resulta a dispensa do credor de provar a existência da relação fundamental, invertendo-se o ónus da prova. Há neste caso não só uma inversão do ónus da prova, mas um agravamento desse ónus, na medida em que o aparente devedor não tem apenas que afastar determinada causa, mas convencer o tribunal de que a prestação prometida ou a dívida reconhecida não têm nenhuma causa (P. Lima-A. Varela, C. C. Anotado, I, 2ª ed., p. 384-385, e A. Varela, Das Obrigações em geral, 9ª ed., I, 455, nota 1). Os factos integradores da relação subjacente estão vertidos no quesito 1º, da base instrutória, ao qual, como vimos, foi dada resposta negativa. No entanto, como o autor (credor cambiário) beneficia da presunção constante do mencionado artº 458º, do CC, a resposta negativa a um quesito significa apenas que nada se provou e a devedora (ré C……….) não demonstrou a inexistência da dívida, tem de reconhecer-se o crédito de Pte. 13.000.000$00, titulado no aludido cheque (ver o Ac. do STJ de 11/05/1999, em CJ/STJ, 1999, II, 88). Tal montante vence juros de mora legais, desde a data de vencimento do cheque (arts. 804º, 805º, nº 2, al. a), 806º, do C. Civil, e 45º, da LURC). Dito isto, importa apreciar a invocada impugnação pauliana. São requisitos, cumulativos, da impugnação pauliana os previstos nas duas alíneas do artº 610º, do CC, sendo ainda de atentar no texto dos arts. 611º e 612º, referentes ao ónus de prova e à má fé: - anterioridade do crédito ou, sendo posterior ao acto, tenha sido este realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do crédito do futuro credor; impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito (artº 610º); - incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção da acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (artº 611º); - o acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé, ou seja, com consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (artº 612º) – ver A. Varela, Das Obrigações em geral, II, 7ª ed., p.445 e segs., M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 766 e segs., e, entre outros, os Acs. do STJ, BMJ, 373º/514, 462º/421, CJ/STJ, 1993, III, p. 35, 1998, III, p. 104 e 134). O primeiro requisito exigível está, a nosso ver, demonstrado porquanto existe um crédito cambiário do autor sobre a ré C………. - obrigação cambiária decorrente do saque. O crédito do autor/apelante existe e é anterior à cessão de quinhão hereditário. Por isso, tratando-se de um acto oneroso posterior ao crédito do autor, competia a este provar a má fé dos réus, o que o demandante não logrou fazer, sendo que também não provou o segundo requisito genérico do instituto (pauliana) respeitante à diminuição da garantia patrimonial ou a diminuição dos valores patrimoniais que respondem pelo cumprimento da obrigação (eventus damni) - respostas negativas aos quesitos 3º a 8º. Tanto basta para a improcedência da impugnação pauliana. Assim, as conclusões do recurso procedem apenas na medida do expendido. 3- DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Relação: a) Em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a decisão recorrida; b) Em consequência da procedência parcial do recurso, julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré C………. a pagar ao Autor a quantia de Pte. 13.000.000$00 (€ 64.843,73 – sessenta e quatro mil oitocentos e quarenta e três euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento do cheque invocado e até integral reembolso; c) Em julgar, no mais, improcedente a acção, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra estes formulados, descritos em c) e d); d) Condenar nas custas da apelação o Apelante e a Apelada C………, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, e o Autor e a Ré C………. nas custas da acção, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Porto, 9 de Maio de 2007 Manuel José Caimoto Jácome José António Sousa Lameira Jorge Manuel Vilaça Nunes |