Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0556946
Nº Convencional: JTRP00038726
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
SANÇÃO
Nº do Documento: RP200601230556946
Data do Acordão: 01/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: Não tendo sido paga previamente à apresentação da contestação a taxa de justiça, a ré, que omitiu tal acto, pode comprovar o pagamento no prazo de dez dias, após a apresentação daquela peça processual, não sendo, então, alvo de qualquer sanção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I-RELATÓRIO
A) No Tribunal Judicial da Comarca de Arouca, inconformada com o despacho de Fls. 54, proferido nos autos de acção sumária movida por Herança Aberta por Óbito de B.......... contra C.........., SA no qual se entendeu “que nenhuma nulidade foi cometida, já que, embora a ré tenha comprovado o pagamento da taxa de justiça 6 dias após a apresentação da contestação, o pagamento apenas foi efectuado 5 dias depois desta apresentação e não previamente como lhe era exigido, pelo que bem andou a secretaria ao notificá-la para o pagamento da multa. Pelo exposto, por nenhuma nulidade ter sido cometida, indefere-se o requerido, mantendo-se a sanção decorrente do disposto no artigo 486-A n.º 3 do CPC”, veio a Ré interpor recurso de agravo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: [Importa referir que a Recorrente apesar de ter formulado 28 conclusões – que mais não são do que as alegações ainda que numeradas – as mesmas traduzem apenas uma questão essencial.
É que as conclusões que formulou (as 28) não são verdadeiras conclusões mas antes alegações ou motivação do recurso. Segundo o Prof. A. dos Reis “a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem, essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta. É claro que, para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”, Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 359]
1- A decisão recorrida deve ser revogada
2- A recorrente, R. nos autos em epigrafe, apresentou em juízo a sua contestação em 01/04/04.
3- Fazendo juntar aos mesmos autos, em 07/04/04, documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.
4- A qual liquidou em 06/04/04.
5- Não obstante, a R. foi notificada pela secretaria para proceder ao pagamento da multa prevista no n°3 do art. 486° A do Código de Processo Civil (CPC), "em virtude de o pagamento da taxa de justiça inicial ter silo efectuado em data posterior a do acto", conforme o despacho recorrido.
6- A R., aqui recorrente, arguiu nulidade, sustentando que a lei concede ao R. um prazo de 10 dias para que faça juntar aos autos documento comprovativo de que liquidou a referida taxa.
7- O que de facto fez, como se vê supra.
8- Assim, não obstante o douto entendimento da Sra. Juiz "a quo", não é sustentável concluir que a apresentação do aludido documento, "maxime", o pagamento da quantia nele inscrita, foi extemporânea.
9- De resto, porquanto, a lei, em momento algum, exige o pagamento da taxa de justiça inicial concomitantemente com a entrega da contestação.
10- Mais se diga, que muito menos exige que esse mesmo pagamento anteceda o referido acto processual.
11- Assim porque a lei não se pronuncia, para os devidos efeitos, sobre o pagamento em si mesmo, mas sobre a junção, aos autos, de documento que comprove esse pagamento.
12- O que resulta determinante não é o momento do pagamento dessa mesma quantia, importante sim a que dos autos conste documento certificativo desse mesmo pagamento.
13- Só assim, de resto, se pode lograr compreender o inciso normativo do nº 2 do art. 150° A do CPC, sob a epigrafe de "Comprovativo do pagamento de taxa de justiça".
14- Onde o legislador, aí sim, em concomitância com o CCJ, nomeadamente o seu art. 24°, demonstra a "voluntas" de especificar o regime de apresentação do aludido documento, para certos actos processuais.
15- Entre eles, a contestação.
16- Aí sim, se refere "devendo a parte proceder a sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artºs 486° A(...)".
17- Entre elas, a do respectivo nº3, em que se volta a referir a existência de um prazo de 10 dias para apresentação do referido documento.
18- Ou seja, não se fala em lado algum em "pagamento", "qua tale", nem se preclude a existência de um prazo de 10 dias para junção aos autos de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça inicial, "maxime", sendo o acto processual em questão, a dedução de contestação.
19- Só a existência desse prazo permite compreender o disposto nos artºs 150° A e 486° A , nº 3, ambos do CPC.
20- Assim se concluindo, igualmente, que o pagamento da referida taxa não è extemporâneo, e como tal, passível de aplicação de multa, se for efectuado dentro do prazo para apresentação do documento comprovativo, o que sucedeu, "in casu".
21- Assim já vinha entendendo Salvador da Costa, na sua anotação ao anterior art. 28° do CCJ.
22- Artigo que retractava o conteúdo dos dois normativos supra referidos, agora vigentes, ambos do CPC.
23- Razão pela qual só se pode entender, que o legislador apenas plasmou na lei de processo, aquilo que já vinha entendendo na lei de custas.
24- Assim sendo, permanece perfeitamente actual o sustentado por Salvador da Costa, o qual liminarmente conclui que "deve o réu ou recorrido (...) juntar o mencionado doc. com o instrumento processual em causa. Se não proceder a referida apresentação ainda o pode fazer em 10 dias contados, nos termos dos n°s 1 a 3 do art. 144° do CPC, da data da apresentação em juízo do instrumento processual em causa."
25- Entendimento, que se crê, uma vez mais, apenas mudou a sua inserção sistemática, e nada mais.
26- Assim se compreenderá o novo teor do, também ele novo, art. 28º do CCJ.
27- Assim, a recorrente deu cumprimento à "ratio legis" dos preceitos elencados, não se vislumbrando motivo para a aplicação de qualquer multa.
28- Motivo pelo qual deve a decisão recorrida ser revogada.
Conclui pedindo a procedência do recurso.
Não houve contra alegações.
A Sr.ª Juiz proferiu despacho de sustentação.

II –FACTUALIDADE PROVADA
Encontram-se provados os seguintes factos:
1- Em 01/04/2004 a Ré apresentou em juízo a sua contestação.
2- Em 07/04/2004 juntou documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, pagamento que efectuou em 06/04/2004.
3- A Ré foi notificada para proceder ao pagamento da multa prevista no n.º 3 do artigo 486-A do CPC, em virtude de o pagamento da taxa de justiça inicial ter sido efectuado em data posterior à da prática do acto.
4- Veio então a ora Recorrente arguir a nulidade dessa notificação, pois não haveria lugar à sanção a que se refere o artigo 486-A do CPC e requerer que os autos prosseguissem os seus termos.
5- Foi então proferido o despacho recorrido, do seguinte teor, na parte que importa: “Da conjugação destas normas temos que com a apresentação da contestação em juízo deve o réu entregar ou remeter ao tribunal (conforme o meio utilizado para a entrada da contestação) o comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, donde se retira claramente que devem ser simultâneas as apresentações da peça processual e do comprovativo de cumprimento da obrigação do pagamento da taxa de justiça. Assim, deve o réu liquidar esta obrigação ainda antes de contestar, sob pena de não poder cumprir essa simultaneidade.
Caso não proceda à junção do comprovativo no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, é então notificado oficiosamente pela secretaria para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, com os limites estipulados no n.º 3 do artigo 486-A citado.
Em face deste enquadramento afigura-se que nenhuma nulidade foi cometida, já que, embora a ré tenha comprovado o pagamento da taxa de justiça 6 dias após a apresentação da contestação, o pagamento apenas foi efectuado 5 dias depois desta apresentação e não previamente como lhe era exigido, pelo que bem andou a secretaria ao notificá-la para o pagamento da multa.
Pelo exposto, por nenhuma nulidade ter sido cometida, indefere-se o requerido, mantendo-se a sanção decorrente do disposto no artigo 486-A n.º 3 do CPC”.

III – DA SUBSUNÇÃO - APRECIAÇÃO
Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 n.º 3 do Código de Processo Civil.

A) No presente recurso coloca-se apenas a seguinte questão:
1- Tendo a Ré pago a taxa de justiça em 06/04/2004, 5 dias após a apresentação da contestação em juízo e tendo junto ao processo o documento comprovativo desse pagamento em 07/04/2004, 6 dias após a apresentação da contestação, é ou não de aplicar a sanção prevista no artigo 486-A n.º 3 do CPC?

Vejamos a questão.
Impõe-se, desde já, referir que entendemos assistir razão à Recorrente.
Dispõe o artigo 23 n.º 1 do CCJ que “Para promoção de acções e recursos, bem como nas situações previstas no artigo 14, é devido o pagamento da taxa de justiça inicial autoliquidada nos termos da tabela do anexo I”.
E, nos termos do artigo 24 n.º 1 al. b) do CCJ “o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça referida no número anterior é entregue ou remetido ao tribunal com a apresentação da oposição do réu ou requerido”.
Estatui o artigo 486-A n.º 1 do CPC que “é aplicável à contestação, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3 do artigo 467 ” e nos termos do seu n.º 3 “na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC”.
Por último o artigo 467 n.º 3 do CPC estabelece que “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do beneficio do apoio judiciário”.
E nos termos do artigo 150-A n.º 1 do CPC “quando a prática de um acto processual exija, nos termos do Código das Custas Judiciais, o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto aos autos”.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que “sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas 486-A, 512-B e 690-B”.
Tendo em consideração aqueles preceitos legais e face à factualidade descrita supra II, afigura-se-nos ser inequívoco que o despacho recorrido não pode subsistir.
Numa primeira leitura dos preceitos legais poder-se-ia pensar que o despacho recorrido fez uma correcta aplicação dos dispositivos legais, uma vez que o artigo 150 n.º 1 do CPC (dispositivo que rege o Comprovativo do pagamento da taxa de justiça) estabelece e refere que quando um acto exija o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento.
Perante este normativo, visto de forma isolada e sem ligação com os demais preceitos que regulam esta matéria, ficaria a ideia de que o pagamento da taxa de justiça tem de ser efectuado antes da prática do acto a que se reporta.
Todavia, outras normas devem ser conjugadas com aquele n.º 1.
Desde logo, não podemos esquecer que o n.º 2 do mesmo normativo dispõe que a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas 486-A, 512-B e 690-B.
Acresce que o artigo 486-A n.º 3 do CPC estabelece que “na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC”.
Da conjugação destes normativos afigura-se-nos que a interpretação deve ser feita no sentido de que a parte, no caso a Ré, pode apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça – devida pela apresentação da contestação – no prazo de 10 dias a contar da prática do acto.
Apenas se nesse prazo (de 10 dias, previsto no n.º 2 do artigo 150 e n.º 3 do artigo 486-A, ambos do CPC) não for junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça é que a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC, (parte final do n.º 3 do artigo 486 referido). [Cfr. neste sentido o Ac. R. Porto de 7 de Novembro de 2005, Relator Des. Fonseca Ramos, no qual podemos ler “É certo que o art. 150º-A, nº1, do Código de Processo Civil alude a que deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento, mas não estabelece qualquer sanção, já que o nº2 consente que a parte que, assim não procedeu, deva comprovar o pagamento nos 10 dias subsequentes à prática do acto, sob pena da sanções dos arts. 486º-A, 512-B e 689º-B do Código de Processo Civil.
É nosso entendimento que a prova do “pagamento prévio” não sendo cumprida, se for sanada com apresentação do pagamento, no prazo daquele nº2 do art. 150º-A, se tem como justificada; de outro modo, o preceito que o consente ficaria totalmente esvaziado de sentido prático”]
Poder-se-ia mesmo assim argumentar que à parte é concedida esta faculdade de apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias após a prática do acto (no caso após a presentação da contestação) mas que esse pagamento teria que ser efectuado antes, previamente à prática do acto. Ou seja o pagamento teria de ser prévio.

Afigura-se-nos que esta interpretação ou entendimento não pode ser aceite pois não cabe nem na letra nem no espírito do legislador.
Desde logo o artigo 150 n.º 1 do CPC apesar de mencionar expressamente o prévio pagamento não estabelece concretamente qualquer sanção para a não realização desse prévio pagamento, sendo certo que, como se referiu, logo de seguida o n.º 2 do mesmo preceito permite que o documento comprovativo do pagamento seja apresentado após a prática do acto.
Também o artigo 486-A n.º 3 do CPC dispõe que na falta de junção do documento “comprovativo do pagamento da taxa de justiça” e não refere documento “comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça”.
Deste modo podemos concluir que a parte pode apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça – devida pela apresentação da contestação – no prazo de 10 dias a contar da prática do acto.
Descendo ao caso concreto.
Tendo a Ré pago a taxa de justiça em 06/04/2004, 5 dias após a apresentação da contestação em juízo e tendo junto ao processo o documento comprovativo desse pagamento em 07/04/2004, 6 dias após a apresentação da contestação, entendemos que a apresentação foi efectuada atempadamente, pelo que não lhe deveria ser aplicada a sanção prevista no artigo 486-A n.º 3 do CPC.
Torna-se, assim, manifesto que se impõe-se, pois, a procedência do recurso.

VI – Decisão
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso de agravo interposto pela Recorrente e, em consequência revoga-se a decisão recorrida que será substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos sem o pagamento de qualquer sanção pela Ré/Recorrente.
Sem custas.
Porto, 23 de Janeiro de 2006
José António Sousa Lameira
José Rafael dos Santos Arranja
Jorge Manuel Vilaça Nunes