Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0636015
Nº Convencional: JTRP00039741
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO
ASSINATURA
FALSIDADE
Nº do Documento: RP200611160636015
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 692 - FLS 109.
Área Temática: .
Sumário: A suspensão da execução com o fundamento previsto na segunda parte do artº 818º, nº 1 do CPC não pode ser analisada nem como uma consequência imediata perante a simples alegação da não genuinidade da assinatura, mas também não se deve ser demasiado exigente na sua apreciação, sob pena de se frustrar a intenção do legislador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

Em processo de Execução instaurado por B………., SA a sociedade C………., Ldª veio deduzir oposição à execução e à penhora.
A executada invocou que a letra dada em execução era falsa uma vez que não fora assinada, preenchida, carimbada nem tão pouco aceite pela executada e em consequência pediu a suspensão da execução nos termos do nº 1 do artº 818º do CPC.
Ouvido, o exequente opôs-se à requerida suspensão.
Veio a ser proferido despacho conforme fls. 68 destes autos onde se entendeu que “face à simples análise óptica e à vista desarmada da assinatura constante do lugar destinado ao aceite da letra dada à execução não resulta de forma flagrante e minimamente indiciária que a assinatura não foi aposta pelo oponente, uma vez que, apesar de não haver uma total coincidência, existem formas, letras e inclinações muito próximas das assinaturas constantes dos documentos juntos. Destarte, considerando que os documentos juntos não constituem um princípio de prova seguro e indiciário, indefere-se a requerida suspensão da execução”.

Discordou a executada deste despacho e dele recorreu, tendo concluído as suas alegações, pela forma seguinte:
1-A assinatura aposta no documento particular dado à execução não é semelhante à assinatura do gerente da executada aposta noutros documentos e na cópia do Bilhete de identidade juntos aos autos;
2-O Tribunal à quo no despacho recorrido, ao indeferir o efeito suspensivo requerido pela oponente/agravante, mais não fez do que elaborar um juízo sobre a matéria de facto;
3-O Tribunal à quo incorreu em manifesto erro de avaliação da matéria de facto;
4-Sendo que tal juízo sobre matéria de facto é, por agora, extemporâneo desta fase processual;
5-Mais, é à exequente que incumbe o ónus de provar a genuinidade da assinatura aposta no documento particular dado à execução, pois tal é um facto constitutivo do seu direito;
6-Por tal, o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 544º e 818º nº 2 do CPC.

Não houve contra-alegações.

O despacho recorrido foi sustentado.
Corridos os vistos, cumpre decidir:

II- Fundamentos
a)- A matéria de facto a considerar è a que se descreveu no relatório acima elaborado com apoio nos documentos juntos aos autos que se têm aqui inteiramente reproduzidos.

b)-O recurso de agravo.

É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts.684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.
Vejamos, pois, do seu mérito.

1-Resume-se a questão deste agravo a saber se deve ser ordenada a suspensão da instaurada execução perante a impugnação da assinatura que se encontra aposta na letra dada em execução.
Depois da redacção contida no artigo 818 n.º 1 do CPC (redacção dos DL 329-A/95 de 12 de Dezembro e DL 180/96 de 25 de Setembro) onde se dispunha que “o recebimento dos embargos não suspende a execução, salvo se o Embargante requerer a suspensão e prestar caução ” o nº 2 do mesmo artigo acrescentava que “tratando-se de execução fundada em escrito particular sem a assinatura reconhecida pode o juiz suspender a execução, ouvido o embargado, se o embargante alegar a não genuinidade da assinatura e juntar documento que constitua princípio de prova”.

Actualmente com o DL n.º 38/2003 de 8 de Março o artigo 818 n.º 1 passou a ter a seguinte redacção “Havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução ou quando, tendo o opoente impugnado a assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz, ouvido o exequente, entenda que se justifica a suspensão”.

Assim nos termos da actual redacção do nº 1 do artº 818º do CPC impugnada a assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz decidirá então se se justifica a suspensão ou não da instância executiva.

Da evolução legislativa decorre que houve um aumento das exigências para se verificar a suspensão da execução.
Se com o DL n.º 329-A/95 bastava que o embargante alegasse a não autenticidade da assinatura, já com o DL n.º 180/96 se passou a exigir que juntasse “documento que constitua princípio de prova”, o que veio a ser, mantido pelo DL n.º 38/2003.

O motivo para a suspensão de uma execução decorre da ampliação da força executiva dada aos documentos particulares introduzida pela reforma do Processo civil de 1995-1996 ao dar nova redacção ao art.46º do CPC (alínea c) nº 1).

A ampliação do elenco de títulos executivos comporta em si alguns riscos, como é o caso de se dar à execução escrito particular com assinatura não reconhecida e se vem a questionar a autenticidade da assinatura do devedor constante do título executivo. Nesse caso, vindo a provar-se a falsidade da assinatura do devedor, o prosseguimento da execução constituiria uma inadmissível agressão ao património do executado.

Foi neste contexto que o legislador achou por bem acrescentar a hipótese de suspensão da execução até que se averigúe e decida da autenticidade da assinatura do executado.

Daí que a suspensão da execução com o fundamento previsto na segunda parte do artº 818º, nº 1 do CPC não pode ser analisada nem como uma consequência imediata perante a simples alegação da não genuinidade da assinatura, mas também não se deve ser demasiado exigente na sua apreciação, sob pena de se frustrar a intenção do legislador.
Como refere Lebre de Freitas “in” A Acção Executiva 2ª ed. p.16 e CPC, volume 3º,pág.327 ”A suspensão não é, no entanto, automática, pois o juiz só suspenderá a execução se se convencer da séria probabilidade de a assinatura não ser do devedor”.

Como se referiu a lei exige que o documento apresentado para justificar que a assinatura aposta no escrito particular dado em execução, constitua princípio de prova. Por isso não pode o juiz, ao pronunciar-se sobre a requerida suspensão da execução com base na invocação da falsidade da assinatura constante do título executivo, fazer qualquer juízo de valor sobre a genuinidade de tal assinatura, que vá para além daquela exigência, pois que essa matéria terá de ser decidida a final, na oposição.
Porém tendo o oponente requerido a suspensão da execução e alegado a falsidade da assinatura constante do título, juntando documento que constitua princípio de prova, a requerida suspensão só deverá ser negada se o juiz, fundadamente, concluir que a invocada não genuinidade da assinatura não passa de mero expediente dilatório.
Caberá, pois, ao juiz ponderar, face aos elementos fornecidos pelos autos, em cada caso concreto, se a arguição é séria ou não passa de mero expediente com vista a suspender a acção executiva. Caso contrário, ir-se-ia permitir e, até, fomentar a arguição da falsidade das assinaturas com vista à suspensão das execuções.
O juiz deverá, pois, suspender a execução sempre que, face àquele princípio de prova, perante aquela prova necessariamente sumária, se convença da forte probabilidade de a assinatura que consta do título dado à execução não ser do oponente.
Por último dir-se-á que a genuinidade da assinatura é ónus da prova do exequente, como é defendido no Ac. do STJ de 16-06-2005-Processo: 04B660 -Nº Convencional: JSTJ000-Relator: LUCAS COELHO -Nº do Documento: SJ200506160006602 “Embargada pelo executado a execução de livrança, com fundamento na falsidade da assinatura do título que lhe é imputada, incumbe ao exequente o ónus da prova da veracidade da mesma (artigos 374, n.º 2, e 343, n.º 1, do Código Civil)”.

2- A executada/oponente alegou a não genuinidade da assinatura com o nome do seu gerente aposto no lugar do aceite constante da letra dada à execução e ofereceu documentos que constituem principio de prova do alegado.

Analisando a assinatura de D………. (sócio gerente da executada-fls.14- que assinou no lugar do aceite como gerente da executada, a letra de fls. 35 apresentada em execução, da quantia de 99.9960,00€, valor da transacção comercial respeitante à factura nº 304) e comparando-a visualmente com a que consta aposta na letra de fls. 33,que a oponente diz ser a autêntica (preenchida com o mesmo valor e com referência à mesma transacção comercial da factura 304), não podemos deixar de entender que existe divergência entre uma e outra das assinaturas.
Acresce que as assinaturas do referido gerente constantes do seu bilhete de identidade e dos documentos juntos a fls. 34 (oficio dirigido ao exequente), fls. 36 (ofício dirigido ao E……….), fls. 38 (ofício dirigido ao banco F………) bem como a diferenciação no carimbo existente numa e noutra letra levam-nos também a concluir que tais documentos constituem principio de prova indiciadores de que a assinatura do gerente existente na letra em execução não corresponderá à do legal representante da executada.
A assinatura aposta no documento particular dado à execução não é semelhante às assinatura do gerente da executada aposta nos referidos documentos e na cópia do Bilhete de identidade juntos aos autos.

Também a oponente apresenta cópia de uma participação criminal relativa à falsificação de duas letras por as não ter aceite.
Esta factualidade alegada neste contexto da oposição permite que se levantem sérias dúvidas quanto à autenticidade da assinatura com o nome do gerente da oponente constante da letra dada à execução, pois mostra que a oposição não se apresenta em si meramente dilatória.

3-Como se referiu e facilmente se depreende dos termos da formulação legal, não é necessário que, face aos documentos apresentados, se tenha de dar, desde logo, como provada, ou não provada, a não genuinidade da assinatura. Isso constitui o objecto da oposição.
Por isso, entendemos, com respeito por opinião contrária, que os elementos documentais dos autos vão para além da simples constatação reconhecida no despacho recorrido de não haver uma total coincidência.
Em nosso entender na assinatura da letra em execução as formas, as letras e inclinações nela apostas são suficientemente diferenciadas das assinaturas constantes dos documentos apresentados como princípio de prova e daí haver fundamento para a pedida suspensão da execução, procedendo as conclusões do agravante.
(Cfr Ac. da RL 00.02.08 - CJ 2000,tomo I, p.106; Ac. do TRP de 16-05-2006-Processo: 0621995-Nº Convencional: JTRP00039177-Relator: ALZIRO CARDOSO-Nº do Documento: RP200605160621995; Ac. TRP de 6-06-2005-Processo: 0552781 -Nº Convencional: JTRP00038154 -Relator: SOUSA LAMEIRA -Nº do Documento: RP200506060552781; Ac. da R. de Lisboa de 8/2/00 -C.J., Ano XXV, 1.º, 106; Ac. TRP de 7-04-2005-Processo: 0531715-Nº Convencional: JTRP00037886-Relator: FERNANDO BAPTISTA- Descritores: EXECUÇÃO-Nº do Documento: RP200504070531715; Ac.TRP de 18-05-2004- Processo: 0422607 -Nº Convencional: JTRP00036896 -Relator: CÂNDIDO DE LEMOS -Nº do Documento: RP200405180422607; Ac. TRP de 1.10.2002, processo 0220949-Relator Emídio Costa; Ac. TRP de 18/11/2002- 0151481; de 4/2/2003- 0221054; de 18/3/2003- 0220179; de 6/5/2003- 0222985; Acórdãos TRP de 8-01-2004-Processo: 0336686 -Nº Convencional: JTRP00036473 -Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS.
Em sentido contrário, entre outros Acs. TRL de 10/5/2000- 0019527 e de 7/6/2000- 0043666.

III- Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao presente agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que ordene a suspensão da execução, enquanto a oposição não for decidida.
Sem custas- artº 2º, nº 1-g) do CCJ
Porto, 16 de Novembro de 2006
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo