Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0533883
Nº Convencional: JTRP00038405
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: REVELIA
CONDENAÇÃO
FALTA DE CITAÇÃO
Nº do Documento: RP200510130533883
Data do Acordão: 10/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: Se o tribunal tem de verificar, no caso de revelia absoluta do réu, se a citação foi feita com as formalidades legais e anulá-la oficiosamente e mandá-la repetir quando apurar ter havido preterição de formalidade legal por mais insignificante e secundária que seja a formalidade preterida, mal se compreenderia que, verificando o tribunal que foi proferida sentença condenatória mediante simples adesão aos fundamentos alegados pelo autor na petição, como consequência de revelia inexistente, por ainda não ter decorrido o prazo da contestação, não possa e não deva o tribunal anular oficiosamente tal sentença, logo que constate estar ainda a decorrer esse mesmo prazo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. B.......... e C.......... instauraram, no Tribunal Judicial de Vila do Conde, contra “D.........., Ldª” e E.........., a presente acção declarativa de despejo, com forma de processo sumário, pedindo a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a 1ª R., relativo à fracção autónoma do prédio que identifica e sito em .........., correspondente a um estabelecimento comercial, e a condenação dela a despejar imediatamente o arrendado, deixando-o devoluto de pessoas e bens, bem como a condenação solidária de ambos os RR. a pagarem-lhe as rendas vencidas à data da propositura da acção, no montante global de 2.428,80 Euros, e as vencidas e vincendas até efectivo despejo.
Para o efeito, alegaram, em síntese, que, por documento escrito de 12.08.02, deram a referida fracção de arrendamento à 1ª R., pelo prazo de cinco anos, com início em 01/09/02, mediante a renda anual de 9.600 Euros, a pagar em duodécimos de 800 Euros no 1º dia útil do mês anterior a que respeitasse, renda que foi actualizada a partir de Outubro de 2003 para o montante mensal de 828,80 Euros, tendo o 2º R. assumido solidariamente com a 1ª R. o cumprimento de todas as cláusulas do contrato, com renúncia ao benefício da excussão prévia, e que não foram pagas as rendas relativas aos meses de Agosto a Outubro de 2003.

2. Efectuada a citação, juntou a 1ª R. aos autos, em 26/11/03, e no decurso do prazo da contestação, requerimento comprovativo de, no dia anterior, ter dado entrada na Loja de Vila do Conde do Instituto de Solidariedade e Segurança Social de pedido de concessão de apoio judiciário nas modalidades de nomeação de patrono e de dispensa ou redução de pagamento de taxa de justiça, a fim de contestar a presente acção, escrevendo no item 4.3 do respectivo formulário, subordinado à epígrafe “Observações”, o seguinte: “A contabilidade encontra-se regularizada sendo objecto de recuperação e a ser entregue em prazo a estipular”.

3. Com data de 4/12/03, foi proferido o seguinte despacho:
“Declaro interrompido desde a data da apresentação, junto da entidade competente, do pedido de apoio judiciário, também na modalidade de concessão de patrocínio, o prazo em curso para o oferecimento da contestação por parte da Ré sociedade, prazo esse que se reinicia com a notificação ao patrono nomeado da decisão que o designar, ou, no caso de indeferimento do pedido, a partir da notificação pela entidade competente da decisão respectiva ao requerente.
Notifique”.

4. Em cumprimento de despacho proferido a 27/01/04, oficiou-se ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social no sentido de informar se já havia sido proferida decisão quanto ao pedido de apoio judiciário, Instituto que informou que o processo em causa se encontrava em sede de audiência prévia, conforme o disposto no artº 24º da Lei nº 30-E/2000, de 20/12.

5. Por despacho proferido a 1/03/2004, ordenou-se que os autos aguardassem por 15 dias e que, após, fosse novamente solicitada informação, e, face à ausência de resposta ao ofício expedido a 20/04/2004, foi ordenado, em 4/05/2004, que fosse solicitada informação com urgência, a qual foi solicitada por ofício expedido a 5/05/2004, tendo o referido Instituto respondido por ofício datado de 27/04/2004, mas que deu entrada em juízo em 7/05/2004, com o seguinte teor:
“Nos termos do disposto pelo artº 27º da Lei nº 30-E/00, de 20.12, vimos informar V. Exª de que o requerimento de apoio judiciário do (a) requerente supra identificado (a) foi objecto de uma audiência prévia a 19 de Fevereiro de 2004.
Decorrido o prazo legal de que dispunha para responder ao que lhe era solicitado, o (a) requerente nada disse, pelo que, como expressamente se refere no nosso ofício foi o seu pedido considerado indeferido.
Mais se informa V. Exª que, não foi até ao momento, interposto qualquer recurso de impugnação”.

6. Conclusos os autos com data de 14/05/2004, foi, com data de 15/07/2004, proferida sentença que, considerando provados, por confissão, nos termos do disposto nos artºs 484º, nº 2, e 784º, ambos do CPCivil, os factos articulados pelos AA., julgou a acção procedente e condenou os RR. nos pedidos.

7. Inconformada, dela apelou a R. sociedade formulando nas pertinentes alegações as seguintes conclusões:
1ª: Vem o presente recurso da sentença que condenou a recorrente no pedido formulado pela recorrida, por confissão, nos termos do artº 484º, nº 2, do CPC, dos factos articulados pela A., por falta de contestação por parte da R., no prazo legal.
2ª: Ora, acontece que quando foi proferida a sentença ainda não estava esgotado o prazo para a contestação.
3ª: Na verdade, por despacho de 4/12/03, o prazo da contestação tinha sido declarado interrompido por ter sido apresentado na Segurança Social um pedido de apoio judiciário para dispensa do pagamento da taxa de justiça e nomeação de patrono.
4ª: A R., ora recorrente, não recebeu qualquer notificação da Segurança Social com a decisão a deferir ou indeferir o seu pedido de apoio judiciário.
5ª: Bem como não recebeu qualquer notificação com expressa advertência do reinicio do prazo judicial, notificação imposta pelos artºs 33º, nº 1, e 25º, nº 4, da Lei nº 30-E/00, de 20/12.
6ª: A recorrente, em 9/01/2004, 6/02/2004 e 25/03/2004, tinha requerido prazo para juntar documentos ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social do Porto, entidade a quem tinha sido requerido o apoio judiciário, e não recebeu qualquer resposta – docs. 1 a 3.
7ª: Nos termos do artº 66º do Código do Procedimento Administrativo, impendia sobre a entidade administrativa o dever se notificar a R., devendo a notificação ser feita nos termos do artº 68º do mesmo Código, contendo o texto integral do acto administrativo, indicando o autor do acto e a data deste.
8ª: Não tendo sido a recorrente notificada da decisão do apoio judiciário, nem tendo sido notificada de que se tinha reiniciado a contagem do prazo para esta apresentar contestação, tem de se considerar que a instância continua interrompida e não podia ter sido proferida a sentença.
9ª: É da notificação da decisão final da nomeação de patrono, ou do indeferimento, que se reinicia o prazo interrompido.
10ª: Acresce que, nos casos previstos no nº 4 do artº 25º, nos termos do artº 33º, nº 1, da Lei nº 30-E/00 de 20/12, se impõe que a notificação ao requerente e ao patrono seja feita com a expressa advertência do reinicio do prazo judicial, o mesmo deverá acontecer com a mesma expressa advertência, com a notificação no caso de indeferimento, uma vez que o notificado dessa decisão é apenas o requerente, normalmente um leigo nas questões de direito, designadamente quanto a prazos judiciais e aos seus gravosas efeitos preclusivos.
11ª: Uma vez que a notificação não foi feita, não tinha terminado o prazo para a apresentação da contestação, quando foi proferida a sentença de que ora se recorre.
12ª: Foram violados os artºs 13º e 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.
13ª: Foram violados os artºs 66º e 68º do Código do Procedimento Administrativo.
14ª: Foram violados os artºs 1º, 2º, 3º, nº 2, 15º, 25º, nºs 4 e 5, 27º, nº 1, e 33º, todos da Lei nº 30-E/00 de 20 de Dezembro.
15ª: Foi violado o artº 484º do CPCivil.
16ª: Estando interrompido o prazo da contestação o juiz recorrido não podia considerar confessados os factos articulados pelos AA., ora recorridos, nem dar cumprimento ao disposto no artº 484º do CPCivil.
17ª: A omissão deste acto de notificação que a lei prescreve, produz nulidade uma vez que pode influir no exame ou na decisão da causa, nos termos do artº 201º do CPCivil.
18ª: Assim, deve ser declarada nula a própria sentença, ordenando-se a notificação à R. da decisão da Segurança Social, reiniciando-se o prazo para a contestação.
Termina pelo provimento do recurso pedindo que seja declarada nula a sentença recorrida e que seja ordenada a sua notificação da decisão da Segurança Social, reiniciando-se o prazo da contestação.

8. Não foram oferecidas contra-alegações.

9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos relevantes a considerar são os que supra se referiram no relatório.

2. A questão objecto do presente recurso, delimitada pelas conclusões da alegação da apelante (artºs 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPCivil), é essencialmente a de saber se, quando foi proferida a sentença, ainda se encontrava a decorrer o prazo para a R. contestar, prazo esse que havia sido declarado interrompido face ao requerimento de pedido de apoio judiciário por ela formulado.

É indubitável que, com o requerimento apresentado no decurso do prazo da contestação pela apelante junto do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, a solicitar a concessão de apoio judiciário, designadamente na modalidade de nomeação de patrono, e tal como foi entendido pelo Tribunal a quo, se interrompe o prazo em curso.
E o mesmo só voltaria a correr com a notificação do patrono que viesse a ser nomeado ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Isso resulta do artº 25º, nºs 4 e 5, da Lei nº 30-E/00, de 20/12 (aplicável ao caso em apreço), ao dispor que:
“4. Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5. O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior reinicia-se, conforme o caso:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.

Mas, tendo-se interrompido o prazo em curso (prazo para contestar), o mesmo volta a correr por inteiro (cfr. Ac. deste Tribunal de 3/03/2004, Processo 0420312, em www.dgsi.pt.), no caso que aqui interessa considerar, a partir da notificação ao notificação ao requerente da decisão de indeferimento.
Ora, é precisamente esta notificação que está em causa já que, na sequência da ofício do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, datado de 27/04/2004, mas que deu entrada em juízo em 7/05/2004, com o seguinte teor:
“Nos termos do disposto pelo artº 27º da Lei nº 30-E/00, de 20.12, vimos informar V. Exª de que o requerimento de apoio judiciário do (a) requerente supra identificado (a) foi objecto de uma audiência prévia a 19 de Fevereiro de 2004.
Decorrido o prazo legal de que dispunha para responder ao que lhe era solicitado, o (a) requerente nada disse, pelo que, como expressamente se refere no nosso ofício foi o seu pedido considerado indeferido.
Mais se informa V. Exª que, não foi até ao momento, interposto qualquer recurso de impugnação”.

A competência para decidir sobre a concessão ou não do apoio judiciário é dos serviços de segurança social – artº 21º da Lei nº 30-E/00 -, assumindo a decisão a natureza de acto administrativo, ou seja a decisão de um órgão da Administração que, ao abrigo das normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual concreta.
Sobre o regime aplicável ao procedimento administrativo relativo à decisão sobre o pedido de apoio judiciário estipula o artº 22º da citada Lei nº 30-E/00 que “São aplicáveis ao procedimento administrativo de concessão de apoio judiciário as disposições do Código do Procedimento Administrativo em tudo o que não esteja especialmente regulado na presente lei”.
O artº 24º, nº 1, dessa Lei prevê a audiência prévia do requerente do apoio judiciário estatuindo que ela é obrigatória na hipótese em que a proposta de decisão seja no sentido do indeferimento.
A regra no âmbito do procedimento administrativo é a da audiência, oral ou escrita, conforma a decisão do órgão instrutor, dos interessados antes de ser tomada a decisão final e de serem informados, nomeadamente sobre o seu sentido provável (artº 100º, nºs 1 e 2, do CPAdministrativo).
A decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao requerente – artº 27º, nº 1, da Lei nº 30-E/00.
Esse dever de notificação, que resulta também do disposto no artºs 66º do CPAdministrativo, pode revestir várias formas, v.g., via postal, pessoalmente ou por telegrama, telex ou telefax (artº 70º), e é dispensada quando o acto seja praticado oralmente na presença do interessado ou quando ele revele, através de qualquer intervenção no procedimento, perfeito conhecimento do conteúdo dos actos em causa (artº 67º).

Ora, o ofício do Instituto de Solidariedade e Segurança Social datado de 27/04/04, e que deu entrada em juízo em 7/05/2004, ao referir-se à audiência prévia que teria ocorrido a 19 de Fevereiro de 2004, não indica se ela foi oral ou escrita, e, ao remeter para o ofício que teria dirigido ao requerente, não enviou cópia dele.
Essa informação e/ou cópia do ofício era essencial para se averiguar se havia decorrido o prazo para contestar, entretanto reiniciado.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença, onde se consideraram confessados os factos alegados e se condenaram os RR. no pedido, pode ter sido proferida intempestivamente, por prematura, assim postergando o direito de defesa da R. sociedade que a Constituição da República Portuguesa consagra e garante no seu artº 20º, nº 1, como direito fundamental.
Como tal, pode a sentença enfermar de nulidade decorrente da prática de um acto que a lei não admite sem haver decorrido o aludido prazo e que influi no exame e na decisão da causa, pois, na falta de contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, desde que o réu tenha sido ou deva considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa – artºs 201º, nº 1, e 484º, nº 1, ambos do CPCivil.
E, antes de fazer funcionar este efeito cominatório da revelia, o juiz, na falta de oposição ou de intervenção do réu no processo, deve verificar se a citação foi feita com as formalidades legais e mandar repeti-la quando encontre irregularidades.
É um dos casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso, previsto na parte final do artº 202º do CPCivil.
Entre esses casos também se deve incluir o da sentença de condenação proferida antes de decorrido o prazo da contestação.
Efectivamente, se o tribunal tem de verificar, no caso de revelia absoluta do réu, se a citação foi feita com as formalidades legais e anulá-la oficiosamente e mandá-la repetir quando apurar ter havido preterição de formalidade legal por mais insignificante e secundária que seja a formalidade preterida, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, CPCivil Anotado, III, pág. 4, mal se compreenderia que, verificando o tribunal que foi proferida sentença condenatória mediante simples adesão aos fundamentos alegados pelo autor na petição, como consequência de revelia inexistente, por ainda não ter decorrido o prazo da contestação, não possa e não deva o tribunal anular oficiosamente tal sentença, logo que constate estar ainda a decorrer esse mesmo prazo.
Deste modo, cabe dentro dos poderes do tribunal anular oficiosamente, sendo caso disso, a sentença proferida na pendência do incidente de nomeação de patrono.
Consequentemente, há que revogar a sentença objecto do recurso, que teve como pressuposto a ausência de contestação por parte dos réus e a correspondente confissão dos factos articulados pelos autores na petição, ao abrigo do disposto no artº 484º, nº 1, do CPCivil, a fim de o tribunal recorrido solicitar ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social informação sobre se a audiência prévia foi escrita ou oral, e bem assim cópia do ofício referido por esse Instituto como enviado ao requerente do apoio, e em que era mencionado que a ausência de resposta levaria ao indeferimento do pedido, e, se for caso disso, para a hipótese de verificar que não se havia reiniciado o prazo da contestação, mandar prosseguir a acção, para apresentação da contestação por parte da R..

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida e ordenando que os autos prossigam para eventual apresentação de contestação por parte da R. requerente do apoio e subsequente processado adequado.
*
Sem custas.
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Porto, 13 de Outubro de 2005
António do Amaral Ferreira
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha
Estevão Vaz Saleiro de Abreu