Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0830167
Nº Convencional: JTRP00041192
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
ILISÃO
ÂMBITO DA CONDENAÇÃO
Nº do Documento: RP200803130830167
Data do Acordão: 03/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA EM PARTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 752 - FLS. 62.
Área Temática: .
Sumário: I – Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar os factos constitutivos do direito que o autor se arroga, já que, fazendo-o, iria alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que, assim, confessaria tacitamente o não cumprimento.
II – As prescrições presuntivas, constituindo verdadeiras presunções de cumprimento, produzem a inversão do ónus da prova, ficando, por via das mesmas, o devedor liberto desse encargo, sem embargo de o credor ilidir a presunção em causa, mediante um acto confessório – judicial ou extrajudicial – do próprio devedor, provando o não cumprimento.
III – Não podendo dar-se como demonstrado o objecto ou a quantidade da condenação, nem sendo possível a sua fixação em termos de equidade, justifica-se, mesmo quando deduzido pedido liquido, que a liquidação seja relegada para incidente de liquidação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. “B………………, Ldª”, propôs, no Tribunal da Comarca de Lamego, contra C……………. e mulher, D………………., a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia € 30.064,31, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros comerciais, desde as datas de vencimento das facturas, computando os vencidos à data da propositura da acção em € 750.
Alega para tanto, em síntese, que, no exercício da sua actividade comercial e a pedido do R. marido, para serem aplicados na sua casa de morada de família, vendeu aos RR. os materiais e artigos de construção descriminados nas facturas nºs 159, 592, 715, 212, 284 e 562, que junta, cujo preço os RR. não pagaram.

2. Contestaram os RR., por excepção, invocando a prescrição presuntiva de parte do crédito reclamado pela A. e o abuso do direito, neste caso porque a A., com esta acção, os pretende obrigar a pagar duas vezes os mesmos materiais, e por impugnação, alegando terem pago todos os materiais descritos nas facturas juntas pela A., alguns dos quais estavam incluídos no preço do contrato de empreitada que celebraram com um dos dois sócios da A., sendo o outro sócio o seu cônjuge.
Terminam pela procedência das excepções e pela improcedência da acção, peticionando ainda a condenação da A. como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização.

3. Respondeu a A. no sentido da improcedência das excepções, refutando a litigância de má fé que os RR. lhe atribuem.

4. Com dispensa de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que, afirmando a validade e regularidade da instância e relegando para a sentença o conhecimento da excepção da prescrição invocada pelos RR., declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que não foram objecto de reclamações.

5. Procedeu-se a julgamento com gravação e observância do formalismo legal, no qual foi oficiosamente aditado um quesito à base instrutória - 15º - e se registaram parcialmente os depoimentos de parte do sócio gerente da A. e dos RR., como consta de fls. 188 e 189 e 232, e, sem que a decisão da matéria de facto tivesse sido objecto de censura, foi proferida sentença que, considerando inexistir abuso do direito e litigância de má fé, julgou parcialmente procedente a acção e, absolvendo-os, por pagamento parcial da dívida (da quantia de € 1.000 relativa à factura nº 284, junta a fls. 16) e do mais que viesse a apurar-se em liquidação de sentença, condenou os RR. a pagarem à A. a quantia de € 5.354,36, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde as datas das facturas nºs 592, 715, 212 e 159 (esta no que diz respeito aos quatro primeiros materiais a que alude), bem como no que viesse a apurar-se em liquidação de sentença, relativamente aos factos provados de 2.q).

6. Inconformados, apelaram A. e RR. que formularam as seguintes conclusões:
A Autora:
1ª: Ocorre lapso material de escrita na redacção do quesito 3º, pois é suportado na alegação dos Apelados na sua contestação, o acordo foi feito entre o empreiteiro e os Réus, nada tendo a A. a ver com tal.
2ª: Se não ocorrer rectificação do mesmo, só a resposta negativa ao mesmo pode ser possível.
3ª: Deve ser reapreciada a prova nos termos conjugados dos artºs 712º, nº 1, al. a), e 690º-A, nº 1, als. a) e b), com o recurso ao registo gravado e transcrito em anexo da testemunha E…………….., aqui descrito quais as cassetes e voltas do seu depoimento, a que o Tribunal “a quo” deu inteira credibilidade, mas cujas respostas estão em clara oposição com a matéria de facto respondida, e que inquinou a decisão, tornando-a nula.
4ª: Dessa alteração devem dar-se como provados os quesitos 6º, 7º, 14º e 15º, e darem-se como não provados os quesitos 1º, 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 10º.
5ª: Ocorre, igualmente, erro de julgamento, deformando a decisão, relegar para liquidação em execução de sentença os montantes que os Réus deverão pagar à Autora, no dizer do Tribunal recorrido “não apurados”, porquanto os mesmos são perfeitamente líquidos e exigíveis nesta fase declarativa, sob pena de impossibilidade de prova noutra acção e igualmente da oposição do princípio da preclusão do direito.
6ª: Deve, assim, a acção ser parcialmente procedente, e condenarem-se os Apelados a pagar à Recorrente o montante global de € 29.841,43, acrescido de juros à taxa legal desde o vencimento das facturas nºs 159, 592, 284 e 562.
7ª: O Tribunal interpretou e aplicou incorrectamente os comandos dos artºs 3º, nº 1, 667º, nºs 1 e 6, 668º, nº 1, al. c), 712º, nº 1, al. a), e 690º-A, nº 1, als. a) e b) do Código de Processo Civil.
Mas, como sempre, melhor Justiça Vªs Exªs farão.
Os Réus:
1ª: A decisão proferida pelo Tribunal recorrido faz uma errada interpretação da al. b) do artº 317º e artºs 312º, 313º e 314º do Código Civil.
2ª: Para que aos RR. assista o privilégio da prescrição presuntiva do artº 317º, al. b) do Código Civil, teriam estes que fazer prova dos dois elementos necessários à sua verificação:
a) a decorrência de dois anos após o fornecimento dos serviços e mercadorias alegados na petição inicial;
b) o facto de não ser o devedor comerciante ou, sendo-o, não ter destinado tais serviços e mercadorias ao seu comércio.
3ª: Tal prova foi feita pelos Recorrentes, porquanto resulta dos autos provado que os RR. são comerciantes, mas não destinaram os referidos bens ao seu comércio, antes aplicaram-nos na sua casa de habitação.
4ª: E tal prova competia ao Réu, tendo presente o artº 342º do Código Civil, que impõe o ónus da prova àquele que invoca um direito e a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita, ficou demonstrada nos autos.
5ª: Por outro lado, imputava-se à recorrida provar que os RR. confessaram a dívida, matéria quesitada no ponto 15º da B.I.. Na resposta a tal quesito e em depoimento de parte, os recorrentes não negaram a existência da dívida, não discutiram o seu montante ou invocaram contra ela compensação ou remissão, ou a gratuitidade dos bens. Depuseram, afirmando que já tinham procedido ao pagamento da dívida, isto é, os RR. não praticaram em Juízo quaisquer actos incompatíveis com a presunção de cumprimento da obrigação, estabelecida pela alínea b) do artº 317º do Código Civil e artºs 313º e 314º do mesmo diploma.
6ª: Por isso consideramos que a apreciação do depoimento de parte dos RR. foi incorrecta, não só porque a fundamentação aponta para a ponderação conjugada com outros depoimentos ou testemunhos, quando neste particular a prova somente deve ater-se aos depoimentos dos RR., como ainda, face a uma análise cuidada dos depoimentos de parte prestados pelos Recorrentes, resulta podermos concluir que, em momento algum, os RR. confessaram a existência da dívida aqui em discussão, nem expressa nem tacitamente, mas antes afirmaram sempre que a dívida à B…………., aqui em discussão e enunciada nas facturas, estava paga.
7ª: A confissão é precisamente o único meio que a lei reconhece idoneidade para afastar a prescrição presuntiva (artºs 312º, 313º e 314º do Código Civil).
8ª: Impugna-se assim a resposta ao quesito 15º, que deverá ser anulada pela Relação, por força do que dispõe o nº 1, al. a) do artº 712º do Código de Processo Civil alterando-a e passando ali a resposta de “não provado”, porquanto os RR. pagaram à autora. Consequentemente e decorrente desta alteração deverá proceder-se à alteração da sentença, proferindo-se acórdão que dê provimento à alegada excepção de prescrição, absolvendo-se os recorrentes do pagamento da quantia peticionada na acção.
De resto, Vossas Excelências farão JUSTIÇA!

7. Contra-alegou apenas a A. no sentido da improcedência do recurso interposto pelos RR. RR., tendo o Mmº Juiz que proferiu a sentença procedido à rectificação do erro material do quesito 1º, tal como requerido pela A. nas alegações.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Tendo a sentença recorrida considerado provados os seguintes factos:
Constantes da matéria de facto assente:
a) Mostra-se inscrito na Conservatória do Registo Comercial de Lamego, com a matrícula nº 488/951018, a constituição da sociedade “B……………, Ldª”, tendo por objecto o comércio a retalho de pavimentos e louças sanitárias e o comércio por grosso e a retalho de materiais de construção e mobiliário, construção civil e obras públicas e compra e venda de propriedades, ali constando como sócios F………….. e G………………, tudo como flúi do teor da certidão de fls. 35 a 39 que aqui se dá por reproduzido - A).
b) Por escrito realizado em 12/09/1998, em Lamego, F………………, na qualidade de empreiteiro de construção civil, e (o réu) C…………….. acordaram que aquele primeiro executaria para o segundo a edificação de uma vivenda, pelo preço de 27.300.000$00 (vinte e sete milhões e trezentos mil escudos), tudo como flúi do teor do documento de fls. 40 e 41, cujo teor aqui se dá por reproduzido - B).
c) No exercício da sua actividade e a pedido do réu marido, a autora forneceu a este materiais e artigos de construção, a saber:
- pigmento chumbo natural 30x30,
- relevo tosco com granito amarelo,
- cabine tonda 8073/TR 3mm branco,
- cabine tonda ref. 8072/TR 3mm branco,
- móveis de casa de banho,
- móveis de cozinha em castanho (brancos e granito Santa Eulália),
- monocomando lava louça retráctil,
- prateleira múltipla de canto nº 6,
- rampa de duche 60cm,
- porta rolo Diva cromado,
- porta rolos Tília cromado,
- toalheiro fixo 45cm Tília cromado,
- cabine Flexa Tower,
- forno Whirlpool ref. AKZ144/IX,
- placa Whirlpool ref. AKM436NB,
- máquina de lavar louça Whirlpool,
- lava louça Tenor 4021 (2B+1E),
- exaustor Smeg ref. KSEG 55
- e tampos em granito Santa Eulália,
cujas quantidades e preços são os constantes das facturas nºs 159, 592, 715, 212, 284 e 562, datadas, respectivamente, de 26/04/2004, 08/07/2002, 18/11/2003, 26/04/2004, 25/06/2003 e 31/12/2001, tudo conforme docs. de fls. 12 a 17, cujo teor aqui se dá por reproduzido - C).
d) Os materiais e artigos de construção referidos na alínea anterior destinaram-se a ser aplicados na casa de morada de família dos réus - D).
e) Os réus exploram uma livraria na ……………., nesta cidade e comarca de Lamego - E).
f) Por carta registada com A/R, datada de 07/06/2004, endereçada ao réu C……………, a autora, por intermédio do seu mandatário, solicitou ao réu a regularização do débito no valor de € 30.064,31 referente às facturas aludidas em c), sob pena de não o fazendo no prazo aí fixado, recorrerem à cobrança judicial - F).
Resultantes das respostas dadas à base instrutória:
g) F…………….. e os réus acordaram, no âmbito do acordo mencionado em b), que todos os materiais tinham que ser escolhidos na empresa autora (resposta ao quesito 1º rectificado).
h) O contrato referido em b) incluía a aplicação de louças sanitárias e banheiras até determinados preços (resposta ao quesito 3º).
i) O contrato referido em b) incluía também a aplicação de porta rolos, toalheiros e torneiras até determinados preços (resposta ao quesito 4º).
j) A aplicação dos materiais referidos em h) e i), até aos preços aí indicados, era da responsabilidade de F…………… (resposta ao quesito 5º).
l) A autora forneceu ao réu, a solicitação deste, uma caixa para contador de água poliéster no valor de € 31,65, em 08/07/2002 (resposta ao quesito 6º).
m) … cujo pagamento se vencia em 08/08/2002 (resposta ao quesito 7º).
n) Os réus, com o pagamento que efectuaram pela realização dos trabalhos executados ao abrigo e na sequência do acordo descrito em b), pagaram, pelo menos, parte não apurada (não foi possível apurar) do preço relativo aos móveis de casa de banho e cozinha, ao forno, à placa, à máquina de lavar louça, ao lava louça, ao exaustor e aos tampos de granito aludidos em c) (resposta aos quesitos 8º e 9º).
o) Os réus pagaram quantia não inferior a € 1.000,00 pelo fornecimento e aplicação da cabina de duche (Flexa Tower) (resposta ao quesito 10º).
p) Os móveis de cozinha e de casa de banho aludidos em c) foram fornecidos pela autora aos réus em Dezembro de 2001 [esclarecendo-se que o forno, a placa e a máquina de lavar louça referidos em n) faziam parte dos móveis de cozinha encastrados fornecidos pela autora] (resposta ao quesito 11º).
q) Os réus não pagaram à autora parte não apurada (quantia que não foi possível apurar) do preço dos materiais referidos na al. c) (resposta ao quesito 15º, aditado na audiência de discussão e julgamento).
e ainda que:
r) A presente acção deu entrada em juízo a 01/02/2005 e os réus foram citados para a contestar em 04/02/2005 (factos que decorrem, respectivamente, do carimbo aposto no canto superior direito da 1ª folha da p. i. e dos A/R’s juntos a fls. 25 e 26).

2. Tendo presente que presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 4, do Código de Processo Civil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas nas apelações são: alteração da decisão da matéria de facto, liquidez e exigibilidade dos montantes que os RR. terão que pagar à A. e se a acção devia improceder.
É que, tendo a A. requerido a rectificação do quesito 1º da base instrutória no sentido de o acordo nele referido ter sido feito entre o empreiteiro e os RR., nada tendo a A. a ver com ele, tal rectificação teve lugar no Tribunal recorrido, sendo a factualidade rectificada a que consta de g) dos factos provados.

A) Alteração da decisão da matéria de facto.

Pretendem ambos os apelantes a modificação da decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto, por entenderem: a A. que deviam ser dados como provados os quesitos 6º, 7º, 14º e 15º e como não provados os artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 10º, e os RR. que devia ser dado como não provados os factos do artigo 15º.
Baseiam as respectivas pretensões: a A. na prova testemunhal e os RR. na inadmissibilidade de prova testemunhal para prova do quesito 15º, porquanto não confessaram a dívida.

Nos termos previstos no artigo 712º, nº 1, do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar nesta questão, sem outra indicação de origem), a decisão da matéria de facto da 1ª instância pode ser modificada pela Relação:
“a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690ºA, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”.
Constituindo estas as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida em 1ª instância, no caso em apreço é claro não ser aplicável a previsão da al. c), pois não foi apresentado documento novo superveniente que, só por si, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Constam dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto, dado que todos os depoimentos se encontram gravados, e, como fundamento da alteração da decisão da matéria de facto, ambos os recorrentes fazem apelo quer à gravação dos depoimentos, para a pretendida alteração, e os RR. ainda à ausência de confissão, único meio que permitia responder ao quesito, ou seja às als. a) e b).

No que respeita ao fundamento de modificabilidade da decisão da matéria de facto constante da referida al. b), o mesmo está relacionado com o valor legal da prova, exigindo-se que o valor dos elementos coligidos no processo não possa ser afastado por outra prova produzida em julgamento, sendo a alteração das respostas admissível quando no processo exista um meio de prova plena, resultante nomeadamente de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova diga respeito a determinado facto sobre o qual o tribunal também se pronunciou em sentido divergente.


Como fundamento da impugnação da resposta dada ao quesito 15º - aditado em audiência com fundamento na sua importância para conhecimento da excepção da prescrição invocada pelos RR. -, em que se indagava se “Os RR., até ao dia de hoje, não pagaram à A. o valor global dos materiais referidos em C) dos factos assentes” e que obteve a resposta restritiva que foi transposta para os factos provados de q) – “Os RR. não pagaram à A. parte não apurada (quantia que não foi possível apurar) do preço dos materiais referidos na al. C)”, que a A. entende que devia ter obtido resposta totalmente afirmativa, enquanto os RR. pugnam por resposta negativa, aquela faz apelo à prova testemunhal e estes à inadmissibilidade de prova que não fosse por confissão.
Para responder ao quesito em causa escreve-se na fundamentação da decisão da matéria de facto o seguinte:
As respostas aos quesitos oitavo, nono, décimo e décimo quinto traduzem inultrapassadas dúvidas com que o Tribunal ficou em função da ponderação conjugada do que em julgamento disseram o legal representante da A. (declarou que os preços em questão não foram pagos pelos RR., à excepção dos € 1.000 mencionados na resposta ao quesito décimo), os RR. (declararam que pagaram todos os materiais descritos nas facturas juntas com a p.i. e que o fizeram através de cheques que entregaram ao dito F………………., e na sua esmagadora maioria apondo-lhes o nome deste que foi com quem contrataram, pagamento esse que efectuaram conjuntamente com os trabalhos – incluindo os “trabalhos extra” – que aquele executou no âmbito e na sequência do contrato de empreitada referido nos factos assentes) e as testemunhas E……………. (que, embora de modo mais genérico e menos preciso, depôs de modo idêntico ao legal representante da A.) e H…………… (que, nesta parte, depôs de modo algo genérico e sem grande rigor, dizendo que todos os materiais em questão foram pagos pelos RR. e até que tudo estava previsto no apontado contrato de empreitada).
O Tribunal não deu como provado que tudo esteja por pagar (à excepção dos € 1.000 confessados pelo legal representante da A.) porque o próprio representante da demandante (nem, muito menos, nenhuma das testemunhas que esta arrolou) não soube explicar que contas fez a sua representada para encontrar a diferença de preços dos materiais que foram aplicados na obra relativamente aos que haviam sido acordados no citado contrato de empreitada (quais eram os preços dos materiais aplicados, em que diferiam dos acordados inicialmente e que valores lhes foram deduzidos), nem como os RR. acabaram por lhe pagar pela realização da obra empreitada um preço bastante superior ao que havia sido clausulado no respectivo contrato, sendo certo que aquele confessou o recebimento da totalidade dos cheques que têm o seu nome no local do destinatário e das transferências cujas cópias constam de fls. 141 e segs. (não sabe que trabalhos “a mais” o referido F…………… realizou na obra, nem em quanto importaram, não podendo dar-se relevância alguma ao teor do «documento» junto a fls. 216 a 218 por ser apenas da autoria daquele e datado somente de 19/09/2006, ou seja, poucos dias antes desta audiência ter tido o seu início.
Mas também não ficou o Tribunal convencido com a versão oposta (dos RR. e da testemunha H…………..). Por um lado, por não se ter encontrado motivo para que uma empresa conhecida no meio como é a A. instaurasse sem fundamento a presente demanda (tendo certamente contabilidade organizada) e por outro, porque os RR. (e aquela testemunha) se «refugiaram» apenas na «nebulosa» afirmação de que pagaram tudo (preço da obra empreitada, dos «trabalhos a mais» dessa obra e preço dos materiais em questão nesta acção) através de cheques que endereçaram e entregaram ao Sr. F……………, sem juntarem qualquer documento - assinado por eles e/ou também por este último - em que tais trabalhos e preços estivessem descriminados (apesar de serem eles os principais interessados em controlar os «trabalhos a mais» da obra, os materiais que nesta foram aplicados que não estavam previstos no contrato de empreitada ou que cujos preços excediam os aí acordados, bem como em quanto importaram uns e outros) ou qualquer cheque que tenham sacado a favor da autora, sendo certo que esta não se confunde (nem se confundia) com a pessoa do seu legal representante e este (F…………….) foi quem executou a obra empreitada e aquela quem forneceu os materiais aqui em apreço”.

Concordando-se, face à audição a que se procedeu, com esta fundamentação no que se refere à referência que nela é feita aos depoimentos, comecemos pelo fundamento de impugnação invocado pelos RR., tendo presente que o quesito em causa tem em vista o conhecimento da excepção da prescrição presuntiva, que invocaram na contestação.

Invocaram os RR. a prescrição prevista na alínea b) do artº 317º do Código Civil.
Aí se estatui que prescrevem no prazo de dois anos os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio.
Trata-se de prescrição presuntiva, isto é, fundada na presunção de cumprimento, como decorre do artº 312º do CC.
Estamos, assim, no domínio das chamadas “prescrições presuntivas” ou de “curto prazo”, reportadas a créditos gerados pelo exercício de actividades profissionais, e/ou de prestação de serviços, cujos pagamentos são normal e correntemente reclamados pelos credores em prazos geralmente curtos, computados em dias ou meses, por se tratar de receitas reditícias necessárias à manutenção do regular giro ou mesmo à sobrevivência do prestador.
Por seu turno, também é prática corrente o devedor ou beneficiário do serviço solver essas dívidas a curto prazo, já que contraídas para prover às suas necessidades mais urgentes, assim conseguindo, com tal pagamento prioritário, manter o seu crédito na praça e assegurar a disponibilidade dos credores para prestações futuras de necessidade urgente.
Neste campo obrigacional, o devedor não cobra em regra do credor recibo ou quitação aquando da realização dos pagamentos ou, se os exige, não os conserva por muito tempo em seu poder. E assim, uma vez demandado, dificilmente poderia provar o pagamento, com o inerente risco de ter de pagar duas vezes.
Foi para obviar a tal situação que a lei instituiu a referida “prescrição presuntiva”, que mais não representa do que uma “presunção de pagamento” a funcionar a curto prazo, “no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos, a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar”, sendo que a “lei presume que” decorridos esses prazos, o devedor teria pago - cfr. Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, págs. 452 e 453.
Distinguem-se tais “prescrições presuntivas” das chamadas “prescrições verdadeiras”, pois que, enquanto nestas “mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas, se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado na mesma maneira”, não funcionando a prescrição mesmo que invocada - autor e obra citados.
Ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, a lei admite em certa medida, aliás limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante a prova da dívida. Na verdade, a “presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão do devedor originário...”, confissão essa que pode ser judicial ou extrajudicial, sendo que esta última só releva quando for realizada por escrito - artº 312º, nº 2, CC - o que se impõe para defesa do devedor contra meios de prova menos seguros - cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., págs. 1051/1052.
Deste modo, neste tipo de prescrições o decurso do prazo legal não extingue a obrigação. São chamadas prescrições presuntivas porque nestes casos a lei presumiu que, decorridos os prazos fixados, o devedor teria pago, o que tem a sua importância no próprio regime destas prescrições: são tratadas não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento, sendo afastadas pela provada existência da dívida nos limitados termos que a lei prevê.
A presunção de cumprimento resultante do decurso do prazo de dois anos só pode ser ilidida por confissão expressa do não pagamento ou por confissão tácita traduzida na prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de pagamento - artºs 313º e 314º do CCivil.
Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar os factos constitutivos do direito que o autor se arroga já que, fazendo-o, iria alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que, assim, confessaria tacitamente o não cumprimento - neste sentido o Ac. STJ de 19/06/97, CJ/STJ, Tomo II, pág. 134.
Como acentua Sousa Ribeiro, Revista de Direito e Economia, Ano V, nº 2, pág. 393: “Constituindo uma mera presunção de pagamento, ela não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo que logicamente o exclua. Quando alega a prescrição e, simultaneamente, pratica um acto inconciliável com o seu pressuposto fundante, o devedor está a contradizer-se a si próprio, pois, ao mesmo tempo que pretende ver reconhecida a extinção do vínculo, com base num presumível cumprimento, não deixa de admitir que ele ainda não se efectuou”.
Importa ainda salientar que as presunções presuntivas, constituindo verdadeiras presunções de cumprimento, produzem a inversão do ónus da prova, ficando, por via das mesmas, o devedor liberto desse encargo, sem embargo de o credor ilidir a presunção em causa, provando o não cumprimento.
Simplesmente, o credor só poderá alcançar tal objectivo mediante um acto confessório do próprio devedor, como resulta claro do artº 313º do CC.
Acrescente-se, ainda, que essa atitude confessória do devedor pode ser surpreendida não só judicialmente, como também extrajudicialmente, interessando aqui apenas a primeira, já que a confissão extrajudicial apenas releva quando realizada por escrito, o que não é o caso.
Por outro lado, dispõe o artº 314º do mesmo Código que se considera confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de pagamento.

Regressando ao caso dos autos, deparando-se-nos uma situação traduzida no fornecimento pela A. aos RR. de materiais e artigos de construção [os referidos na al. c) dos factos provados] destinados a ser aplicados na casa de família dos RR., fornecimento cujo preço (contra-prestação) alegadamente se encontra ainda em dívida, é aplicável o citado artº 317º, al. b), porquanto está provado que os móveis de casa de banho e cozinha (da qual faziam parte o forno, a placa e a máquina de lavar louça) foram fornecidos aos RR. em Dezembro de 2001 e a acção apenas foi instaurada em 1/2/2005, ou seja, decorridos mais de dois anos.
Atenta, todavia, a alegação dos RR. ao invocarem a excepção em apreço, importa fazer distinção no fornecimento de materiais pela A. aos RR. e cujo pagamento peticiona na acção.
Assim, atenta a sua alegação nos artºs 6º a 13º e 20º da contestação, e dado que, para poder beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar os factos constitutivos do direito de crédito contra ele arguido, porque desse modo, iria entrar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento [no caso estabelecida na al. b) do artº 317º], a prescrição apenas operará relativamente aos móveis de casa de banho, móveis de cozinha (bancos e granito Santa Eulália) - parte dos materiais constantes da factura nº 159 - e à totalidade dos materiais constantes da factura nº 562 (forno, placa e máquina de lavar Whirlpool, lava louça Tenor, exaustor Smeg e tampos de granito Santa Eulália).
É que, tendo os RR. invocado a prescrição também relativamente ao fornecimento da cabine de duche (factura nº 284) - artº 20º da contestação -, tendo alegado que pagaram € 1.000, referem que a parte restante foi paga atempadamente, por cheque, “segundo pensa o réu” - artº 11º da contestação -, pelo que esta alegação traduz a prática em juízo de “actos incompatíveis com a presunção de cumprimento” ou seja, a confissão tácita de que a dívida não foi paga, assim improcedendo a excepção.
Mas, no que se refere ao fornecimento dos restantes bens em relação ao qual foi invocada a prescrição, face ao que se deixa exposto, porque era inadmissível a prova que não fosse por confissão (e os RR. não confessaram, como resulta quer do que foi registado em acta a fls. 232, de onde consta que eles afirmaram que pagaram todos os materiais que foram incorporados na casa que F………….. lhes construiu, quer da audição, a que se procedeu, da gravação dos respectivos depoimentos, tendo o R., cujo depoimento de parte se encontra parcialmente transcrito a fls. 266 e seguintes e 377 e seguintes, afirmado que “as facturas estão pagas”, pagamento que foi efectuado através de cheques que entregou ao sr. F…………., que iam em nome dele, à excepção de um de 2.000 contos, que pôs em branco, na altura em que pagou as cozinhas, e a R., depois de referir que sabia o que estava em causa nas facturas, que estava tudo pago na íntegra), não podia o Tribunal recorrido responder ao quesito 15º englobando todos os materiais referidos na al. c), havendo que deles excluir móveis de casa de banho e os móveis de cozinha (bancos e granito Santa Eulália) - parte dos materiais constantes da factura nº 159 (no montante de 16.410,10, IVA incluído) - e à totalidade dos materiais constantes da factura nº 562 (forno, placa e máquina de lavar Whirlpool, lava louça Tenor, exaustor Smeg e tampos de granito Santa Eulália), no montante de € 3.277,08, procedendo, deste modo, apenas parcialmente a questão suscitada pelos RR., que pretendiam que a resposta ao quesito 15º fosse totalmente negativa, até porque, relativamente aos restantes materiais cujo pagamento é peticionado, sobre eles impendia o ónus da prova do pagamento.

Decorrendo, do que acaba de se expor, que a pretensão da A., ao pretender que a resposta ao quesito 15º seja totalmente afirmativa, não pode proceder, vejamos se é de alterar a resposta no sentido de que os RR. não pagaram o valor global dos restantes materiais referidos em c) dos factos assentes, já que deles há que excluir os que não admitiam prova que não fosse por confissão.
A apelante, para sustentar a alteração, faz apelo ao depoimento da testemunha E……………...
De acordo com o artº 655º, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto - princípio que apenas cede perante situações de prova legal (que se reconduzem, fundamentalmente, a casos de prova por confissão, por documento e por presunção legal).
Deve considerá-las a todas, apreciá-las em conjunto, fazer a sua análise crítica, tendo em conta as regras da ciência, da lógica e da experiência, comum a todo o homem médio, e, por fim indicar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (artigo 653º, nº 2), de forma que se «possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado» (M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 348), e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão
É sabido que a gravação dos depoimentos pode revelar-se insuficiente para fixar todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do juiz; existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., pág. 273).
Como referiu Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220/221, os «depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as palavras, no crédito a prestar-lhe».
Assim entendeu também o STJ, no acórdão de 13/3/2003, Proc. 03B058, www.dgsi.pt., onde se pode ler que «desprovida do que só a imediação pode facultar a análise da prova gravada não importa a assunção de uma nova convicção probatória, mas tão só a averiguação da razoabilidade da convicção atingida pela instância recorrida».
Portanto, o tribunal de segunda instância não vai à procura de uma nova convicção mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação de prova - com os mais elementos existentes nos autos - pode exibir perante si. Assim, a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal de 1ª instância na fixação da matéria de facto será relevante neste Tribunal apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro grosseiro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, para que aquele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo mesmo recorrente.
Perante estes princípios e regras de direito probatório e a fundamentação da decisão da matéria de facto, acima reproduzida, podíamos já concluir pela manutenção da decisão da matéria de facto.
De qualquer modo, ouvido que foi o depoimento em causa, transcrito com fidelidade a fls. 347 e seguintes, concorda-se plenamente com a referida fundamentação, já que a testemunha E………………., empregada de escritório da A. desde fins de 1999, não obstante referir que os materiais cujo preço é peticionado não estava englobado no contrato de empreitada celebrado entre os RR. e o sócio gerente da A. (F……………) e não foi pago pelos RR., também afirmou que nunca assistiu a quaisquer pagamentos, acrescentando, todavia, perante o reconhecimento de que foram efectuados pagamentos ao sócio gerente da A. através de cheques, que eles iam sempre ao escritório, que é o mesmo da A., reconhecendo que o contrato de empreitada junto aos autos - fls. 40 e 41 - foi escrito quando não estava lá.
Disse também a testemunha, ao contrário do que consta do contrato, que a garagem e respectiva casa de banho não estava nele incluída, o que foi até contrariado pelo depoimento de parte do sócio gerente da A., também transcrito fielmente a fls. 295 e seguintes (e que, embora não valha como confissão, pode ser apreciado livremente), que afirmou que a garagem estava no contrato, embora não fosse subterrânea, como veio a ser feita, originando “trabalhos extra”.
Ainda segundo a testemunha, que desconhecia os valores acordados quanto ao preço dos materiais no contrato de empreitada, o acerto de contas entre os valores que constavam do contrato e os dos materiais escolhidos, “são contas da parte do sr. F…………... Pronto, porque depois é as chamadas diferenças”.
De qualquer modo, porque a resposta apenas se pode reportar aos materiais que não constam da factura nº 562 e parte dos materiais (móveis de casa de banho e de cozinha em castanho, bancos e granito Santa Eulália) constantes da factura nº 159 - relativamente aos quais foi dado como provado que os RR. pagaram parte não apurada -, e porque os RR. apenas lograram provar o pagamento de € 1.000 relativamente à factura nº 284, e sobre eles impendia o ónus da prova, a resposta ao quesito terá que ser parcialmente afirmativa.
Inexistindo, portanto, erro grosseiro na resposta dada pelo tribunal recorrido, mas atenta a inadmissibilidade de prova, que não por confissão, do não pagamento da totalidade da factura nº 562 e dos móveis de casa de banho e de cozinha (bancos e granito Santa Eulália) referidos na factura nº 159, procedendo parcialmente a alteração suscitada por A. e RR., altera-se a resposta dada ao quesito 15º para a seguinte:
Provado que os RR. não pagaram à A. o preço dos seguintes materiais referidos na al. c): pigmento chumbo natural 30x30; relevo tosco com granito amarelo; cabine tonda 8073/TR 3mm branco; cabine tonda ref. 8072/TR 3mm branco; monocomando lava louça retráctil; prateleira múltipla de canto nº 6; rampa de duche 60cm; porta rolo Diva cromado; porta rolos Tília cromado; toalheiro fixo 45cm Tília cromado; e parte da Cabine Flexa Tower, cujas quantidades e preços são os constantes das facturas nºs 159, 592, 715, 212 e 284, datadas, respectivamente, de 26/04/2004, 08/07/2002, 18/11/2003, 26/04/2004 e 25/06/2003, tudo conforme docs. de fls. 12 a 16, cujo teor aqui se dá por reproduzido”.

Impugna ainda a A., recorrendo ao depoimento da testemunha já identificada acima, as respostas dadas aos quesitos 6º, 7º e 14º, que considera deverem ser dados como provados, quer as dadas aos quesitos 1º, 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 10º, que entende que deveriam ter obtido respostas negativas.
Da factualidade neles indagada mereceram respostas afirmativas os quesitos 6º, 7º e 1º, negativa o quesito 14º e restritivas as restantes quesitos, sendo a respectiva factualidade a que consta dos factos provados de g) a j), l), m), n) e o).
No que respeita aos quesitos 6º e 7º, tendo eles obtido respostas afirmativas, como pugna a apelante, não se vê motivo para alterar a resposta.
Relativamente ao quesito 14º, em que se perguntava se “O réu pediu à A. para não facturar os objectos descriminados na factura nº 562, constante de fls. 17, aquando do respectivo fornecimento, alegando estar a aguardar os subsídios de comparticipação na construção da ……………”, não se vislumbra que a resposta negativa enferme de erro, pelo que se mantém.
É que se perante a pergunta que lhe fez o mandatário da A. nos termos que constam a fls. 360 da transcrição, a testemunha E…………… respondeu de imediato “Sim, sim, tenho conhecimento”, perante a subsequente pergunta se estava presente disse que já não se lembrava, mas que sabia “… porque a gente comenta, temos que facturar as coisas e a gente vai comentando e ela (referindo-se à sócia gerente da A. D. G………….) disse para não facturar já”.
Sempre se acrescentará que, qualquer que seja a resposta, é inócua tal factualidade para a procedência ou improcedência da acção ou da excepção da prescrição, neste caso porque de eventual resposta afirmativa só resultaria, em desfavor da A., que o fornecimento em causa teria ocorrido em data anterior à da factura, que é de 31/12/2001.

Também as respostas dadas aos quesitos 1º, 3º, 4º, 5º, 8º, 9º e 10º não merecem a censura que lhe é apontada pela A..
Assim, relativamente ao quesito 1º não só nenhuma das testemunhas ou depoentes infirmaram essa factualidade como até a confirmaram, inclusivamente a testemunha E………….. - cfr. transcrição a fls. 353.
Relativamente aos quesitos 3º, 4º e 5º, também a própria testemunha E…………… com base em cujo depoimento a apelante impugna as respostas, referiu, como é acentuado na fundamentação da decisão da matéria de facto (que remete também para o contrato junto a fls. 40 e 41 e do qual constam expressamente toalheiros), que o contrato de empreitada incluía os materiais referidos nas respostas, mas apenas até determinado preço, pelo que, as respostas têm apoio na prova produzida pela própria A..
Mantêm-se também as respostas dadas aos quesitos 8º e 9º, que remetem para os móveis de casa de banho e de cozinha e aos materiais constantes da factura nº 562, face ao que se referiu na apreciação da resposta dada ao quesito 15º.
Aliás, porque sobre a A. impendia o ónus da prova do não pagamento, que só podia provar-se por confissão dos RR., a eventual resposta negativa de nada aproveitava à A..
Finalmente, também é de manter a resposta dada ao quesito 10º.
Na verdade, tendo sido relevante para a resposta que lhe foi dada, de que os RR. pagaram quantia não inferior a € 1.000 pelo fornecimento e aplicação da cabine Flexa Tower (“cabine com música” como foi referido em audiência), para além de também o documento junto pela A. a fls. 222 (que, certamente por lapso - dado que nada tem a ver com a factualidade nele indagada, mas sim com a factura nº 284 -, a fundamentação remete para a resposta dada ao quesito 11º) referir encontrar-se em dívida € 4.037,52, dele constando como valor regularizado € 1.000, a própria A. aceita esse pagamento no artigo 11º do articulado de resposta, pelo que há que aceitar esse pagamento.
E, se é certo que a A. alega que a factura contém um erro contabilístico, o que também foi referido pela testemunha E……………, certo é também que o contrato de empreitada previa o fornecimento pelo sócio gerente da A. de uma banheira de hirodromassagem no valor de Esc. 230.000$00 (valor aproximado de € 1.000), que não foi aplicada, como referiram as testemunhas H……………, irmã da R. e que habitou com ela desde 2002 a 2006, e I……………, que trabalha na Livraria do R. “J……………” e que conhece a casa dos RR., dizendo que as casas de banho tinham todas duche.

Liquidez e exigibilidade dos montantes que os RR. terão que pagar à A.

Nesta questão, defendendo embora a existência de erro de julgamento, na medida em que o faz integrar pela liquidez e exigibilidade da dívida que os RR. têm para com ela, sob pena de impossibilidade de prova noutra acção e da oposição do princípio da preclusão do direito, a A. pugna pela inadmissibilidade de relegar para incidente de liquidação o montante da dívida que os RR. têm para com ela e que liquidou na petição inicial.
Esta questão prende-se com o campo de aplicação do disposto no nº 2 do artº 661º do Código de Processo Civil, que dispõe que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Previne-se nesse preceito a situação em que se reconheceu o direito do autor, mas em que o tribunal, por não ter conseguido alcançar o objecto ou a quantidade, se encontra impossibilitado de proferir decisão específica.
Encontrando-se, a este respeito, dividida a jurisprudência, já que há decisões que defendem que o tribunal só pode condenar no que se liquidar em execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade por os respectivos factos não serem ainda conhecidos ou estarem em evolução aquando da propositura da acção ou que como tais se apresentaram no momento da decisão, mas que tal forma de condenação já não seria lícita se na acção foi feita a especificação dos factos necessários para fixar o objecto ou a quantidade, mas houve fracasso na sua prova (cfr. Acs. do STJ de 17/01/95, BMJ 443, pág. 395, e de 14/03/95, BMJ 445, pág. 464, e de 26.06.97, processo nº 96A846, www.dgsi.pt), enquanto outras, largamente maioritárias, seguem entendimento contrário [cfr. os Acs. do STJ de 6/03/80, BMJ 295, pág. 369 (com anotação concordante do Prof. Vaz Serra na RLJ, Ano 114º, pág. 310), de 18/10/94, no processo nº 085609, sumariado em www.dgsi.pt., de 29/01/98, BMJ 473, pág. 445, e de 4/12/2003, Proc. 03B2667, em www.dgsi.pt., e deste Tribunal de 8/11/2001, Boletim dos Sumários de Acórdãos, nº 16, pág. 75, e de 29/04/2004, processo nº 0431579, www.dgsi.pt. (Des. Mário Fernandes)], adere-se a este último entendimento por ter apoio na letra da lei e mais se adequar à realização da justiça material, pois, não podendo dar-se como demonstrado o objecto ou a quantidade da condenação, nem sendo possível a sua fixação em termos de equidade, justifica-se, mesmo quando deduzido pedido líquido, que a liquidação seja relegada para incidente de liquidação.
Em apoio deste entendimento, é decisiva a fundamentação dos referidos arestos, pois, como se escreve no citado aresto do STJ de 29/01/98, onde é referenciada abundante jurisprudência e doutrina, a propósito da razão de ser do artº 661º, nº 2, “... a mais elementar razão de sã justiça, de equidade, veda a solução de se absolver o réu apesar de demonstrada a realidade da sua obrigação; mas também se revela inadmissível, intolerável, que o juiz profira decisão à toa”.
No Ac. deste Tribunal de 8/11/2001, afirma-se que nada na lei permite, ou pelo menos obriga, a fazer a restrição pretendida pela corrente minoritária, por forma a considerar-se que ali se visa a falta de factos a provar e não o fracasso da prova sobre eles. O que aí se diz é que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença”.
Finalmente, no referenciado Ac. STJ de 18/10/94, considerou-se que “sendo certa a existência de danos e não se tendo apurado, com precisão e certeza, a quantidade de tais danos e correlativa reparação, há que condenar no que se liquidar em execução de sentença. A condenação ilíquida tanto é possível no caso de se ter formulado pedido genérico como no de se ter formulado pedido específico, mas não se ter conseguido fazer prova da especificação”.
Face ao entendimento adoptado, estando na situação em apreço verificados os fornecimentos da A. aos RR., caso não fosse possível a sua quantificação nos montantes indicados na petição inicial, por os factos provados, e resultantes da alegação constante daquela peça processual, serem insuficientes para aceitar as quantidades e valores indicados pela apelante A., impunha-se relegar para incidente de liquidação de sentença a determinação do quantum em dívida.
Só que, face à alteração da resposta dada ao quesito 15º, e pelo que se referirá infra na apreciação da questão da improcedência da acção, não se justifica que se relegue para incidente de liquidação o montante a pagar pelos RR. à A., decorrente dos fornecimentos que esta fez àqueles.

Improcedência da acção.

Nesta questão, por eles suscitada na conclusão 8ª das alegações de recurso, os RR. fazem depender a sua absolvição do pedido da alteração da resposta ao quesito 15º, que pretendiam que fosse não provado, com a consequente procedência da excepção presuntiva da prescrição que alegaram.
Tal pretensão, como se referiu a propósito da pretendida alteração da resposta dada ao quesito 15º - também impugnada pela A. -, apenas podia proceder parcialmente, não só porque a excepção apenas foi invocada quanto a parte dos fornecimentos e, como tal, apenas podia operar relativamente a eles - artº 303º do Código Civil (“O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada … por aquele a quem aproveita …”), como porque foi excluída relativamente à factura nº 284 (cabine de duche).
Todavia, face ao que se expôs sobre a excepção da prescrição presuntiva quando se apreciou a decisão da matéria de facto, nomeadamente no que se refere à inversão do ónus da prova e ao meio de conseguir esse objectivo (confissão), ela procede relativamente à totalidade dos bens constantes da factura nº 562 - no montante de € 3.277,08 -, e aos móveis de casa de banho e de cozinha constantes da factura nº 159 - no montante de € 16.410,10, IVA incluído.
Já quanto às restantes facturas, exceptuando o pagamento de € 1.000 Euros, relativo à factura nº 284 (cabine Flexa Tower), que lograram provar, porque o pagamento não se presume e sobre os RR. impendia o ónus da prova, tendo resultado provado que os réus não pagaram à autora o preço dos materiais a que se reportam as facturas nºs 592 (fls. 13), 715 (fls. 14), 212 (fls. 15) e dos quatro primeiros materiais a que alude a factura nº 159 (fls. 12), têm que pagar à autora a quantia global de € 5.354,36 (cinco mil trezentos e cinquenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) e € 4.037,52 parte do preço da Cabine Flexa Tower a que se reporta a factura nº 284 (fls. 16).
Ora, porque o montante em dívida pelos RR. se encontra liquidado, não se justifica que se relegue o seu apuramento para incidente de liquidação.
É que, não obstante encontrar-se provado que, no contrato de empreitada referido em b) dos factos provados, F……………. e os réus acordaram que todos os materiais tinham que ser escolhidos na empresa autora e que incluía a aplicação de louças sanitárias, banheiras, de porta rolos, toalheiros e torneiras até determinados preços e que a aplicação desses materiais, até aos preços aí indicados, era da responsabilidade de F…………, tendo os RR. aceitado os fornecimentos desses materiais e não sendo o referido F………….. (enquanto empreiteiro em nome individual) parte na acção, tal situação terá de ser apreciada noutra sede, que não nesta, em que é A. uma sociedade da qual o F……………. é sócio-gerente, já que se não confundem o sócio com a sociedade.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juizes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação da A. e parcialmente procedente a dos RR. e, consequentemente, alterar a sentença recorrida, e, no mais os absolvendo do pedido, condenar os RR. a pagar à A. a quantia de € 9.391,88 (Nove mil trezentos e noventa e um euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde as datas de vencimento das facturas nºs 159 (quatro primeiros materiais), 284 (sobre € 4.037,52), 212, 592 e 715, até integral pagamento.

*
Suporta a A. as custas da apelação que interpôs, sendo as da interposta pelos RR. suportadas por eles e pela A., nas proporções de, respectivamente, 1/3 (Um terço) e 2/3 (Dois terços).
*
Porto, 13 de Março de 2008
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo