Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0736918
Nº Convencional: JTRP00041121
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
CUSTAS
Nº do Documento: RP200802210736918
Data do Acordão: 02/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 749 - FLS. 251.
Área Temática: .
Sumário: I – A reclamação de créditos constitui uma fase da instância executiva, não tendo autonomia processual própria, sem prejuízo de as reclamações serem todas autuadas num único apenso – art. 865º, nº8, do CPC.
II – A sustação da execução determina a sustação do apenso de reclamação e graduação de créditos e não a extinção da “instância” de reclamação de créditos por impossibilidade superveniente da lide, não tendo, pois, cabimento a condenação do reclamante em correspondentes custas por – inexistente – impossibilidade superveniente da lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: *
1. Relatório:
Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, a correrem termos sob o nº ……../05.0 TBMAI, pelo ….º Juízo do Tribunal Judicial da Maia, instaurados pelo Banco B………………… S.A., contra C…………………… Cª, Ldª e outros, tendo sido citado pela solicitadora de execução como credor com garantia real, o Banco D……………, S.A.- ……, veio apresentar requerimento de reclamação de créditos em 28.07.2006, no montante global de €705.607,60, acrescido de juros de mora vincendos e eventuais despesas.
Admitida liminarmente a reclamação, foi impugnada pelos executados.
Em 26.03.2007, no apenso de reclamação de créditos, foi proferido despacho do seguinte teor:
“Compulsados os autos, verifica-se que transitou em julgado o despacho proferido a fls. 214 e 215, dos autos principais, através do qual se sustou a execução quanto ao imóvel penhorado a fls. 136 e segs., ao abrigo do disposto no art. 871º, do Código de Processo Civil, em virtude de sobre o mesmo incidir penhora anteriormente registada e relativamente ao qual incidem as garantias invocadas no presente apenso de reclamação de créditos.
Pelo exposto:
- Declaro extinta a instância da reclamação de créditos, por impossibilidade superveniente da lide e ordeno o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no art. 287º, e), do Código de Processo Civil.
Custas pelos reclamantes, nos termos do disposto no art. 447º, do Código de Processo Civil”.
A credora reclamante Banco D……………., S.A. – …….., notificada deste despacho, veio em 17.04.2007, requerer a reforma do referido despacho, na parte em que a condenou no pagamento de custas, concluindo que tal encargo não lhe deverá ser atribuído.
Alegou a requerente, para tal e em síntese, que o apenso de reclamação de créditos teve a sua origem nas citações indevidamente efectuadas pela Sr.ª Solicitador a de Execução e que a intervenção do banco reclamante à semelhança do que sucedeu com outros credores, ficou a dever-se, única e exclusivamente, a erro cometido pela referida solicitadora.
Alegou depois que, em simultâneo com a reclamação de créditos, apresentou o requerimento de fls. 151 a 158 no qual alertava para o lapso cometido pela Solicitadora de Execução que, ao invés de requerer o cumprimento do disposto no art. 871º, do Código de Processo Civil por existirem registos de penhora anterior ao ordenado nestes autos, optou por convocar credores, praticando actos inúteis.
Admitindo o indeferimento da reforma quanto a custas, a mesma credora, desde logo interpôs recurso daquela decisão.
Por despacho de 26.04.2007, foi julgado improcedente o pedido de reforma da decisão quanto a custas, apresentado pela credora reclamante Banco D………….., S.A. – …………, a fls. 229, por manifesta falta de fundamento legal e, ainda, condenada esta nas custas do incidente fixadas em 2 (duas) UC’s, nos termos do disposto nos arts. 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 16º, do Código das Custas Judiciais.
No mesmo despacho foi admitido o presente recurso.
A agravante conclui nas suas alegações que:
Em face da extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, o ora agravante foi condenado no pagamento das custas resultantes da apresentação de reclamação de créditos;
No entanto, se por um lado é perfeitamente legítimo que tenha procedido à apresentação dessa reclamação de créditos, não é menos certo que jamais o ora agravante deu causa a esse acto processual.
Na verdade, na base da reclamação de créditos, esteve um lapso da solicitadora de execução, que, indevidamente, citou o ora agravante para reclamar os seus créditos, quando na verdade o que se justificava era a aplicação do artº871º do C.P.C.;
O despacho recorrido justificou a condenação do agravante no pagamento das custas à luz do preceituado no artº447º do C.P.C.;
No entanto, a sua aplicação, no caso em apreço, colide claramente com a lógica e unidade do sistema jurídico;
A sua aplicação conduz a um resultado que, tendo em conta a lógica do sistema jurídico, não pode nunca ter sido desejado pelo legislador;
A coerência do sistema jurídico aconselha a aplicação analógica do artº448º do C.P.C., e, com base no seu regime, deverá o ora agravante ser isentado do pagamento de quaisquer custas.
Conclui pedindo que deve ser concedido provimento ao presente agravo, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida que o condenou em custas.
Não houve contra alegações.
O Sr. Juiz sustentou tabelarmente a sua decisão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Fundamentação
2.1. os Factos
Com relevo para a decisão, consideram-se provados os factos atrás expostos resultantes da tramitação processual.
Mais está provado que na execução apenas foi penhorado, a fls. 136 a 138, o prédio urbano descrito na Conservatória do registo Predial de Gondomar sob o nº 00514/3000389, da freguesia de Valbom, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 2661º, 2662º e 4552º, estando registada propriedade a favor dos executados pela inscrição G-2 e apresentação 19/300389.
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2.2. DO RECURSO:
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Isto posto, considerando que:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil;
Nos recursos apreciam-se questões e não razões;
O recurso está limitado pela questão e decisão recorrida,
a questão que importa decidir consiste em saber se o despacho que condenou a agravante em custas deve ser mantido ou revogado.
Vejamos.
Liminarmente deve dizer-se que à presente questão, no que aqui interessa, são aplicáveis as disposições do Código de Processo Civil (que doravante abreviaremos para CPC) aprovado pelo Dec. Lei nº 44 129, de 28.12, com as posteriores alterações, nomeadamente as alterações introduzidas pelos D.L. nº 329-A/95, de 12.12 e D.L. nº 180/96, de 25.09 e pelo D.L. nº 324/03, de 27.12 e o Código das Custas Judiciais na última redacção do D.L. nº 324/2003, de 27.12.
Em regra na nossa ordem jurídico-constitucional os processos judiciais estão sujeitos a custas, que compreendem a taxa de justiça e os encargos, consagrando a lei isenções subjectivas e objectivas de custas e a necessária protecção jurídica aos carenciados de meios económicos, de acordo com o disposto no artº 20º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa de 1976 e artºs 1º, 2º e 3º do Código da Custas Judiciais, redacção do D.L. nº 324/2003, de 27.12.
Na decisão final da acção, procedimento ou incidente tributável em primeira instância o juiz deve condenar em custas “a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”- artº 446º, nº 1, CPC.
O nº 2 do referido artº 446º, CPC, acrescenta que “entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”.
Quando a instância se extingue por impossibilidade superveniente da lide, como foi a situação dos autos, rege a regra especial do artº 447º CPC, que prescreve que nesse caso “as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará.”
Como se vê, o legislador procurou uma solução justa que tenha em conta o efectivo equilíbrio de interesses entre os litigantes, vigorando em regra a responsabilidade do autor, porquanto este é que teve o impulso processual e ab initio deu causa ao processo/procedimento cautelar/incidente, a título de “risco”- vide Rodrigues Bastos, Notas CPC, Vol. II, p.330.
O Assento nº 4/77, de 09.11.1977, que constituiu jurisprudência obrigatória para os tribunais judicias de acordo com o disposto no artº 17º, nº 2, DL nº 329-A/95, de 12.12, estabelece que “O disposto no nº 1 do artigo 447º(hoje artº 447º) do Código de Processo Civil é aplicável independentemente da natureza do facto que determine a impossibilidade ou inutilidade da lide”.
De referir que estas normas gerais do processo declarativo são subsidiariamente aplicáveis como as necessárias adaptações ao processo executivo, na medida em que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva- artº 466º, nº 1,CPC.
Isto posto, é de considerar que na acção executiva foi proferido o despacho de 18.12.2006 que determinou a sustação da execução ao abrigo do disposto no artº 871º CPC, em virtude de estar pendente outra execução sobre o mesmo bem imóvel penhorado nestes autos e com registo anterior.
Isto significa que, a partir da data desse despacho, o processo executivo onde foi proferido foi suspenso/interrompido (vide Dicionário da Língua Portuguesa, Academia das Ciências de Lisboa, II Volume, Verbo) relativamente ao referido bem imóvel e não extinta a respectiva instância executiva nos termos dos artºs 916º ss. CPC.
Ora, no decurso da instância executiva para pagamento de quantia certa, prevê o nosso Código de Processo Civil que possam vir à execução os credores com garantia real sobre os bens penhorados e fazerem valer o seu direito de garantia, vindo tais créditos a ser graduados para serem pagos pelo produto da venda executiva, nos termos do artº 865º ss.CPC.
Nas palavras do Prof. Castro Mendes, Acção Executiva, edição AAFDL, 1980, “o nosso actual sistema executivo pode ser qualificado de misto ou tendencialmente singular”.
A reclamação de créditos constitui uma fase da instância executiva, não tendo autonomia processual própria, sem prejuízo de as reclamações serem todas autuadas num único apenso - artº 865º, nº 8, CPC.
As custas da execução e as do apenso de reclamação de créditos devem ficar a cargo dos executados e saem precípuas do produto da venda do imóvel penhorado, por força do disposto no artº 455º CPC, caso esta execução permaneça inteiramente sustada.
Entretanto, a sustação da execução determina a sustação do apenso de reclamação e graduação de créditos.
Não se verifica assim qualquer circunstância que determine a extinção da instância de reclamação de créditos por impossibilidade superveniente da lide, como foi declarado pelo despacho de 26.03.2007.
No entanto, porque não impugnado em recurso ordinário, nessa parte o despacho transitou em julgado e fez caso julgado formal- art 672º, 677 e 684º, nºs 2 e 3, CPC.
Mas foi com base na declarada extinção da instância da reclamação de créditos por impossibilidade superveniente da lide que, na parte final do aludido despacho, a agravante, enquanto credora reclamante foi condenada em custas.
É apenas contra esta condenação em custas que o agravante reage por via deste recurso.
No despacho recorrido, nem sequer é indicada a proporção dessa condenação em custas ou o valor para efeito de custas, dado que não seria aplicável a regra do artº 9º, nº 2, CCJ (redacção dada pelo DL nº 324/2003, de 27.12).
Pelos motivos atrás apontados, entendemos não haver lugar à condenação em custas dos reclamantes relativamente às reclamações dos seus créditos, assim procedendo o agravo embora por fundamentos diferentes.
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3. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em dar provimento ao agravo e, em consequência revoga-se a decisão recorrida quanto a condenação em custas, relativamente à ora agravante.
Sem custas.

Porto, 21 de Fevereiro de 2008
Manuel Lopes Madeira Pinto
Carlos Jorge Ferreira Portela
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz