Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
598/11.8TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA EIRÓ
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
GARANTIA BANCÁRIA
ON FIRST DEMAND
ADMISSIBILIDADE
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RP20120223598/11.8TVPRT.P1
Data do Acordão: 02/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Em sede de procedimento cautelar, é admissível o recurso à prova testemunhal com o objectivo de demonstrar a falta de fundamento material da solicitação de pagamento, feita pelo beneficiário, da garantia autónoma à 1ª solicitação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B…, S.A.» intentou o presente procedimento cautelar comum contra «C…, S.A.», «D…» e «E…», pedindo que o «C…, S.A.» seja intimado para que, «até ao trânsito em julgado da decisão da acção principal de que este procedimento cautelar depende, não pague à D…», «nem à E1…», «os valores titulados pelas garantias bancárias» que identificou, «emitidas a favor daquela Entidade no âmbito dos contratos de empreitada» que também mencionou, «e que estas se abstenham de insistir nesse pagamento».
Para tanto, alegou, em síntese, que:
- Em 16/03/2005, a Requerente, como empreiteira, celebrou com a Requerida D… (doravante D1…), como dona da obra, um contrato de empreitada denominado «Lote 1 – Reabilitação da Estrada … – …», pelo valor de € 20.194.763,51;
-no âmbito desse contrato de empreitada, a Requerente prestou à Requerida D1… três garantias bancárias, sendo duas destinadas a garantir adiantamentos feitos à Requerente e outra destinada a garantir a boa execução do contrato;
-as Requeridas D1… e E1… (doravante E2…) solicitaram ao Requerido C… (doravante C1…) o pagamento de quantias no montante total de € 3.749.798,83 ao abrigo das referidas garantias bancárias;
-em 16/03/2005, a Requerente, como empreiteira, celebrou com a Requerida D1…, como dona da obra, um contrato de empreitada denominado «Lote 2 – Reabilitação da Estrada … – …», pelo valor de € 12.361.174,55;
-no âmbito desse contrato de empreitada, a Requerente prestou à Requerida D1… três garantias bancárias, sendo duas destinadas a garantir adiantamentos feitos à Requerente e outra destinada a garantir a boa execução do contrato;
-as Requeridas D1… e E2… solicitaram ao Requerido C1… o pagamento da quantia de € 1.717.533,48 ao abrigo das mencionadas garantias bancárias referentes a garantias de adiantamentos e solicitaram o pagamento da importância de € 1.006.890,05, no âmbito da garantia de boa execução.
A Requerente alegou, ainda, o carácter não autónomo das garantias bancárias prestadas, tendo aduzido factualidade tendente a demonstrar o evidente abuso do direito de accionamento de tais garantias e a existência de periculum in mora.
Foi designado dia para inquirição de testemunhas.
Posteriormente foi proferido o seguinte despacho a dispensar a prova nos seguintes termos:
Conquanto no decurso destas férias judiciais de Verão, a Exmª Juíza de turno tenha designado a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente na sua petição inicial, a verdade é que, como adiante se demonstrará, a presente providência cautelar está, manifestamente, votada ao insucesso.
Razão por que a inquirição das referidas testemunhas redundaria na prática de um acto processual inútil, que a lei proíbe (art. 137º do C.P.C.).
Por conseguinte, dou sem efeito a diligência aprazada a fls. 280 e passo, desde já, a apreciar a providência requerida (cfr., neste sentido, o Ac. da RP de 15/03/2001, Relator: Exmº Desembargador Camilo Camilo, proc. nº 0130290, in www.dgsi.pt, que se pronunciou sobre uma situação rigorosamente idêntica, e no qual se doutrinou que, «numa providência cautelar, estando designada por um juiz data para a audiência de julgamento, tal não obsta a que o juiz que lhe sucedeu no cargo entenda que o processo já contém os elementos necessários, sem a produção de prova, e profira a respectiva decisão de mérito».
A este despacho seguiu-se despacho de indeferimento liminar com o fundamento que as garantias em questão são garantias à 1ª solicitação e como tal o direito de obstar ao seu funcionamento consistente no abuso evidente do direito pelo beneficiário só pode fazer-se mediante prova pronta e liquida o que pressupõe a prova documental, o que não foi feito. A decisão acrescentou ainda que não foram alegados factos suficientes para integrar o direito invocado pela requerente.
E concluiu “nenhum dos factos invocados pela Requerente na petição inicial se inscreve nos apertados limites das excepções que podem ser opostos à execução das garantias bancárias autónomas à primeira solicitação que aqui estão em causa.
Realmente, a matéria de facto alegada pela Requerente mostra-se insuficiente para integrar uma situação de uso abusivo, por parte da beneficiária e ora Requerida D1…, do direito de accionar tais garantias bancárias.
O que significa que, ainda que os factos alegados pela Requerente viessem a provar-se, depois de produzida a prova testemunhal que aquela pretendia apresentar, não integrariam qualquer das situações excepcionais que devem servir para limitar os poderes da beneficiária das garantias em questão.
Além de que, insiste-se, inexiste prova pronta, líquida e inequívoca, no sentido de prova documental que, integrada e interpretada, permita de imediato e de forma segura concluir pelo invocado abuso evidente por parte da beneficiária das garantias.
Assim, uma vez que a matéria de facto alegada não integra, de forma inequívoca, qualquer das situações que legitima o recurso à tutela cautelar e a prova apresentada não revela, de forma pronta, líquida e irrefutável, o requisito do abuso evidente do direito de accionamento das garantias bancárias por parte da respectiva beneficiária, justifica-se o indeferimento da providência solicitada, sem produção da prova testemunhal arrolada pela Requerente (cfr., neste sentido, o já aludido Ac. da RL de 23/02/2010).
Em consequência, estando a pretensão de natureza cautelar aqui formulada pela Requerente manifestamente votada ao insucesso, impõe-se o indeferimento liminar do presente procedimento cautelar comum.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, por manifesta improcedência da pretensão formulada pela Requerente «B…, S.A. », ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 234º-A, nº 1 e 234º, nº 4, al. b), ambos do C.P.C., indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar comum.
Custas pela Requerente.
Notifique.
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Destas decisões apelou a requerente concluindo nas suas alegações:
1. Num procedimento cautelar, o juiz pode, quando chamado a proferir decisão prévia à citação do Requerido, optar por indeferir liminarmente o requerimento que seja manifestamente improcedente.
2. Depois de proferido o despacho liminar, tendo-se decidido pelo prosseguimento do procedimento cautelar para inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente, já não é legalmente admissível o indeferimento liminar, por já estar ultrapassado o momento processual próprio e o poder jurisdicional para o efeito, e por contradição com o despacho anteriormente proferido, nos termos do n.º 1 do artigo 234.º-A, do n.º3 do artigo 666.º e do artigo 672.º do Código de Processo Civil.
3. Não é correcto o entendimento perfilhado no despacho recorrido segundo o qual só são admissíveis, nos procedimentos cautelares inibitórios de garantias bancárias ao primeiro pedido, determinados meios de prova, excluindo-se nomeadamente a prova testemunhal.
4. A doutrina tem vindo a assinalar que a exigência de “evidência” do carácter abusivo do accionamento da garantia não é restritivo dos meios de prova admissíveis, mas sim restritivo do juízo de aplicação do direito aos factos que resultem provados, exigindo que a aplicação do direito seja clara, certa e inequívoca.
5. O beneficiário de garantia ao primeiro pedido que exija o cumprimento de tal garantia para fins claramente diversos daqueles para os quais a mesma foi convencionada excede manifestamente os limites impostos pela boa fé.
6. Face ao teor das garantias juntas aos autos, constitui fim claramente diverso daquele para o qual tais garantias foram convencionadas a exigência da entrega de valores devidos por terceiros que não o ordenante, a exigência de valores respeitantes a créditos já extintos por compensação, a exigência de valores que excedem o montante que o próprio considera devidos, bem como a exigência de valores referentes a relações contratuais estranhas ao ordenante.
7. O indeferimento liminar deve ser reservado para casos-limite de improcedência manifesta da pretensão formulada.
Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso e, consequentemente, pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por decisão que: a) Decrete imediatamente a providência requerida, pelo menos no que respeita à inibição do pagamento da garantia de boa execução do Lote 2; b) Ordene o prosseguimento dos autos para demonstração dos factos alegados no requerimento inicial.
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O recurso.
A decisão recorrida considerou que as seis garantias bancárias prestadas a favor da requerida D1…, são garantias autónomas á 1ª solicitação qualificação que não é posta em causa neste recurso, e conclui que a matéria de facto alegada pela requerente não integra qualquer das situações excepcionais que devem servir para limitar os poderes da beneficiária das garantias em questão, e a prova apresentada não revela, de forma pronta, liquida e irrefutável, o requisito do abuso evidente do direito de accionamento das garantias bancárias por parte da respectiva beneficiaria, pelo que indeferiu liminarmente a providencia cautelar.
“A garantia bancária autónoma é um figura triangular, supondo três ordens de relações: entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário; entre o garantido e o garante (banco); entre o garante e o beneficiário. As 1ªs e as últimas são de natureza externa, no sentido de que nelas participa o beneficiário; as segundas são de índole interna, no sentido de que nelas não intervém o beneficiário, travando-se entre os outros sujeitos.
Correlativamente estão em jogo três negócios jurídicos: o contrato base, em que são partes, o dador da ordem e o beneficiário; o contrato pelo qual o banco se obriga para com o beneficiário – contrato de garantia; o contrato pelo qual o banco se obriga para com o dador da ordem mediante certa retribuição, a prestar-lhe o serviço consistente em fornecer a garantida.” Revista o Direito, p. 289. cfr. Dr Jorge Duarte Pinheiro, ROA, 1992, ano 52, p. 523.
A função do contrato de garantia autónoma consiste garantir a relação jurídica base, que é causa do próprio contrato.
A garantia bancária autónoma é um contrato, que surgiu no comércio internacional e se impôs nas diversas ordens jurídicas, sem consagração legislativa própria no sistema jurídico português, (ao contrário de outras ordens jurídicas) mas admissível ao abrigo do disposto no artigo 405º e 398º do CC, disposições que consagram o princípio da liberdade contratual, como nos dá nota o acórdão da Rel. de Lx. de 11. Dezembro. 1990, in www.dgsi.pt (veio concluir pela admissibilidade deste contrato de garantia bancária na modalidade on first demanad na ordem jurídica portuguesa) a que se seguiu subsequentemente, demais jurisprudência.
A relação jurídica obrigacional que se estabelece com a celebração deste contrato autónomo de garantia, o facto jurídico que lhe serve de fonte, tem por sujeitos o beneficiário, como sujeito activo ou credor, e o garante, como sujeito passivo ou devedor.
Perguntar-se-á – o que se garante? O garante assegura ao beneficiário um certo resultado, obrigando-se a entregar-lhe uma determinada quantia pecuniária, a título de indemnização, pela não produção por qualquer causa desse resultado. Ou seja, a garantia bancária autónoma assegura, o cumprimento íntegro e pontual da obrigação principal a que está originariamente vinculado o devedor. O devedor é pressionado a cumprir sob pena do credor executar a garantia.
A verdade é que o garante vai assumir por conta do devedor, uma verdadeira obrigação de garantia, mas a sua obrigação é em nome próprio, responsabilizando-se, independentemente da culpa do devedor, pela não verificação desse resultado. A obrigação a que se vincula é, assim, indemnizatória, sendo devida mesmo que o incumprimento não seja imputável ao credor por resultar de circunstância fortuita ou de força maior.
Estamos em presença de contrato autónomo sendo a autonomia, a sua verdadeira característica que se traduz na inoponibilidade das excepções da relação garantida (relação base) pelo garante ao beneficiário.
Com a introdução da cláusula on first demand ou à 1ª interpelação ultrapassa-se assim o último dos grandes problemas com que se debatia a prestação da garantia bancária autónoma, ou seja o risco do beneficiário ter de provar a ocorrência dos pressupostos de que depende o seu direito. Atinge-se, assim a segurança máxima, já que a garantia é não só autónoma – porque não são oponíveis as excepções relativas à relação principal – como também automática – porque a entrega da soma pecuniária pelo garante é imediata, operando desde logo mediante solicitação do beneficiário - eliminando-se os atritos entre este e o garante sobre a verificação do facto constitutivo do credito atingindo -se a sua forma mais pura.
Tendo em conta estas características é considerada como a mais segura, ágil e infalível das garantias, (aliada a escassez de litigância judicial) - Francisco Cortez in ROA p. 518.
Esta cláusula à 1ª solicitação vai conferir-lhe uma surpreendente celeridade e eficácia sendo por isso a mais das enérgica de todas elas (garantias), com relevância sobre o depósito, pouco dinâmico no comércio e onde as quantias (dinheiro) ficam imobilizadas, a par da desvalorização da quantia depositada.
Sempre em observância ao disposto no artº 405º a garantia só pode ser invocada pelo beneficiário nos exactos termos contratados. O garante, normalmente um banco, só tem de pagar o que consta do contrato, - do título de garantia - e em consonância com o seu teor.
Assim, desde que o beneficiário respeite o contrato de garantia e solicite o que perante o título lhe é devido, ao garante/ banco não lhe resta outra alternativa que não seja o pagamento ao 1º pedido, ou seja prontamente e sem qualquer argumentação.
Tendo em conta estas características e a este respeito o Prof. Ferrer Correia in Rev de Direito e Economia, nº2, 1982, p.254 refere, mesmo, que a garantia bancária à 1ª solicitação não está de acordo os princípios do nosso sistema jurídico “a nosso juízo, um tribunal português teria provavelmente relutância em opor “une fin de non-recevoir” às excepções eventualmente invocados pelo garante contra o beneficiário com base na relação principal”. (A nossa doutrina e jurisprudência admitem a garantia autónoma à 1ª solicitação, como já referimos).
É aqui que surge o âmago da polémica e sobre o qual versa o presente recurso.
Tendo em conta o seu mecanismo - o garante/banco paga sem discussão, em contrapartida o devedor vai por sua vez pagar/reembolsar ao banco a quantia paga que este pagou, também sem qualquer contra argumentação isto é sem invocar meios de defesa relativamente à relação base (entre dador e beneficiário), subsistindo a obrigação de reembolso, ainda que o dador prove que no momento da solicitação o beneficiário não tinha qualquer direito - o ajuste de contas vai ocorrer entre o devedor/dador e o beneficiário, no caso de a garantia paga pelo garante não ser devida - quid iuris?
Pois bem, considerado este instituto como muito violento, principalmente na modalidade à 1ª solicitação começou a sentir-se necessidade de o suavizar (relativizar como refere a doutrina), impondo limites à autonomia (permitindo-se invocação das excepções da rel. principal) ao admitir-se hipóteses de recusa legítima de pagamento por parte do garante, a fim de evitar que o beneficiário abuse da sua posição de forma a fazer uma utilização intolerável dos direitos que lhe são conferidos, obstando a que a garantia seja cega.
Defende-se que neste caso de abuso, o garante não está adstrito à realização da prestação fixada no contrato de garantia nem o dador da ordem tem de reembolsar o garante. A autonomia deixa, pois, de ser absoluta, podendo ser invocada a relação base.
Admite-se assim que o garante deve recusar o pagamento em caso de fraude manifesta ou abuso evidente do beneficiário se este estiver convencido através de prova líquida e inequívoca de tal fraude ou abuso, situação enquadrável nos artºs 762º e 334º do CC.
Argumenta-se que os bancos, mais preocupados com a sua credibilidade e reputação internacional, preferem pagar, a precaver-se contra eventuais fraudes ou abusos do beneficiário, deixando passar a questão (controvérsia) pura e simplesmente ao lado.
Então vem sendo defendido na jurisprudência e doutrina, quer internacional quer nacional, que nestes casos o devedor garantido/dador da ordem pode defender a sua posição instaurando providência cautelar com o objectivo de impedir o garante de efectuar o pagamento e por essa forma obriga-lo a opor as excepções, ou/e obstar que o beneficiário possa executar ou receber a garantia. Defendem todavia como exigência uma restrição à prova desta evidência, no sentido de só se admitir prova líquida pronta e inequívoca sobe pena de se desvirtuar (aniquilando a função para que foi criada) a garantia autónoma à 1ª solicitação.
É que “nesta ordem de preocupações, a solicitação descabida (ou a sua iminência) justifica a concessão de uma providência cautelar, na medida em que, mesmo assim, é natural que o banco pague, para preservar a sua reputação e procure, em seguida obter integral compensação à custa do devedor”, Jorge Duarte Pinheiro in ROA, p.462.
No direito positivo português a questão terá de ser vista à luz das disposições, que regem os procedimentos cautelares sendo o meio próprio o procedimento cautelar comum daí que se exijam os requisitos previstos no artº 399º e seguintes do CPC.
Mas será de exigir a prova pronta e liquida que se reconduz à prova documental como fez a sentença recorrida?
Afinal o que é a prova pronta e liquida?
Vejamos então.
Estamos no âmbito do procedimento cautelar não especificada que a requerente intentou com o fim de evitar a execução das garantias bancárias prestadas pelo Banco a favor das requeridas, na sequência de contrato de empreitada celebrado entre as partes conforme requerimento inicial.
Para além do preenchimento da condição relativa à subsidiariedade (dado que só pode ser utilizada se ao caso não comportar uma providencia nominada) de acordo com o artº 381º, nº1 do CPC, sempre que alguém “mostrar fundado receio de que alguém cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurara a efectividade do direito ameaçado”.
Nos termos dos artºs 381º,nºs1 e 3 e 387º, nºs 1 e 2 do CPC, para que a providência cautelar comum possa ser decretada, são necessários determinados pressupostos, quais sejam: o fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito da requerente; a adequação da providencia concretamente requerida à efectividade do direito ameaçado; o excesso considerável do dano que se pretende evitar com a procedência sobre o prejuízo resultante do seu decretamento.
Como providência cautelar está sujeita a dois pressupostos próprios, através dos quais se materializam os fundamentos da necessidade da composição provisória que o seu decretamento pressupõe – o fumus bónus júris e o periculum in mora.
Tendo em conta que a providência cautelar visa uma composição célere e provisória do litígio satisfaz-se com uma prova sumária do direito ameaçado, isto é, a probabilidade seria da existência desse direito invocado, não exigindo uma prova stricto sens - em suma é apenas necessária a aparência deste direito-o fumus bonus juris.
Quanto ao 2º pressuposto, ou seja o periculum in mora “a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer acção; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”, Lebre de Freitas, Código Processo Civil Anotado, vol. 2º ps.6 e 35.
O intuito particular da providência é evitar o dano proveniente da demora da protecção do direito do requerente acautelando o denominado periculum in mora. Se faltar este perigo, isto é, se o requerente da providência não se confrontar com iminência de assumir uma lesão grave ou dificilmente reparável a providencia não pode ser decretada.
O juízo da ocorrência do periculum in mora deve aproximar-se da certeza, mas não corresponde á imposição de prova stricto sensu, ou seja uma convicção, absolutamente certa e segura, do tribunal sobre a consistência dos factos respectivos deste pressuposto. É suficiente um julgamento de probabilidade forte e persuasiva cf. Rita Lynce de Faria in A Função Instrumental da Tutela Cautelar não Especificada, UCP, Lx, 2003,p.2003.
Enunciadas estas especificidades e sendo admissível o recurso ao procedimento cautelar cremos que a análise da prova e a sua admissibilidade terá de ser vista neste contexto – o contexto das providencias cautelares – não se impondo as limitações enumeradas na decisão recorrida.
“Essa restrição aos meios de prova admissíveis concretizar-se-ia na exigência de que o garante demonstre a falta de cabimento material da pretensão do beneficiário exclusivamente através de “provas líquidas”, quando essa carência não resulte de factos notórios. Contudo, o que seja de entender por “meios de prova líquidos” é altamente controvertido: alguns defendem que líquida é exclusivamente a prova documental, outros admitem ainda a prova pericial, debate-se acerca da “liquidez” da prova testemunhal e da possibilidade da valoração dos depoimentos das partes. Por outro lado, alguns autores sustentam que apenas seria admissível o recurso pelo garante a provas pré – constituídas. Só através destas restrições – invoca-se – seria respeitado o “fim da liquidez” da garantia autónoma à 1ª solicitação, pois só assim se permitiria ao beneficiário uma rápida obtenção da soma de garantia”, Miguel Brito Bastos, in Recusa licita da prestação pelo garante na garantia autónoma “on first demand”, Estudos em homenagem ao Prof Doutor Sérvulo Correia, Vol. III, p.547.
Entendemos que a prova líquida, pronta e inequívoca pode extrair-se de qualquer meio de prova permitido em direito e não apenas da prova documental, sendo por isso possível o recurso a prova testemunhal. E no caso concreto deverá ser vista no contexto da apreciação da prova do procedimento cautelar – sumaria cognitio.
É que, embora o procedimento cautelar tenha por base uma prova sumária, isso não significa de todo uma prova aligeirada e irreflectida, antes séria e competente.
Acresce que só no momento da apreciação da prova se pode ajuizar da qualidade das provas se, se apresentam prontas e líquidas, e não em momento anterior, sendo certo que a lei não faz qualquer exigência (dir-se-ia que neste caso seria necessário um procedimento cautelar especifico com esta exigência de prova).
“Como opõem Koziol e Bydliski, a restrição dos meios de prova disponíveis ao garante àqueles que sejam “líquidos”, excluiria a possibilidade de invocação do abuso de direito exactamente naquelas situações em que esse abuso é mais gritante, o que aponta no sentido oposto ao da restrição praeter legem: “quanto mais premeditado e refinado o comportamento fraudulento do beneficiário fosse, tanto menos possível provar de um modo liquido esse abuso”.
Aliás “posição inversa pode, levar a resultados facilmente consideráveis como absurdos, nomeadamente, à condenação do garante em indemnização por incumprimento da obrigação decorrente de cláusula de pagamento à primeira solicitação quando, sendo a falta de fundamento material da solicitação do garante evidente para qualquer pessoa com um conhecimento superficial da execução da operação de base, o garante não esteja, por não dispor de “provas liquidas”, em condições de provar essa falta de cabimento material no momento em que recusa a prestação, mas o consiga demonstrar posteriormente, quando se discute o incumprimento definitivo das suas obrigações”- Miguel Brito de Bastos, obra citada, p.549 e 550.
Ainda este respeito Miguel Brito Bastos na mesma obra p. 555, refere “a cláusula de pagamento automático não restringe os meios de prova disponíveis ao garante nem altera a medida exigida para a prova da falta de fundamento material da solicitação feita pelo beneficiário.”
Assim entendemos ser admissível que no procedimento cautelar com o objectivo de “bloquear” a garantia autónoma à 1ª interpelação no caso a prova do abuso de direito pode fazer-se além dos documentos com recurso a outros meios de prova, designadamente testemunhal cf. ac. Rel. Porto de 12.12.2000 e ac. Rel. Lx. 13.10.2009 in www.dgsi.pt
Por último acresce que o indeferimento liminar da providência cautelar comum só deve ocorrer em caso de manifesta improcedência., que entendemos não ser o caso. Foram alegados factos que podem materializar o invocado abuso por parte da requerente para cautelarmente obstar ao accionamento das garantias.
Assim entendemos que o processo não contém ainda todos os elementos para se decidir quer pelo indeferimento quer pela improcedência pelo que se impõe o seu prosseguimento.
Apenas uma ultima questão, entendemos que o despacho que designa dia para inquirição de testemunhas, no procedimento cautelar se destina a regular os termos do processo e por isso não transita em julgado, designadamente porque a outra parte não foi dele notificada e, por isso pode o tribunal proferir de seguida decisão de indeferimento liminar ou de mérito.
Na procedência das alegações de recurso revoga-se a decisão recorrida devendo proceder-se a inquirição de testemunhas.
Sem custas.

Porto, 23/02/2012
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Maria da Graça Pereira Marques Mira