Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0750496
Nº Convencional: JTRP00040341
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
JULGAMENTO COLECTIVO
CONDIÇÃO
LOTEAMENTO
Nº do Documento: RP200705210750496
Data do Acordão: 05/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 300 - FLS 152.
Área Temática: .
Sumário: I - Na actual redacção do n.º3 do art. 646.º do CPC a realização de julgamento singular quando em termos legais deveria ser colectivo, configura um caso de incompetência relativa, que pode ser suscitada pelas partes ou oficiosamente conhecida até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.
II - O documento escrito e assinado entre particulares e uma Câmara, em que aqueles cedem gratuitamente terrenos de seus prédios e esta se compromete a aprovar o loteamento da parte restante do prédio, constitui um contrato sujeito a condição suspensiva.
III - Até à verificação do facto futuro e incerto (aprovação do loteamento) os efeitos do negócio não se produzem. Estão em suspenso. E, se o facto não se vier a verificar, jamais se produzem.
IV - Assim, não se trata de incumprimento contratual que possa motivar um pedido de resolução contratual, mas antes a não verificação de uma condição, não dependente totalmente de um comportamento da edilidade, tudo se passando como se o contrato não tivesse sido celebrado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B……… e C………., residentes no ………., .., ………., V. N. de Gaia, instauraram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra a CÂMARA MUNICIPAL ………., com domicílio nos ………., na ………. em Vila Nova de Gaia, pedindo que:
-Sejam julgados legítimos proprietários do prédio rústico que identificam e se condene a Ré a assim ver declarado, bem como seja esta condenada a devolver aos AA. o prédio que ocupa, por não ter título que legitime a sua ocupação, a qual é abusiva e contra a vontade dos AA.; - a condenação da Ré a entregar o prédio devoluto e livre das obras que nele implantou ou, em alternativa a este pedido, indemnizar os AA. por prejuízos e danos causados na verba de Esc. 17.500.000$00 e, ainda, a condenação da Ré a indemnizar os AA. por perdas e lucros cessantes causados com a ocupação, em quantia a apurar em liquidação de sentença e que fixam provisoriamente em 8.180.000$00.
O pedido veio a ser ampliado de forma a dele constar os juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a actualização dos valores pedidos com base no índice de preços.

Alegam os AA., em síntese, que são proprietários de um prédio rústico -que melhor descrevem no art. 1° da P.I. -, registado em seu nome; que, em meados de 1986, entre os AA. e outros proprietários, por um lado, e a Ré pelo outro, foi acordada a cedência de uma área de terreno para construção de uma rua e reorganização da D………., sendo que a Ré, em contrapartida, autorizaria o loteamento do terreno restante e a área cedida para a rua seria considerada para efeitos de cálculo de mais-valias; que tal acordo foi formalizado por escrito em 30.03.87.
Acrescentam que a C.M. ………. tomou imediatamente posse do terreno cedido e construiu a rua; que, depois disso, aquela, para efeitos de ligação da mesma aos terrenos onde se realiza a feira ao gado, pediu aos AA. que lhe facultassem a ocupação de mais uma faixa de 675 m2; que, confiados em que a Ré iria honrar os compromissos assumidos anteriormente, os AA. permitiram mais esta ocupação, sempre no pressuposto da contrapartida da aprovação do loteamento.
Mais invocam que, em 1988 apresentaram o projecto de loteamento na Câmara Municipal ………., sendo que a Ré nunca mais fez qualquer diligência no sentido de aprovar o dito loteamento, apesar de todos os esforços desenvolvidos pelos AA., vindo o projecto a ser indeferido em Setembro de 1989, com o fundamento de que o mesmo contrariava o plano camarário de ordenamento global da zona da D……… e porque os terrenos não estavam ainda excluídos da Reserva Agrícola Nacional; que haveria ainda a possibilidade de o projecto vir a ser aprovado desde que, por um lado, os terrenos passassem de zona agrícola a terrenos urbanizáveis e, por outro lado, os AA. apresentassem um aditamento modificativo àquele projecto; que os AA. sempre se prontificaram a fazer todos os aditamentos e modificações necessários ao seu projecto, mas tudo dependeria da desafectação dos terrenos da RAN, sendo isso tarefa que competia exclusivamente à Ré.
Tendo sido entretanto aprovado o PDM de Vila Nova de Gaia, em 06.05.94, verifica-se que nunca a Ré poderá legalmente cumprir o acordo feito, já que esta lei não quer que a Câmara dê contrapartidas do género das que constam do protocolo referido.
Desde a data que a Ré ocupa o prédio em causa (Setembro de 1986), os AA. ficaram impedidos de usufruir daquele e de nele exercer qualquer actividade, nomeadamente a agricultura que nele praticavam antes da ocupação, a qual gerava um rendimento anual nunca inferior a Esc. 318.000$00.
Ao conseguir o alargamento da feira, passando a ter mais lugares disponíveis para feirantes, aos quais cobra uma taxa, a Ré aufere um rendimento que os AA. desconhecem mas em valor nunca inferior a 5.000.000$00.
Invocam, ainda, que a construção da rua feita pela Ré implica a impossibilidade de, naquele mesmo espaço, poder ser desempenhada qualquer outra actividade, pelo que a mesma terá de ser retirada e o terreno reposto na situação anterior, estimando os AA. que os trabalhos necessários à remoção dos materiais usados na construção da estrada implicarão um custo nunca inferior a 7.500.000$00.
No terreno ilegalmente ocupado, a Ré destruiu muros de pedra que lá existiam, cuja reposição implicará um gasto de 10.000.000$00.

A Ré contestou.
Alega, em síntese, a sua falta de personalidade e capacidade judiciárias, que os AA. fizeram um novo pedido de loteamento em 1990, onde cedem a faixa de terreno ocupada pelo arruamento que agora pretendem que lhes seja devolvida sem tal obra; que, tendo a Ré construído, de boa fé, os arruamentos no terreno dos AA., e sendo o valor destes superior àquele, sempre assistirá à Ré o direito de adquirir por acessão o terreno dos AA..
Alegam ainda a incompetência material deste Tribunal para apreciar do pedido de indemnização formulado, sendo competente o tribunal administrativo.
Que existe uma cumulação ilegal de pedidos, nomeadamente os de reconhecimento da propriedade com o de indemnização.
Conclui pedindo a improcedência da acção.

Os AA. replicaram pedindo a improcedência das excepções deduzidas.

Foi proferido despacho saneador no qual se julgaram improcedentes as excepções de incompetência absoluta do Tribunal, de cumulação ilegal de pedidos e de falta de personalidade e capacidade judiciárias da Ré.

Prosseguindo os autos, teve lugar a audiência de julgamento e veio a ser proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, julgaram-se os AA. legítimos proprietários do prédio rústico em causa e julgaram-se improcedentes os pedidos formulados nas alíneas b), c) e d), com a ampliação admitida por despacho de fls. 641.

I. Da Apelação
Inconformados com esta decisão dela recorreram os Autores, da matéria de facto e de direito, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
1. Encontrando-se pendente um recurso de agravo, a requerer a nulidade da audiência de discussão do julgamento por não ter sido realizada por colectivo e por não existirem as cassetes com a gravação da audiência, poderá ser inútil a análise do presente recurso;
2. A sentença é nula por falta de fundamentação e por oposição entre os fundamentos e a decisão;
3. Como é nula porque a conclusão na pág. 12 da sentença não traz qualquer fundamentação legal ou factual.
4. Deve ser alterada a resposta aos quesitos 1º, 6º, 9º, 13º, 14º, 18º, devendo ser dados como provados, e nos precisos termos referidos nas alegações;
5. Deve ser alterada a resposta aos quesitos 18º, 20º e 22º dando como não provada a sua matéria;
6. O Sr. Juiz, nas respostas aos quesitos, limita-se a fazer o relatório, indicando o objecto do litígio e enunciando as questões a decidir, sem contudo fazer o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
7. Assim, não tendo sido indicadas razões determinantes da convicção do julgador, não há fundamentação;
8. É nulo o hipotético acordo entre os apelantes e a apelada por não ter sido feito por escritura pública e versar sobre bens imóveis;
9. O apelante B………. não assinou nenhum acordo com a apelada;
10. Não se cumpriram as condições do hipotético acordo;
11. A utilização pela apelada câmara municipal é ilegal, precária, não tendo título legítimo de ocupação;
12. O tribunal deveria ordenar a restituição do terreno ocupado;
13. Como os apelantes nada receberam, nada têm a restituir à apelada câmara;
14. Os apelantes não tinham de peticionar a resolução do contrato pois o projecto não se concretizou, e a cedência verbal ou por escrito é nula por vício de forma;
15. A sentença consagra o direito ao enriquecimento sem causa por parte da Apelada Câmara, como consagra o direito de ofender a boa-fé, que é proibido por lei e um atentado à boa fé e bons costumes;
16. Como a Apelada Câmara não cumpriu a parte dela, os Apelantes também não eram obrigados a cumprir a parte deles;
17. Pelo que deve ser proferido acórdão a condenar no pedido integralmente, tal como peticionado;
18. Caso assim se não entenda, deve ser anulado o julgamento para ser repetido em 1ª instância;
19. Deve ser condenada a apelada como litigante de má-fé em multa e indemnização tal como consta e nos precisos termos destas alegações;
20. Há violação do artº 1º do protocolo n.º 1 anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
21. Foram violadas por errada interpretação e aplicação as disposições dos artigos 89º do Código do Notariado, artigos 270º, 272º, 275º, 286º, 334º, 875º e 1311º, n.º 2, do CC e 653.º n.º 2 do C.P.C., que deveriam ser interpretadas no sentido das conclusões anteriores.
Pedem a final:
a) o que atrás consta relativamente aos quesitos 13º e 14º: “os Apelantes vêm desde já ao abrigo do prescrito no n.ºs 3, 4 e 5 do art.º 712.º do C.P.C., requerer que se anule a resposta deste quesito e determine a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância no sentido de se apurar a verdade. Para tal requerem ao Venerando Tribunal da Relação que ordene a baixa do processo à 1.ª Instância no sentido de ser repetida a reprodução de prova neste quesito.”
b) a junção aos autos de 15 documentos, sem tributação, pois são posteriores à audiência de discussão e julgamento e foram ocultados pela ré Câmara Municipal, facto que também consubstancia a sua má-fé.
c) o que consta da conclusão 19.
Mais reafirmam o interesse em todos os recursos interpostos.

Contra-alegou a Ré concluindo que a sentença recorrida deve ser mantida, por não sofrer qualquer vício, negando-se, por isso, provimento ao recurso.

II. Do Agravo:
Recorreram os Autores do despacho que julgou extemporânea a arguição de nulidade da audiência de julgamento por falta de gravação desta ou constituição de tribunal colectivo tendo as respectivas alegações sido deduzidas conjuntamente com as alegações da apelação.
A agravada defendeu a improcedência do recurso.
II
Na sentença recorrida deram-se por provados os seguintes factos:

1 - O prédio rústico sito no ………., freguesia de ………., desta comarca de Vila Nova de Gaia, encontra-se inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 5500 e descrito na Conservatória do Registo Predial de V. N. de Gaia, sob a ficha n° 2548/100789 a favor dos AA.
2 - Há mais de 50 anos, os AA. - por si e pelos seus antecessores - sempre extraíram todas as utilidades do prédio descrito no n° anterior.
3 - Sem qualquer oposição ou interrupção, à vista de toda a gente, como quem exerce um direito próprio sobre coisa sua.
4 - Em meados de 1986, entre os AA. e outros proprietários, por um lado, e a Ré, pelo outro, foi acordada a cedência de uma área de terreno para a construção de uma rua e reorganização da D………. .
5 - Em contrapartida, a Ré autorizaria o loteamento do terreno restante.
6 - Este acordo entre as partes foi formalizado por escrito através de proposta assinada pelos proprietários, a qual foi apresentada em reunião da Câmara.
7 - Depois de já construída a dita rua, a Ré, para efeitos de ligação da mesma aos terrenos onde se realiza a feira do gado, pediu aos AA. que lhe facultassem a ocupação de mais uma faixa de 675 m2.
8 - Em 1988, os AA. apresentaram o projecto de loteamento na Câmara Municipal ………., o qual recebeu o n° …./88.
9 - Em Setembro de 1989, o projecto referido no n° anterior foi indeferido pela Ré com o fundamento de que o mesmo contrariava o plano camarário de ordenamento global da zona da D………., bem como porque os terrenos não estavam ainda excluídos da Reserva Agrícola Nacional.
10 - Haveria ainda a possibilidade de o projecto vir a ser aprovado desde que, por um lado, os terrenos passassem de zona agrícola a terrenos urbanizáveis e, por um lado, os AA. apresentassem um aditamento modificativo àquele projecto.
11 - Em 27.11.89, os AA. alertaram a Ré para o incumprimento dos compromissos assumidos (documento de fls. 18/19 cujo teor se dá reproduzido).
12 - Em 12.01.90, a Ré enviou aos AA. o ofício de fls. 20, cujo teor se dá por reproduzido, informando os AA. da deliberação camarária ocorrida em 03.01.90, segundo a qual "A Câmara deliberou confirmar a viabilidade de loteamento para a cedência de terreno para a reorganização da D………., de acordo com o estudo feito pela Secção de Urbanização".
13 - Em 19.03.90, os AA. apresentaram na Câmara Municipal ………. um projecto de loteamento de um terreno sito nos ………., ………., pretendendo destacar uma área de 357 m2 (Lote 1) desse terreno, a fim de localizarem compromissos já assumidos com terceiros, prevendo-se para o respectivo lote a construção de um edifício de cave, rés-do-chão, 3 andares mais um recuado (documentos de fls. 39 a 43 cujo teor se dá por reproduzido).
14 - Na sequência do pedido referido no n° anterior, em 18.05.1992, a Ré notificou os AA. da aprovação do loteamento (documento de fls. 44 cujo teor se dá por reproduzido).
15 - Em 02.07.1991, os AA. requereram a notificação judicial avulsa da Ré nos termos de fls. 23 a 25, cujo teor se dá por reproduzido, a qual foi efectuada na pessoa do Presidente da Câmara, em 08.07.1991.
16 - A ocupação que a Ré faz dos terrenos dos AA. há muito que deixou de ser querida por estes.
17 - Na sequência do referido no n°6, a proposta, nos termos dos n°s 4 e 5, foi aprovada por unanimidade na reunião da Ré havida em 30.03.1987.
18 - A Câmara tomou posse do terreno e construiu a rua em 1987.
19 - Perante o descrito no n°7 e confiados em que a Ré iria honrar os compromissos assumidos anteriormente, os AA. permitiram a referida ocupação de 675 m2, a título precário.
20 - Sempre no mesmo pressuposto da contrapartida da aprovação do loteamento.
21 - Mas tudo dependeria da desafectação dos terrenos da Reserva Agrícola Nacional, incumbido esta tarefa exclusivamente à Ré.
22 - Desde a data referida na resposta ao quesito 3º (ou seja, em 1987) os AA. ficaram impedidos de exercer a actividade agrícola que nele praticavam antes da ocupação.
23 - Os AA. sempre desenvolveram naquele prédio actividade agrícola com produção de vinho, milho, batata e demais hortícolas.
24 - Gerando um rendimento anual nunca inferior a Esc. 318.000$00.
25 - No espaço ocupado pela Ré, esta delimitou uma área para parque de estacionamento automóvel com o qual conseguiu libertar mais área para o alargamento do recinto da feira.
26 - Os trabalhos necessários à remoção dos materiais usados na construção da estrada implicarão um custo nunca inferior a Esc. 7.500.000$00.
27 - No terreno ocupado, a Ré destruiu muros de pedra que lá existiam com a extensão de 300 metros por três de altura.
28 - A reposição dos referidos muros implicará um gasto de Esc. 16.000.000$00 (€ 79.807,66).
29 - No prédio referido no n° 13, os AA. cederam a faixa de terreno actualmente ocupada pelo arruamento.
30 - A abertura do novo arruamento veio beneficiar o prédio dos AA., quanto à sua capacidade edificativa, dada a acessibilidade com que ficou dotado por via do mesmo.
31 - A ocupação feita pela Ré cingiu-se à parte do traçado do arruamento e ainda à ligação deste ao local onde se realiza a feira do gado e, pelo menos a partir de 22.04.98, ao terreno onde se encontra feito aquele arruamento.
32 - Os AA. não estão nem nunca estiveram impedidos de usufruir o seu terreno na sua quase totalidade, excepto no que respeita ao exercício da actividade agrícola nos termos em que era feita antes da ocupação.

II - Relativamente ao recurso de agravo é de considerar a seguinte factualidade:
1) A presente acção deu entrada em tribunal em 20 de Maio de 1996.
2) O prazo para requerer os meios de prova e gravação da audiência iniciou-se em 05 de Junho de 1997, sendo que nenhuma das partes requereu tal gravação.
3) A primeira sessão da audiência de julgamento foi marcada para 08 de Julho de 1999, tendo, então o processo ido aos “vistos” e obteve o “visto” dos juízes adjuntos do Mmº Juiz de Círculo.
4) Nas datas de 08 de Julho de 1999 e 20 de Abril de 2000, realizaram-se, respectivamente, a 1ª e 2ª sessão de audiência, com constituição de tribunal colectivo mas sem produção de prova.
5) Em 19.10.99 o processo transitou do .º Juízo Cível para as Varas Mistas do Tribunal de Comarca de Vila Nova de Gaia, por força da reforma judiciária entretanto ocorrida (DL nº 186 – B de 31/05).
6) A audiência de julgamento iniciou-se com produção de prova em 10 de Dezembro de 2004, sob a presidência de juiz singular e sem registo da audiência;
7) Não obstante, consta da acta respeitante a tal sessão, cfr. fls. 537, que: “Declarada aberta a audiência o Mmº Juiz começou a inquirir os intervenientes, a seguir identificados, tendo sido os seus depoimentos gravados em duas fitas magnéticas, nos termos dos artºs 522º-B e 522º-C do CPC, com redacção introduzida pelo D.L. nº 183/00 de 10 de Agosto”.
8) Foram realizadas 4 sessões de julgamento com produção de prova oral, tendo sido ouvidas, respectivamente, 1, 5, 2 e 1 pessoas, entre depoentes, testemunhas e peritos e, em todas as sessões de prova os AA. estiveram representados por mandatário.
9) Na identificação de cada um dos intervenientes ouvidos não consta, da acta, qualquer identificação de registo magnético comportando os espaços temporais de rotação dos seus depoimentos.
10) O mesmo acontece nas actas das sessões seguintes.
11) A audiência de julgamento encerrou com a leitura da decisão da matéria de facto em 16 de Junho de 2005.
12) Em 07/11/2005 os AA requereram cópia da gravação da audiência de julgamento, juntando para o efeito os respectivos suportes magnéticos.
13) Requerimento que lhes foi deferido em 10711/2005, por despacho judicial do seguinte teor: “Considerando que o Tribunal não tem disponibilidade de meios e de tempo para proceder à reprodução das cassetes, forneça ao A. os duplicados (originais), a título devolutivo, pelo prazo de 10 dias”.
14) Em 09/06/2006 os AA. vieram pedir um esclarecimento sobre o facto de terem sido informados pelos funcionários do tribunal que não encontravam as cassetes e, por outro lado lhes ter sido certificado que «não existem cassetes de gravação de julgamento».
15) Em 22/06/2006 foi proferido despacho judicial a informar que «a prova produzida em audiência de julgamento não foi gravada, por não ter sido oportunamente requerida pelas partes tal gravação (…). A referência à gravação da prova que consta da acta de fls. 537 e ss., deveu-se a mero lapso de escrita». Despacho esse que foi notificado aos AA. em 26/06/2006.
16 ) Em 04/07/2006 os AA. requereram a nulidade do julgamento por falta de colectivo e por falta de gravação em alternativa.
17) Por despacho de fls. 734 o Mmº Juiz “a quo” considerou extemporânea a arguição (…pois teria tal questão de ser apreciada até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento - artºs 646º nº 3 e 110º nº 4 do CPC) e indeferiu com tal fundamento a arguição de nulidade.
III
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC).

São as seguintes as questões a decidir:
I – Do recurso de agravo:
-Se se mostra extemporânea a arguição de nulidade da audiência de julgamento com fundamento em que não foi realizada perante tribunal colectivo ou com produção de prova gravada.

II – Do recurso de apelação:
1. Da falsidade da acta que consignou a gravação da audiência.
2. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e por oposição entre os fundamentos e a decisão.
3. Da alteração das respostas aos quesitos 1º, 6º, 9º, 13º, 14º, 18º, 20º e 22º.
4. Da nulidade do acordo entre os apelantes e a apelada por não ter sido feito por escritura pública e versar sobre bens imóveis;
5. Das consequências da falta de assinatura do apelante B………. e da falta de cumprimento das condições do acordo.
6. Da falta de título legítimo de ocupação por parte da apelada Câmara, com a consequente restituição do terreno ocupado e a desnecessidade de peticionar a resolução do contrato.

7. Da condenação da apelada como litigante de má-fé em multa e indemnização.

I – Do recurso de agravo:
A primazia do conhecimento do recurso de agravo impõe-se pela natureza do seu objecto.
A apreciação da validade e eficácia da audiência de julgamento antecede logicamente a apreciação da justeza e adequação da decisão de facto e de direito dela resultante.
Assim passaremos a decidir:
Invocando a extemporaneidade da arguição decidiu o tribunal “a quo” não conhecer da nulidade do julgamento com fundamento em não ter sido realizado por tribunal colectivo ou gravado.
Vejamos então da reclamada tempestividade da arguição:
A presente acção deu entrada em tribunal em 20 de Maio de 1996 e o prazo para requerer os meios de prova e gravação da audiência iniciou-se em 05 de Junho de 1997.
A acção é de valor superior à alçada da Relação, pelo que os autos revestem a forma processual ordinária.
Nos termos do artigo 646 do CPC, em vigor à data “A discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção de tribunal colectivo, salvo os casos previstos no número seguinte”.
Sendo um desses casos, o das “acções em que alguma das partes haja requerido, nos termos do artigo 522º - B, a gravação da audiência final” (alª c)).
A consagração no nosso ordenamento jurídico-processual-civil, da gravação da prova, vem do Dec-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, o qual teve aplicação imediata aos processos de natureza civil, pendentes em quaisquer tribunais na data 1 de Janeiro de 1997, no que respeita ao registo das audiências (artº 24º do Dec-Lei nº 329-A/95 de 12/12).
Retira-se do preâmbulo de tal diploma, um triplo objectivo, a saber, “criar um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto... afrontar o clima de quase total impunidade e da absoluta falta de controlo que...envolve o possível perjúrio do depoente que intencionalmente deturpe a verdade dos factos...satisfazer o próprio interesse do tribunal ...inviabilizando acusações de julgamento à margem (ou contra) da prova produzida”, permitindo ainda “auxiliar... o próprio julgador...”.
De acordo com o disposto no artº 522º-B do Cód. Proc. Civil, na redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 39/95 de 15/02, em vigor à data:
“As audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados são gravados sempre que alguma das partes o requeira, por não prescindir da documentação da prova nelas produzida, ou quando o tribunal oficiosamente determinar a gravação”,
Prescrevendo o nº 2 que o requerimento para o registo dos depoimentos prestados em audiência final devia ser apresentado nos 10 dias subsequentes à notificação prevista no artigo 512º do CPC.
No caso, nenhuma das partes requereu a gravação, podendo tê-lo feito considerando a aplicabilidade imediata do Dec-Lei 39/95 de 15/02, nem consta das actas qualquer determinação oficiosa do Juiz “a quo”, para que assim se procedesse.
O julgamento de facto não foi gravado.
A lei dispensa a obrigatoriedade de intervenção de tribunal colectivo apenas quando toda a prova está ou fica registada e demonstrada nos autos, caso em que existe uma segunda instância quanto à matéria de facto.
Assim, haveria o julgamento de ter sido realizado perante tribunal colectivo, por ser essa a regra, sem dependência, à data, de qualquer requerimento das partes nesse sentido.
Tal não aconteceu.
Nos termos do nº 3 do artigo 646º do CPC, na redacção aplicável ao tempo – “ Se as questões de facto forem julgadas pelo juiz singular quando o devam ser pelo tribunal colectivo, será anulado o julgamento – redacção do CPC anterior à que foi introduzida pelo Dec-Lei nº 329-A/95 de 12/12, com as alterações posteriormente introduzidas pelos: Dec-Lei 180/96 de 25/09, 375-A/99 de 20/09 e 183/2000 de 10/08, pela Lei nº 30-D/2000 de 20/12, pelos Dec-Lei nº 272/2001, de 13/10, e 323/2001 de 17/12, e pela Lei nº 13/2002 de 19/02.
Na redacção actual do nº 3 do artigo 646º do CPC que remete para o nº 4 do artigo 110º, a hipótese contemplada de julgamento singular quando devia ter sido julgamento colectivo, configura um caso de incompetência relativa que pode ser suscitada pelas partes ou oficiosamente conhecida até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.
Mas, tal redacção não se aplica ao caso concreto.
Ressalta do artigo 16º do Dec-Lei nº 329-A/95 de 12/12, introduzido pela Lei 6/96 de 29/02 que: “Sem prejuízo do artº 17º, o Dec-Lei nº 329-A/95 de 12/12 com as modificações decorrentes do presente diploma, entra em vigor em 1 de Janeiro de 1997 e só se aplica aos processos iniciados após esta data, salvo o estipulado no artigo 17º e nos seguintes.
Ora os artigos 17 e seguintes, ressalvando normas ou situações de aplicação imediata não contemplam as alterações introduzidas aos artigos 646 e 110 do CPC.
Desse modo o julgamento de facto por juiz singular quando o devia ser por tribunal colectivo é anulável.

Vejamos então se foi atempada a arguição de nulidade.
Tal nulidade processual está sujeita ao regime geral e, no que ao prazo de arguição respeita, à regra do artigo 205º na sua conjugação com o artigo 153º nº 1, ambos do CPC.
O mandatário dos AA. esteve presente nas diversas sessões de julgamento.
Desde a primeira hora que tomou conhecimento que as sessões com produção de prova eram conduzidas por juiz singular e não por tribunal colectivo.
Simplesmente, não lhe pode ser oponível a falta de invocação dessa nulidade processual, durante o período de realização do julgamento, se concluirmos que o seu silêncio ou omissão se deveu ao convencimento razoável, de que o julgamento estaria a ser gravado, o que retiraria razão de ser ao colectivo.
Apenas a 1ª acta do julgamento com produção de prova refere tal gravação –cfr. fls. 537.
Foram realizadas 4 sessões de julgamento com produção de prova oral, tendo sido ouvidas, respectivamente, 1, 5, 2 e 1 pessoas, entre depoentes, testemunhas e peritos.
Em todas as sessões de prova os AA. estiveram representados por mandatário.
A realização de gravação traduz-se em actos materiais que não passam despercebidos a quem tem intervenção num julgamento tão prolongado: a colocação do microfone à altura adequada a cada depoente ou testemunha, o tempo de espera imposto pelo juiz pelo accionamento dos botões antes de iniciar o interrogatório, a substituição das cassetes a meio dos interrogatórios, uma vez completas, obrigando à interrupção dos depoimentos por curtos períodos, o “clicar” dos botões, etc.
No decurso de quatro sessões de julgamento não podia um mandatário minimamente atento ignorar que o julgamento não estava a ser gravado. Não é razoável o seu alegado convencimento nessa gravação.
Assim, tendo a audiência de julgamento terminado em 16.06.2005, com a leitura das respostas aos quesitos, a arguição da nulidade em causa só podia ocorrer no prazo de dez dias a partir desta data.
É certo que tendo os AA. solicitado cópia das cassetes tal pedido foi-lhe inicialmente deferido.
Mas esse pedido foi efectuado apenas em 07.11.2005, sendo que em tal data já se havia esgotado há muito o prazo para arguir a nulidade da audiência de julgamento com fundamento na falta de gravação ou, por consequência da falta de colectivo.
Resultando manifesta, neste quadro, a extemporaneidade da arguição, que não encontra justificação na circunstância de ainda se inserir no período de apresentação das alegações.
A nulidade não foi reclamada tempestivamente, sendo imputável aos AA o “prejuízo” decorrente dessa negligência.
Pois só relativamente às nulidades da sentença – e aparte a situação ressalvada no n.º 3 do artº 205º, que aqui se não verifica – se encontra prevista a possibilidade de serem arguidas nas alegações de recurso, nos termos do artº 668º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil.
Deveriam assim os recorrentes, ao invés de aguardar pelo fim do prazo das alegações, ter arguido a nulidade em causa, perante o próprio Tribunal onde ela ocorreu, no prazo de dez dias contados da data de encerramento da audiência de discussão e julgamento.
Improcede, assim, o recurso de agravo do despacho que julgou extemporânea a arguição da nulidade do julgamento.

II – Do recurso de apelação:
1. Da falsidade da acta que consignou a gravação da audiência.
Como bem referiram os apelantes o Tribunal ao vir no despacho de fls. 695 referir que a menção na acta de audiência de julgamento da gravação se trata de um mero lapso de escrita, admitiu que a acta de audiência de julgamento é falsa nessa parte.
O tribunal não está impedido de oficiosamente declarar a falsidade de qualquer declaração aposta em acta se houver sinais exteriores evidentes dessa falsidade, como foi o caso.
Mas daí não ocorre qualquer consequência que não seja dar-se por não escrito a parte falsa da acta.
Assim, tendo a acta natureza de documento autêntico, faz prova plena dos factos que integram o seu conteúdo, em tudo o mais.
Dessa falsidade parcial não advém qualquer consequência para os autos.

2. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Pretendem os apelantes que na sentença em recurso não foi feito o exame crítico das provas e a fundamentação de direito é inexistente.
Ora, o exame crítico das provas apenas se exige no julgamento da matéria de facto, ou seja, no momento processual previsto no artigo 653 do CPC, e esse exame foi feito, como se retira do despacho de fls. 654 a 656.
O artigo 668º. do CPC., por sua vez, não se aplica ao julgamento da matéria de facto, reportando-se exclusivamente às causas de nulidade da sentença.
A oposição entre os fundamentos e a decisão, aludida na sua alínea c), não dizem respeito à forma como a matéria de facto foi decidida, mas à construção lógica da sentença, já que, nulidade não é o mesmo que erro de julgamento.
A nulidade só ocorre quando os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Por sua fez, a omissão de pronúncia, referida na alínea d) do nº. 1 do art. 668º. do CPC., só acontece quando o julgador deixe por resolver questões que as partes submeteram à sua apreciação, pois, o comando em apreço refere-se a questões e não a argumentações.
Não há que confundir questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.
No caso em apreço, nenhum dos apontados vícios se verifica, pelo que improcede a arguição das invocadas nulidades de sentença.

3. Da alteração das respostas aos quesitos 1º, 6º, 9º, 13º, 14º, 18º, 20º e 22º.
Na redacção do artigo 712º do CPC aplicável aos autos (versão introduzida pelo Dec-Lei nº 39/95 de 15/02) as respostas do tribunal aos quesitos, não tendo havido gravação, apenas podem ser alteradas pela Relação, se: a) do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à resposta; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou.

Vejamos o teor dos quesitos cujas respostas se mostram impugnadas e a respectiva fundamentação:
Q 1º- Aquando do referido em D) e E) (acordo de cedência), foi igualmente acordado que, em contrapartida, a área cedida para a rua seria considerada para efeitos de cálculo de mais valias?
Resposta dada: Não provado, com fundamento na ausência de prova testemunhal e documental.
Resposta pretendida: Provado, com fundamento no documento de fls. 10 e 105 dos autos.
Decisão: o documento de fls. 10 e 105 dos autos apenas se mostra assinado pelos comproprietários do terreno e exprime a pretensão destes em ceder à Câmara uma área de terreno, com a contrapartida por parte desta, de vir a considerar para efeitos de cálculos de mais valias a área cedida, aquando do licenciamento do loteamento.
Daquele documento ou de qualquer outro não se retira a assunção por parte da Câmara de qualquer obrigação nesse sentido, mas tão-somente da parte dos proprietários essa pretensão.
Ao contrário do pretendido loteamento que foi aceite pela Apelada, em nenhum documento se retira que esta aceitou reconhecer que a área cedida de terreno seria considerada para efeito de mais valias.
Assim sendo a resposta dada não justifica alteração.

Q 6º - A partir do momento em que a rua foi aberta e a D1………. se alargou efectivamente para o resto do prédio dos Autores, a Ré nunca mais fez qualquer diligência no sentido de aprovar o dito loteamento ?
Resposta dada: Não provado com fundamento no depoimento de algumas testemunhas que o tribunal “a quo” identifica e, no conjunto de documentos que espelham o contrário do facto negativo em quesitação, ou seja, dos documentos que traduzem diligências feitas pela Apelada (Ré) para obter a desanexação do terreno dos AA. da Reserva Agrícola Nacional, condição essencial para a visada aprovação do novo pedido de loteamento apresentado pelos AA. em 1990.
Resposta pretendida: Provado com fundamento nos documentos que se encontram juntos a estes autos e que integram peças dum processo que correu termos na procuradoria da República junto do Tribunal Administrativo do Porto, em que a Apelada diz “que a Autarquia não aprovou qualquer loteamento privado”, bem como num documento emitido pela Empresa Municipal E………., que informa a 3ª Repartição de Finanças de vila nova de Gaia que “Não existe para a localização em causa, projecto aprovado, alvará de licença de construção, alvará de loteamento ou pedido de informação prévia aprovado e em vigor”.
Decisão: A prova do “nunca” é à partida uma prova difícil, reportada a um facto de tal modo redutor que se confunda com uma omissão absoluta.
A prova pretendida é a de que a Ré nunca fez qualquer diligência no sentido de ser aprovado o loteamento acordado, não o posterior, reportado a uma parcela daquele.
Os documentos apontados pelos Apelantes não são suficientes para confirmarem o quesito, pelo que mantemos a resposta dada.

Q 9º - Desde a data referida em 3º (Setembro de 1986), os Autores ficaram impedidos de usufruir do seu prédio e de nele exercerem qualquer actividade, nomeadamente a agricultura que nele praticavam antes da ocupação ?
Resposta dada: Provado apenas que desde a data referida na resposta ao quesito 3º, os AA. ficaram impedidos de exercer a actividade agrícola que nele praticavam antes da ocupação.
Tal resposta fundamentou-se no relatório pericial e nos esclarecimentos prestados por escrito e oralmente pelo perito do tribunal, e pelo depoimento da testemunha H………. .
Resposta pretendida: Provado que os Apelantes ficaram impedidos de usufruir do seu prédio e de nele exercerem qualquer actividade, nomeadamente a agricultura que nele praticavam antes da ocupação, estando inclusive impedidos de poder vender a sua propriedade.
Decisão: a resposta pretendida extravasa o âmbito do quesito e da alegação, pelo que não pode ser considerada.
Assim, mantemos a resposta dada.

Q 13º - Pelo que a Ré passou a ter mais lugares disponíveis para feirantes aos quais cobra uma taxa?
Resposta dada: Não provado. Segundo o tribunal “a quo” não foi feita prova de que a Ré tivesse aproveitado o espaço sobrante para alojar maior número de feirantes e desse modo, cobrar mais taxas.
Resposta pretendida: Provado. Pretendem os apelantes que é a própria Apelada (Ré) que por deliberação da Câmara de 30.03.87 relativamente `a informação nº .. dos serviços de E………. de 17/03/87, refere “A aprovação deste projecto visa para além duma melhor organização da feira, a que com a saída dos veículos automóveis do interior da mesma, para um parque próprio, o número de vendedores aumente para quase o dobro”.
Por sua vez os mapas de receitas efectuadas pelos serviços de feiras e mercados da Câmara desde os anos de 1987 a 1992, juntos com as alegações, provam que a apelada passou a ter mais lugares disponíveis para feirantes depois da ocupação do terreno dos Apelantes, aos quais cobra uma taxa.
Decisão:
Os documentos juntos com as alegações são admissíveis por não a sua junção, embora requerida, não ter sido possível até ao encerramento da 1ª instância.
A deliberação da Câmara acima referida e os mapas de receitas entretanto juntos constituem, a nosso ver elementos objectivos idóneos a dar como provado o aumento efectivo do número de feirantes a quem é cobrada uma taxa.
Assim, a resposta ao quesito 13º passará a ser de – Provado.

Q 14º- E, auferiu nessa medida, um rendimento não inferior a Esc. 5.000.000$00?
Resposta dada: Não provado. Segundo o tribunal “a quo” não foi feita prova de que a Ré tivesse aproveitado o espaço sobrante para alojar o maior número de feirantes, e desse modo, cobrar mais taxas.
Resposta pretendida: Provado. Pretendem os Apelantes que os documentos 6 a 11, informações internas da Câmara, juntos com as alegações provam um aumento de rendimentos obtido pela Câmara com a ocupação do terreno dos AA., e que, o mapa que constitui o doc. 12 mostra que só em 1989 a diferença de 25.998,93€ perfaria até 30/09/96 o valor de 122.281,13€.
Decisão: Em coerência com a resposta anterior não pode deixar de considerar-se que obtendo a Ré mais espaço para feirantes que pagam uma taxa o seu rendimento aumentou, o que é confirmado pelos documentos juntos a fls. 6 a 11, nesta sede.
Contudo, o mapa de fls. 12 não se mostra assinado nem a sua autoria resulta nele identificada pelo que, não constitui documento idóneo à prova da quantificação do rendimento pretendida.
Assim, a resposta ao quesito 14º passará a ser – Provado que com o aumento de lugares disponíveis para feirantes, a Ré passou a beneficiar de um aumento de receitas.

Q 18º- No pedido referido em N), os Autores cederam a faixa de terreno actualmente ocupada pelo arruamento?
Resposta dada: Provado, sem prejuízo das respostas dadas aos quesitos 4º e 5º. Fundamenta o tribunal a resposta com o teor dos documentos de fls. 39 a 43, mas também, o teor do acordo que antes havia sido celebrado entre as partes.
Resposta pretendida: Deve ser dada como não escrita tal resposta porque a respectiva prova só poderia ser feita por documento, no caso uma escritura pública.
Decisão: A expressão “cederam” não é sinónimo exclusivo de transferência de propriedade, podendo exprimir outras realidades que não obrigam à sua formalização por escritura pública, como sejam, transferência de posse, colocação à disposição, tolerância de ocupação, etc.
Assim, não se vê razão para alterar a resposta dada.

Q 20º - A abertura do novo arruamento só veio beneficiar o prédio dos Autores dada a acessibilidade com que ficou dotado por via do mesmo ?
Resposta dada: Provado, no que tange à sua capacidade edificativa.
A resposta dada a tal quesito fundou-se no teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas sobre tal facto e dos projectos de loteamento apresentados pelos Autores.
Resposta pretendida: Não provado.
Segundo os AA. o loteamento a que se refere a matéria dada como assente na alínea N) da especificação que teve o nº 371/90 refere-se única e simplesmente a uma parcela de terreno que nunca teve a ver com o terreno construído, sendo que nunca foi emitido qualquer alvará de loteamento por parte da Ré (apelada).
Os apelantes apresentaram ainda um outro processo de loteamento que deu entrada na apelada em 18/06/1997, que recebeu o nº …/97, que foi junto aos autos. Verificando atentamente esse loteamento, pode verificar-se que os Apelantes para lotear o seu terreno não precisam do arruamento que lá se encontra construído.
Decisão:
Não se verificam os pressupostos do artigo 712º para alterar a decisão de facto. A fundamentação de facto do tribunal “a quo” assenta em prova testemunhal, e esta não pode ser sindicada por falta de gravação, nenhum documento novo contraria tal facto, e o processo de loteamento junto aos autos porque respeitante a uma outra parcela de terreno, quanto muito, deixa de ser elemento probatório coadjuvante. Nenhuma razão assiste aos Apelantes no sentido de modificar tal resposta.

Q 22º- Pelo que os Autores não estão nem nunca estiveram impedidos de usufruir o seu terreno na sua quase totalidade?
Resposta dada: Provado, à excepção do exercício da actividade agrícola nos termos em que era feita antes da ocupação. Fundamentação: relatório pericial maioritário, intervenção do perito nomeado pelo tribunal e depoimento da testemunha G………. .
Resposta pretendida: Não provado.
Decisão: Nenhum elemento de prova junto aos autos impõe a alteração da resposta dada (artigo 712º CPC)., pelo que a mantemos.

4. Da nulidade do acordo entre os apelantes e a apelada por não ter sido feito por escritura pública e versar sobre bens imóveis;
5. Das consequências da falta de assinatura do apelante B………. e da falta de cumprimento das condições do acordo.
6. Da falta de título legítimo de ocupação por parte da apelada Câmara, com a consequente restituição do terreno ocupado e a desnecessidade de peticionar a resolução do contrato.

As três questões acima enunciadas importam uma apreciação conjugada.
Saber se mostra necessário ou não a formalização por escritura pública do acordo celebrado é questão a decidir após a caracterização deste, determinada por interpretação da vontade das partes.
O mesmo se diga quanto à falta de assinatura do apelante B………., bem como a legitimidade (substantiva) dos Apelantes à pretensão reivindicativa por contraposição à resistência da Apelada em restituir o terreno por si ocupado.

Analisemos então o acordo:
Está provado que, em meados de 1986, entre os AA. e outros proprietários, por um lado, e a Ré, pelo outro, foi acordada a cedência de uma área de terreno para a construção de uma rua e reorganização da D………., sendo que, em contrapartida, a Ré autorizaria o loteamento do terreno restante.
Este acordo entre as partes foi formalizado por escrito através de proposta assinada pelos proprietários, a qual foi apresentada em reunião da Câmara e aprovada por unanimidade, em 30.03.87.
Depois de construída a dita rua, a Ré, para efeitos de ligação da mesma aos terrenos onde se realiza a feira do gado, pediu aos AA. que lhe facultassem a ocupação de mais uma faixa de 675 m2, o que estes permitiram, confiados em que a Ré iria honrar o compromisso assumido no sobredito acordo, aprovando o loteamento.
A Câmara tomou posse do terreno e construiu a rua em 1987.
O loteamento pretendido pelos AA. foi indeferido pela Ré em Setembro de 1989, com o fundamento de que o mesmo contrariava o plano camarário de ordenamento global da zona da D………., bem como porque os terrenos não estavam ainda excluídos da Reserva Agrícola Nacional, havendo ainda a possibilidade de o projecto vir a ser aprovado desde que, por um lado, os terrenos passassem de zona agrícola a terrenos urbanizáveis e, por um lado, os AA. apresentassem um aditamento modifícativo àquele projecto .
Em 19.03.90, os AA. apresentaram na Câmara Municipal ………. um projecto de loteamento de um terreno sito nos ………., ………., pretendendo destacar uma área de 357 m2 (Lote 1) desse terreno, a fim de legalizarem compromissos já assumidos com terceiros, prevendo-se para o respectivo lote a construção de um edifício de cave, rés-do-chão, 3 andares mais um recuado, o qual foi aprovado por decisão comunicada àqueles em 18.05.1992. Mas este loteamento não se reporta ao terreno pretendido lotear.
O loteamento em causa visado no acordo de cedência não foi aprovado.
Alegam os Apelantes que só cederam as parcelas do terreno à Ré no pressuposto de que iria ser aprovado o seu projecto de loteamento, o qual não veio ulteriormente a verificar-se.
Da interpretação negocial resulta ter sido essa a vontade dos apelantes.
A aprovação do projecto surge expressamente referida no acordo celebrado entre as partes como constituindo uma "condição" da cedência de terrenos feito pelos AA. à Ré.
Entre AA e Ré não foi celebrado qualquer contrato de alienação de imóvel ou parte dele.
As partes celebraram entre si um contrato promessa de cedência gratuita mas sujeita a condição.
Ao contrato promessa em questão são aplicáveis as disposições do art. 410º, do CC., bem como as regras comuns aos contratos em geral.
Atendendo aos termos em que as partes clausularam os efeitos da cedência gratuita da área de terreno («os proprietários em cima enunciados comprometem-se a ceder gratuitamente à C.M.- ………., uma área de cerca de 5790 m2 (…) e como contrapartida pretendem que a C.M.-………. autorize o loteamento da área restante representada a “castanho” da dita planta, loteamento esse a apresentar na oportunidade»), resultando da proposta da Câmara que («a Câmara Municipal autorizará loteamentos no restante terreno, de acordo com as mesmas plantas»), a interpretação da declaração negocial (cfr., a propósito, art. 238º, do CC) leva-nos a concluir que o contrato ficou sujeito a condição suspensiva.
Na verdade:
As partes, por força do princípio da liberdade negocial (cfr. art. 405º, CC) decidiram condicionar a produção dos efeitos do contrato que celebraram à verificação de um facto futuro, incerto e possível (o loteamento da parte do terreno não cedido).
A condição é, na definição do art. 270º, do CC., a cláusula contratual, inserida no âmbito da autonomia privada das partes, que subordina a eficácia de um negócio jurídico a um evento futuro e incerto.
Ou seja:
Até à verificação do facto futuro e incerto (aprovação do loteamento) os efeitos do negócio não se produzem. Estão em suspenso. E, se o facto não se vier a verificar, jamais se produzem.
E, no caso trata-se de um facto futuro e incerto porquanto, não dependente inteiramente da vontade da Ré.
Todo o regime do loteamento urbano é informado por princípios de interesse e ordem pública inultrapassáveis, quaisquer que sejam os meios utilizados, pela vontade dos particulares, deles decorrendo numa verdadeira restrição ao direito de propriedade justificada por uma finalidade de ordenamento do território.
O “acordo” por parte da Câmara de proceder ao loteamento não apresenta uma verdadeira “vinculatividade ou obrigatoriedade jurídica”.
Na verdade também não houve nenhum documento escrito a selar a “negociação”, mas tão somente uma deliberação a aprovar a proposta do vereador que colocava a Câmara a autorizar um loteamento, na parte do terreno não cedida, de acordo com as plantas (cfr. fls. 13), como contrapartida pela cedência gratuita por parte dos particulares.
De um acordo deste tipo não derivam obrigações contratuais para a Câmara, além das que resultam da colaboração que revele a sua boa fé e interesse na concretização do negócio, por não ser discricionário o poder administrativo em matéria de urbanismo, construção e planeamento do território.
O essencial do conceito de loteamento, tendo em vista o disposto na alínea a) do art.3° do DL nº 448/91, de 29/NOV, traduz-se na divisão de um ou vários prédios, em lotes destinados a construção urbana.
Assim sendo, uma tal operação, face ao disposto no art.º 56.º do DL 448/91, deve ser precedida de consultas das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigidos (seja o parecer da C.C.R, seja o das entidades a que se refere o artigo, 42º do Dec. Lei nº 448/91),
De harmonia com o disposto na alínea a) do art.3° do DL nº 448/91, de 29/NOV, entende-se por “operações de loteamento - todas as acções que tenham por objecto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana”.
Diz-se no preâmbulo daquele diploma legal que, “(...) as operações de loteamento urbano e as obras de urbanização constituem, seguramente, uma das formas mais relevantes de ocupação do solo, quer pelas incidências que possuem ao nível do ordenamento do território, do ambiente e dos recursos naturais, quer pelas repercussões que delas resultam para a qualidade de vida dos cidadãos.
(...)
Por isso, as iniciativas dos particulares visando a urbanização do solo devem ser enquadradas num processo administrativo que assegure a defesa do interesse público e o respeito pela legislação em vigor, designadamente em matéria de urbanismo e de protecção do ambiente.
(...)
Por outro lado, ao limitar a realização de operações de loteamento às áreas que forem classificadas nos planos municipais de ordenamento do território como urbanas ou urbanizáveis, este diploma vem de encontro a uma preocupação generalizada que se prende com a delapidação de recursos naturais, em especial do solo.
Foi, assim, objectivo limitar a dispersão da construção, canalizando-a para as áreas estrategicamente mais apropriadas para esse efeito.
(...).”
Resumindo, pode dizer-se que o loteamento respeita à forma de ocupação do solos, daí que as iniciativas dos particulares visando a urbanização do solo conducente à formação de unidades autónomas devam ser enquadradas num processo administrativo em que seja assegurada a defesa de interesses públicos designadamente em matéria de urbanismo e de protecção do ambiente.
Face ao exposto não há incumprimento contratual imputável à Ré que motivasse um pedido de resolução contratual, como, com todo o respeito, foi entendimento da 1ª instância, mas antes a não verificação de uma condição, não dependente, totalmente de um comportamento da Apelada para que a mesma se verificasse.
Consequentemente, não se tendo verificado a condição, (nem se tendo provado que alguma das partes tenha agido de má fé, por forma a impedir a verificação da condição – v. art. 272º, CC) tudo se passa como se o contrato não tivesse sido celebrado.
O negócio celebrado entre as partes não produziu efeitos legais. Do ponto de vista jurídico, as partes estão como dantes.
A ocupação da Ré é não titulada desde Setembro de 1989, data em que foi dada como não verificada a condição, ou seja, foi indeferido o loteamento.

Portanto, e em conclusão:
1- Não houve, nem podia haver acordo contratual a respeito do loteamento, já que este não pode ser objecto de estipulações contratuais, mas de acto administrativo unilateral de licenciamento;
2- A Câmara não assumiu a obrigação de emitir no futuro um acto administrativo com um determinado conteúdo, já que sobre o assunto não dispunha de poderes discricionários, e porque em matéria de licenciamento de construções e de ocupação do solo com operações urbanísticas a actuação administrativa é de natureza vinculada;
3- Aos particulares foi apenas reconhecida a edificabilidade potencial do seu terreno
4- A tais particulares não lhes foi conferido nenhum direito mas somente uma expectativa legítima, da qual, porém, não poderia resultar em caso algum uma alteração da ordem jurídica estabelecida em matéria do ordenamento do território.
Como não se verificaram as condições, o negócio não se tornou eficaz e a ocupação da Câmara é precária.
A precariedade aplica-se a todo e qualquer metro quadrado de ocupação da Apelada Câmara do terreno pertencente aos Autores.
O Tribunal, reconheceu já que os Apelantes são donos do prédio onde a Apelada Câmara fez arruamentos, destruiu muros, fez um parque de estacionamento para servir os feirantes da D………. .
Logo, nos termos do art.º 1311º, n.º 2, do CC, impõe-se reconhecer aos Apelantes o direito à restituição do terreno.
Como acima se referiu, a cedência era condicional e precária. Logo, não há título de ocupação do terreno dos Apelantes.

Nas suas alegações os Apelantes reclamam pela procedência de todos os pedidos por si formulados: reconhecimento de propriedade, restituição do terreno e indemnizações.
Os Apelantes foram já declarados legítimos proprietários do prédio rústico em causa nos autos.
Na procedência desta apelação vai a Ré condenada a devolver aos AA. a parte do prédio que ocupa, pertencente aqueles, por não ter título que legitime a sua ocupação, devendo o prédio ser entregue livre e devoluto das obras que nele implantou ou, em alternativa, a indemnizar os Apelantes pelo valor que os mesmos vierem a despender com essa reposição no estado anterior, em montante a liquidar em execução de sentença.
Desde Setembro de 1989 que a ocupação é não titulada.
Os Apelantes viram-se privados com a mesma de exercer a actividade agrícola que nele praticavam antes da ocupação e que se reportava à produção de vinho, milho, batata e demais hortícolas, cujo rendimento anual era não inferior de Esc. 318.000$00 (1.586,18 €).
Os trabalhos necessários à remoção dos materiais usados na construção da estrada implicarão um custo nunca inferior a Esc. 7.500.000$00 (37.409,84 €).
No terreno ocupado, a Ré destruiu muros de pedra que lá existiam com a extensão de 300 metros por três de altura.
A reposição dos referidos muros implicará um gasto de Esc. 16.000.000$00 (79.807,66 €).
Os valores indicados reportam-se à data da interposição da acção (20.05.96).
A violação do direito de propriedade dos AA surge desde Setembro de 1989.
Nos termos do artigo 483º do C.Civ. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Os AA. têm direito a uma indemnização por perda de rendimentos equivalente a Esc. 318.000$00 (1.586,18€), por ano desde Setembro de 1989 até à restituição do prédio pela Ré, valor a liquidar em liquidação de sentença, e que à data se liquida em 336.270,16 € (trezentos e trinta e seis mil duzentos e setenta Euros e dezasseis cêntimos).
Caso a Ré não restitua o prédio livre e devoluto das obras que nele implantou deverá indemnizar os Autores do valor necessário à remoção dos materiais usados na construção da estrada de custo nunca inferior a 37.409,84 € e reposição dos muros de pedra pré existentes no prédio no valor de 79.807,66 €.
Os AA formularam ainda o pedido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a actualização dos valores pedidos com base no índice de preços.
Dispõe o nº 2, do artº 566º, do CC, que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
No artº 805º, nº 3, do CC, estabelece-se que, no caso de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação.
Tem-se assistido a certa divergência jurisprudencial no nosso Supremo Tribunal de Justiça quanto à questão da actualização dos danos não patrimoniais - pautada pelo valor à data mais recente que puder ter sido considerada pelo tribunal - e a concomitante responsabilidade pelo pagamento de juros de mora.
Tem vindo a vingar, o entendimento no sentido da inadmissibilidade da incidência de juros e de correcção monetária, relativamente ao mesmo período temporal. Actualizando-se o valor da indemnização, a contabilização dos juros só poderá ser feita a partir do momento final da actualização, reportando-se, pois, os juros moratórios a esse momento, pois que se englobaram já no valor da indemnização os prejuízos que os juros moratórios visam ressarcir.
Parece-nos também consensual a jurisprudência das Relações nesse sentido (veja-se por exemplo, Acórdão do TRP de 02-11-99: I - Nas obrigações pecuniárias, com juros de mora, procura-se compensar o credor do prejuízo por ele sofrido quando a prestação não é efectuada pelo devedor na data do seu vencimento, mas quando ela é efectuado com atraso. II - Por isso, não é possível cumular juros de mora com o montante decorrente da correcção monetária de harmonia com a taxa da inflação, ou seja, a actualização do capital e o pagamento de juros em simultâneo).
Assim, o n. 2 do art. 566 e n. 3 do art. 805 do C. Civil estabelecem duas diferentes formas de actualização que, a serem aplicadas simultaneamente, conduziriam a uma duplicação dessa actualização.
Por se tratar de um facto notório e, reportando-se o pedido ao ano de 1996 (passados que estão 11 anos) justifica-se a actualização monetária da indemnização em função da inflação até à data da sentença.
Os juros de mora incidentes sobre o montante encontrado só podem ser contados a partir desta sentença e até integral pagamento.

7. Da condenação da apelada como litigante de má-fé em multa e indemnização.
Não se verificam o pressupostos da litigância de má fé por parte da apelada, pelo que não há que a condenar nessa sanção.
IV
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pelos Autores revogando-se em consequência a sentença recorrida na parte em se julgaram improcedentes os pedidos formulados nas alíneas b), c) e d), com a ampliação admitida por despacho de fls. 641 e, decide-se:
a) Condenar a Ré a devolver aos AA. o prédio que ocupa, devendo o mesmo ser entregue devoluto e livre das obras que nele implantou;
b) Condenar a Ré a pagar aos AA uma indemnização por perda de rendimentos equivalente a Esc. 318.000$00 (1.586,18€), por ano desde Setembro de 1989 até à restituição do prédio pela Ré, valor a liquidar em liquidação de sentença, e que à data se liquida em 336.270,16 € (trezentos e trinta e seis mil duzentos e setenta Euros e dezasseis cêntimos).
c) Caso a Ré não restitua o prédio livre e devoluto das obras que nele implantou deverá indemnizar os Autores do valor necessário à remoção dos materiais usados na construção da estrada de custo nunca inferior a 37.409,84 € e reposição dos muros de pedra pré existentes no prédio no valor de 79.807,66 €.
d) Condenar a Ré a actualizar os valores indemnizatórios acima fixados procedendo a uma operação de correcção monetária, aplicando-lhe a taxa de inflação anual sem habitação até à data da prolação da sentença.
e) Condenar a Ré ao pagamento dos juros moratórios previstos no nº2 alª b) do artigo 805 a partir da sentença.
f) Absolver a Ré dos montantes indemnizatórios que estejam aquém e para além do ora fixado.
Custas por AA. e Ré, nas duas as instâncias, na proporção do decaimento.

Porto, 21 de Maio de 2007
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho
Baltazar Marques Peixoto