Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0556938
Nº Convencional: JTRP00038322
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: ARRESTO
REQUISITOS
Nº do Documento: RP200602130556938
Data do Acordão: 02/13/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: Deve ter-se como provado o requisito “justo receio de perda de garantia patrimonial”, exigido para decretamento de procedimento cautelar de arresto, se se prova, além da existência de crédito da requerente no valor de € 59.783,65, que a requerida, uma sociedade comercial, se encontra em situação económica difícil, situação que é do conhecimento geral no meio da construção civil em que se insere; é devedora de várias quantias a diversos fornecedores; que a requerente a tem interpelado, sem êxito, para pagar os seus débitos, existindo conhecimento de que a requerida se prepara para encerrar a sua actividade, pretendendo os seus sócios constituir nova sociedade, para não pagar aos credores, como já o fizeram anteriormente, pelo menos duas vezes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

B.........., Lda, intentou o presente procedimento cautelar de arresto contra C.........., Lda, com fundamento no fornecimento de vário material do seu comércio, no total de € 59.738,65, que esta não pagou.
Justifica o requerimento no facto de a requerida se encontrar em situação económica difícil, o que é do conhecimento geral, dever várias quantias a outros fornecedores, não ter bens imóveis de valor e os móveis são de diminuto valor, estar impossibilitada de usar cheques, possuir dívidas avultadas e preparar-se para encerrar a sua actividade, fugindo assim aos credores.
Por isso, pede o arresto em créditos de que a requerida é titular e que identifica.
Produzida a prova, embora aceite o crédito da requerente, considerou não verificado o justo receio, pelo que indeferiu o arresto.
Inconformada, recorre a requerente, sendo o recurso recebido como de agravo.
Junta alegações.
Colhidos os vistos legais, nada obsta o conhecimento do recurso.
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II – Fundamentos do recurso

Sabendo-se que as conclusões delimitam o objecto do recurso – artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -, justifica-se que sejam transcritas.
Assim:

1º - Na sequência da prova produzida, a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo deu como provados os factos constantes das alíneas A) a G), do despacho recorrido, entendendo que não se demonstraram os demais factos articulados pela requerente para além daqueles.
2º - Tal situação não se revela correcta.
3º - A recorrente alegou no seu requerimento, entre outros factos, que a requerida, se encontra em situação económica difícil, que tal situação é do conhecimento geral no meio em que mesma se insere, que a requerida é devedora de várias quantias a diversos fornecedores, que a recorrente tem interpelado a requerida para pagar os seus débitos, sem porém que a mesma o tenha feito, tendo alegado sempre dificuldades económicas, bem como, ultimamente terem surgido noticias de que a requerida se prepara para encerrar a sua actividade pretendendo os seus sócios constituírem nova sociedade comercial, por forma a tentar ludibriar os credores desta.
4º - Factos que a Meritíssima Juíza entendeu, incorrectamente, dar como não provados.
5º - A testemunha D.........., que segundo consta no despacho de que se recorre, depôs de forma convincente, referiu no seu depoimento, no inicio do lado A da cassete áudio, para além dos factos dados como provados, que assistiu a que efectivamente os responsáveis da C.........., Lda, designadamente o senhor E.........., tenha justificado o não cumprimento atempado das obrigações assumidas com a recorrente, em virtude de a empresa não ter dinheiro.
6º - Igualmente referiu que, "... Os clientes são os próprios a dizer que estão na eminência de poder fechar e abrir outra firma, porque ..., para não liquidarem o que têm.... Devem a muita gente realmente, pelos vistos não somos só nós."
7º - Bem como, que segundo as informações colhidas no meio, a requerida é devedora de importâncias avultadas.
8º - Ainda referiu, questionado pelo mandatário da recorrente, acerca de, se a situação de encerrar uma empresa para depois iniciar uma nova no mesmo ramo, tentando com isso ludibriar os credores, já se tinha verificado anteriormente referiu o mesmo que sim.
9º - Disse ainda que as informações colhidas no meio, sobre a requerida, são no sentido de que "Ninguém quer vender lá.". E que há outros fornecedores que não vender à requerida, atenta a sua situação económica.
10º - O depoimento da testemunha F..........., foi considerado pelo tribunal como sendo, isento e credível.
11º - Em depoimento prestado pelo mesmo, registado no lado A da cassete (124, e segts.) refere expressamente que é credor da requerida, e que tentou por várias vezes a cobrança extrajudicial dos seus créditos junto da mesma, tendo-lhe porém sido transmitido pelos responsáveis da mesma que não pagavam porque estavam com dificuldades económicas.
12º - A testemunha, conhecedora do meio há muitos anos, referiu que segundo as informações colhidas, de vizinhos da requerida, que trabalham para a testemunha como sub empreiteiros, lhe transmitiram que não iria receber os seus créditos.
13º - Os vizinhos em causa, são, tal como a requerida, do .........., e são também do ramo da construção civil.
14º - Igualmente referiu, que os representantes da requerida já tiveram anteriormente, duas empresas do mesmo ramo.
15º - Que tem conhecimento, através dos aludidos vizinhos da requerida que trabalham como subempreiteiros para a testemunha, que os representantes daquela, já encerraram pelo menos duas ou três empresas, e que se preparam igualmente para encerrar a requerida.
16º - Instado acerca do motivo apurado para o encerramento das empresas, a testemunha respondeu "Disseram que era para não pagar aos clientes. Só."
17º - O depoimento da testemunha G........., registado no lado A da cassete (190 e seguintes), conforme resulta do despacho recorrido, não foi alvo de apreciação, uma vez que nada consta acerca do teor do mesmo;
18º - Tal testemunha, trabalha no ramo da construção civil á 15 anos.
19º - Referiu que não trabalha para a requerida, porquanto conhece o representante da mesma de outras empresas anteriores que ele (representante da requerida) representava, tendo a testemunha sido lesada nas relações comerciais que manteve anteriormente com o representante da requerida.
20º - Pois executou trabalhos que nunca lhe foram pagos.
21º - Referiu que tem conhecimento, de que a requerida, não paga a ninguém, e que se prepara para "(...) voltar a repetir a mesma façanha, que é abrir outra empresa, como o costume, e fechar esta."
22º - Que a requerida apenas faz isso para não pagar aos credores.
23º - O que já sucedera anteriormente. Mormente com o depoente.
24º - Que, foi contactado peja requerida para efectuar trabalhos para aquela, mas que atentas as informações obtidas no meio, recusou.
25º - Que tem conhecimento de dividas da requerida á empresa "H..........".
26º - Tal depoimento deveria ter sido valorado.
27º - O que não sucedeu.
28º - Do teor de tais depoimentos, deveria ter sido dado como provado que a requerida, se encontra em situação económica difícil, que tal situação é do conhecimento geral no meio em que mesma se insere, que a requerida é devedora de várias quantias a diversos fornecedores, que a recorrente tem interpelado a requerida para pagar os seus débitos, sem porém que a mesma o tenha feito, tendo alegado sempre dificuldades económicas, bem como, ultimamente terem surgido noticias de que a requerida se prepara para encerrar a sua actividade pretendendo os seus sócios constituírem nova sociedade comercial, por forma a tentar ludibriar os credores desta.
29º - Foi, no despacho recorrido, dado como demonstrado que existe uma probabilidade séria da existência do crédito da requerente sobre a requerida.
30º - Entendeu-se assim, ter-se por verificado um dos requisitos para o decretamento do arresto.
31º - Apesar do teor dos testemunhos produzidos, foi entendido que não foi produzida prova que demonstre o justo receio da perda da garantia patrimonial do crédito da recorrente.
32º - O que se procura evitar com o decretamento do arresto, é que o facto receado -perda da garantia patrimonial do crédito -, possa ocorrer caso se não decrete a medida e se evite essa perda, incidente em bens do próprio devedor, o que se consegue com a apreensão desses mesmos bens.
33º - Este instituto do arresto encontra-se integrado num procedimento cautelar, cuja alegação e prova são necessariamente sumários e cujos requisitos são apenas indiciadores, apontando quer para uma "provável existência do crédito" e "justificado receio" o que se reconduz a uma "aparência do direito" e a um "periculum in mora" - Ac. RP, BMJ, 369,601 -.
34º - Tal critério de aferição, "não deve ser conduzido à certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo, invisível ou dificilmente obtida em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando, por isso, que se mostre razoavelmente fundada esse pressuposto" - Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, Procedimento cautelar Comum, pág. 88 -
35º - Sobre a questão do justo receio escreve Antunes Varela, em CPC Anotado, vol. 2°, pág. 119 "que qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora", concluindo ainda que genericamente que existe também desde que se esteja perante uma actuação do devedor "que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a perder a garantia patrimonial do seu crédito".
36º - Vejam-se, entre outros, os doutos acórdãos do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 17/05/2004, 10/01/2002, 07/02/2002, 17/04/2001, 30/11/2000, 15/11/99, disponíveis em www.dgsi.pt.
37º - Face aos factos alegados e à prova produzida, o julgador deveria ter dado como verificada a probabilidade da existência de um crédito por parte da requerente para com a requerida, e o justo receio da perda de garantia patrimonial.
38º - Devendo providência de arresto requerida, ter sido decretada.
39º - A testemunha D.........., instado pela Meritíssima Juíza, acerca da forma como tomou conhecimento da existência de dívidas da requerida, referiu o mesmo que (lado A da cassete. 088), não queria responder a tal questão.
40º - A Meritíssima Juíza, expressamente referiu que não compreendia o porquê de a testemunha não querer referir a identidade de outros credores da requerida.
41º - O mandatário da requerente, solicitou que a testemunha fosse advertida da obrigatoriedade de esclarecimento cabal do tribunal, para o completo esclarecimento da verdade material dos factos.
42º - A Meritíssima Juíza após questionar novamente a testemunha disse (lado A da cassete, 097): "Não? Eu não posso... amarrar de pés e mãos. (...)".
43º - Tal, viola do disposto nos art. 265º n.º3, e 645º do CPC, ou seja os princípios processuais do dispositivo, e inquisitório, o que expressamente se invoca.
44º - Segundo António Santos Abrantes Geraldes “Temas da Reforma do Processo Civil", I Volume, pág. 68, "O principio do dispositivo funciona de um modo geral no que concerne á alegação dos factos, mas- concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente o dever de, tanto quanto possível, aferir a veracidade desses factos." .
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso merecer provimento, por fundado, e em consequência, deverá:
- ser declarado que a prova produzida não foi correctamente valorada, pois de acordo com os factos alegados e a prova produzida, o julgador deveria ter dado como verificado o requisito de "justo receio da perda de garantia patrimonial", e por conseguinte ser revogada a decisão de indeferimento do arresto requerido, sendo assim decretado o mesmo;
- ser declarada a violação dos princípios processuais do dispositivo, e inquisitório, com as legais consequências daí recorrentes.
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III - Factos Provados

O tribunal, após inquirição das testemunhas, deu como provado a seguinte matéria factual:

A) A requerente é uma sociedade comercial por quotas, que entre outras actividades, se dedica à compra e venda de equipamentos industriais;
B) Em Outubro de 2003, o E.......... dirigiu-se à requerente, em representação da requerida, sendo que esta se dedica ao ramo da construção civil, por forma a adquirir em nome desta, vários produtos do comércio daquela.
C) A pedido e solicitação da requerida, vendeu a requerente a esta, desde Outubro de 2003, inúmeros produtos do seu comércio, tais como, disco para madeira, painéis, vigas, distanciadores para muros, estribos para distanciadores, discos abrasivos, rebarbadora, corta verguinhas, cunha curta para distanciadores, vibrador 0,50, conversor metálico, serras, cones cofragem, botas de biqueira e palmilha de aço, chaves fixas, chaves reguláveis, ganchos de elevação, tiges Dwidag, turbilhões com base quadrada, passerelas de trabalho, guarda costas (cofragem alumínio), tampões de plásticos com abas, tubos lisos, capuchons em plástico, mão de obra e deslocação, modulo com isolamento, castanhetas com cunha, fatos impermeáveis, luvas nitrilo, guarda corpos zincado, réguas listadas, disco GUHDO e pilar redondo, pelos preços constantes das facturas juntas a fls.12 a 28, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.
D) Tendo procedido à entrega dos mesmos, nos locais indicados pela requerida;
E) No âmbito das relações comerciais entre requerente e requerida, suportou aquela várias despesas relativas a letras, reforma das mesmas, devolução de cheques, retirada de cheques, despesas bancárias e administrativas, resultantes dos meios de pagamento que a requerida entregava à requerente para pagamento das mercadorias por si adquiridas a esta, sem que tais pagamentos se verificassem, nos montantes descritos nas notas de débito juntas a fls.29 a 44, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido;
F) A requerida não procedeu ao pagamento do preço dos bens que adquiriu à requerente nem das despesas aludidas no facto provado em E);
G) A requerida é devedora, pelo menos, à fornecedora I.........., Lda. de quantia concretamente não apurada.
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IV – O Direito

O tribunal considerou, após audição das testemunhas e da análise dos documentos juntos que não tinha ficado demonstrado o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Para a agravante, os depoimentos das testemunhas gravados impõem uma outra consideração e considera resultar provado o justo receio.
Por isso requer a modificação da matéria provada, por erro na apreciação da prova, considerado que se mostra a possibilidade do uso dos art.s 690-A e 712º, ambos do CPC.
Para melhor se compreender o sentido final da decisão proferida e a proferir perante o recurso, analisemos o que nos fornece o art. 406º do CPC.
Dele resulta ser exigível para ser decretada a providência cautelar de arresto a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) Probabilidade séria da existência do direito de crédito invocado pelo requerente;
b) Justo receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito.

O tribunal considerou demonstrado o direito de crédito da requerente e apenas questiona o justo receio de perda de garantia patrimonial, considerando não existir.
Quanto ao direito ameaçado, cujo receio de lesão se tem de mostrar suficientemente fundado, não se exige para a concessão da sua tutela, um juízo de certeza, mas antes um “justificado receio”, "bastará que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão” – Antunes Varela, Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 25 -, isto é, a demonstração do perigo de insatisfação desse crédito, bastando uma averiguação e juízo perfunctório dos factos alegados – Ac. RP, CJ, vol. IV, pág. 216 -.
O que se procura evitar com o decretamento do arresto é que o facto receado - perda da garantia patrimonial do crédito -, possa ocorrer caso se não decrete a medida e se evite essa perda, incidente em bens do próprio devedor, o que se consegue com a apreensão desses mesmos bens.
Daí que este instituto do arresto se encontre integrado num procedimento cautelar, cuja alegação e prova serão necessariamente sumários e cujos requisitos serão apenas indiciadores, apontando quer para uma “provável existência do crédito" e “justificado receio", o que se reconduz a uma "aparência do direito" e a um "periculum in mora” – Ac. RP, BMJ, 369, 601 -
Acresce, no entanto, que este critério de aferição "não deve ser conduzido à certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo, invisível ou dificilmente obtida em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando, por isso, que se mostre razoavelmente fundada esse pressuposto” – Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, Procedimento Cautelar Comum, pág. 88 -.
Este mesmo autor, nesta mesma obra e imediatamente a seguir, refere “As circunstância em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras deve ser apreciadas objectivamente pelo juiz que, para o efeito, terá em conta o interesse do requerente que promove a medida e o do requerido, que com ela é afectada, as condições económicas de um e de outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores”.
Também e agora em IV volume relativo aos Procedimentos Cautelares Especificados, a fls. 176 escreve que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, antes deve assentar em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”.
Ainda sobre a questão do justo receio escreve Antunes Varela, C Civil Anotado, vol. I, pág. 637, em anotação ao artigo 619º do CC que “Para que haja justo receio de perda da garantia patrimonial basta que, com a expectativa de alienação de determinados bens ou a sua transferência para o estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito”.
De igual modo e sobre o justo receio considera Lebre de Freitas, em CPC Anotado, vol. 2º, pág. 119 “............que qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o periculum in mora”, dando ainda alguns exemplos típicos como o receio de insolvência, ocultação ou venda de bens, etc., concluindo ainda que genericamente que existe também desde que se esteja perante uma actuação do devedor “que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a perder a garantia patrimonial do seu crédito”
E é sabido e resulta da lei que será na acção principal que poderá e deverá ser feita a averiguação exaustiva dos factos alegados, com todo o ritualismo processual existente sempre mais completo e exigente, e ser proferida decisão definitiva, esta já com base num melhor e mais profundo conhecimento desses mesmos factos.
Por outro lado, ao requerente do arresto compete deduzir os factos que tornam provável a existência do crédito e justificado o justo receio – art. 407º n.º1 -, devendo juntar todas as provas – art. 302º e 303º, todos do CPC –.
O justificado receio, que, no fundo, é o fim último justificativo da providência do arresto, é o da perda de garantia patrimonial de um credor sobre os bens do devedor, analisado este em termos objectivos, de acordo com as regras da experiência, isto é, que qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no lugar do credor, tema vir a perder o pagamento do seu crédito se não impedir que o devedor continue a dispor dos seus bens – Abrantes Geraldes, obra citada, vol. IV, pág. 176 e Ac. STJ de 3-03-98, CJ, Tomo I, pág. 116 -.

Ora, no caso concreto destes autos, a agravantes nas suas alegações, insurge-se contra o facto de o tribunal não dar como provado o invocado justo receio e daí considerar existir erro na apreciação da prova.
Este argumento usado exige que o tribunal superior proceda à reapreciação da prova, permitida, como acima se afirmou já, pelos art.s 712º e 690º-A do CPC, a qual requer um cuidado redobrado na sua aplicação, devendo-se ter em atenção tanto estes normativos, especialmente aplicáveis, como outros que com eles estão directamente conexionados, bem como ensinamentos da doutrina e jurisprudência sobre o efeito.
Assim e desde logo, que a actividade do tribunal superior deva ser entendida como uma possibilidade de reacção contra eventuais, mas sempre excepcionais, erros do julgador e apenas quando se revelem absolutamente indispensáveis tanto ao apuramento da verdade material, como ao esclarecimento cabal das dúvidas surgidas quanto aos pontos da matéria de facto impugnadas - Preâmbulo do DL 39/95 de 15-02 -.
Por outro lado, que não pode ser exigido ao julgador/reapreciador que procure agora uma nova convicção sobre depoimentos cuja presença física lhe estão ausentes, mas que procure saber e averiguar se a convicção formada no tribunal recorrido tem suporte razoável naquilo que a gravação demonstra, ou seja, se essa decisão foi adequada, como acentua Teixeira de Sousa, Estudo sobre o Novo Processo Civil, pág. 374.
Acresce que o tribunal superior não pode ficar indiferente à fundamentação e motivação dada pelo tribunal de 1ª instância às respostas dadas, mais ainda quando se está na presença de uma providência cautelar de arresto e objecto de oposição, constituindo ambas as motivações elementos importantíssimos nesta crítica e atender fundamentalmente à impressão obtida dos depoimentos das testemunhas.
Impõe-se ainda uma apreciação rigorosa sobre a razão ou razões de ciência invocada pelas testemunhas, pois não basta relatar determinado facto, descrever uma situação concreta, antes se impõe ao julgador o saber e averiguar das razões de ciência que a determinaram, por forma a que o depoimento que a testemunha produz possa ser credibilizado e livremente apreciado pelo julgador, rodeando-se da atenção devida à carga subjectiva inerente a quem depõe, com vista a retirar os possíveis interesses na causa ou eventual ligação à parte – art. 616º do CPC e 392º e 396º do CC –
E neste particular o tribunal motivou as respostas aos quesitos (fls. 59), no que concerne aos factos provados alicerçando-se no conjunto de prova produzida, nomeadamente, no depoimento da testemunha D.........., informando que depôs de forma livre e convincente, revelando ter conhecimento directo sobre os factos provados em A) a F) e no depoimento da testemunha F.........., que depôs de forma isenta e credível, tendo revelado ter conhecimento directo sobre a actividade desenvolvida pela requerida e sobre o facto provado em G), como ainda no teor dos documentos juntos a fls.8/44, e no que respeita aos factos não provados considerou não foi produzido qualquer tipo de prova, não tendo as testemunhas revelado terem conhecimento directo sobre a efectiva situação patrimonial da requerida.
Para além disto, haverá ainda que atender a princípios fundamentais do ordenamento jurídico processual português, como sejam, os princípios da imediação, oralidade e concentração e da livre apreciação da prova, do artigo 655° n.º 1 do C.P.C, o qual “deve reflectir o resultado da conjugação de vários elementos de prova que na audiência ou em momento anterior foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da imediação ou da oralidade" Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 209 – e que na prova testemunhal, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador fixada pelos artigos 396º, 391º e 389º, todos do C. Civil, constitui a regra geral, significando "prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos ...................."- Prof. A. Reis, C PC Anotado, Vol. IV, pág. 544 -, sendo excepção os caso em que se impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova, definindo-se também como o "tirar de conclusões em conformidade com as impressões recém-recolhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que foram aplicáveis" - Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do C. Civil Revisto, pág. 157 -, sendo que as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas - Prof. A Varela, Manual do Processo Civil, pág. 455 -.
Por outro lado, deve atender-se que“ não tendo a 2ª instância possibilidade de intuir ou de apreciar para lá daquilo que se mostra gravado ou transcrito, o que é deveras redutor no processo de formação da convicção” – AC. R. Porto, Proc. 2526/04, desta Secção, Des. Fernandes do Vale e adjunto o ora relator –.

Conforme o requerido pela agravante, o tribunal ouviu os depoimentos das testemunhas inserido na cassete junta aos autos referentes ao arresto
Refira-se, desde já, que o tribunal, aquando da motivação dada às respostas à matéria de facto, nada disse quanto ao depoimento da testemunha G.........., a qual havia deposto quanto aos factos constantes de 19º a 27º, todos eles respeitantes à perda da garantia patrimonial da requerente.
Ora, ouvido e anotado o depoimento das três testemunhas, aliado à circunstância de o tribunal considerar a prestação das duas primeiras de isentas, livre e credível, revelando conhecimento de factos e apesar de quanto à terceira G.......... nada dizer e à razão de ciência invocada pelas três testemunhas, consideramos que se pode dar como provado que a requerida, se encontra em situação económica difícil, situação esta que é do conhecimento geral no meio da construção civil em que mesma se insere, que é devedora de várias quantias a diversos fornecedores, como sejam à testemunha que depuseram F.........., G.......... e ainda quanto à firma “H..........”, que a requerente tem interpelado a requerida para pagar os seus débitos, sem êxito, sendo que surgem notícias de que a requerida se prepara para encerrar a sua actividade pretendendo os seus sócios constituírem nova sociedade comercial, para não pagar aos credores desta, como já o fizeram anteriormente, pelo menos duas vezes.
Deste modo, consideramos que a prova do justificado receio de perda de garantia patrimonial também de encontra preenchido.

E perante este entendimento, não há que apreciar as questões levantadas em 39º a 44º e que a agravante denomina de violação do princípio do dispositivo.

Assim, nos termos dos artigos 749º, 753º e 715º do CPC, haverá que ser decretado o arresto, nos termos do n.º do art. 408º do CPC, e quanto aos bens indicados pelo requerente na sua petição, sem prejuízo do disposto no n.º 2 e 3º o mesmo artigo.
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V – Decisão

Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em se dar provimento ao recurso e revogar-se a decisão proferida, ordenando-se o arresto nos bens indicados pela requerente.
Custas da acção e do recurso pela requerida.
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Porto, 13 de Fevereiro de 2006
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome