Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0721255
Nº Convencional: JTRP00040307
Relator: ALZIRO CARDOSO
Descritores: REGISTO DA ACÇÃO
REGISTO
REGISTO PREDIAL
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RP200705090721255
Data do Acordão: 05/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 247 - FLS 132.
Área Temática: .
Sumário: I – A acção de reivindicação, em que seja pedido o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade, por usucapião, está sujeita a registo, por se incluir no leque dos actos e acções referidos nos artºs 2º, nº 1, al. a) e 3º, nº 1, al. a) do CRP.
II – Não é aplicável àquele tipo de acções a excepção consignada na parte final do nº 2 do artº 3º do CRP, que tem o seu campo de acção limitado às acções de justificação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1. Relatório
B………. e esposa C………., instauraram contra D………. e esposa E………., e F………., acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo a condenação dos Réus a:
a) Reconhecerem o direito de propriedade plena dos Autores sobre o prédio urbano sito no ………., freguesia de ………., comarca de Baião, composto de casa de rés-do-chão e andar, com a área coberta de 98 m2 e descoberta de 15 m2, a confrontar actualmente de nascente com prédio de G………., norte com prédio de H………., sul com prédio de I………. e poente com o prédio dos Réus, inscrito na matriz urbana sob o artigo 239 e não descrito na Conservatória do Registo Predial, por virtude da alegada aquisição originária;
b) Reconhecerem que os Autores, por virtude da alegada aquisição originária, têm o direito de passagem a pé e com animais e ou carga, a qualquer hora do dia e ou da noite, no acesso ao seu prédio supra identificado, de e para a via pública, através da parcela de terreno com a largura de 1,5 metros e comprimento de 30 metros, que faz parte do logradouro e quintal do prédio dos Réus supra identificado, servidão de passagem esta que se desenvolve no sentido Nascente/Poente, marginal e paralelamente á casa de habitação, lado Sul desta e quando esta termina junto à estrema Norte do quintal, até atingir a via pública a Poente, o que se processa em solo plano, recto e inculto, conforme supra alegado, estando assim regularmente constituída uma servidão de passagem por usucapião;
c) A demolirem a suas expensas o muro que construíram perpendicularmente ao caminho de servidão e no início desta, de modo a que os Autores possam passar como sempre o fizeram, mantendo o caminho livre de pessoas e coisas.

Citados os Réus contestaram, defendendo a improcedência da acção.
E deduziram reconvenção, pedindo, no caso de proceder o pedido de reconhecimento da invocada servidão que esta seja declarada extinta, por desnecessidade, ou caso ainda assim se não entenda que sejam autorizados a mudar a aludida servidão para local diferente do primitivo ou, na improcedência dos pedidos anteriores, que seja reconhecido aos Réus D………. e esposa o direito de adquirir o prédio encravado do Autor pelo seu justo valor.
Replicou o autor pugnando pela improcedência da deduzida reconvenção, tendo ainda alterado o pedido e a causa de pedir.

Findos os articulados foi proferido despacho que considerando estar sujeita a registo, nos termos artigos 2º n.º 1, alínea a) e 3º n.º 1, alínea a), do CRP, suspendeu a instância até ser comprovado o registo da acção.

Discordando da referida decisão os Autores interpuseram recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, tendo na sua alegação, oportunamente apresentada, formulado as seguintes conclusões:
A- A acção, in casu, face aos pedidos formulados com base na usucapião e destinação do pai de família, não é registável;
B- Em caso de procedência desta acção os seus efeitos produzem-se erga omnes e independentemente de registo e daí a desnecessidade deste;
C- O artigo 5º n.º 2, alínea a), do CRP afasta expressamente o registo da acção, in casu;
D- Não faz pois sentido proceder ao registo da acção;
E- Violou a decisão recorrida, por erro de subsunção o disposto no artigo 2º, n.º 1, alínea a) e artigos 5º n.º 2, alínea a), ambos do CRP;
F- Vide, por todos, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-02-00, in C.J., Tomo 4, pág. 87.
Termos em que deve ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos.

Não houve contra-alegações.

O Mº juiz a quo sustentou a decisão recorrida.

1.2 Questões a decidir:
Em face das alegações dos agravantes a única questão a decidir consiste em saber se a acção está sujeita a registo.

2. Fundamentos
Os factos com interesse para a apreciação do recurso são apenas os enunciados no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidos.
A questão a decidir consiste em saber se uma acção em que, como é o caso da presente, se pede o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade sobre um prédio urbano, por usucapião, está sujeita a registo.
Dispõe o art. 2º n.º 1 al. a) do Código do Registo Predial que "Estão sujeitos a registo os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão".
Por sua vez, dispõe o art. 3º n.º 1 al. a) do mesmo Código que "Estão igualmente sujeitas a registo:
a) As acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo anterior".
E o n.º 2, do mesmo artigo 3º estabelece que “As acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência”.
Como ensina Antunes Varela, RLJ Ano 103, pág.484, o registo da acção visa dar “… conhecimento a terceiros de que determinada coisa está a ser objecto de um litígio e adverti-los de que devem abster-se de adquirir sobre ela direitos incompatíveis com o invocado pelo autor, sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão que a tal respeito venha a ser proferida, mesmo que não intervenham no processo”.
E como escreveu Seabra de Magalhães, “Estudos de Registo Predial”, págs. 24 e ss., “… o registo da acção mais não é do que a antecipação do registo da própria sentença transitada – com a condição, claro, de que esta acolha o pedido do autor e dentro dos limites em que o acolher”.
No caso dos autos estamos perante uma típica acção de reivindicação, na qual o Autor pede o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição inicial, por alegada aquisição por usucapião.
A lei, no que aqui interessa, sujeita a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou extinção do direito de propriedade (citados artigos 2º nº 1, alínea a) e 3º nº 1, alínea a) do CR Predial).
Tal acção, como acção real que é, está sujeita a registo, uma vez que tem por fim principal o reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio urbano.
O registo predial tem em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, possibilitando aos interessados o conhecimento da situação jurídica actual dos bens imóveis.
Sendo a obrigatoriedade do registo das acções de que possa resultar a alteração dessa situação, como é o caso daquelas que têm por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção do direito de propriedade ou de mera posse, é uma medida inteiramente justificada, na medida em que a respectiva omissão pode induzir os interessados em erro, ocultando um factor que, por si só e mesmo antes da decisão da acção, tem grande importância no comércio jurídico.
Todavia a redacção do citado n.º 2, do artigo 3º, do CRP, tem levantado algumas dúvidas de interpretação, e suscitado divergências tanto na doutrina como na jurisprudência.
O Acórdão desta Relação de 16-06-87, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, Tomo 3, p. 198, citado pelos agravantes decidiu que “não é de registar a acção em que o direito de propriedade que se invoca depende de prova da sua aquisição por usucapião, o que só através da decisão da acção se definirá”.
Porém, com o devido respeito por entendimento contrário, entendemos que a última parte do citado n.º 2, do artigo 3º do CRP, não permite aquela interpretação.
A acção em que se pede o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade sobre um imóvel, por usucapião, está sujeita a registo, por força dos citados artigos 2º, n.º 1, alínea a) e 3º n.º 1, alínea a).
E a parte tem o direito e o dever de pedir o registo provisório da acção, após a entrega da petição inicial na secretaria, desde que esteja em causa, sem excepção, qualquer das acções a que se referem as alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 3º.
Não lhe é portanto aplicável a excepção consignada na parte final do n.º 2, do artigo 3º. Excepção que faz sentido e tem o seu campo de aplicação limitado às acções de justificação, em que o pedido visa directamente a obtenção de um documento para registo (artigos 116º e 118º do CRP) e só indirectamente o reconhecimento ou extinção de direitos referidos no artigo 2º. Destinando-se a acção de justificação de direitos à obtenção de um documento que possibilite o registo, desiderato que só se atinge com a sua procedência, não está incluída no elenco das acções sujeitas a registo provisório. Daí a excepção prevista na parte final do citado n.º 2, do artigo 3º.
Era o que já resultava, com maior clareza do n.º 2 do artigo 25º do Código do Registo Predial de 1967, correspondente ao actual n.º 2, do artigo 3º, cuja redacção era a seguinte:
“Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos em que o direito ao registo dependa da procedência da acção”.
Não abrangendo aquela excepção, a acção de reivindicação, em que seja pedido o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade, por usucapião, sujeita a registo, por se incluir no leque dos actos e acções, referidos nos artigos 2º, n.º 1, alínea a) e 3º, n.º 1, alínea a), do CRP.
O facto da aquisição fundada em usucapião dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º, produzir efeitos erga omnes, independentemente do respectivo registo (artigo 5º, n.º 2, do CRP), em nada altera a conclusão a que se chegou quanto à obrigatoriedade do registo da acção. Trata-se de questão diversa da de saber se a acção está sujeita a registo.
E quanto a esta, como se referiu, o artigo 3º, n.º 1, alínea a), sujeita a registo todas as acções que envolvam reconhecimento, constituição, modificação ou extinção de algum dos direitos do artigo 2º do CRP, previsão que expressamente engloba as acções, como a presente, em que seja pedido o reconhecimento da aquisição do direito de propriedade, por usucapião.
Termos em que improcedem as conclusões dos Recorrentes, sendo de manter a decisão recorrida.

3. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelos agravantes.
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Porto, 9 de Maio de 2007
Alziro Antunes Cardoso
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
José Gabriel Correia Pereira da Silva