Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0746066
Nº Convencional: JTRP00041311
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ALCOOLÉMIA
Nº do Documento: RP200805070746066
Data do Acordão: 05/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 313 - FLS 95.
Área Temática: .
Sumário: Os valores a ter em conta para efeito de determinação e quantificação da taxa de álcool no sangue são os constantes do talão emitido pelo alcoolímetro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 6066/07-4
[Processo Sumário n.º (nuipc) ../07.0GCMDR, do T. J. de Miranda do Douro]

***
Acordam – pós-audiência – na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO

1 – O Ministério Público – por Ex.ma magistrada em serviço no tribunal em referência – interpôs o recurso ora analisando da sentença exarada na peça de fls. 26/35, condenatória do arguido B………. (melhor id.º nos autos, máxime a fls. 26, nascido em 20/10/1953), pela autoria de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez [p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal], às reacções penais de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00, bem como à pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, extraindo da respectiva motivação[1] o seguinte quadro conclusivo (por transcrição):
1. O Instituto Português de Qualidade, enquanto gestor e coordenador do Sistema Português de Qualidade, é a entidade que, a nível nacional, garante a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e metrologia, incluindo os aparelhos para exame de pesquisa de álcool nos condutores e veículos.
2. Actualmente, os instrumentos normativos que regulam a detecção e quantificação das taxas de álcool que os condutores apresentam são o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30/10, e a Portaria n.º 1006/98, de 30/11, sendo que a Portaria n.º 748/94, de 13/8, que visava regulamentar o Decreto Regulamentar n.º 12/90, de 14/5, caducou por falta de objecto, face à expressa revogação do Decreto Regulamentar n.º 12/90 pelo Decreto Regulamentar n.º 24/98.
3. Pelo que, inexistindo qualquer fundamento fáctico ou jurídico para a aplicação da margem de erro à taxa de alcoolemia detectada, lógico se torna que a mesma nunca deveria ter sido aplicada ou sequer ponderada, pelo que estaremos perante uma situação de erro notório na apreciação da prova pelo tribunal a quo, nos termos do art. 410°, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.
4. Os elementos constantes dos autos permitem revogar a decisão sobre a matéria de facto provada neste âmbito, sem necessidade de se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426°, n.º 1, do Código de Processo Penal, bastando apenas que seja dado como provado o facto n.º 3 da douta sentença proferida com exclusão da alusão à margem de erro.
5. Procedendo o presente recurso, logicamente que terão de ser alteradas as medidas da pena principal e acessória, atento o valor da taxa de alcoolemia com que o arguido foi encontrado a conduzir e que deve ser considerada a final – 1,38 g/l.
6. Tendo em conta todos os factores já enunciados na douta sentença proferida para a aplicação da pena principal de multa, com cuja aplicação concordamos pelos motivos ali expressos, e da pena acessória de proibição de conduzir, entende-se que ao arguido deverá ser aplicada uma pena de multa não inferior a 70 (setenta) dias, à taxa diária de 5,00€, e ser fixada a medida da duração da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por período não inferior a 4 (quatro) meses.
D. NORMAS VIOLADAS
Arts. 40°, 69°, n.º 1, al. a), 70°, 71 ° e 292°, n.º 1, todos do Código Penal, 410°, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, 153°, n.º 1, e 158°, n.º 1, als. a) e b), ambos do Código da Estrada e o Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de Outubro.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente,
Revogar-se parcialmente a douta sentença recorrida,
Substituindo-se por outra que
a) dê como provado, sob o facto n.º 2, que "Interceptado por uma Brigada da GNR, foi o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo o arguido apresentado uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,38 g/l, tendo declarado não desejar ser submetido a contraprova", com revogação do demais dado como provado em 1ª instância relativamente a esse facto;
b) em consequência da alteração do facto supra citado, condene o arguido B………. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292°, n.º 1, do Código Penal, em pena de multa não inferior a 70 dias, à taxa diária de 5,00€, e na pena acessória de proibição de conduzir por um período não inferior a 4 meses.
2 – Nesta Relação foi emitido parecer por Ex.mo PGA no sentido do acerto recursório, (cfr. peça de fls. 62, nesta sede tida por transcrita nos respectivos dizeres).
3 - Realizados os pertinentes actos/formalidades legais (vide arts. 418.º, 423.º e 424.º, máxime, do CPP, 17.ª/penúltima versão, decorrente do DL n.º 324/2003, de 27/12, aplicável ao caso), e mantendo-se a regularidade da instância, nada obsta à legal prossecução processual.
II – FUNDAMENTAÇÃO

1 – Demanda o recorrente M.º P.º à Relação a reapreciação e redefinição da taxa de alcoolemia registada por alcoolímetro legalmente aprovado aquando da sujeição do arguido – por OPC – à respectiva pesquisa, em razão de alegado vício silogístico da julgadora – de erro notório na apreciação da prova – no que ao particular atine, e, consequentemente, o pertinente ajustamento quantitativo das cominadas reacções penais.
2 – Com vista à respectiva análise importa ter desde já presente o juízo factual registado na afrontada sentença, bem como a sequente explicitação do processo formativo da concernente convicção da Ex.ma julgadora, (cujo teor se transcreve):
[…]
Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão:
1. No dia 07/07/2007, por volta das 02h30m, após ter estado a ingerir bebidas alcoólicas em quantidade não apurada numa festa de despedida de solteiro, o arguido conduzia, numa via pública, mais precisamente na E.N. nº …, km 19, em ………., o ciclomotor de matrícula 1-MDR-..-..;
2. Interceptado por uma Brigada da GNR, foi o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo o arguido apresentado uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,38 g/l, correspondente, no mínimo, a uma taxa real de 1,28 g/l tendo declarado não desejar ser submetido a contraprova;
4. O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir depois de ingerir bebidas alcoólicas, o que voluntariamente fez, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punível e, apesar disso, quis agir da forma como o fez;
5. O arguido vive em casa de pessoas conhecidas, sem lhes entregar qualquer quantia pecuniária;
6. O arguido trabalha por conta de outrem, auferindo um rendimento diário de € 25, deslocando-se para o trabalho em motorizada;
7. O arguido é uma pessoa estimada e bem considerado na freguesia de ………., tendo bom comportamento;
8. O arguido não tem antecedentes criminais.
[…]
3) Motivação da decisão de facto:
A decisão de facto assentou nas declarações confessórias do arguido quanto aos factos, à sua situação pessoal e familiar, uma vez que tais declarações foram coerentes e convincentes. Relativamente à situação social do arguido, atendeu-se ainda ao depoimento das testemunhas C………. e D………. .
Quanto aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado de registo criminal constante dos autos, a fls. 23.
No que se refere à taxa de alcoolémia, a decisão baseou-se no seguinte: No recibo do exame efectuado é expressa a taxa de álcool no sangue de 1,38 g/l, apurada pelo aparelho de medição SERES ETHYLOMETRE, modelo 679T (alcoolímetro quantitativo.
Ora, vem-se levantando a questão de saber se deve ser feito desconto ou não na taxa de álcool apurada com este tipo de aparelho. Na opinião do tribunal o desconto em causa deve ser efectuado pelos motivos que a seguir se referem.
Actualmente, os instrumentos de medição como o aqui em causa estão submetidos a um conjunto de operações com vista à sua regular utilização.
Sendo que, a Portaria nº 748/94, de 13/08, dispõe, no nº 4 do seu Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros que “Os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características metrológicas e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701”.
No nº 6 do mesmo Regulamento estabelece-se ainda que “Nos alcoolímetros, os erros máximos admissíveis, em cada indicação, são definidos pelos seguintes valores:
a) Aprovação de modelo – os erros máximos admissíveis na aprovação de modelo são os definidos na norma NF X 20-701;
b) Primeira verificação – os erros máximos admissíveis da primeira verificação são os definidos para aprovação de modelo;
c) Verificação periódica – os erros máximos admissíveis da verificação periódica são uma vez e meia os da aprovação de modelo”.
Os erros máximos aí indicados são os resultantes da norma NF X 20-701, conforme as recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, à qual Portugal aderiu, por força do Decreto do Governo nº 34/84, de 11/07.
Conforme foi referido pelos peritos Céu Ferreira e António Cruz no 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, realizado em 17/11/2006 em Lisboa e subordinada ao tema “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade, “Em 1998 concluíram-se os trabalhos em curso na Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML) e foi publicada a Recomendação nº 126 que contem um quadro regulamentar mais conforme com os modelos da regulação metrológica internacionais e, nesse sentido, mais completo e mais actual que o da norma francesa atrás referida. Esta Recomendação, entre outras disposições, já veio diferenciar os EMA aplicáveis à VP, tal como é regra geral na legislação nacional, para todos os instrumentos de medição. Todo este quadro regulamentar, de acordo com os princípios gerais do controlo metrológico, proporciona às partes envolvidas na utilização dos aparelhos uma garantia do Estado de que funcionam adequadamente para os fins respectivos e as respectivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos. A sua comprovação, para todos os efeitos legais, faz-se pela aposição dos símbolos do controlo metrológico, nomeadamente pelo da Aprovação de Modelo e o da verificação anual válida, em cada aparelho submetido ao controlo metrológico, garantindo a sua inviolabilidade” (citada no Acórdão do TRGuimarães de 26/02/2007, disp. in www.dgsi.pt).
Refira-se ainda que, embora tenha sido suscitada, nos tribunais superiores, a questão da vigência da Portaria supra identificada, face à posterior aprovação do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10 e da Portaria nº 1006/98, de 30/11, concordamos com o teor do Acórdão proferido pelo TRÉvora de 22/05/2007, proc. Nº 441/07-1, disp. in www.dgsi.pt, no sentido de que “de ambas as peças processuais transparece que se considerou a Portaria como vigente, o que, nos termos interpretativos que se têm por mais adequados, é a nosso ver a perspectiva mais correcta.
Resumidamente, os argumentos que a sustentam reconduzem-se a que:
- a suscitada revogação não foi incluída no elenco do art. 15º do Decreto Regulamentar, não o podendo o legislador ter olvidado,
- a matéria sobre a qual incidiu a Portaria – o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros – não foi posteriormente objecto de outro instrumento legislativo (a Portaria n.º 1006/98 versou sobre requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises toxicológicas),
- e a circunstância da Portaria aludir e expressamente ao Decreto Regulamentar n.º 12/90 – entretanto revogado – (v. n.º 1 do seu Anexo) não é elemento decisivo para sufragar a sua falta de objecto, dado reputar-se essa referência ao tipo de matéria sobre que incidia (a determinação da taxa de álcool por meio de analisador quantitativo de ar expirado ou por métodos biológicos), matéria esta que foi também objecto do Decreto Regulamentar n.º 24/98”.
Sendo certo que na Portaria nº 748/94, de 13/08, já citada, estão previstos os erros máximos admitidos (doravante designados EMA), sendo os mesmos calculados da seguinte forma:
TAS < 0,92 g/l = EMA +/- 0,07 g/l
TAS =/> 0,92 < 2,30 g/l = EMA +/- 7,5%
TAS =/> 2,30 < 4,60 g/l = EMA +/- 15%
TAS =/> 4,60 < 6,90 g/l = EMA +/- 30%
Por outro lado, e como é referido no Acórdão do TRGuimarães supra identificado, o juiz pode e deve proceder ao cálculo da taxa de alcool no sangue em conformidade com as margens de erro supra mencionadas, por forma a fixar um intervalo dentro do qual, com toda a certeza, o valor da indicação se encontra. Acrescenta ainda o Douto Acórdão que relativamente a este tipo de exame, a regra existente é a da apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, por força do disposto no artigo 127º do CPPenal.
Ora, no caso em apreço, a taxa que o alcoolímetro acusou foi de 1,38 g/l. Atendendo à margem de erro admissível, que de acordo com o supra exposto, neste caso é de 7,5%, verifica-se que a taxa de álcool no sangue do arguido poderia variar entre 1,28 g/l e 1,48 g/l.
Face a todos estes elementos, o tribunal não pode deixar de ficar num estado de incerteza insanável quanto à taxa de álcool no sangue que o arguido efectivamente possuía, de entre os limites mínimo e máximo de EMA apurados.
Considerando que o princípio “in dubio pro reo” deve ser aplicado quando no espírito do julgador se instalou uma dúvida séria e honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido, e que no caso concreto se suscitam sérias dúvidas quanto à efectiva taxa de álcool, considera-se ser aplicável a tal facto o aludido princípio e, assim, considerar que a taxa de álcool no sangue do arguido era de 1,28 g/l, por ser mais favorável ao arguido.
3 – Apreciando:
3.1 – Taxa de alcoolemia (TAS):
Como se observa do auto de notícia de fls. 3/4, o objectivo valor quantitativo da taxa de álcool no sangue (TAS) do condutor/arguido revelado pelo alcoolímetro evidencial ou quantitativo utilizado pela autoridade policial no atinente acto processual de exame – previsto no art.º 153.º, n.º 1, do C. Estrada – traduziu-se em, pelo menos, 1,38 g/l.
Dado que o examinando o não questionou, já que prescindiu da legal contraprova – prevenida no citado art.º 153.º, ns. 2 a 5, do CE, e no art.º 3.º do Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30/10, [à época ainda vigente, já que o regulamento que o substituiu, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17/05, apenas entrou em vigor em 15/08/2007, (vide respectivo art.º 4.º)] –, em razão da estatuição normativa do art.º 170.º, ns. 3 e 4, do Código da Estrada, haver-se-lo-ia que considerar definitivamente fixado. De facto, estabelecendo est’último preceito legal que quer o auto de notícia – levantado e assinado nos termos dos números anteriores –, quanto aos factos presenciados pelo autuante, quer os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares, fazem fé, até prova em contrário[2], ter-se-á forçosamente que concluir pela força probatória legal e plena do resultado registral assim obtido que, em conformidade com o disposto no art.º 347.º do Código Civil, apenas poderia ser contrariada por contraprova efectiva e inequivocamente demonstrativa da diversidade do valor da TAS inicialmente revelado pelo aparelho alcoolímetro.
Como assim, e considerando, para mais, que o próprio arguido, para além da oportuna aceitação do dito resultado, assumiu integralmente em audiência a imputada atitude comportamental de condução de veículo motorizado sob a influência da referida taxa de alcoolemia, (cfr. respectiva acta, a fls. 37), à Ex.ma julgadora impunha-se reconhecer como provada, sem quaisquer desvios, toda a assacada factualidade enunciada no auto de notícia – expressamente convertido pelo M.º P.º em acusação, (cfr. peça de fls. 18/19, e art.º 389.º, n.º 3, do CPP) –, em conformidade com o vinculativamente estatuído nos arts. 344.º, n.º 2, al. a), e 385.º, n.º 1, do C. P. Penal, nada lhe legitimando a ora sindicada redução do indicado valor da TAS, mormente a invocada Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, aprovativa do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros – cuja vigência até 10/12/2007, temos, porém, por inequívoca, já que apenas veio a ser expressamente revogada pelo art.º 2.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10/12, em vigor desde 11/12/2007 (cfr. respectivo art.º 3.º), que, pelo seu art.º 1.º, aprovou o novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (vide ainda art.º 7.º do C. Civil) –, que em nada contendia – como continua a acontecer com a que a substituiu (citada Portaria n.º 1556/2007, de 10/12) – com a legalmente assumida segurança jurídica dos valores revelados pelos exames de pesquisa de alcoolemia no sangue processados com alcoolímetros metrologicamente controlados nos termos legais – pelo Instituto Português da Qualidade, I. P. (IPQ, IP), por competência própria –, nesse pressuposto presumivelmente fiáveis, posto que a aprovação de tais aparelhos pelo IPQ, IP, tem precisamente por fim garantir o rigor e a exactidão das medições realizadas[3].
Note-se, aliás, que, como se lobriga da utilização da expressão utilizada no referido auto de notícia “apresentou uma TAS de pelo menos 1,38 g/l” (itálico do relator), o valor aí quantificado representava já, seguramente, o resultado de prévia redução pelo próprio OPC do efectivamente revelado pelo alcoolímetro, quiçá em obediência a superiores directivas administrativas[4] – sem qualquer fundamento legal e, mesmo, sem suporte técnico-científico, pela própria natureza, porém, não vinculativas dos tribunais que, em conformidade com o disposto no art.º 203.º da Constituição, apenas estão sujeitos à lei –, elas próprias fundadas em imprecisas interpretações quanto à oportunidade legal da ponderação e valoração dos limites regulamentarmente admissíveis de erro científico [valor do desvio, por excesso e por defeito, em relação ao valor verdadeiro da grandeza medida, (EMA)] do alcoolímetro utilizado, cuja acuidade apenas se deverá colocar ao IPQ aquando da realização da respectiva missão de controlo metrológico do aparelho e antes da certificação de conformidade legal ser atestada, momento a partir do qual os valores a ter em conta para efeito de determinação e quantificação da taxa de álcool no sangue serão só os que o alcoolímetro detectar e a que corresponde o valor inscrito no talão emitido pelo alcoolímetro quantitativo[5].
Por tal sorte ainda menos se compreende a nova – duplicada – redução operada na sentença.
Por conseguinte, decidindo a Ex.ma julgadora no particular contra prova legal plena e, por isso, vinculativa, inquinou o referente enunciado pelo vício jurídico-processual de erro notório na apreciação da prova prevenido no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C. P. Penal, porém perfeitamente suprível por esta Relação, em conformidade com o disposto no normativo 431.º, al. a), do mesmo diploma.
3.2 - Ajuste quantitativo das reacções penais:
Esclarecido pois, que, como se consignou no auto de notícia, o condutor/arguido tripulava veículo motorizado – ciclomotor – sob a influência de, pelo menos, 1,38 gramas de álcool por litro de sangue (TAS mínima de 1,38 g/l), demandar-se-á a correspondente correcção sancionatória, quer a título de pena principal – alternativa, não detentiva (multa), cuja opção pelo julgador de 1.ª instância não vem questionada – quer acessória, cujo limite mínimo o recorrente M.º P.º balizou em 70 dias de multa, à taxa de € 5,00, e em 4 meses proibição de condução de veículos motorizados, (cfr. conclusão 6.ª).
3.2.1 - Consagra-se no normativo 47.º, ns. 1 e 2, do C. Penal, (na versão decorrente do D.L. n.º 323/2001, de 17/12, aplicável ao caso sub judice), o chamado modelo escandinavo dos dias de multa, segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas: na primeira determina-se o referente lapso temporal, pelos critérios gerais da fixação das penas, em função – exclusiva – da culpa do agente e das exigências de prevenção, (cfr. arts.º 47.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, do C. Penal); e na segunda gradua-se o quantitativo de cada dia de multa, em razão da capacidade económica do agente, (cfr. n.º 2 do referido art.º 47.º)[6].
Ao respectivo processo não deverá presidir, ademais, um raciocínio e operação de pura lógica mas antes a preocupação de tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e intenções da lei, que haverá que passar pela escolha de reacção sancionatória com aptidão e eficácia bastantes à ideal/tendencial protecção do bem jurídico violado e à dissuasão da prática de novos crimes, constituindo a retribuição justa do mal praticado, dando satisfação ao sentimento de justiça e segurança da comunidade e contribuindo, na medida do possível, para a reinserção social do delinquente, a quem, por conseguinte, haverá que necessariamente incomodar de modo significativo, (vide arts. 40.º, n.º 1, 70.º, 47.º, ns. 1 e 2, e 71.º, do C. Penal)[7].
Como expressamente foi consignado/assumido pelo respectivo legislador no preâmbulo do D. Lei n.º 44/2005, de 23 Fevereiro, que operou profundas alterações ao Código da Estrada[8], a segurança rodoviária e a prevenção dos acidentes constituem-se na actualidade como principais prioridades europeias e nacionais – mobilizadoras de toda a sociedade, (como aí também se diz) –, para cuja realização foi considerada necessária – a par de várias outras em diversos planos (como a educação do utente e a criação de um ambiente rodoviário seguro) – a adopção e consagração de um mais rigoroso e eficaz quadro legal, com aptidão sensibilizadora dos utentes viários à responsável modificação comportamental, designadamente pelo cumprimento da legislação adequada, em que se inseriu o agravamento das coimas aplicáveis aos comportamentos contra-ordenacionais de risco realizados de forma mais frequente, como seja a condução sob o efeito do álcool.
Nessa conformidade, foram aumentados os valores das coimas previstas no art.º 81.º, n.º 5, do Código da Estrada (aprovado pelo D. Lei n.º 114/94, de 03/05, republicado pelos Decretos-Lei ns. 2/98, de 03/01, e 265-A/2001, de 28/09, e alterado pela Lei n.º 20/2002, de 21/08), referentes às infracções contra-ordenacionais de condução com taxas de álcool no sangue (TAS) compreendidas entre 0,5 e 0,8 g/l, e entre 0,8 e 1,2 g/l – contra-ordenações graves e muitos graves, respectivamente, [cfr. arts. 145.º, al. l), e 146.º, al. j), do mesmo compêndio legal] –, correspondentemente, de € 240 a € 1200 e de € 360 a € 1800, para € 250 a € 1.250 e € 500 a € 2.500 (est’última também cominável aos casos de impossibilidade de quantificação da TAS, se o condutor for considerado, em relatório médico, influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas).
Impõe-se, pois, ao intérprete e aplicador da lei – em conformidade com o disposto no art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil – procurar, nos limites da norma, acompanhar e materializar tal pensamento e evolução legislativa, adoptando medidas sancionatórias com energia e adequação bastantes à prossecução dos prementes desideratos preventivos e à salvaguarda da unidade e compatibilização do sistema jurídico, procurando, sempre que a situação concreta lho permita, acautelar a necessária/ideal diferenciação/graduação da dignidade ético-social da figura-de-delito criminal de condução sob efeito de TAS igual ou superior a 1,2 g/l – tipificada no art.º 292.º do Código Penal –, referentemente à imanente àqueloutras, contra-ordenacionais, como, aliás, decorre apodicticamente da regra ínsita no art.º 134.º, n.º 1, do C. Estrada, de punição a título criminal e, decorrentemente, com acrescido rigor, do concurso infraccional aparente-consumptivo inequivocamente existente/estabelecido entre o crime de condução em estado de embriaguez (com TAS igual ou superior a 1,2 g/l), p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, do C. Penal, e a contra-ordenação muito grave de condução sob influência alcoólica quando o valor da TAS se compreender entre 0,8 g/l e 1,2 g/l, p. e p. pelos arts. 136.º, n.º 3, 138.º, n.º 1, 146.º, al. j), 81.º, ns. 1, 2, e 5, al. b), do Código da Estrada, a que corresponde coima de valor compreendido entre € 500 e € 2.500, logo, à partida, muito superior ao valor pecuniário da multa cominada ao arguido em 1.ª instância, de € 300 (60 dias x € 5,00).
Como assim, reclamando-se a tendencial proporcionalidade e/ou aproximação do rigor sancionatório postulado pela diferente natureza, dignidade e gravidade da conhecida infracção criminal – consumptiva daqueloutra contra-ordenacional muito grave, cuja autónoma punição nunca poderia ser inferior à coima de € 500 –, valorando-se todo o quadro fáctico recolhido pelos critérios de individualização da pena de multa – fixável entre os limites legais de 10 e 120 dias, por valor pecuniário diário compreendido entre € 1 e 498,80, (vide arts. 47.º, ns. 1 e 2, e 292.º, do C. Penal, penúltima versão) –, previstos nos arts. 40.º, n.º 1, 71.º e 47.º, ns. 1 e 2, do C. Penal, considerando-se, particularmente, a premente necessidade de comum contenção dos utentes viários na adopção de comportamentos de risco, em razão do elevado grau de incumprimento dos deveres inerentes ao exercício da condução – com efeito nefasto nos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária, de todos conhecido[9] –, a definida culpa dolosa do identificado agente delitivo, a mediania da respectiva ilicitude comportamental, bem como a sua apurada situação sócio-económica, tem-se por ajustada a cominação de pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros).
3.2 - Pena acessória:
Idêntico raciocínio se convocará, naturalmente, quanto à sanção penal acessória, por confronto com a moldura abstracta do período inibitório de condução correspondente às contra-ordenações muito graves, previsto no art.º 147.º, ns. 1 e 2, do C. Estrada, de 2 meses a 2 anos, que, por conseguinte, se justificará agravar para 4 (quatro) meses de proibição de condução de veículos motorizados.
III – DISPOSITIVO

Destarte, concedendo-se provimento ao recurso, delibera-se:
1 – A alteração do juízo fáctico-comportamental do condutor-arguido B………., pela consignação do reconhecimento de que no início da madrugada do dia 07/07/2007, aquando da intercepção por elementos policiais (da GNR), por volta das 02h:30m, conduzia o ciclomotor de matrícula 1-MDR-..-.. pela via pública (E.N. nº …), com, pelo menos, 1,38 gramas de álcool por litro de sangue (TAS mínima de 1,38 g/l).
2 – A sua condenação pela autoria comissiva de um crime de condução em estado de embriaguez, [p. e p. pelo arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal], à pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), bem como à pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses.
3 – A manutenção do demais decidido em primeira instância.
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Sem tributação.
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(Consigna-se, nos termos do art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).
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Porto, 7 de Maio de 2008.
Os Juízes-desembargadores:
Abílio Fialho Ramalho
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Arlindo Manuel Teixeira Pinto

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[1] Ínsita na peça de fls. 43/49 – a que o arguido não respondeu.
[2] Artigo 170.º (Auto de notícia e de denúncia)
“[…]
3 – O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.
4 – O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.
[…].”
[3] Vide Lei Orgânica do Instituto Português da Qualidade, I. P., aprovada pelo D. Lei n.º 142/2007 de 27 de Abril, vigente desde 01/05/2007, máxime art.º 3.º; Regime Legal de Controlo Metrológico de Métodos e Instrumentos de Medição, aprovado pelo D. Lei n.º 291/90 de 20/09; Regulamento Geral do Controlo Metrológico, aprovado pela Portaria n.º 962/90, de 09/10, e actual Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10/12, e ainda D. Lei n.º 192/2006, de 26/09, mormente respectivo preâmbulo.
[4] Ofício da DGV n.º 14811 de 19 de Julho de 2006, divulgado pelos tribunais através do Conselho Superior da Magistratura.
[5] No sentido do texto, e representativos do tendencial consenso jurisprudencial sobre a ilegalidade da redução dos valores da TAS revelados pelos alcoolímetros quantitativos, vide: Acs. desta RP de 14/03/2007 (relatado pelo Ex.mo Desembargador Joaquim Gomes), de 12/12/2007 (relatado pelo Ex.mo Desembargador António Gama e subscrito pelo ora relator) e de 06/02/2008 (relatado pelo Ex.mo Desembargador Donas Boto); da RC de 30/01/2008 (relatado pelo Ex.mo Desembargador Esteves Marques); da RL de 03/10/2007 (relatado pelo Ex.mo Desembargador Morais da Rocha), de 09/10/2007 (relatado pelo Ex.mo Desembargador Agostinho Torres), de 18/10/2007 (relatado pelo Ex.mo Desembargador Almeida Cabral) e de 23/10/2007 (dois, relatados pelo Ex.mo Desembargador Vieira Lamim); e da RE de 22/05/2007 (relatado pelo Ex.mo Desembargador Carlos Berguete), todos disponibilizados no endereço electrónico http://www.gde.mj.pt/.
[6] Vide, a propósito, Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime –, pags. 125/128 e 135, e Manuel Lopes Maia Gonçalves, in Código Penal Português, Anotado e Comentado, 15.ª edição – 2002 –, pags. 189/191.
[7] Neste sentido, ainda Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., pags. 134/135.
[8] Vigentes desde 25/03/2005, (cfr. art.º 24.º do citado D. Lei n.º 44/2005, de 23 Fevereiro).
[9] Que em Portugal desde a Revolução de 1974 já matou mais pessoas do que a Guerra Colonial!