Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00037590 | ||
| Relator: | SOUSA LAMEIRA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA LIQUIDAÇÃO PROVAS EQUIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP200501170456877 | ||
| Data do Acordão: | 01/17/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | ANULADO O JULGAMENTO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Se na acção declarativa os requeridos tiverem sido condenados a pagar à requerente a quantia que se liquidar em execução de sentença, relativamente ao valor de certos prejuízos por esta sofridos e sendo na fase executiva a prova produzida pelos litigantes (Requerente) insuficiente para fixar a quantia devida, deve o tribunal completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial (artigo 807 n.3 do Código de Processo Civil). II - E, se em todo o caso não for possível determinar em concreto qual o valor do dano deve o tribunal fixar tal valor segundo as regras da equidade. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1- No Tribunal Judicial da Comarca de .........., a Autora B........., Lda, com sede em ........., ........., ........., veio, por apenso à acção declarativa de condenação com processo ordinário que propôs contra C......... e mulher D.........., com domicilio na Rua .........., ..., .........., propor a presente liquidação, nos termos do artigo 806 do CPC alegando resumidamente: Que o dano sofrido pela Requerente – cuja liquidação foi relegada para execução de sentença – deve ser quantificado em não menos de 5.000.000$00, por ser esse o valor do estabelecimento, tendo em consideração o direito ao arrendamento pela renda mensal de 94.757$00. Sobre essa quantia são devidos juros, os quais se liquidam, até ao presente, em 2.56.000$00. Conclui pedindo a liquidação da quantia em que os Requeridos foram condenados no montante de 37.709,92 Euros acrescida dos juros vincendos sobre 24.939,89 Euros. 2 - Devidamente citados os Réus contestaram, impugnando, os factos vertidos pelo autor. Alegam que o valor de trespasse no caso presente era igual a zero, uma vez que não havia interessado no estabelecimento em questão.. O único prejuízo da Autora foi já liquidado. Concluem pedindo a improcedência da liquidação. 3 - Na réplica a autora manteve as posições já assumidas na p.i.. Concluiu como na p.i. 4 - O processo prosseguiu termos tendo-se proferido despacho saneador, dispensando-se a selecção da matéria de facto assente e controvertida. Posteriormente, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que julgou a liquidação improcedente. 5 - Apelou a Autora, nos termos de fls. 149 a 152, formulando as seguintes conclusões: 1ª- A sentença proferida no processo principal reconheceu à ora Recorrente o direito de ser indemnizada pela perda do valor de trespasse das instalações da sua empresa, que perdeu por culpa dos ora Recorridos, mas condenou estes na indemnização que se liquidasse em execução de sentença, acrescida de juros desde a citação, por não ter sido apurado esse valor. 2ª - Requerida a liquidação desse valor, que se computa em 5.000.000$00, acrescido de juros desde a citação na acção principal, foi dado como provado, em síntese e com relevo para o caso, que, pagando a Recorrente a renda mensal de 94.757$00 pelas suas instalações, que satisfaziam as suas necessidades, teria de pagar, no mínimo, a renda de 200.000$00/mês por idênticas instalações, com a mesma ou idêntica situação, e que recentemente se instalaram duas escolas de condução em .......... . 3ª - A, aliás, douta sentença recorrida julgou improcedente o pedido de liquidação com o fundamento de, para ser reconhecido o direito que a Recorrente pretende fazer valer, ser necessário a alegação e a prova de que se havia frustrado uma hipótese concreta de trespasse das instalações referidas. 4ª - Essa decisão principia por violar o disposto no artigo 671 n.º 1 do CPC, visto que o direito à indemnização foi atribuído à Recorrente sem que se tenha alegado e provado a existência desse frustrado trespasse. 5ª - E não se poderia fazer depender a existência desse direito da condição de surgir futuramente uma oportunidade de trespasse das instalações que a Recorrente vendeu, porque se trataria de um absurdo jurídico, duma condição impossível dado que as instalações perdidas não poderiam ser trespassadas. 6ª - A situação é em tudo semelhante à de uma coisa que foi total ou parcialmente danificada: o seu proprietário deve ser indemnizado pelo dano sofrido, independentemente de se provar ou não a possibilidade da sua negociação concreta. 7ª - Assim, a aliás, douta sentença recorrida, além do citado 671 n.º 1 do CPC, violou o disposto nos artigos 483, 562, 564 n.º 1 e 2 e 566 todos do CC pelo que deve ser revogado e, consequentemente, tendo em atenção os factos apurados, referidos na antecedente conclusão 2ª, fixada a indemnização peticionada, referida na mesma conclusão, ou outra que o tribunal equitativamente entenda fixar, nos termos do n.º 3 do citado artigo 566 do CC, com juros legais desde a citação no processo principal. 6 – Nas contra-alegações os apelados defendem a manutenção do decidido. II - FACTUALIDADE PROVADA Encontram-se provados os seguintes factos: A) Por sentença já transitada em julgado e proferida nos autos principais, foram os agora requeridos condenados a pagar à agora requerente a quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao prejuízo sofrido pela requerente referido em 10 da matéria provada, a saber: “...no valor do trepasse destas instalações, a Autora perdeu valor concretamente não apurado”. B) Por escritura lavrada em 13/6/87, no .. Cartório da Secretaria Notarial desta cidade, os agora requeridos deram de arrendamento à requerente, para o ensino da condução automóvel, com escritórios e salas de código e de mecânica, uma área de 100m2, ao nível da sobreloja, da fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua .........., com entrada pelo n.º ..., mediante o pagamento de uma renda anual de 540.000$00. C) A partir de Maio de 1991 a Requerente ficou impossibilitada de usar o locado. D) Em Março de 1994, a renda mensal era de 94.757$00. E) Em finais de 1991, a utilização de instalações idênticas às que haviam sido arrendadas pelos requeridos à requerente, no mesmo ou idêntico local importava o pagamento de uma renda mensal não inferior a 200.000$00. F) Desde 1991 a finais de 1997 não se instalou nenhuma nova escola de condução na cidade de .......... . G) Desde 1998 até esta data instalaram-se duas novas escolas de condução na cidade de .......... – E.......... que se instalou num r/c de um imóvel arrendado, e F.......... . III – DA SUBSUNÇÃO - APRECIAÇÃO Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir. O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil. A) A questão a decidir é essencialmente uma, a saber: Face à matéria de facto provada deveria a liquidação ter sido julgada improcedente, como o foi, ou deveria ter sido julgada procedente pelo valor indicado na petição ou ainda com recurso às regras da equidade, como pretende agora a Recorrente? Vejamos. Dispõe o artigo 661 n.2 do CPC que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”. Da redacção deste preceito resulta que o tribunal deve (e estamos aqui perante um poder dever do Juiz e não perante um poder discricionário) condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: A primeira que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor e a segunda que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados (como foi o caso). [Neste sentido o Ac. RC de 1.7.1980, BMJ 301, 469 “Para que alguém possa ser condenado a pagar a outrem o que se liquidar em execução de sentença, necessário é que o julgador tenha perante si duas certezas) que a primeira pessoa tenha causado danos à Segunda; b) que o montante desses danos não esteja averiguado na acção declarativa, desde logo, por não haver “elementos para fixar o objecto ou a quantidade””] O tribunal condenou os Requeridos a pagar à ora Recorrente a quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença relativamente ao prejuízo sofrido pela Recorrente referido em 10 da matéria provada. E que prejuízo era este? Tal prejuízo consistia “...no valor do trepasse destas instalações” valor esse que não foi possível apurar concretamente na acção declarativa (apesar de a Recorrente ter invocado um valor de 5.000.000$00). Daí que tenha sido remetido para liquidação em execução de sentença. È que o dano estava provado apenas não estava determinado o seu exacto valor, o seu concreto montante (que teria como limite máximo os 5.000.000$00 invocados na petição). O tribunal remeteu para a liquidação em execução de sentença por entender que o Autora na execução seria capaz de quantificar os prejuízos. O tribunal entendeu que, no caso concreto, tal determinação seria (em abstracto) possível, ainda que com o recurso a outros meios de prova. Todavia chegados à fase da execução, que tinha como única finalidade apurar o valor concreto do trespasse das instalações de que a Recorrente se viu privada a decisão recorrida entendeu que, não tendo sido feita a prova do valor concreto do trespasse (ou seja do montante dos danos) a liquidação deveria ser julgada improcedente. Afigura-se-nos que agiu de forma incorrecta. Efectivamente, tendo na acção declarativa, face à incerteza do valor dos danos, que ficaram realmente demonstrados, o tribunal relegado a sua liquidação para a execução de sentença (mas tão só, porque, no caso, não pôde fixar logo o seu montante, ainda que com recurso à equidade) [Como expressivamente afirmou o Conselheiro Silva Paixão “Do cotejo destes normativos resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade. O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor.”, Ac. STJ de 3.12.98, BMJ 482-180], não pode na fase executiva entender-se que os danos não existem. È que os danos estão provados apenas não está determinado o seu exacto valor, o seu concreto montante. [Daí que, na acção declarativa sendo provado o dano mas não se determinando o seu exacto valor impõe-se ao Tribunal ou julgar segundo a equidade (se entender que mesmo na execução para liquidação o autor não será capaz de efectuar tal liquidação) ou remeter para a liquidação em execução de sentença (caso entenda que o Autor na execução será capaz de quantificar os prejuízos), não podendo nunca julgar a acção improcedente (com esse fundamento)] Acresce que dispõe o artigo 807 n.º 3 do CPC “quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial”. E “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, artigo 265 n.º 3 do CPC. No caso concreto a Recorrente já havia obtido uma condenação favorável que lhe atribuía uma indemnização pelo valor do trepasse. Apenas restava saber qual o valor do trespasse. Como é evidente o valor do trespasse de um estabelecimento ou de umas instalações depende de múltiplos factores, nomeadamente da procura que exista num determinado momento. O valor do trespasse pode ser muito elevado mas também pode ser reduzido se não houver quem esteja interessado na sua aquisição, mas tem sempre um valor. Funcionam aqui muito simplesmente as regras da economia de mercado. A prova do valor do trespasse poderia ser efectuada de muitas formas nomeadamente (o que significa que pode haver outras formas – nomeadamente através da prova pericial oficiosamente ordenada – artigo 807 n.º 3) poderia ser feita (tal como se refere na sentença da 1ª instância) pela existência de um interessado concreto. A pretensão da Recorrente foi julgada improcedente o que se nos afigura não ter levado em consideração a condenação da fase declarativa. Condenou-se na fase declarativa a pagar e absolve-se na fase executiva, ou seja faz-se sair pela janela o que entrou pela porta. É que só se relegou para liquidação em execução de sentença – não atribuindo desde logo uma indemnização segundo a equidade – porque se entendeu que na fase executiva a Recorrente faria a prova concreta dos danos (mesmo que tal prova fosse feita por iniciativa do tribunal). E, ainda que tal prova fosse de todo impossível deveria a decisão recorrida ter fixado uma indemnização segundo as regras da equidade (pois tal já poderia ter sido feito na fase declarativa). A Recorrente alegou (artigo 4º da p.i.) que o direito ao arrendamento pela renda de 94.757$00 valorizava o estabelecimento em não menos de 5.000.000$00. Aceitamos que nesta alegação está imanente e implícito que o valor do trespasse do estabelecimento era de 5.000.000$00. Todavia tal facto não logrou ser provado pela Recorrente. Mas não foi provado porque eventualmente o Tribunal a quo não esgotou as diligências de prova possíveis. E se por hipótese, efectuadas todas as diligências de prova admissíveis, não for possível fixar um valor ao trespasse sempre o tribunal deveria fixar um valor indemnizatório segundo as regras da equidade. De outro modo estar-se-ia a violar o disposto no artigo 671 n.º 1 do CPC [Dispõe esse preceito “Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497 e ss....”]. Na verdade, a sentença declarativa fixou que a Recorrente tinha o direito ao valor do trespasse, mas não disse que o trespasse tinha o valor de x ou de y, ou que esse valor era z. A sentença ora recorrida entendeu que a Recorrente não fez a prova do eventual valor do trespasse, tendo por isso, julgado improcedente a liquidação. Mas deveria ter decidido de forma diversa. O Tribunal deveria, equitativamente, fixar outro valor, nos termos do n.º 3 do citado artigo 566 do CC. Como se referiu, o Tribunal na acção declarativa remeteu as partes para a liquidação em execução de sentença (sem prejuízo de poder ter recorrido às regras da equidade). [Aliás, tem-se entendido que apenas se deve relegar para execução de sentença se não for possível fixar uma justa indemnização recorrendo às regras da equidade, Cfr. entre outros o Ac. RP de 13.12.1990, CJ 5º, 216 “Não sendo possível fixar o valor exacto dos danos a indemnizar, não deve esse facto excluir a efectivação do direito à indemnização, pois compete ao tribunal a sua fixação segundo um juízo de equidade face às circunstâncias do caso concreto.”; Ac. STJ de 3.12.1998, BMJ 482-180; Ac. STJ de 25.3.2003, in www.dgsi] Face à incerteza do valor do trespasse o tribunal relegou a sua liquidação para a execução de sentença (e fê-lo porque entendeu que no caso não podia fixar logo o seu montante, ainda que com recurso à equidade). Ora, nesta fase executiva a Recorrente não conseguiu demonstrar qual o valor do trespasse (e o tribunal não deu cumprimento ao estatuído no referido artigo 807 n.º 3 do CPC). Em suma, o prejuízo da Recorrente era o valor do trespasse que, em caso de não ser determinado, deveria ser fixado com recurso à equidade. Mas deverá tal indemnização ser fixada desde já nesta instância (com recurso à equidade)? A resposta deverá necessariamente ser negativa. Por um lado, como se referiu supra não foram esgotadas pelo tribunal recorrido as possibilidades de fixação da quantia devida (artigo 807 n.º 3 do CPC) e por outro a ser fixado de imediato tal valor estar-se-ia a negar um grau de jurisdição. Deste modo, entendemos que, nos termos do artigo 712 n.º 4 do CPC [Nos termos deste preceito “se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n. 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente.....a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta...”], se impõe anular o julgamento para que – sendo a prova produzida pelos litigantes insuficiente para fixar a quantia devida – o tribunal a quo a complete mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial (artigo 807 n.º 3 do CPC). Assim, impõe-se a procedência do recurso. B) Conclusão Em suma e em conclusão, se na acção declarativa os requeridos tiverem sido condenados a pagar à requerente a quantia que se liquidar em execução de sentença, relativamente ao valor de certos prejuízos por esta sofridos e sendo na fase executiva a prova produzida pelos litigantes (Requerente) insuficiente para fixar a quantia devida, deve o tribunal completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial (artigo 807 n.º 3 do CPC). E, se em todo o caso não for possível determinar em concreto qual o valor do dano deve o tribunal fixar tal valor segundo as regras da equidade. IV – Decisão Nestes termos e por tudo o que fica exposto, acorda-se em anular o julgamento e actos posteriores, sentença incluída, para que – sendo a prova produzida pelos litigantes insuficiente para fixar a quantia devida – o tribunal a quo a complete mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial (artigo 807 n.º 3 do CPC). A repetição do julgamento não abrange a parte da decisão não viciada, nos termos da parte final do n. 4 do art. 712 do CPC. Custas pela parte vencida a final. Porto, 17 de Janeiro de 2005 José António Sousa Lameira José Rafael dos Santos Arranja Jorge Manuel Vilaça Nunes |