Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0844093
Nº Convencional: JTRP00041933
Relator: MARIA ELISA MARQUES
Descritores: EXAMES
Nº do Documento: RP200812100844093
Data do Acordão: 12/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 344 - FLS 190.
Área Temática: .
Sumário: Não é inconstitucional a norma do art. 172º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que é legítimo o uso da força física para obter, através de zaragatoa bucal vestígios biológicos de um arguido para fins de comparação com os encontrados nas cuecas da ofendida, se está em causa a investigação de um crime de violação, não havendo outras provas para além das declarações daquela, que sofre de considerável atraso mental.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 4093/08-4
4ª Secção (2ª Secção Criminal)

I – Relatório

Por Acórdão proferido nos autos de processo comum (tribunal Colectivo) nº ./05.2GBVRL do TRIBUNAL JUDICIAL DE VILA REAL-.º Juízo, foram condenados os Arguidos:
a) (…) B………. pela prática, em co- autoria material e concurso real de :
- um crime de violação, previsto e punido no artº 164º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
em autoria material
- um crime de coacção grave, previsto e punido no artº 154º e 155º, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão;
- um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido no artº 6º, da Lei 22/97, de 27 de Junho, alterada pela Lei 98.01, de 25 de Agosto, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, considerando os factos e a personalidade do arguido, nos termos acima referidos, condena-se o arguido em 5 (cinco) anos de prisão.

b) (…) C………., como co-autor material, sob a forma tentada, na prática de um crime de violação, previsto e punido nos artºs 22º e 23º e 164º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período.
c) Absolver o arguido C………. da prática do crime de violação do artº 164º, nº 1, sob a forma consumada de que vinha acusado.
d) Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido pela demandante D………. e condenar solidariamente os arguidos/demandados B………. e C………. a pagarem à demandante o montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros a título de danos não patrimoniais.
Condenar ainda o arguido B………., a título individual, a pagar à demandante a quantia de €20.000,00 (vinte mil) euros a título de danos não patrimoniais.
Aos aludidos montantes acrescem juros de mora cíveis contados desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.
e) Julga-se improcedente o remanescente do pedido cível deduzido pela demandante e absolvem-se os demandados do mesmo.(..)”.
Inconformados interpuseram recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões:
1ª) Os factos dados como provados, despidos e sem móbil, aqui dados por integralmente reproduzidos, são manifestamente insuficientes para levar o Tribunal “a quo” à condenação dos arguidos, pelo que, ao decidir como decidiu, o tribunal “a quo” violou os princípios de presunção de inocência (artº 32º da C.R.P.) e “in dúbio pro reo”;
2ª) O Tribunal “a quo” fez a inversão do ónus da prova da presunção da inocência dos arguidos, impondo-lhes o ónus da prova da não prática dos factos, violando, como violou, também o princípio da presunção de inocência;
3ª) Vigorando, como vigora, no processo penal o princípio da presunção de inocência, o ónus da prova incumbe à própria justiça devendo seguir esta, também, por não estar ao alcance da inteligência humana a certeza plena, regras incontestáveis de equidade e razoabilidade que o Tribunal “a quo” obliterou, violando, assim, também o princípio da presunção de inocência;
4ª) Os factos dados como provados e bem assim a aplicação e interpretação da lei aos factos constitui clara violação material do art. 32º, nº 2 da C.R.P., por causar na esfera jurídica dos arguidos insuportável ofensa dos seus direitos;
5ª) Ao valorar o depoimento da assistente, sendo certo que a assistente nem sequer testemunha pode ser, principalmente quando nenhuma testemunha arrolada pela acusação presenciou os factos, o Tribunal “a quo” fê-lo acriticamente, sendo certo que a apreciação das provas, mesmo no sistema da livre convicção, é também vinculada pelo menos aos princípios em que se consubstancia o sistema jurídico, às normas da experiência e regras da lógica, violando, entre o mais, o disposto no art. 127º do C.P.P., e os princípios da presunção de inocência e “in dúbio pró reo”;
DO ARGUIDO B……….
Da Violação
6ª) A assistente/ofendida em momento algum refere o que foi dado como provado pelo Tribunal “a quo” no ponto 33º e 34º dos factos provados.
Aliás, do depoimento da assistente/ofendida, alcança-se que o ora recorrente não chegou a introduzir o seu pénis na vagina da assistente, tão pouco ejaculando nas partes íntimas.
7ª) Embora o Tribunal “a quo” “conduzisse” a ofendida e esta fosse torquemizada durante praticamente toda a audiência de julgamento a responder “sim” ou “não”, a instâncias do Meritíssimo Juiz, a assistente/ofendida não afirma, em momento algum, que o recorrente introduziu o pénis na sua vagina, nem que ejaculou nas partes intimas. Pelo contrário, diz claramente “foi para as pernas”. (vide transcrições efectuadas na pag. 19 do presente recurso).
8ª) A ofendida não refere nem descreve, quais as expressões ou actos de violência que o ora recorrente tenha usado para poder levar a cabo a violação, no entanto, e erradamente, o Tribunal “a quo” dá como provado no ponto 31º e 32º que “…por palavras não apuradas” e “…por oposição verbal e física” a ofendida dizia ao recorrente para cessar tal comportamento. Quais as palavras que a ofendida usou? Quais os comportamentos da ofendida que possam espelhar a oposição física? Perguntas que o Tribunal “a quo” não conseguiu responder.
9ª) Atento o princípio da presunção de inocência do Arguido era à acusação que competia fazer a prova das concretas palavras e dos concretos comportamentos, nos quais se manifestassem a oposição. E não lograram fazê-lo. A oposição é uma conclusão que tem que ser sustentada em factos concretos que o próprio Tribunal “ a quo” reconhece que não apurou.
10ª) O Tribunal “a quo” caracteriza como “violência”, o facto do recorrente ter empurrado e deitado a ofendida no banco do passageiro e ter segurado os ombros da ofendida, ao mesmo tempo que manteve o peso do seu corpo.
11ª) Senhores Desembargadores, “in casu” estamos a falar de alguém que tinha à altura dos factos 34 anos, vide doc de fls…, embora não conste da matéria dada como provada, e que não foi possível apurar se era virgem, porquanto, conforme se alcança dos documentos juntos a fls… e dado como provado no ponto 66º o hímen da ofendida possuía vestígios de soluções de continuidade cicatrizadas.
12ª) Contrapondo as declarações da Ofendida, o depoimento da mãe, o depoimento da perita médica e a prova documental temos, a ofendida e a mãe a dizerem que a ofendida não se lavou até ao exame e que teria havido sangramento na zona genital, temos a perita médica a dizer que se a ofendida se não tivesse lavado teria que haver necessariamente vestígios de sangue, e do documento resulta que a ofendida quando efectuou o exame afirmou que se lavou.
13ª) Em face dos aludidos meios de prova e da conjugação dos mesmos, o Tribunal “a quo” só podia concluir que ou em audiência ou aquando do exame a Ofendida e a Mãe MENTIRAM.
14ª) O Tribunal “a quo” fundamentou a sua convicção nas declarações da Ofendida e nos depoimentos dos pais, nomeadamente na Mãe. Como pode o Tribunal “a quo” relevar de forma tão pouco crítica depoimentos que contrapostos com os restantes meios de prova nos levam sempre a concluir por uma verdade insofismável: a ofendida e a mãe, em determinado momento e sobre determinados factos MENTIRAM, e se o fizeram o Tribunal não poderia pura e simplesmente não relevar tal facto ou não se pronunciar sobre ele.
15ª) O Tribunal “a quo” dá como provado que (cfr. Pontos nºs 25º, 35º, 37º, 41º a 46º da matéria dada como provada) entre as 8h50m e as 9h02 a assistente/ofendida foi objecto dos actos preparatórios da violação e da própria violação, ora tal é impossível, já que a assistente/ofendida diz a instâncias do Tribunal “a quo” que os recorrentes, “in casu” o recorrente esteve meia hora a tentar agarrá-la, (vide transcrições efectuadas na pag. 25 do presente recurso).
16ª) Durante o aludido período, entre as 8h50m e as 9h02, em que o tribunal dá como provado que a assistente/ofendida foi objecto dos actos preparatórios da violação, encontrando-se, inclusive, ainda o arguido C………. no local (cfr. Ponto 37º da matéria dada como provada) e da violação propriamente dita, a assistente/ofendida efectua cinco chamadas (cfr. ponto 18º da matéria dada como provada) e atende quatro chamadas (cfr. Ponto 41º da matéria dada como provada) quando emana da “convicção do tribunal” que “o telemóvel terá ficado na viga no exterior do barraco junto à carrinha, mesmo quando foi levada para dentro da carrinha”, aliás o que foi afirmado pela assistente/ofendida.
17ª) Como é que se consegue explicar, e o Tribunal “a quo” não conseguiu, que alguém que está a ser objecto de violência e de uma violação efectue cinco chamadas, com conversação e atenda outras quatro chamadas, de um telemóvel depositado numa viga? 18ª) Tanto quanto nos diz a experiência comum só é possível efectuar e receber chamadas através da intervenção humana. Sendo assim, como pode o Tribunal “a quo” ter ficado com a convicção que de um telemóvel colocado numa viga podem ter sido efectuadas e recebidas chamadas? (vide transcrições efectuadas na pag. 34 do presente recurso).
19ª) Para tal acontecer a Ofendida tinha que ter estado sempre na posse do seu telemóvel. E se assim era, não poderia estar manietada. Diz-nos a experiência comum e a razoabilidade que se duas pessoas estão no exercício de uma relação sexual e uma tem um telemóvel, de onde faz e recebe chamadas, não pode estar a ser exercida violência sobre essa pessoa, pelo menos de forma a constrangê-la a ter a dita relação sexual.
20ª) Mesmo que se configurasse tal cenário como possível, a que propósito é que a Ofendida e a Mãe inventaram a versão rocambolesca das chamadas do telefone na viga?
21ª) Os factos que se seguiram indiciam precisamente o contrário daquilo que o Tribunal “a quo” deu como provado. Será entendível que após uma violação, o violador, acto contínuo faculte à vítima, de livre e espontânea vontade, o seu telemóvel para ela telefonar para os seus pais (cfr. ponto 44º da matéria dada como provada), sem ter efectuado qualquer ameaçada à assistente/ofendida, no sentido desta não dizer nada aos pais e a vítima peça boleia ao violador (cfr. ponto 47º da matéria dada como provada), que a conduziu a casa?
21ª) Senhores Desembargadores, só um Tribunal imbuído de um espírito romântico e romanesco acredita ou pode acreditar em tal “estória” de cordel. Assim, os aludidos factos dados como provados não têm qualquer étimo fundante, são desmotivados e assentam em errada valoração das provas produzidas em audiência.
22ª) Efectivamente, aqueles factos estão, num juízo de razoabilidade e experiência comum, muito mais próximos de uma relação de sexo consentido do que de uma relação de sexo não consentido. Perante tais evidências o Tribunal “a quo” teria que concluir que a relação sexual foi consentida. Ao não o fazer fez uma errada interpretação da prova, o que é fundamento do presente recurso nos termos da al. c) do nº 2 do art. 410º do C.P.P..
23ª) Ainda que assim se não entendesse, aquela prova seria sempre insuficiente para dar como provada a violação, o que também é fundamento de recurso nos termos da al. a) do nº 2 do art. 410º do C.P.P., uma vez que estaríamos sempre face a uma dúvida insanável do que realmente aconteceu. Face a esta dúvida o tribunal teria sempre que cumprir o princípio norteador do nosso direito penal, “in dubio pro reo”, com a consequente absolvição do Arguido.
24ª) O Tribunal “a quo” dá como provado no ponto 31º que “Seguidamente, o B………. baixou as calças e as cuecas da D………. até aos pés desta, sempre com oposição física e verbal expressa da D………., que por palavras não apuradas lhe dizia cessar tal comportamento, tendo o arguido empurrado e deitado a ofendida sobre o banco do passageiro da frente do veículo que haviam seguido até ao local”.
Face às declarações da Ofendida o Tribunal “a quo” não poderia dar como provado o vertido sob ponto 31º, ainda que traído por um juízo de experiência comum que o “empurrou” nesse sentido, mas o facto é que não foi isso que a ofendida descreveu como tendo acontecido (vide transcrições efectuadas na pág. 28 e 29 do presente recurso).
25ª) Ao dar como provado aquela matéria o Tribunal “a quo” violou as mais elementares regras de valoração e interpretação da prova, o que constitui, também, fundamento do presente recurso (al. c) do nº 2 do art. 410º C.P.P.).
26ª) O Tribunal “a quo” que tentou alicerçar a sua convicção em presunções naturais que sustentam a aquisição de um facto desconhecido a partir de factos conhecidos, esqueceu-se que não pode dessa forma inverter factos conhecidos sobre os quais recaiu prova, pois nessa fase já está a passar das presunções naturais para o domínio do imaginário.
27ª) Para se alcançar o grau de desorientação do Tribunal “a quo”, veja-se o seguinte:
- compulsados os documentos junto aos autos, oferecidos pelas operadoras telefónicas, alcança-se que a ofendida/assistente efectua duas chamadas para os seus pais no aludido período (8h50m21s com a duração de 485 segundos e 9h02m41s com a duração de 30 segundos) e recebe no espaço que mediou aquelas duas chamadas quatro chamadas dos seus pais (8h59m23s com a duração de 10 segundos, 8h59m51s com a duração de 8 segundos, 9h00m25s com a duração de 19 segundos e 9h01m25s com a duração de 31 segundos).
28ª) A ofendida/assistente afirma, veementemente, a instâncias do Tribunal “a quo” que não efectuou nenhuma chamada para os seus pais. (vide transcrições efectuadas na pag. 30 e 31 do presente recurso).
29ª) Em face da prova documental junta aos autos pelas operadoras telefónicas, que aqui se dá por integralmente reproduzida, o Tribunal “a quo” nunca poderia dar como provado o vertido sobre nº18 dos factos provados, pois as chamadas que aí constam às 8h59m23s, 8h59m51s, 9h00m25s e 9h01m25s, não tiveram origem no telemóvel da ofendida mas dos pais da ofendida.
30ª) O Tribunal “a quo” fez um notório erro de apreciação da prova, o que constitui fundamento de recurso.
31ª) Da confrontação da prova documental com o depoimento da ofendida, somente se pode concluir o seguinte: a ofendida/assistente não diz a verdade, e sendo assim, a credibilidade dos factos relatados pela Ofendida tem que ser posta em causa e valorada em conformidade.
32ª) Relativamente aos números de telefone que o Tribunal “a quo” atribuiu à ofendida/assistente e aos seus pais (cfr. Pontos 10º e 12º da matéria dada como provada), não é apreensível onde o Tribunal “a quo” baseou a sua convicção, pois compulsados os depoimentos e os documentos não se vislumbra prova indiciária, relativamente à posse, pela ofendida e seus pais, dos números de telemóvel atribuídos.
33ª) O Tribunal “a quo” dá como provado “…desde momento não apurado e sem que se saiba como foi estabelecido contacto entre os pais da ofendida e o telemóvel da ofendida…”.
34ª) O Tribunal “a quo” dá como provado, quer o telefonema, quer as expressões que a mãe da ofendida ouviu no aludido telefonema, sustentado em que factos?
35ª) O Tribunal “a quo” não esclarece quais os elementos probatórios que o levaram a dar como provado que foi estabelecido contacto, e em que termos o foi, entre a mãe e a ofendida, embora nos registos telefónicos conste uma chamada de oito minutos, a que o Tribunal “a quo” lançou mão, mas que foi efectuada pela ofendida, afirmando esta, no entanto, que não realizou qualquer chamada para os seus pais, conforme supra demonstramos.
36ª) É de fácil apreensão e as regras da experiência ensinam-nos que a versão ou depoimento apresentado pela mãe da ofendida não pode ser verosímil, tão pouco possível academicamente.
37ª) Com efeito, se um telemóvel estiver colocado em determinado local, “esteve sempre ali”, só se pode ouvir qualquer conversa se a tecla de atender for accionada, “in casu” accionada pela ofendida, o que esta alegou que não o fez.
38ª) Tão pouco está provado que alguém o fizesse, constando, aliás, da “convicção do tribunal” que “o telemóvel terá ficado na viga no exterior do barraco junto à carrinha, mesmo quando foi levada para dentro da carrinha” e “As expressões ditas pelo arguido (agora é que vamos ver essa pintelheira…vá, vá, abre-me essas beiças para o lado, abre-me essa pintelheira) terão sido dentro da carrinha”, logo é de todo impossível verificar-se a versão, quer da ofendida, quer da sua mãe.
39ª) É de uma certeza irrefutável, que a mãe da ofendida, naquelas circunstâncias, nunca poderia ouvir as expressões dadas como provadas ou qualquer outra conversa. Com efeito, encontrando-se o telemóvel no exterior da carrinha, e estando, como estava, esta fechada, é fantasioso e puramente anedótico acreditar-se que se consegue ouvir as conversas que decorrem no seu interior, no entanto o Tribunal “a quo” acreditou, embora ele próprio sem perceber porquê.
40ª) Fazendo uma escalpelização do depoimento da mãe da ofendida e confrontando-o com a prova documental dos registos telefónicos, temos:
- um primeiro telefonema efectuado às 8h59m23s, que segundo a versão da Ofendida e da Mãe foi efectuado quando os protagonistas ainda se encontravam no exterior da viatura e ainda na presença do arguido C………. e antes de o arguido B………. ter tirado a roupa à Ofendida.
- um segundo telefonema efectuado às 8h59m51s
- um terceiro telefonema efectuado às 9h00m15s, segundo a versão da Ofendida e da Mãe, esta fase corresponderá ao momento imediatamente seguinte ao arguido B………. mandar embora o arguido C………. e ter iniciado os alegados actos preparatórios da violação, nomeadamente ter tirado primeiro as calças e depois as cuecas à Ofendida.
- um quarto telefonema efectuado às 9h01m25s, telefonema que, segundo os relatos da Ofendida e da Mãe terá tido lugar já no exterior da viatura, depois da alegada consumação do acto sexual e quando quer a Ofendida quer o Arguido já se encontravam vestidos. (vide transcrições efectuadas na pag. 35 e 36 do presente recurso).
41ª) Da confrontação dos depoimentos com os registos telefónicos o Arguido entre as 08h59m51s e as 9h01m25s (1 minuto e 34 segundos!!!) debateu-se com a alegada resistência da Ofendida, conseguiu primeiro tirar-lhe as calças, conseguiu depois tirar-lhe as cuecas, alegadamente empurrá-la para o interior da viatura, fechar a porta da viatura, tirar a sua roupa, consumar a alegada violação, sair da viatura, dar a roupa à Ofendida para ela se vestir, o que fez, ele próprio se vestir e verificar que a mãe da Ofendida estava a ligar para o telefone da Ofendida.
42ª) Para além do surreal da “estória”, convenhamos que seria fisicamente impossível que os factos tivessem ocorrido de tal forma. Nem numa relação consentida seria fisicamente possível, quanto mais numa relação não consentida.
43ª) O Tribunal “a quo” ao deixar-se deslumbrar pelos depoimentos da Ofendida e da Mãe, que segundo consta da convicção do Tribunal foram absolutamente credíveis e pormenorizados, irrelevou a prova documental e a confrontação dos dois meios de prova valorizando os depoimentos em detrimento da prova documental o que constitui um clamoroso erro na valoração e apreciação da prova e consequenciou a condenação de um inocente.
44ª) Face à confrontação daqueles meios de prova, o Tribunal não poderia desvalorizar a prova documental face às declarações da Ofendida e ao depoimento da Mãe da Ofendida, porquanto “in casu” aquela prova é objectivamente mais credível e não manipulável do que as declarações da Ofendida e o depoimento da Mãe da Ofendida.
45ª) Aliás, consta da epígrafe “convicção do Tribunal” que o Tribunal “a quo” teve em conta os registos telefónicos.
46ª) Conjugados aqueles meios de prova com as regras da experiência comum o Tribunal “a quo” teria que obrigatoriamente concluir que a Ofendida e a Mãe da Ofendida estavam a mentir ou a deturpar a realidade dos factos que estruturam o presente processo e levaram à condenação do Arguido.
47ª) Veja-se a redacção do ponto 35º dos factos dados como provados:
“35) Durante esta ocorrência, desde momento não apurado e sem que se saiba como foi estabelecido contacto entre os pais da ofendida e o telemóvel da ofendida, originado no telemóvel desta para o telemóvel dos pais (“moc”, fls. 122), iniciado às 8h50m20s, que durou 486 segundos (8 minutos e 6 segundos).”.
48ª) O Tribunal deixou-se enredar de tal forma que altera até a ordem dos factores (foi estabelecido contacto entre os pais da ofendida e o telemóvel da ofendida, originado no telemóvel desta), quando a ordem correcta teria forçosamente que ser - estabelecido contacto entre a ofendida e o telemóvel dos pais. Esta alteração, à primeira vista despicienda, é relevante do ponto de vista da análise dos factos pelo Tribunal “a quo” e do clamoroso erro de raciocínio em que laborou.
49ª) Analisados objectivamente estes factos o Tribunal “a quo” só poderia ter uma linha de raciocínio: se a chamada partiu do telemóvel da Ofendida para o telemóvel dos pais, durando oito minutos, só a Ofendida a poderia ter efectuado. E, se só a Ofendida a poderia ter efectuado, o telemóvel nunca poderia estar pousado na viga, mas sempre na posse da Ofendida. E se o telemóvel sempre esteve na posse da Ofendida, o Tribunal “a quo” teria que concluir forçosamente que nesta parte tudo não passou de uma trama ardilosa engendrada pela Ofendida e pela família.
50ª) Ainda que dentro da livre apreciação da prova e da convicção do Tribunal assim se não entendesse, teriam sempre que esclarecer estes factos, não podendo em tempo algum limitar-se a dar como provado “…desde momento não apurado e sem que se saiba como, foi estabelecido contacto…”.
51ª) Estes foram os factos que criaram no espírito do Tribunal “a quo” a culpabilidade do arguido. Não são factos incidentais. São os factos onde está alicerçado todo este processo e a sentença condenatória.
52ª) O Tribunal não pode condenar um cidadão com base em suposições, nomeadamente quando essas suposições são afastadas por todas as regras de razoabilidade e da experiência. As chamadas originadas no telemóvel da Ofendida, e também as recebidas, durante a prática dos actos não podem ter ocorrido por “obra e graça do espírito santo” como o Tribunal “a quo” deixa transparecer.
53ª) Não será muito mais crível estarmos perante uma relação sexual consentida, em que a ofendida teria o telemóvel na mão e “inadvertidamente” terá ligado para os pais, que apercebendo-se do que se estava a passar a recriminaram mais tarde e “deram a volta ao prego”?
54ª) Há uma passagem sintomática que corrobora esta análise (cfr. Cassete nº 2, lado B):
Meritíssimo Juiz:
E a senhora durante este tempo que esteve sujeita a isto… há aqui umas expressões… a senhora sabe dizer as expressões que lhe disse nesta altura que ele a penetrou? Que introduziu o pénis na sua vagina? Lembra-se do que a senhora lhe disse?
Ofendida:
Eu disse só que estava o telemóvel a tocar que era a minha mãe.
Meritíssimo Juiz
Como? Como?
Ofendida:
Disse que estava o telemóvel da minha mãe a tocar… que era a minha mãe.
55ª) Senhores Desembargadores, como poderia a Ofendida saber que era a sua mãe que lhe estava a telefonar se o telemóvel não estivesse na sua posse e pudesse verificar quem era o autor do telefonema.
56ª) O telemóvel nunca poderia estar em cima da viga, mas esteve o tempo todo na posse da Ofendida. Se assim é, porque razão invocar em Tribunal a versão rocambolesca. Não será porque dificilmente alguém acreditaria numa versão de violação em que a vítima passou o tempo todo ao telefone?
57ª) O Tribunal “a quo” deu ainda como provado que:
“36) Foi pelo menos durante parte de tal período de tempo que o arguido B………. desenvolveu e manteve a actividade de relacionamento sexual forçado de cópula com a ofendida D………., o qual inicialmente foi coadjuvado pelo arguido C……….”. (negrito nosso)
“37) Durante tal contacto, os pais da ofendida, mais concretamente a mãe que estava com o telefone, aperceberam-se de algumas das palavras e dos gritos de socorro da sua filha, relativamente à violência exercida pelos arguidos, em especial de algumas palavras proferidas pelo arguido B………. nos termos descritos.
Nomeadamente, ouviram as expressões:
● “deixa-me que me estás a magoar”, dita pela ofendida D……….;
● “agora é que vamos ver essa pintelheira”, dita pelo arguido B………..;
● “vá, vá é só mais um bocadinho, está quase”, dita pelo arguido C……….;
● “mãe, ó mãe, deixe a minha perna que me magoa”, dita pela ofendida D……….;
● “vá, vá, abre-me essas beiças para o lado, abre-me essa pintelheira”, ditas pelo arguidoB……….”. (negrito nosso)
“38) Os pais da ofendida ouviram-na a pedir que a deixassem e a dizer asneiras”.
“39) Este contacto efectuado pelas 8H50M20S, faz com que os pais da ofendida se apercebam que algo de mal acontecia a sua filha”.
58ª) Face à conjugação das declarações da Ofendida, com o depoimento da mãe e a prova documental dos registos telefónicos, jamais o Tribunal “a quo” poderia dar como provado o vertido sob ponto 36º, 37º, 38º e 39º da matéria dada como provada, pois a alegada relação sexual forçada não ocorreu naquele espaço temporal, pelo menos na versão da Ofendida e da Mãe da Ofendida conjugada com os registos telefónicos.
59ª) O Tribunal “a quo” ao dar como provados os factos em 35º, 36º, 37º, 38º e 39º, constantes da matéria dada como provada, cometeu erro notório de apreciação da prova.
60ª) Perante a conjugação das referidas provas, o Tribunal “a quo” numa análise cronológica dos factos teria que forçosamente concluir que o período da chamada iniciada às 8h50m20s, com a duração de oito minutos e seis segundos, correspondeu ao período de tempo em que os arguidos teriam ido ao barraco buscar as lonas para a apanha da azeitona (vide transcrições efectuadas na pag. 40 e 41 do presente recurso).
61ª) O primeiro telefonema efectuado pela mãe, pelos registos telefónicos, foi efectuado às 8h59m23s, onde a mãe diz ter ouvido a voz do C1……….
62ª) Portanto, nunca o Tribunal “a quo” poderia dar como provado que os factos vertidos sob pontos 35º a 39º da epígrafe “factos provados com pertinência e relevo”, tivessem decorrido em parte do período de tempo do telefonema iniciado às 8h50m20s e terminado às 8h58m26s. Ao fazê-lo, o Tribunal “a quo”, mais uma vez ficciona factos, pois não há nada nos autos que sustente tal versão.
63ª) Como também não podia dar como provado o vertido sob ponto 41º dos factos provados:
“41) De facto, de imediato, como supra registado e como consta dos registos, os pais da ofendida ligam repetidamente do seu telemóvel com o n.º ……… para o telemóvel da ofendida D………. com o n.º ……… às 8H59M23S, 8H59M51S, 9H00M25S, 9H01M25S, chamadas essas registadas nos registos enunciados da ofendida como “mtc” - “chamada recebida”.”. (negrito nosso) uma vez que a mãe afirmou que ouviu tais expressões no decorrer das chamadas que efectuou para a Ofendida.
64ª) Pelo depoimento da mãe, contrariamente ao do pai, conclui-se que logo na sexta-feira teve a certeza que a filha tinha sido abusada sexualmente, porém só na segunda-feira apresentou queixa e levou-a a fazer os exames, alegando para justificar tal facto que só no Domingo à noite a Ofendida contou tudo ao tio.
65ª) Será razoável pensar que alguém que mandou laquear uma filha maior de idade sem lhe dizer nada iria esperar até segunda-feira para a levar a fazer os exames e apresentar queixa. Tanto quanto deixa antever o comportamento da mãe em relação à filha, nomeadamente o ascendente sobre a sua autodeterminação não é muito crível que esperasse pela confirmação da filha, que não necessitava uma vez que não tinha dúvidas, para tomar essas decisões. Veja-se a dependência da mãe referida pela perita médica a fls….
65ª) O Tribunal “a quo”, ao contrário do que afirmou, não poderia dar grande relevância ao depoimento da mãe da Ofendida, uma vez que a depoente não demonstrou ter sempre um depoimento coerente e isento durante as instâncias, tendo pelo menos uma vez assumido que mentiu conscientemente. (vide transcrições efectuadas na pag. 43 e 44 do presente recurso).
66ª) Alguém que tem tal comportamento, plena consciência que havia mentido, não pode ser relevada e credibilizada a ponto de o Tribunal “a quo” a ter como alicerce fundante da condenação do Arguido.
67ª) O Tribunal “a quo” valorou, e muito, o depoimento da mãe da ofendida e, no entanto, o depoimento dela é totalmente fantasioso e contrário às regras da experiência, conforme supra se demonstrou.
68ª) Confrontando o depoimento da mãe da ofendida com o depoimento do pai da ofendida, registam-se discrepâncias relevantes e muito significativas para a descoberta da verdade.
69ª) O pai da ofendida refere que no fim de semana dos acontecimentos não teve conhecimento ou desconfianças de qualquer violação ou abuso que a sua filha fosse vítima, só no domingo à noite pelo seu irmão, afirmando, ainda, que no telefonema “in casu” só se ouvia a ofendida a “bafejar” e, extremamente importante, refere que no dia dos acontecimentos, quando os arguidos se deslocaram a sua casa, não se falou de qualquer abuso ou violação que a sua filha fosse vítima, senão ia buscar a “sachola”. (vide transcrições efectuadas na pag. 46, 47 e 48 do presente recurso).
70ª) Em face do que foi afirmado pelo pai da ofendida, atentemos ao depoimento da irmã da ofendida (cfr. Cassete nº 8, lado A)
Meritíssima Juiza:
Como é que encontrou o seu pai?
Irmã da ofendida:
Encontrei o meu pai aflito, ele chorava, estava como qualquer pai estaria, por mais que bebesse, por mais que seja, seja o que seja, mas ele estava aflito, tanto que ele não gosta de se lembrar, a cada passo vamos dar com ele a chorar preocupado com o que se passou, ele nem quer que lhe falem nessa situação.
71ª) Será que o Tribunal “a quo” estava tão “cego” que não vislumbrou que da conjugação dos depoimentos da Ofendida, da mãe e do pai há discrepâncias relevantes que se tocam apenas em pormenores “decorados”.
72ª) A prova produzida em audiência é assim tão linear, clarividente, consistente e credível? Serão estes depoimentos assim tão lineares e clarividentes? É de uma abundante evidencia que não são.
73ª) Perante todo este manancial de dúvidas, e o relatório do exame médico a confirmar que “não se observaram vestígios de agressão física” e que “nos vestígios atrás descritos, relativamente à suspeita de agressão sexual, são de compatibilidade possível mas não demonstrável”ao Tribunal “a quo” só lhe restava absolver o arguido, ora recorrente.
74ª) Ter-se dado como provado, “in casu”, o constante sob nº 7º a 48º de “Factos Provados com pertinência e relevo” constitui clara violação das regras de direito probatório e intolerável inversão das regras do ónus da prova, nomeadamente, dos princípios da acusação e investigação que, assim determinou a condenação do Arguido, que urge alterar.
75ª) Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou o princípio de presunção de inocência do arguido, ora recorrente, porquanto o probatório é manifestamente insuficiente para levar o Tribunal “a quo” à condenação do arguido, ora recorrente, pela prática de um crime de violação.
76ª) O Tribunal “a quo” ao dizer que perante o depoimento da ofendida, já ficara esclarecido, vide “(…) Mas se dúvidas houvesse (…)”, fez a inversão do ónus da prova da presunção da inocência do arguido, impondo-lhe o ónus da prova da não prática dos factos.
77ª) Os factos dados como provados e bem assim a aplicação e interpretação da lei aos factos constitui clara violação material do art. 32º, nº 2 da C.R.P., por causar na esfera jurídica do arguido insuportável ofensa dos seus direitos.
78ª) O princípio da livre convicção do juiz nunca deve ofender, na apreciação das provas, a presunção de inocência do arguido. E aqui, mostra-se claramente violado.
79ª) O Tribunal a “quo” fez puramente tábua rasa dos documentos incertos nos autos. Na verdade, o Tribunal “a quo” não foi sensível, o que não se entende, ao facto de existirem documentos que plasmavam precisamente o contrário ao declarado pela ofendida, vide documento do IML de fls 7 a 10 e 85 a 88 “Examinada no Gabinete Médico-Legal de Vila Real no dia 10 de Janeiro de 2005, apurou-se que “não se observaram vestígios de agressão física” e que “nos vestígios atrás descritos, relativamente à suspeita de agressão sexual, são de compatibilidade possível mas não demonstrável” (o negrito é nosso).
E,
“Aquando do exame médico-legal a ofendida apresentava os vestígios descritos no exame médico-legal de fls. 85 a 88, mais concretamente a nível da região genital e peri-genital:
Hímen:
Soluções de continuidade cicatrizadas: apresenta três, às 3, 5, 9 horas;
Soluções de continuidade recentes: não apresenta
Outras lesões: não apresenta;” (o negrito é nosso).
80ª) Ao não ter-se pronunciado sobre o valor e alcance deste documento concreto - questão que devia apreciar - o Tribunal “a quo” cometeu a nulidade a que se refere o art. 668º, nº 1 al. d) do C.P.C. aplicável “ex vi” art. 4º do C.P.P.
81ª) Ao ter outro entendimento, precisamente contrário, o Tribunal “a quo” violou, entre o mais, o disposto nas alíneas a) e c) do nº2 do art. 410º do C.P.P. e, ainda, fez uma incorrecta subsunção dos factos ao direito, porquanto, aqueles factos não preenchem o tipo legal estatuído no artº 164º do C.P., que, assim, foi incorrectamente aplicado.
DO CRIME DE COACÇÃO GRAVE
82ª) O Tribunal “a quo”, condenou o arguido, ora recorrente, a 18 meses de prisão pela prática do crime de coacção grave.
83ª) No que tange ao crime “in casu”, o Tribunal “a quo” condenou o arguido, ora recorrente, somente e só com base nas declarações da ofendida/assistente.
84ª) A ofendida não conseguiu identificar a arma usada na prática do crime, conforme se alcança do seu depoimento, e o seu depoimento deveria ter sido valorado “cum grano salis” principalmente quando nenhuma testemunha arrolada pela acusação presenciou os factos. (vide transcrições efectuadas na pag. 51 e 52 do presente recurso).
85ª) E das armas apreendidas ao arguido, nenhuma foi identificada como sendo a arma utilizada, pelo contrário foi dito pela Ofendida que não tinha sido nenhuma daquelas.
86ª) Na verdade, toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento foi produzida sob depoimentos indirectos, os quais não podem servir como meio de prova, conforme prescreve o artº 129 do C.P.P..
87ª) O mínimo que no caso se impunha era o Tribunal “a quo” lançasse mão do princípio “in dubio pro reo”, absolvendo o arguido da prática do presente crime, o que não se dignou fazer.
88ª) Ter-se dado como provado o constante sob o ponto 49º da matéria dada como provada constitui clara violação das regras de direito probatório e intolerável inversão das regras do ónus da prova, nomeadamente, dos princípios da acusação e investigação que, assim determinou a condenação do Arguido, que urge alterar.
89ª) Se de facto, o arguido estivesse na posse de uma arma, colocada no porta-luvas da carrinha, as regras da experiência dizem-nos que a arma que estaria na posse do arguido seria aquela para a qual o arguido tinha licença devidamente emitida pelas autoridades competentes.
90ª) O Tribunal “a quo” ao ter outro entendimento, precisamente contrário, violou, entre o mais, o disposto nas alíneas a) e c) do nº2 do art. 410º do C.P.P. e, ainda, fez uma incorrecta subsunção dos factos ao direito, porquanto, aqueles factos não preenchem o tipo legal estatuído no artº 154º e 155º do C.P., que, assim, foram incorrectamente aplicados.
DO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA

91ª) O Tribunal “a quo”, condenou também o arguido, ora recorrente, a 6 meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida.
92ª) Conforme consta da matéria dada como provada pelo Tribunal “ a quo” (cfr. Ponto 60º, concomitantemente doc de fls 66, que aqui se dá por integralmente reproduzido), a arma “in casu” “Trata-se de uma pistola de defesa, marca Colt, nº ….., calibre 7.65 mm, com o comprimento de cano de 9,5 cm, com platinas em baquelite de cor preta, encontrando-se a do lado esquerdo partida, possuindo um carregador próprio para a pistola, com capacidade para sete munições de calibre 7,65 mm. A referida arma encontra-se em mau estado de conservação e funcionamento.” (o negrito é nosso).
93ª) Em face dos supra referidos factos, o Tribunal “a quo” não poderia condenar o arguido, ora recorrente, nomeadamente da forma como o fez.
De facto, resulta daquele probatório que a arma não estava apta a ser usada, porquanto consta da matéria dada como provada que a aludida arma tinha uma peça partida e estava em mau estado de conservação e funcionamento, tão pouco possuía munições, não estando provado o contrário.
94ª) Em face do depoimento da mulher do arguido o Tribunal “a quo” teria que excluir o dolo da actuação do arguido, ora recorrente.
95ª) Consta no corpo da epígrafe “da convicção do tribunal” que “…Aquando da busca a testemunha e o arguido é que levaram a polícia ao local onde estavam as armas” e a arma aqui em crise “era de memória dos sogros (há 19 anos), o arguido até desconhecia que a testemunha tinha aquilo”, sendo certo que, compulsada a “análise critica da prova”, o Tribunal “a quo” não desvalorizou este depoimento. (vide transcrições efectuadas na pag. 55, 56 e 57 do presente recurso).
96ª) Nos termos do artigo 13º do C.P. o presente crime não é punido a título de negligência, o arguido e ora recorrente necessária e justamente deveria ser absolvido (vide neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/02/2005, Processo 2628/04-1) uma vez que não estão verificados os pressupostos do art. 6º da Lei 22/97 de 27 de Junho, alterada pela Lei 98/01 de 25 de Agosto, violação que se invoca com as legais consequências.
97ª) Acresce que, não é tangível nem razoável que o arguido possuindo licença para as duas outras armas também apreendidas, detivesse, consciente do ilícito, uma arma partida e em mau estado de funcionamento e de conservação.
98ª) Ademais, e em face das declarações da testemunha, o arguido não teria conhecimento da existência da referida arma, pelo que, e também por, nos termos do artigo 16º do C.P. existirá erro sobre os pressupostos, o que exclui a culpa.
99ª) O Tribunal “a quo” não se pronunciou, como se alcança do acórdão, sobre o conteúdo e alcance do documento, junto aos autos a fls 66, em sede de audiência de julgamento. Tal falta de apreciação constitui omissão de apreciação da matéria que foi submetida à decisão do Tribunal “a quo” o que integra a nulidade a que se refere o art. 668º nº 1 al. d) do C.P.C..
100ª) O documento junto aos autos deveria ser apreciado atento o disposto no artº 363º do C.C. e qualquer dúvida sobre o seu conteúdo impunha valorar-se em favor do arguido, incumbindo à assistente e ao tribunal a prova da sua falsidade, não genuinidade e não veracidade (cfr. Artºs 363ºe 376º do C.C.).
101º) Se o Tribunal “a quo” tivesse apreciado o conteúdo e alcance do documento junto aos autos determinar-se-ia por outra e diferente decisão.
102ª) O arguido, além de não se conformar com a subsunção da matéria de facto ao direito, discorda ainda da pena concreta (não aplicação de uma pena não detentiva, mais concretamente de uma pena de multa) e da sua medida, nomeadamente quanto à sua execução e sua não remissão por multa.
103ª) A pena aplicada pelo tribunal "a quo" ao arguido viola os mais elementares princípios de equidade e razoabilidade que devem nortear um julgador sensato, isento e não, em certo sentido, pré-opinado.
104ª) A pena de 6 meses de prisão aplicada pelo Tribunal "a quo" ao arguido, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, nos termos e contornos supra referidos, vai ao arrepio de toda a jurisprudência que faz corrente nos nossos tribunais, na verdade é doutrina e jurisprudência dominante que a pena de prisão efectiva, nestes casos, não atinge a finalidade ressocializadora de uma filosofia criminal eficaz e não traduz o pensamento legislativo do Código Penal de reagir contra penas detentivas da liberdade, sempre que os fins das mesmas possam atingir-se por outra via, aliás conforme prescreve o art. 70º do Código Penal.
105ª) O arguido, inserido no meio social e com um comportamento irrepreensível após os factos, tendo decorrido, como decorreram três anos, a pena a que foi condenado o recorrente é manifestamente desajustada, exagerada e desadequada, por não se mostrar, como não se mostra, a necessidade de prevenção especial, no caso concreto.
106ª) Tribunal “a quo” ao optar por aplicar uma pena detentiva da liberdade, em detrimento de uma pena de multa, violou, entre o mais os arts. 50º e 70º do C.P..
DA PRISÃO EFECTIVA
107º) O arguido e recorrente B………., em Cúmulo Jurídico, foi condenado em 5 anos de prisão.
108º) Plasma o nº 1 do artigo 50º do C.P., na sua nova redacção dada pela Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro que “O Tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
109ª) Em face do novo dispositivo o arguido, estava, como está, abrangido pelo aludido preceito legal.
110ª) Com efeito, além de estar dado como provado (cfr. Ponto 72º) que “O arguido B………. é agricultor, tal como a esposa, casado, tem uma filha de 18 anos a seu cargo, vive em casa própria”, o Tribunal “a quo”, na epígrafe “A questão da determinação da pena” refere que o arguido é uma pessoa trabalhadora, casada, encontrando-se inserido no meio social, apenas tendo uma pequena condenação, em multa, por um crime de injúrias. Assim sendo, na nossa óptica, estão preenchidos todos os pressupostos para que a pena fosse suspensa, nos termos do artigo 50º do C.P..
111ª) O Tribunal “a quo” ao optar por aplicar uma pena detentiva da liberdade, e em todo o caso não suspender a execução da mesma, violou, entre o mais os arts. 50º e 70º do C.P..
112ª) O Tribunal “a quo” ao não apreciar fundadamente a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão, deixou de se pronunciar sobre uma questão que devia apreciar, pelo que é nula a decisão, violando o nº 1, alínea c) do artigo 379º do C.P.P. Neste sentido vide (ac. STJ de 25 de Maio de 2005, proc. nº 1939/05-5ª, SASTJ, nº 91, 154)
DO ARGUIDO C……….
113ª) No que tange ao arguido e recorrente C………., este não praticou qualquer crime de tentativa de violação. De facto, das declarações da Ofendida alcança-se que o arguido somente a agarrou na perna esquerda, não tendo qualquer outro comportamento que se pudesse tipificar como tentativa de violação.
114ª) O Arguido não tenta tirar nenhuma peça de roupa, tão pouco tem algum comportamento que se pudesse caracterizar de tentativa de violação, pelo que o Tribunal “a quo” teria necessariamente de absolver o arguido.
115ª) O vertido sob ponto 27º, 28º e 29º, não poderia ter sido dado como provado naquela ordem, logo, não houve qualquer tentativa de tirar as calças à Ofendida enquanto o arguido C………. esteve com a Ofendida e com o arguido B………. .
116ª) Ao ter outro entendimento, precisamente contrário, o Tribunal “a quo” violou, entre o mais, o disposto nas alíneas a) e c) do nº2 do art. 410º do C.P.P. e, ainda, fez uma incorrecta subsunção dos factos ao direito, porquanto, aqueles factos não preenchem o tipo legal estatuído no nº 1 do artº 164º do C.P. ex vi artº 23º e 24º do C.P., que, assim, foi incorrectamente aplicado.
117ª) Sempre se dirá que a suspensão da execução da pena por um período de dois anos se mostra manifestamente exagerada, uma vez que atendendo ao facto de o arguido ser primário, analfabeto, terem decorrido três anos após a suposta prática do ilícito, estar perfeitamente inserido familiar, profissional e socialmente, a suspensão pelo período de um ano se mostra adequada ao prosseguimento do fim do instituto em causa.
DA CONDENAÇÃO CÍVEL DOS ARGUIDOS
118ª) O arguido B………. viu-se, também condenado no pagamento “... de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais”.
O Tribunal “a quo” condenou, ainda, ambos os arguidos solidariamente,
“a pagarem à demandante o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros a título de danos não patrimoniais.”
119ª) Por tudo supra alegado no presente recurso, estas condenações são manifestamente erradas.
120ª) Os arguidos não praticaram os crimes pelos quais foram condenados, onde não haver, como não há, prejuízo sofrido pela assistente nem étimo fundante.
121ª) Impunha-se, pois, a absolvição dos arguidos quer quanto aos crimes de que vinham acusados, quer quanto ao pedido cível contra eles deduzido.
122ª) Sem conceder, sempre se dirá que são manifestamente exageradas as quantias atribuídas pelo Tribunal “a quo” a título de danos não patrimoniais, porquanto se encontram sem qualquer fundamento legal que as sustente, desconformes às realidades a ter em conta e aos critérios orientadores da mais moderna Jurisprudência.
123ª) O Recorrente B………. mantém o interesse na manutenção da subida dos dois recursos interpostos a fls… e a fls…, que devem ser decididos em conformidade e com as legais consequências.
Conclui no sentido de ser dado provimento ao recurso.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, concluindo no sentido de ser negado provimento ao recurso.
A assistente também respondeu (fls.1004), pugnando também sinteticamente pela improcedência do recurso.
Na vista a que se refere o artigo 416º, do Código de Processo Penal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, pronunciou-se igualmente pela improcedência do recurso (fls. 1002-1004).
Cumprido o disposto no art. 417 n.º 2 do CPP, não houve resposta.
*
Como se vê da conclusão 123ª, o recorrente B………. mantêm interesse na manutenção da subida dos dois recurso anteriormente interpostos.
Tais recursos são os que constam de fls.512-537 e fls.558-583, admitidos por doutos despachos de fls. 537 e fls.583, respectivamente.
A)- São as seguintes as conclusões do primeiro recurso (fls.512-537):
1°. O arguido encontra-se acusado, além do mais, da prática em co-autoria de um crime de violação, previsto e punido no art° 164° do C. Penal, perpetrado na pessoa de D……….;
2°. Em sede de contestação o arguido/recorrente alegou, além do mais, que a ofendida padecia de epilepsia, pelo que reagiria de forma violenta a agressão sexual de que fosse vítima, obrigando o agressor a usar de violência produzindo no seu corpo lesões físicas evidentes à data do exame médico a que foi sujeita;
3°. A solicitação do arguido foi realizada perícia médica-psiquiátrica à personalidade da ofendida a fim de apurar, além do mais, tais factos que constavam dos quesitos 2° a 7° apresentados;
4°. As respostas constante do relatório médico-legal psiquiátrico pecam por ausência de critério e rigor científico, configurando uma perspectiva dos factos que o próprio juiz julgador poderia livremente concluir "segundo as regras da experiência comum";
5°. Por outro lado, sendo a epilepsia uma alteração na actividade eléctrica do cérebro, temporária e reversível, que produz manifestações motoras, sensitivas, sensoriais, psíquicas ou neurovegetativas (disritmia cerebral paroxística), a matéria quesitada deveria ser apreciada em sede de perícia de neurologia, razão pela qual se requereu a realização de nova perícia do foro de neurológico;
6°. Sucede, porém, que o M.o Juiz "a quo" indeferiu a realização de segunda perícia à ofendida D………. por entender ser a mesma manifestamente impertinente e dilatória, uma vez que a questão estava suficientemente abordada no relatório pericial, acrescendo o facto de a ofendida se opor à realização de segunda perícia, a qual resultaria onerosa para a mesma;
7°. Ora, no despacho impugnado, o M.o Juiz "a quo" não dispensou, por um lado, uma única apreciação à invocada necessidade de realização de nova perícia no âmbito da neurologia e, por outro, qualquer alusão à alegada ausência de critério e rigor científico no âmbito da perícia médico-psiquiátrica realizada;
8°. Tal falta de fundamentação do acto decisório (art°s. 205°, nº1, da Constituição da República, e 97°, nº4, do Cod. Proc. Penal), quando não tenha tratamento específico na lei, como é o caso, constitui irregularidade, submetida ao regime do art. 123° do Cod. Proc. Penal;
9°. Acresce que, a pertinência das questões quesitadas (note-se que a ofendida não apresentava qualquer lesão corporal no seu corpo à data do exame médico a que foi sujeita) aconselhavam a realização da nova perícia, ora no âmbito da neurologia;
10°. Tanto mais que a prova pericial é obrigatória para percepção de factos que exijam especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, como é o presente caso;
11°. Razão, pela qual, se impunha que fosse ordenada a realização de nova perícia.
12°. Ao indeferir a nova perícia, e nos moldes em que o fez, o M.o Juiz "a quo" violou a disciplina contida nos art° 205°, nº1, da Constituição da República, e art°s 97°, nº 4,151° e 158°, nº 1 alínea b), todos do Cod. Proc. Penal.
Termos em que, deve revogar-se o douto despacho recorrido, decidindo-se no sentido pugnado.
A este recurso respondeu o Ministério Público nos termos constantes de fls.588-592, terminando com a dedução das seguintes transcritas conclusões:
1 - Não assiste qualquer razão ao arguido.
2 - As respostas do Perito Médico dadas aos quesitos formulados pelo arguido são directas, concretas e suficientes.
3 - Bem sabendo desde o inicio o arguido que a Assistente padecia de doença de epilepsia, que tal se trata de doença de foro neurológico, tendo solicitado uma perícia psiquiatria, mais sabendo que em audiência estará presente quer o Perito Medico que elaborou o relatório por si solicitado e uma Medica Especialista em Neurologia, a realização de nova perícia agora do foro de neurologia não passa de uma mera e inadmissível manobra dilatória.
4 - O despacho do Mmo. Juiz é claro, concreto e com a fundamentação necessária à situação em apreço, não violando qualquer preceito legal e não estando ferido de qualquer irregularidade.
Concluindo, dir-se-á, pois, que ao recurso do arguido não deve ser dado provimento, mantendo-se inteiramente a decisão recorrida.
Também a assistente respondeu nos termos constantes de fls. 593-595, concluindo no sentido da improcedência do recurso.
B)- Conclusões do segundo recurso (fls. 558-583):
1°. Posteriormente à dedução da acusação pública que imputou ao arguido, além do mais, a prática em co-autoria de um crime de violação, previsto e punido no art° 164° do C. Penal, foi pelo M.o Juiz "a quo" ordenado que se procedesse a exame médico-legal na pessoa do arguido para colheita de amostra biológica por zaragatoa bucal, com vista á recolha de vestígios biológicos para determinação do seu perfil genético, e subsequente comparação com os vestígios biológicos encontrados nas cuecas da ofendida;
2°. Expressamente o arguido negou consentimento para realização de tal exame e, consequentemente, foram emitidos mandados com o fim de o conduzir ao Gabinete Médico-Legal do Porto, com a menção de que podia a «(...) autoridade policial usar da força pública estritamente necessária para que o arguido abra a boca e lhe seja retirado o esfregaço bucal necessário à realização da zaragatoa bucal.»;
3°. O exame foi realizado, mediante oposição do arguido e após sufocação do mesmo;
4°. Ao ordenar-se o aludido exame não se teve em conta o princípio da necessidade e subsidiariedade, verificada a recusa do arguido em colaborar ou permitir tal colheita, e a existência de prova pericial, testemunhal e documental que, no âmbito da douta acusação, imputam ao arguido o aludido ilícito criminal;
5°. Por outro lado, foi legitimado o uso da força sobre a integridade física do arguido previsivelmente causadora de prejuízo significativo no seu bem-estar físico, pondo em causa o normal funcionamento das suas funções corporais, o que é legalmente inadmissível;
6°. Decidindo dessa forma o Exm.o Juiz "a quo" violou, entre outras, as normas contidas nos art°.s 25.°, 26.°, n.º 1, e 32°, n.º 8, todos da C.R.P., o art. 8.° da C.E.D.H., o art. 12.° da D.U.D.H., o art. 17.° do P.I.D.C.P. e os art°.s 126.°, n.º 1 e 2 alíneas a) e c) e 3, bem como o art. 172.°, n.º 1, ambos do C.P.P;
8°. Acresce que deve ser declarada ferida de inconstitucionalidade a norma enunciada no art° 172°, nº1 do C.P.P., quando interpretada no sentido de que é legítimo o uso da força física para abrir a boca e obter colheita de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético;
9°. No mesmo sentido será igualmente inconstitucional a norma do art. 126.°, nºs 1, 2 alíneas a) e c) e 3, do C.P.P, quando interpretada no sentido de considerar válida e, consequentemente, susceptível de ulterior utilização e valoração, a prova obtida através da colheita efectuada nos moldes descritos na conclusão anterior;
10°. Tudo pela decisiva razão de que a matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias só pode ser restringida por via de lei da Assembleia da República ou pelo Governo, precedendo autorização legislativa, nos termos dos artigos 167.° e 168.°, n.º 1, alínea b), da C.R.P.;
11°. Sendo, assim, inconstitucionais as leis e despachos, nomeadamente o recorrido, que infrinjam os ditos preceitos constitucionais insertos nos art°s 18.°, 19.°, 29.°, 168.°, n.º 1, 282.°, n.º 3, todos da C.R.P.
12°. O que tudo urge, pois, ser declarado.

O Ministério Público respondeu a fls. 615-624, concluindo que ao recurso do arguido não deve ser dado provimento, mantendo-se inteiramente a decisão recorrida
Em síntese, alega que:
- Conforme estatui expressamente o art. 61° n° 3 do c.P.P.: "Recaem em especial sobre o arguido os deveres de sujeitar-se a diligências de prova (...) ordenadas e efectuadas por entidade competente", ou seja, a todas as que se entenderam como necessárias para a descoberta da verdade e a realização da justiça - sendo a regra a da atipicidade das diligências da prova - desde que não estejam proibidas por lei - cfr. art. 125° do c.P.P.
- Daí que o arguido possa ter de submeter-se a exame e a perícia - arts. 151° a 171° do c.P.P. - como sucedeu no caso dos autos, ordenada pela autoridade judiciária competente.
- E tal obrigação vem expressamente prescrita e salvaguardada no art. 172.° n° 1 do C.P.P. "Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame (...) pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente".
- a lei não só não afasta a citada regra imposta pelo art. 172° n° 1 do c.P.P., como pelo contrário, estatuiu no art. 43 n° 1 do D.L. n° 11/98 de 24 de Janeiro que "Ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este for necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que seja ordenado pela autoridade judiciária competente nos termos da lei de processo".
- E no art 44° n° 1 do mesmo diploma prescreve que "Qualquer pessoa devidamente convocada pelo responsável do serviço do instituto (...) para a realização de uma perícia tem o dever de comparecer no dia, hora e local designados, sob pena das sanções previstas na lei do processo". - - Certo é, recordemos, que o recurso a tais meios de obtenção da prova só poderão ser ordenados e sobre o arguido impende a consequente obrigação de se sujeitar a eles, tem carácter excepcional, apenas na estrita medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova, devendo observar-se quanto à sua utilização os mesmos princípios que regem a aplicação da medida de coacção da prisão preventiva.
- No caso sub judício, verifica-se essa situação de excepção, de necessidade e subsidiariedade, porquanto não existem testemunhas presencias da violação para alem da própria vítima cujo depoimento é contradita do pelos arguidos.
- Estatui o art. 171.°, n.º 1, do Cód. Proc. Penal "que por meio de exames das pessoas (...) inspeccionam-se os vestígios que possa ter deixado o crime e todos os indícios relativos ao modo como e ao lugar onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido", sendo que o preceito seguinte esclarece, que "se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente."
- Não havendo dúvidas que entre os deveres específicos decorrentes da situação de arguido se encontra o de "se sujeitar a diligências de prova" (art. 61.°, n.º 3), não é menos verdadeiro que de harmonia com o estabelecido com o art. 126.° do mesmo diploma, "são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante (...) coacção ou, em geral, ofensa à integridade física ou moral das pessoas".
- Em todo o caso, até pela unidade do pensamento legislativo que regulamenta toda esta matéria, zonas haverá seguramente onde a obrigação de alguém a submeter-se a um exame não integra coacção, ofensa moral ou à integridade física da mesma, sob pena de outra maneira aquela primeira norma ficar vazia de sentido.
- Desde logo, tais direitos não proíbem a actividade indagatória do Estado, seja ela judicial, seja policial. O que o princípio do Estado de Direito impõe é que o processo (maxime, o processo criminal) se reja "por regras que, respeitando a pessoa em si mesma (na sua dignidade ontológica), sejam adequadas ao apuramento da verdade" (cf. acórdão n° 128/92, publicado no Diário da República, 11 série, de 24 de Julho de 1992).
- O Prof. Germano Marques da Silva menciona na decorrência da aI. c) do n.º 3 do art. 61.° do Cód. Proc. Penal, que "o arguido tem o dever de sujeitar-se a diligências de prova e medidas de coacção e garantia patrimonial".
-"No que às diligências de prova respeita, tem de sujeitar-se a todas as que não forem proibidas por lei (art. 125.°), entre outras, a interrogatório (prova por declarações - art.ºs 140.° e segts.) a acareação (art. 146.°) a reconhecimento (art. 147.°) e reconstituição dos factos (art. 150.°) a perícia e exame (art.os 151.º e 171.°) (...)"
- E ainda que num domínio processual e constitucional já não vigente, o Prof. Figueiredo Dias ensinava que: "(...) Na medida, porém, em que o objecto do exame seja uma pessoa, que assim se vê constrangida a sofrer ou suportar uma actividade de investigação sobre si mesma, o exame constitui um verdadeiro meio de coacção processual - como claramente o inculca, de resto, a 2a parte do corpo do art. 178.° do CPP, ao estatuir que, para realização de um exame, pode «o juiz tornar efectivas as suas ordens, até com o auxílio da força ...» -, tendo por isso de submeter-se aos princípios (já acima referidos) que estritamente demarcam a admissibilidade de tais meios e coacção.
- Sendo os exames, na parte referida, um meio de coacção processual, as normas que os permitem não poderão deixar de ser entendidas e aplicadas nos termos mais estritos, tal como sucede com os restantes meios de coacção, maxime com a prisão preventiva; em um como em outro caso a liberdade é a regra e a restrição daquela a excepção. Excepção que, aliás, não deixa de ser constitucionalmente imposta: assegurando o art. 8.°, n.º 1, da Constituição Política a todos os cidadãos o direito à integridade pessoal, quaisquer limitações que a tal direito sejam feitas pela lei ordinária relativa a exames em processo penal terão de obedecer à máxima strictissime sunt interpretanda".
- Todo este tipo de preocupações esteve presente no despacho recorrido ao se ter consignado que "o recurso a tais meios de obtenção da prova só poderão ser ordenados e sobre o arguido impende a consequente obrigação de se sujeitar a eles, tem carácter excepcional, apenas na estrita medida em que se mostrem ineficazes outros meios de prova, devendo observar-se quanto à sua utilização os mesmos princípios que regem a aplicação da medida de coacção da prisão preventiva.
- O recorrente alega o seu direito à integridade física constitucionalmente protegido no art. 25.° (1- A integridade moral e física das pessoas é inviolável 2 - Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos), outros direitos pessoais mencionados no art. 26.°, n.º 1 (A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação), e a garantia do processo criminal contida no art. 32.°, n.º 8, todos da Constituição da República Portuguesa (São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa à integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações), sendo que estes, basicamente, preenchem a matriz dos direitos invocados nos demais textos declarativos invocados.
- Haverá que ponderar por outro, o interesse comunitário e do Estado na administração da justiça, para que um crime com a gravidade das consequências patenteadas nestes autos, sem mais, fique sem punição.
- A colheita de saliva embora ofendendo o direito à autodeterminação corporal do recorrente, fá-lo em "grau ou medida irrelevante".
A assistente responde também nos termos que constam de fls.641-642, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Em síntese sustenta que: “foi com base no art.º 172.° do cpp que é uma norma que permite o uso da força, por parte de autoridade judiciária competente, que o Juiz "a quo" proferiu despacho no sentido de limitar o direito à auto determinação corporal do Recorrente. Tal restrição não afectou o conteúdo essencial do direito à integridade física do mesmo, pelo que não houve uma violação do preceituado no art. 25.º, 26.º, n.º 1, e 32.º todos da CRP, por força da disposição do art. 18.0 da CRP que consagra a possibilidade de restrição dos direitos, liberdades e garantias.
A realização coactiva do exame de Zaragatoa bucal, foi realizado em estabelecimento adequado, no Instituto de Medicina Legal do Porto, por perito médico com observância das leges artis, com todas as condições de higiene, salubridade, (de luva cirúrgica embutida), e bem estar do Arguido, (foi sentado num sofá)., conforme se extrai da motivação que consta do recurso interposto pelo Arguido. O Arguido não sofreu lesões para que fosse realizada a recolha de saliva.
Pelo que, o direito ao auto determinação corporal foi restringido perante a procura da verdade material para a administração da justiça penal que constitui uma exigência de ordem pública e um dos pilares do Estado de direito.

O Mmo proferiu a fls.607, despacho de sustentação entendendo ser de manter o despacho recorrido por os argumentos do arguido recorrente não serem convincentes.

O primeiro dos despachos recorridos tem o seguinte teor, na parte que interessa:
“(…) sem prejuízo de se respeitar outro entendimento do tribunal Colectivo entendemos, que tendo em conta o objecto do processo, a requerido perícia para já é manifestamente impertinente e dilatória.
Na verdade, a questão psiquiátrica da assistente já se encontra suficientemente abordada no relatório pericial já junto podendo eventuais duvidas ser dissipadas pelos esclarecimentos a prestar pelo Sr. Perito que irá estar presente na audiência.
De outro passo a própria assistente opõe-se à referida perícia, sendo certo já que se disponibilizou a uma perícia, sendo oneroso, pelo estatuto processual que ocupa determinar que se submeta a outra.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, indefere-se a requerida segunda perícia.(…)”.

O segundo despacho recorrido (fls.499-501), datado de 5/2/2007, tem o seguinte teor:
“Nos presentes autos encontra-se imputado para além do mais, ao arguido B………., a pratica de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164° do Código Penal.
O arguido apesar de se encontrar vinculado a obrigação de se sujeitar às diligências de prova ordenadas e efectuadas por autoridade competente, recusa-se a colaborar obstando a que lhe seja efectuada zaragatoa bucal para recolha de ADN.
Ocorreu já uma recusa em sede de inquérito e duas recusas em sede de preparação do processo para a fase de audiência de julgamento - cfr. fIs. 117 a 119, fIs. 439 e 440 e 487 e 490.
Tudo isto apesar dos despachos que ordenaram tal diligência estarem estribados em abundante fundamentação legal e jurisprudencial, que aqui damos por reproduzi da para os devidos efeitos - cfr despacho de fIs. 397 a 399 verso e 468 a 469, com os quais o arguido se conformou e que de seguida se transcrevem, na parte da referida fundamentação.
No despacho de fls. 398
Compulsados os autos, verifica-se que efectivamente a fls. 113 o Ministério Público ordenou a realização do referido exame, tendo em conta prévia autorização do arguido prestada em sede de interrogatório de arguido detido, sendo que posteriormente se verifica que aquele B………. se recusou a efectuar exame médico por sugestão do seu advogado, conforme se afere da declaração de fls. 119.
Para estes casos rege o disposto no art. ° 172.°, n.°1, do Cód. de Proc. Penal segundo o qual "se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente".
No caso concreto, existiu recusa do referido arguido à realização do referido exame o qual, desde já se adianta, se não poderá decidir se o arguido cometeu o crime de que vem acusado – nem é essa a função de um exame deste jaez – sempre permitirá alcançar o fim que a assistente com o mesmo ora visa e em sede de inquérito o Ministério Público visava.
Na verdade, num crime de natureza sexual como aquele que está em causa nos autos, um dos meios de prova legalmente possíveis para se alcançar a por todos tão apregoada justiça material, é a realização deste exame de zaragatoa bucal de modo a obter-se a colheita de vestígios biológicos para determinação do perfil genético do arguido que ao mesmo se deve sujeitar, e subsequente comparação com os vestígios biológicos encontrados nas cuecas da assistente D………. .
E nem se diga que a recusa é lícita e que não pode o Tribunal ordenar tal exame.
Na verdade, tal exame sustenta-se no já referido preceito, sendo certo que vem sendo entendimento dos nossos tribunais superiores que não padecem de qualquer nulidade os despachos que os ordenam.
Como se escreveu em recente aresto do Tribunal da Relação do Porto datado de 03/05/2006, relatado pela Exmª Sr.ª Juíza Desembargadora Alice Santos e votado por unanimidade, que se mostra publicado em texto integral em http://WWW.dgsi.pt/trp. "quanto à recolha de saliva ou de urina afigura-se-nos que nem sequer se pode considerar susceptível de ofensa o direito à integridade física corporal do recorrente, mas tão só o direito à autodeterminação corporal, e em grau ou medida desprezível, isto é irrelevante".
E contínua: "Deste modo e tendo presente que o exame ordenado tem em vista a procura da verdade material para a administração da justiça penal, o que constitui uma exigência da ordem pública e do bem estar - geral, bem como um dos pilares do Estado de Direito, há que concluir que a realização compulsiva daqueles se mostra justificada e legitimada a significar que a decisão impugnada, proferida ao abrigo da norma do art. ° 172.°, n.°1, do Cód. de Proc. Penal, que atribui à autoridade judiciária o poder de compelir as pessoas à submissão de exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, não viola os artigos 25.°, n.º 1 e 32.°, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que se ordena o exame e perícia mediante extracção de saliva por via de zaragatoa bucal, dado que a mesma apenas é susceptível de ofender o direito á autodeterminação corporal do recorrente em medida irrelevante".
Neste mesmo sentido também o recente Ac. a Rel. do Porto de 13/09/2006, também votado por unanimidade, relatado pelo Exm.° Sr. Juíz Desembargador Luís Godinho, publicado no mesmo site.
Aderimos integralmente a tal douto entendimento que subscrevemos e nessa medida entendemos de igual modo legítimo ordenar por meios coactivos a submissão do arguido ao referido exame.
Acresce ainda o seguinte: se os direitos de defesa do arguido legitimaram que este requeresse um exame psiquiátrico à assistente (alegadamente ofendida), o que se ordenou, com tudo aquilo que isso para a mesma pode também significar em termos de constrição do seu direito à autodeterminação corporal (tudo para deste modo não se cercear por qualquer meio essa mesma defesa), legítimo será impor ao arguido igual esforço de colaboração para a descoberta da verdade material, tudo de modo a que o Tribunal reunidos que sejam todos os meios de prova legalmente admissíveis no fim se sinta habilitado a decidir pela sua (do arguido em questão) culpabilidade ou absolvição.
O despacho de fls. 468 fundamentou-se da seguinte forma:
Salientando-se que neste momento já não está na opção do arguido fazer ou não o exame pericial que foi ordenado.
O arguido já revelou à saciedade que não pretende fazer colaborar na realização do exame/perícia que foi ordenada, sem que para tanto tenha dado qualquer justificação, pese embora quando ouvido em sede de primeiro interrogatório judicial se tenha voluntariado para tal exame.
Nessa medida, impõe-se que a mesma se realize ainda que seja contra a vontade do arguido com o uso da força policial no estritamente necessário à colheita do esfregaço bucal que será necessário à conclusão com êxito do referido exame de zaragatoa bucal
Aos argumentos jurídico-legais expendidos no nosso despacho de fls. 398 e ss., apela-se agora à aplicação analógica do estatuído no art. º 53º, n.º3, do D.L. n. º 15/ 93, de 22 de Janeiro, respeitante à Lei da Droga, com a ressalva que a comparência da autoridade judiciária na presidência da referida diligência, a nosso ver além de não ser pertinente, nem legalmente imposta, não se revelar possível.
Nas perícias relacionadas com o tráfico de droga efectuam-se actos mais invasivos e gravosos para as pessoas de suspeitos ou arguidos do que aquele que ora se pretende, (nomeadamente exames rectais, etc.), sendo os mesmos legais, não se poderá deixar de ter como legal o recurso à força necessária e proporcional à realização do exame de zaragatoa bucal ordenado.
Tal como consta da informação do Gabinete Médico-Legal de Vila Real, que antecede (fls. 487), não tem o referido Gabinete meios para efectuar uma recolha contra a vontade do arguido, mas tais condições existirão na Delegação do Porto.
Mantém-se integralmente válidos os argumentos jurídicos plasmados nos referidos despachos, importando, agora e por coerência e lógica com a informação por último dada pelo IML, solicitar o referido exame à Delegação do Porto, pelo que oportunamente se apreciará a promoção do Ministério Público exarada de fls. 491 e 492, que por ora está prejudicada.
Solicite-se urgência na remessa dos resultados do exame em questão, tendo em conta que entre o mais aguardam os autos tão exame para se prosseguir para a audiência de julgamento.
*
Notifique todos os intervenientes processuais, inclusive o arguido (…)”.
*
Colhidos os vistos e realizada a conferencia, cumpre apreciar e decidir.

II. Âmbito dos recursos:
Tendo em conta o alegado nas conclusões atrás transcritas são as seguintes as questões a analisar:
1. Dos recursos interlocutórios:
1.1. - 1º recurso (– fls. 512-537):
- Nulidade por falta de fundamentação do despacho recorrido.
1.2. - 2º recurso (fls. 558-583):
- Saber se é legítimo o uso da força física necessária por parte de autoridade policial para abrir a boca a um arguido a fim de, contra a sua vontade e sem o seu consentimento, lhe ser colhida a saliva para exame pericial.
2. Do recurso principal:
Como acima se vê os arguidos recorrem conjuntamente numa só peça processual.
O objecto do recurso, tal como se mostra configurado pelas conclusões das motivações do recurso do arguido B………., reporta-se á apreciação das seguintes questões:
2.1. - Analisar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, quanto aos pontos 33º e 34º, 31º e 32º, 25º, 35º, 37º, 41º a 46º dos factos dados como provados; bem como do provado no ponto 49.
2.2. - Verificar se ocorrerem os vícios a que se reporta ao art.º 410 nº 2 al. a e c) do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova;
2.3. - Verificar se ocorre violação dos princípios da presunção de inocência por violação do princípio da livre convicção;
2.4. - Verificar se ocorre violação do princípio in dúbio pró reo;
2.5. - Verificar se ocorre alguma nulidade por omissão de pronúncia;
2.6. - Subsunção dos factos ao crime de violação;
2.7. - Subsunção dos factos ao estatuído no art.º 154º e 155 do Código penal;
2.8. - Verificar se inexiste o elemento subjectivo – dolo - no que respeita ao crime de detenção de arma proibida ou se ocorre erro sobre os pressupostos nos termos do art.º 16º do Código Penal;
2.9. - A pena aplicada ao crime de detenção de arma proibida viola os princípios da equidade e razoabilidade: o tribunal deveria ter optado por uma pena de multa;
2.10.- Nulidade da decisão - art.º 379º nº 1 alínea c) do CPP - por o tribunal não ter apreciado a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão;

O objecto do recurso, tal como se mostra configurado pelas conclusões das motivações do recurso do arguido C………., reporta-se á apreciação das seguintes questões:
2.1.1. - Analisar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, quanto aos pontos 27º, 28º e 29º dos factos dados como provados;
2.1.2. - Se ocorre violação ao disposto no art.º 410º nº 2 do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da causa;
2.1.3. - O arguido deveria ter sido absolvido do crime de violação, dado que não tenta tirar nenhuma peça de roupa, tão pouco tem algum comportamento que se pudesse caracterizar de tentativa de violação;
2.1.4. - A suspensão da execução da pena por um período de dois anos é exagerada, mostrando-se mais adequado a suspensão pelo período de 1 ano.
Finalmente:
3. - Verificar se são exageradas as quantias a atribuídas pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.

II – Fundamentação.
Factualidade pelo tribunal a quo dada como provada e a considerada não provada bem como a respectiva motivação (transcrição):
“1) No dia 7 de Janeiro de 2005, cerca das 08H30, o arguido B………. dirigiu-se para um terreno agrícola que possui, denominado por "E……….", sito em ………., área desta comarca de Vila Real, com a alegada intenção de apanhar azeitonas, fazendo-o na sua viatura ligeira de mercadorias na companhia do amigo e aqui arguido C………. .
2) O arguido C………. é conhecido pela ofendida D………. como "C1……….".
3) Para a dita apanha da azeitona, o arguido B………. havia já combinado com os pais da ofendida D………., que caso precisasse da ajuda da ofendida, a contactaria nessa manha para o efeito, dando um toque para o telefone de casa onde a mesma vive com os pais em ………. - ………., devendo esta deslocar-se ao caminho perto da casa onde vive ao encontro dos arguidos.
4) O arguido B………. esperaria a ofendida D………. no local pré-determinado, dando-lhe boleia para o terreno onde iriam todos trabalhar.
5) Já era habitual a família da ofendida e o arguido B………. trocarem favores, nomeadamente de mão-de-obra ou pequenos serviços, trabalhando a ofendida ou seus familiares para o B………. quando necessário, bem como prestarem às vezes trabalhos remunerados.
6) No dia e hora indicados, como previamente combinado, após ter recebido o toque de telefone, a ofendida deslocou-se ao encontro do arguido B………., encontrando-o na companhia do arguido C………. na viatura e no local combinado, seguindo os três para o terreno em causa para trabalharem para o arguido B………. .
7) No caminho, os arguidos B………. e C………. riam-se um para o outro, repetidamente, sem motivo aparente e sem que a ofendida percebesse porquê, parecendo-lhe, desde logo, estranho tal comportamento.
8) Chegados junto do terreno, os arguidos foram buscar um toldo a um barraco nas imediações, enquanto a ofendida D………. tentava contacto por telemóvel para a sua irmã F………., residente em Viseu.
9) Este foi o primeiro de muitos contactos telefónicos entre telefones móveis efectuados a partir desse momento nessa manhã, usando os telemóveis da ofendida, dos pais da ofendida, da irmã da ofendida e do próprio arguido.
10) A ofendida usava o telefone móvel com o nº ………., constando os registos de chamadas efectuadas nesses dia de folhas 121, sendo a menção "moc" relativa a "chamada originada" e a menção "mtc" relativa a "chamada recebida", tudo conforme registo citado de folhas 121 e informação de folhas 206 (cujo teor se dá aqui par integralmente reproduzido).
11) A F………., irmã da ofendida, usava o telefone móvel com o nº ………, constando os registos de chamadas de folhas 73, sendo a menção "moc" relativa a "chamada originada" e a menção "mtc" relativa a "chamada recebida", tudo conforme registo citado de folhas 73 e informação de folhas 206 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
12) Os pais da D………. usavam o telefone com o nº ………, constando os registos de chamadas de folhas 122, sendo a menção "moc" relativa a "chamada originada" e a menção "mtc" relativa a "chamada recebida", tudo conforme registo citado de folhas 122 e informação de folhas 206 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
13) O arguido usava o telemóvel nº ………, constando os registos de chamadas de folhas 76 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14) Durante as várias chamadas a que se fará alusão e sem prejuízo de outras:
- a ofendida tentou contacto com a irmã F……….;
- a irmã F………. contactou a ofendida;
- a ofendida efectuou contacto com os pais quer pelo seu telemóvel, quer pelo uso do telemóvel do arguido B……….;
- os pais da ofendida contactaram a irmã F………. .
15) Tais contactos, sem prejuízo do que consta na totalidade das folhas apontadas e já dadas na sua íntegra por reproduzidas, são assim resumidos nos pontos de maior relevo:

6) Chamadas efectuadas pela ofendida D………. para a sua irmã F………
De ……… duração em folhas observações.
Para ……… segundos
8H43M22S 15 121 e 73 não recebida pelo destinatário
8H44M49S 11 121 e 73 não recebida pelo destinatário

17) Chamadas efectuadas pela irmã F………. para a ofendida D……….
De ……… duração folhas observações
Para ……… em
segundos
8H44M06S 8 121e173 recebida pelo destinatário

18) Chamadas efectuadas pela ofendida D………. para os seus pais
De ……… duração em folhas observações
Para ……… segundos
8H50M21S 485 121 e 122 recebida pelo destinatário
8H59M23S 10 121 e 122 recebida pelo destinatário
8H59M51S 8 121 e 122 recebida pelo destinatário
9HOOM25S 19 121 e 122 recebida pelo destinatário
9H01 M25S 31 121 e 122 recebida pelo destinatário
9H02M41S 30 121 e 122 recebida pelo destinatário
9H21M41S 10 121 e 122 recebida pelo destinatário
10H24M17S 7 121 e 122 recebida pelo destinatário
11 H32M36S 17 121 e 122 recebida pelo destinatário

19) Chamadas efectuadas entre os pais da D………. para a irmã da ofendida F……….
De ……… duração em folhas observações
Para ……… segundos
8H45M20S 60 122 e 73 recebida pelo destinatário
9H07M25S 275 122 e 73 recebida pelo destinatário com hora registada incorrectamente
9H31 M02S 400 122 e 73 recebida pelo destinatário

20) Chamadas efectuadas do telefone do arguido B………. para os pais da ofendida
De ……… duração folhas observações
Para ……… em
segundos
9H03M56S 37 76 e 122 recebida pelo destinatário
21) Assim, depois de chegados ao local onde iam apanhar azeitona e enquanto os arguidos foram ao dito "barraco", a ofendida D………. tentou contacto com a sua irmã pelas 8H43M22S e 8H44M49S, mas não conseguiu falar com a irmã, sendo que a sua irmã F………. ouvia o que a ofendida dizia, mas esta não lhe ouvia a voz, constando essas chamadas dos registos da ofendida como "moc" mas não constando dos registos, da sua irmã.
22) Nesses contactos "unilaterais" em que só a irmã da ofendida ouvia as palavras desta, a ofendida, zangada, a ofendida vociferou palavras impróprias que foram ouvidas pela irmã.
23) Preocupada com o vociferar da ofendida G………., a irmã da ofendida telefona à ofendida as 8H44M07S, contacto esse que dura 8 segundos, mais uma vez sem conseguirem conversa, ainda que a chamada tenha ficado registada em ambos os registos telefónicos.
24) Sem conseguir contacto de voz, a irmã da ofendida, preocupada, telefona de imediato aos pais da ofendida a 8H45M20S, demorando 60 segundos de contacto.
25) Nisto, após estas chamadas iniciais tentadas entre a ofendida D………. e a sua irmã F………., o arguido B………. volta do sobredito barraco e diz em "agora e que vamos fazer uma barrela".
26) De imediato, o C………. agarrou a perna esquerda da ofendida D………. e o B………. agarrou-a por trás, na zona dos ombros, ambos usando a força e imobilizando a ofendida, subjugando-a à vontade dos arguidos.
27) Apercebendo-se que os arguidos pretendiam manter contacto físico de natureza sexual consigo, a ofendida começou a gritar e a tentar movimentar-se, manifestando oposição a tais propósitos dos arguidos e procurando escapar-se à força por estes exercida.
28) No mesmo passo e enquanto a agarrava por trás, o arguido B………. desapertou o cordão que segurava as calças tipo "fato de treino" que a D………. vestia nesse dia.
29) Apercebendo-se ambos os arguidos da oposição da D………., o arguido B………. acabou por dizer ao arguido C………. para se ir embora, já que ia ver se a D………. deixava ou não.
30) O C………. abandonou então o local.
31) Seguidamente, o B………. baixou as calças e as cuecas da D………. até aos pés desta, sempre com oposição física e verbal expressa da D………., que por palavras não apuradas lhe dizia cessar tal comportamento, tendo o arguido empurrado e deitado a ofendida sobre o banco do passageiro da frente do veículo que haviam seguido até ao local.
32) O arguido B………. baixou então as suas calças e segurando a D………. pelos ombros, mantendo a força e o peso do seu corpo como meio de imobilizar a ofendida, introduziu o seu pénis erecto na vagina da D………., sempre com oposição verbal e física desta, oposição essa perfeitamente compreensível pelo arguido.
33) Depois introduziu o pénis na vagina da D………., ejaculou nas partes íntimas da ofendida e deixou de exercer violência sobre a D………. .
34) Os fluidos orgânicos do arguido ficaram depositados nas cuecas que a ofendida trazia vestidas.
35) Durante esta ocorrência, desde momento não apurado e sem que se saiba como, foi estabelecido contacto entre os pais da ofendida e o telemóvel da ofendida, originado no telemóvel desta para o telemóvel dos pais (“moc”, fls. 122), iniciado às 8h50m20s, que durou 486 segundos (8 minutos e 6 segundos).
36) Foi pelo menos durante parte de tal período de tempo que o arguido B………. desenvolveu e manteve a actividade de relacionamento sexual forçado de cópula com a ofendida D………., o qual inicialmente foi coadjuvado pelo arguido C………. .
37) Durante tal contacto, os pais da ofendida, mais concretamente a mãe que estava com o telefone, aperceberam-se de algumas das palavras e dos gritos de socorro da sua filha, relativamente à violência exercida pelos arguidos, em especial de algumas palavras proferidas pelo arguido B………. nos termos descritos.
Nomeadamente, ouviram as expressões:
- "deixa-me que me estás a magoar", dita pela ofendida D……….;
- "agora é que vamos ver essa pintelheira", dita pelo arguido B……….;
- "vá, vá é só mais um bocadinho, está quase", dita pelo arguido C……….;
- "mãe, ó mãe, deixe a minha perna que me magoa", dita pela ofendida D……….;
- "vá, vá, abre-me essas beiças para o lado, abre-me essa pintelheira",
ditas pelo arguido B………. .
38) Os pais da ofendida ouviram-na a pedir que a deixassem e a dizer asneiras.
39) Este contacto efectuado pelas 8H50M20S, faz com que os pais da ofendida se apercebam que algo de mal acontecia a sua filha.
40) Durante a parte final da violência física, já depois de cessada a citada chamada, o telefone da ofendida continuou a tocar incessantemente.
41) De facto, de imediato, como supra registado e como consta dos registos, os pais da ofendida ligam repetidamente do seu telemóvel com o nº ……… para o telemóvel da ofendida G………. com o nº ……… às 8H59M23S, 8H59M51S, 9H00M25S, 9H01M25S, chamadas essas registadas nos registos enunciados da ofendidas como "mtc" - "chamada recebida".
42) Nessas chamadas, com a duração indicada nos registos, já depois de libertada que ficou dos arguidos B………., a ofendida atendeu o telefone, apercebendo-se que eram os pais que Ihe ligavam do telefone móvel com o nº ………, mas, mais uma vez, não conseguindo falar com os pais.
43) De imediato, a ofendida tenta telefonar do seu telemóvel aos pais pelas 9H02M41S ("moc" - "chamada originada"), não conseguindo manter conversa.
44) Ao aperceber-se que a ofendida queria telefonar para os pais, o arguido passou para as mãos da ofendida o seu telefone móvel com o nº ………, para que esta pudesse contactar os pais, o que esta fez de imediato para o sobredito ……… .
45) Tal contacto ocorreu às 9H03M56S e durou 37 segundos, conforme registo de folhas 76 e 122 (cujos teores se dá aqui por integralmente reproduzido).
46) Nessa chamada, a mãe da ofendida, já desconfiada do que sucedera mas sem o revelar, pediu à ofendida para ir de imediato para casa, alegando que o pai estava doente.
47) A queixosa pediu então ao B………. que a levasse a casa, dizendo-lhe que o pai estava doente.
48) Entraram ambos para o mesmo veículo que os trouxera, levando o arguido a ofendida D………. a casa.
49) No trajecto para casa, o arguido B………. abriu o porta-luvas do veículo em que seguiam, retirou uma pistola e disse à ofendida D………. "agora chegas a casa e ai de ti que digas alguma coisa, se disseres eu dou cabo de ti, da tua mãe e do teu pai".
50) Pensando que ninguém suspeitava ainda do que se passara, pretendia assim o arguido, por força da promessa de um mal à ofendida D………. caso ela não cumprisse as suas ordens, que a ofendida não dissesse a ninguém, nomeadamente aos pais, que havia sido abusada sexualmente.
51) Por força de tais palavras a ofendida ficou receosa que algum mal lhe pudesse acontecer ou aos seus pais, recusando-se dai em diante a anunciar ou admitir aos pais e irmã o que se tinha passado, o que só veio a fazer depois de muita insistência e depois de confrontada com as evidências que os seus pais já conheciam nos termos já descritos que haviam ouvido por telefone.
52) Examinada no Gabinete Médico-Legal de Vila Real no dia 10 de Janeiro de 2005, apurou-se que "não se observaram vestígios de agressão física" e que "nos vestígios atrás descritos, relativamente à suspeita de agressão sexual, são de compatibilidade possível mas não demonstrável", conforme exame de folhas 85 a 88 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
53) No dia 10 de Janeiro de 2005, a mãe da ofendida dirigiu-se ao Posto da Guarda Nacional Republicana de Vila Real, onde entregou as roupas que a ofendida vestia na manhã do dia 7 de Janeiro em que foi abusada sexualmente, conforme guia de entrega de folhas 5 e informação da Guarda Nacional Republicana de Vila Real de folhas 205, nomeadamente casaco, sapatos, meias, camisa de algas camisolas, bata, calças cuecas e um lenço de cabeça (documentos apontados cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
54) Tal roupa foi entregue no Gabinete Médico-Legal de Vila Real no dia 11-01-2005 (idem), sendo encaminhada para o Instituto Nacional de Medicina Legal - Delegação do Porto que:
"1º O teste da Brentamina, para a identificação de sémen, efectuado nas manchas da bata, lenço, calças, cuecas e casaco, foi positivo apenas em relação às manchas das cuecas. Quanto às restantes amostras o teste foi negativo.
2º O estudo de STR's autossómicos do DNA extraído da mancha das cuecas, proporcionou um perfil genético masculino. Quanto às manchas das calças e da camisola cinzenta, este estudo proporcionou um perfil feminino idêntico para as duas amostras. Em relação às manchas da bata, não se obtiveram resultados;
3º O estudo de STR's do cromossoma Y do DNA extraído da mancha das cuecas proporcionou um perfil genético masculino. Quanto às manchas da bata, calças e camisola cinzenta, não se obtiveram resultados".
55) Com vista a confirmar que os vestígios femininos recolhidos nas peças de vestuário pertenciam à ofendida, foi efectuada uma zaragatoa bucal à ofendida, remetida ao Instituto Nacional de Medicina Legal - Delegação do Porto que logrou confirmar, conforme conclusões do exame de folhas 187 a 189 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que "As características genéticas do DNA extraído das manchas da camisola e calças são idênticas as características genéticas do DNA extraído da zaragatoa bucal colhida a D………., para os sistemas estudados".
56) Notificado o arguido B………. para comparecer a exame médico legal no Gabinete Médico-Legal no dia 25 de Fevereiro de 2005, o arguido compareceu, recusando-se a colaborar na realização de zaragatoa bucal para exame de ADN, por sugestão do seu advogado, conforme documento por si assinado a folhas 123 a 125 (cujo teor se dá aqui par integralmente reproduzido).
57) A ofendida sofre de alguma limitação intelectual na fronteira entre o ligeiro e o médio, sofre de epilepsia generalizada convulsiva e reacção depressiva prolongada.
58) Não apresenta sinais ou sintomas que indiciem estado tóxico, alcoólico ou outro ou que permitam inferir actividade alucinatória/delirante.
Conforme exame médico junto a folhas 180 dos autos, datado de 26 de Janeiro de 2005 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), a ofendida D………." ... é seguida na consulta externa de Neurologia por epilepsia", "trata-se de urna doente oligofrénica, que necessita de apoio permanente especializado, sendo aconselhável a frequência de um estabelecimento de apoio a deficientes".
59) Tal limitação intelectual era conhecida do arguido que há muitos anos conhece a ofendida D………. .
60) No seguimento de suspeitas que o arguido B………. fosse possuidor da arma que exibira à ofendida, foi requerida e ordenada uma busca domiciliária, vindo a apreender-se:
- uma pistola de marca Browning, calibre 6,35mm, com carregador contendo seis munições e mais 23 munições do mesmo calibre, examinada a folhas 64 e fotografada a folhas 239 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), estando esta arma documentada e com autorização de posse na residência a favor do arguido, conforme documentos de folhas 45, 46 e 48;
- uma arma de caça de marca "Special Gewehr Lauf Stahl Fried Krupp Essen", com o nº …., calibre 12mm e 15 cartuchos do mesmo calibre, examinada a folhas 65 e fotografada a folhas 238 (cujo teor, para os devidos efeitos legais, se dá aqui por integralmente reproduzido), com Iivrete em nome do arguido e autorização de detenção no domicílio com o nº …, emitida a 07-11-2000, com validade permanente;
- uma pistola de marca "Colt", nº ….., de calibre 7,65mm, examinada a folhas 66 e fotografada a folhas 238 (cujo teor, para os devidos efeitos legais, se dá aqui por integralmente reproduzido), sem documentação e insusceptível de posse legal, por se tratar de tipo de arma com calibre reservado a forças de segurança.
61) Os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas, para além de censuráveis, eram punidas por lei.
62) O arguido B………., através do uso da força necessária a contrariar a oposição da ofendida nos termos descritos, quis manter relacionamento sexual de cópula completa com a ofendida, para o que introduziu o seu pénis na vagina da ofendida, ejaculando, actuando sempre conforme tal propósito, que logrou alcançar, apesar da oposição verbal e física repetida expressa pela ofendida a tal relacionamento.
63) O arguido B………., depois de ter abusado sexualmente da ofendida, pretendendo por todos os modos que esta não revelasse o seu comportamento, com vista a que não lhe pudessem pedir responsabilidades pelo sucedido, exibiu uma pistola à ofendia e exigiu-lhe que nada contasse a terceiros sobre o sucedido, sob pena de, contando, lhe fazer mal ou fazer mal aos seus pais, nomeadamente à saúde ou à própria vida, ficando a ofendida condicionada por tais palavras, recusando-se a ofendida daí em diante e numa fase inicial a contar o que se passara, mesmo quando confrontada com evidências da ocorrência dos facto por terceiros.
64) O arguido B………. quis guardar na sua posse uma pistola de calibre 7,65mm, para a qual não tinha licença válida e para a qual nunca poderia obter licença válida, bem sabendo que o porte e uso de tal arma não era permitido e que em todo o caso a posse de armas exige sempre a necessária licença.
65) O arguido C………. actuou com o intuito de facilitar o relacionamento sexual forçado do arguido B………. com a ofendida, ajudando inicialmente a manietá-la e a reduzir a sua capacidade de oposição, bem sabendo que a sua acção permitia ao arguido B………., pelo menos inicialmente, concretizar o seu intento de relacionamento sexual, actuando sempre conforme estes propósitos até que abandonou tal auxílio por sugestão do co-arguido B………. .

66) Aquando do exame médico-legal a ofendida apresentava os vestígios descritos no exame médico-legal de fls. 85 a 88, mais concretamente a nível da região genital e peri-genital:
Hímen:
Soluções de continuidade cicatrizadas: apresenta três, às 3, 5 e 9 horas;
Soluções de continuidade recentes: não apresenta
Outras lesões: não apresenta;
67) A ofendida com os factos dos autos ficou muito abalada debilitada psiquicamente, temendo pela sua integridade física e vida.
68) A ofendida sofre de epilepsia e é oligofrénica, após os factos dos autos sentiu o estado da sua epilepsia agravar-se, pelo que recebe ajuda a nível neurológico da sua médica Dra H………. .
69) A assistente passou a procurar andar sempre acompanhada de familiares e amigos, tem medo de ser abordada pelos arguidos.
70) As cuecas apresentadas pela ofendida ao Instituto de Medicina Legal não apresentavam qualquer solução de continuidade e as calças apresentavam-se sujas e em mau estado de conservação provocado pelo uso, fls. 428.

71) O arguido B………. foi condenado em 29.10.03, factos de 16.06.01, pela prática de um crime de dano e injúria, em pena de multa.
72) O arguido B………. é agricultor, tal como a esposa, casado, tem uma filha de 18 anos a seu cargo, vive em casa própria.

73) O arguido C………. trabalha na agricultura, aufere €600,00 mensais, casado, paga €3,00 de renda de casa, casado, a esposa aufere €200,00 mensais, analfabeto, não tem antecedentes criminais.

2.1.2. - Factos não provados.
Com pertinência e relevância ao objecto do processo não se provou:
a) O arguido B………. tivesse repetidamente introduzido o seu pénis na vagina da D………. .
b) As lesões apresentadas pela ofendida:
na face: cicatrizes retrácteis na hemiface esquerda;
no membro superior esquerdo: cicatrizes retrácteis;
no membro inferior: cicatrizes retrácteis,
tenham sido consequência das agressões dos arguidos.
c) A assistente nunca ande sozinha
d) A ofendida D………. quando ia trabalhar para os prédios rústicos do arguido B………. tivesse uma remuneração diária de €22,00 ou €11,00 por meio dia.
e) O arguido B………. não tenha mantido qualquer relação de cópula completa contra a vontade da ofendida, nem em tempo algum a tenha ameaçado.
f) Dado a doença de que a ofendida é portadora a mesma tivesse que manifestar um comportamento manifestamente violento, agredindo o autor da agressão, impondo ao violador que tivesse que a agredir fisicamente para lograr os seus intentos, provocando-lhe lesões físicas evidentes à data do exame médico a que foi sujeita, lesões que seriam igualmente visíveis e significativas no corpo do arguido e que este não apresentava.
g) As cuecas e calças que a D………. apresentou como sendo aquelas que usava no dia dos factos não apresentem qualquer sinal de terem sido retiradas com recurso à força física.
h) Os arguidos B………. e C………. desconhecessem que a ofendida D………. sofresse de limitação intelectual.

2.2. - A convicção do tribunal.
Em sede de motivação da decisão de facto provada e não provada, ponderaram-se, desde logo, os documentos juntos aos autos:
Fls. – 2 a 5 – auto de denúncia e guia de entrega.
Fls. 7 a 10 e 85 a 88 – relatório médico-legal.
Fls. 34 – escrito de ameaças.
Fls. 39 a 54 – auto de busca, auto de apreensão, termo de entrega.
Fls. 64 a 66 – auto exame directo (a fls. 66 com informação a dizer que a arma está em mau estado de funcionamento).
Fls. 67 a 71, 187 a 189 – exame médico-legal a informar da existência de vestígios masculinos na roupa, bem como resultados de exames.
Fls. 72 a 77, 120 a 122, 161, 183 – informação de operadoras telefónicas
Fls. 124 e 125, 439, 440 – declaração do arguido a recusar-se a prestar o exame de Zaragatoa Bocal)
Fls. 180 – relatório médico.
Fls. 237 a 239 – informação policial sobre as armas apreendidas.
Fls. 428 – informação médico-legal sobre as cuecas e calças apresentadas para exame.
Fls. 432 a 438 – Relatório psiquiátrico da ofendida.
Fls 554 e 555 – auto de recolha de zaragatoa bucal.
Fls. 605 e 606, – relatório médico-legal que conclui que o DNA extraído da mancha das cuecas é idêntico ao recolhido da zaragatoa bucal ao arguido B………. .

Ponderaram-se também as declarações dos arguidos.
O arguido B………. reconheceu ter tido relações sexuais com a ofendida D………., mas que foi de livre vontade e acordo com a mesma, tal como já sucedia há cerca de 2 anos.
Teve relações sexuais na carrinha no banco da frente, foi a ofendida que se despiu e pôs a roupa ao lado, a ofendida já não era virgem.
Os encontros sexuais anteriores com a ofendida eram aos domingos à tarde, cerca das 18/20.00h.
No fim da relação sexual do dia dos autos a ofendida estava chateada porque não conseguia ligar à irmã, tendo o arguido entregue o seu telemóvel para esta ligar.
Sobre as expressões ouvidas pelos pais da ofendida diz que não é verdade que apenas disse a esta que “tu cortaste os pelos”.
Sobre a razão pela qual se queixou diz que é uma maquinação, já que a ofendida se tinha queimado quando trabalhava para o arguido e a mãe pediu para não dar o seguro já que ela estava reformada e podia perder a reforma.
Entre a data em que a ofendida se queimou e a dos autos tinha tido cerca de 3 vezes relações sexuais com a ofendida, as quais ocorriam na carrinha e numa casa abandonada em V. Real.
Sobre a razão das declarações contraditórias com as prestadas a fls. 109 em que refutou a prática das relações sexuais com a ofendida diz que foi com receio da mulher saber e queria preservar o casamento.
A ofendida era normal, não vendo que ela fosse limitada intelectualmente.
As 3 armas são do arguido, a pistola colt foi uma herança do avô, detinha-a por estimação, nunca andou com armas e não mostrou nenhuma à ofendida após a relação sexual.
No dia dos factos foi com o filho, o arguido C1……… e depois foram buscar a ofendida, a mãe da ofendida sabia que a mulher do arguido não ia trabalhar.
Foi o arguido que se ofereceu para trazer a ofendida a casa, depois a mãe da ofendida ligou-lhe, tendo atendido o C1………. a dizer que aquela disse que tinha ouvido tudo e que queria falar com o arguido B………. .
Ao fim da tarde dirigiram-se a casa da ofendida tendo a mãe da ofendida dito ao arguido que tinha ouvido tudo e não esperava isso de ti, borraste-me a cara, a minha filha não vai mais trabalhar contigo, ao que o arguido respondeu se estava desconfiada a ofendida não ia mais trabalhar com ele.
Diz que não ficou assustado pela possibilidade da D………. estar grávida por saber que esta tinha sido laqueada.

O arguido C………. referiu que saiu de casa, cerca das 8h30m, com o outro arguido e o filho para irem apanhar azeitona e foram buscar a D………. .
Quando a ofendida chegou ao carro começou a dizer que o pai estava doente e a irmã tinha ido para o hospital nessa noite, tentou fazer chamadas para os pais como não conseguiu começou a dizer asneiras.
Não é verdade os arguidos terem-se rido no caminho.
O arguido e o filho do B………. saíram e este continuou com a D………. cerca de 200 metros para irem buscar toldos, decorridos cerca de 15 minutos viu passar o arguido B………. no carro para cima, não reparando se a D………. ia com ele.
Após 30 minutos o B………. chegou junto dele e disse que tinha ido levar a D………. porque a mãe lhe telefonou a dizer que o pai estava pior e tinha de ir embora.
Cerca das 10h30m a mãe da ofendida ligou a dizer que queria falar com o arguido D………. à noite, tendo ainda dito ao arguido que descobriu tudo.
À noite foi com o arguido B………. a casa da ofendida e o filho do B………. ficou no carro, tendo a mãe da ofendida dito que o B………. tinha cuspido na cara, que ele era um porco e outras expressões, tendo o B………. dito que se está a desconfiar está a por o casamento em perigo, o melhor é a rapariga não ir trabalhar para mim e então a mãe disse que a filha não ia trabalhar mais para o arguido B………., por usar próteses, para assim, justificar o comportamento perante a mulher do arguido B………. que tinha chegado na altura com as próteses para a ofendida.
Na altura a mãe da ofendida disse que se a filha aparecesse grávida não acontecia como à I………. (a qual teve um filho de uma relação sexual semelhante)
Que é mentira o arguido B………. ter dito que iam fazer uma barrela, bem como o restante, designadamente ter agarrado a ofendida.
Instado sobre a razão da queixa diz que foi uma armadilha da mãe da ofendida
Conhece a ofendida há 5/6 anos e nunca se apercebeu que ela tivesse qualquer deficiência mental, porquanto trabalhava normalmente,

A ofendida/assistente D………. referiu que a mãe tinha recebido um postal para levantar umas próteses para a ofendida, tendo a mulher do arguido B………. se prontificado a trazer as mesmas.
Entrou para a parte de trás do carro, onde iam apenas os arguidos, na altura disseram que a mulher do arguido B………. não ia trabalhar, ambos os arguidos foram o caminho a rirem-se.
Chegados ao local os arguidos foram buscar o toldo e a ofendida ficou a telefonar para a irmã, esta ouvia o que ela dizia mas a testemunha não ouvia.
Entretanto apareceram os arguidos e disseram que lhe iam fazer uma barrela, mas pensou que não era a sério, a seguir o C1………. agarrou-lhe a perna esquerda que está queimada e o C………. agarrou por trás nos braços, começou a gritar e o arguido C………. disse “deixa lá a rapariga que ela não deixa” ao que o arguido B………. respondeu “vai estendendo os toldos lá cima” o que este fez indo-se embora.
Na impressão da testemunha os arguidos estiveram a tentar agarrá-la cerca de 30 minutos, não sabendo concretizar com precisão.
O B………. conseguiu desapertar o baraço das calças de treino e tirou-lhe as calças e as cuecas, foram tiradas as peças de roupa apenas numa perna da testemunha, a seguir atirou a ofendida para o banco da carrinha da frente que já estava deitado, altura em que o arguido B………. tirou as calças dele e para baixo e atirou-se para cima da ofendida, fechando as portas da carrinha, vindo a introduzir o pénis na vagina da ofendida, tendo dito ao arguido para a deixar que a estava a magoar, ao que ele lhe disse para abrir a pentelheira e proferido outras expressões.
Após, como estava o telemóvel a tocar e que era a mãe, ao que o arguido lhe deu as calças para vestir, mas ela estava a tremer e com medo, entretanto, vestiu-se e o arguido B………. disse toma lá o telemóvel e ligou para o telemóvel da mãe, passando-o para a ofendida, tendo a mãe dito para se vir embora que o pai estava doente.
Vinha embora a pé e o arguido agarrou-a numa curva e meteu-a dentro da carrinha e trouxe-a até perto de casa junto ao cruzeiro.
No caminho da ………. o arguido B………. abriu o porta-luvas, tirou a pistola e apontou-lha à testa e disse se a ofendida comentasse alguma coisa aos pais que os matava aos três.
Quando chegou a casa encontrou o pai e a mãe ao lume e aquele disse-lhe “ó D1………. (porque tinha uma tia com este nome de quem também tinham abusado sexualmente), não respondeu e a mãe disse que tinha ouvido tudo o que tinha acontecido pelo telemóvel, ao que a ofendida respondeu que ela era maluca e que não tinha acontecido nada, foi para a sala e não comeu nada, pese os pais continuarem a insistir para ela dizer o que tinha acontecido.
Foi à casa de banho e esqueceu-se de deitar água na sanita, tendo o pai ido também à casa de banho e visto a sanita cheia de sangue e dito à mãe que realmente era verdade.
A mãe telefonou, então, ao B………. a dizer o que é que fizeste à minha filha? Vem cá à noite que eu não te bato, tendo ambos arguidos ido à noite a casa da ofendida.
Aí chegados, o pai da ofendida perguntou ao B………. o que é que tu fizeste? Ao que este respondeu que não tinha feito nada, tendo o arguido dito também que eu não fui, não vi nem fiz.
O B………. disse para a mãe pedir o que quisesse porque o meio é muito pequeno, ao que a mãe respondeu que não queria dinheiro nenhum.
Entretanto chegou a mulher do arguido B………. com as próteses e a mãe da ofendida mandou-a subir, tendo o B………. saído e ido buscar as encomendas que a mulher trazia, tendo esta ido embora.
O B………. perguntou se a mãe da ofendida queria que ele levasse a azeitona, bem como se queria que pusesse umas pedras ao que a mãe respondeu que não, no entanto, o arguido colocou na mesma as pedras, altura em que apareceu o escrito de fls. 34 colocado na porta.
A irmã disse à mãe para não lavar a roupa, tendo aquela vindo no sábado e insistiu com a ofendida para esta contar o que se passou, mas ela não contava porque tinha receio do que o arguido pudesse fazer.
No domingo passou o tio (GNR) e como tinha confiança nele contou-lhe, tendo o tio de seguida ido à polícia buscar uns sacos para colocar a roupa da ofendida, na 2 feira foi à GNR apresentar queixa e foi ao hospital, não se lavou desde o dia da violação até 2ª feira.
Refere que o trabalho que a família efectuava ao arguido B………. era pago em trocas de serviços prestados gratuitamente, apenas eram pagos ao pai da ofendida os dias da poda e as vindimas.
No dia dos factos ficou surpreendida por ir sozinha com os arguidos, porque tinham combinado que a mulher do arguido B………. também ia, porque a mãe só a deixava ir se esta fosse.
A arma que o arguido exibiu não era a de fls. 238 e 239.
Passou a sentir medo, receio, raiva, anda sempre acompanhada com medo, conhecia o arguido B………. há 10 anos, tendo sido ele que a retirou da fogueira quando a ofendida se queimou.
O filho do arguido B………. não ia no carro, tinha ido para fora no ano novo e ainda não tinha voltado.
Tinha ido trabalhar só há uma semana, antes dos factos, para o arguido B………. .
O telemóvel terá ficado na viga no exterior do barraco junto à carrinha, mesmo quando foi levada para dentro da carrinha.
As expressões ditas pelo arguido (agora é que vamos ver essa pintelheira…vá, vá, abre-me essas beiças para o lado, abre-me essa pintelheira) terão sido dentro da carrinha.

A testemunha G………., mãe da ofendida, conhece o arguido B………. desde bebé e o arguido C………. (C1……….), há 4/5 anos, os trabalhos que prestavam ao arguido B………. apenas eram pagos na poda e vindimas, o resto era com troca de serviços.
A ofendida andava na fisioterapia e a testemunha andava a trabalhar para o arguido B………., tendo este e a mulher pedido para deixar ir a ofendida para segurar os toldos da azeitona, o que anuiu com a condição da mulher do arguido B………. também ir.
No dia 6 de Janeiro de 2005 foi falar com o arguido para dizer que não ia trabalhar para ir levantar as próteses da ofendida e eles disseram que as levantavam no mesmo dia.
No dia 7 (dia dos factos) telefonou a filha de Viseu a dizer que a ofendida estava a passar maus bocados, ligou para a ofendida e ouviu o C1………. a dizer é num instante, voltou a ligar e ouviu a ofendida e o arguido B………. com as expressões acima reproduzidas na matéria de facto provada.
Após isso atendeu o telemóvel do arguido B………. e disse à ofendida para se vir embora que o pai estava doente, a qual chegou a casa acabrunhada e o pai disse-lhe “ó D1……….” e ela não disse nada e tremia.
A ofendida foi à casa de banho e não deitou água na sanita, tendo o pai ido lá depois e visto o sangue, interpelaram novamente a ofendida e esta não respondia.
De seguida ligou ao arguido B………. e disse-lhe fizeste mal à minha filha e ele disse você é maluca, tendo dito ao arguido B………. para vir lá à noite.
À noite vieram os dois arguidos, interpelou o arguido B………. perguntando-lhe o que é que ele tinha feito, o C1………. dizia que não viu nem sabia de nada, aquele apenas dizia você é maluca, disse-lhe ainda sabes quem nesta hora está a violar a tua filha? E o arguido chorou.
Entretanto apareceu a mulher do arguido B………. a chamar para trazer as próteses e este foi buscá-las e a mulher foi-se embora.
O arguido B………. perguntou o que iam fazer à mulher, tendo o arguido C1………. respondido não faz mal a ofendida anda com as próteses e o pai está doente, para justificar o facto de deixarem de trabalhar para o arguido.
Antes dos arguidos irem a casa ligou à filha em Viseu e esta disse-lhe para não lavar a ofendida.
A filha F………. chegou no sábado e não obteve qualquer reprodução dos factos da ofendida, no domingo a ofendida disse que falava com o tio (GNR) e chamaram-no a quem a ofendida contou o que se tinha passado.
Após isso apresentaram queixa e foram ao IML. o arguido ia quase todos os domingos a casa da ofendida e sabia que esta era deficiente.
As queimaduras sofridas na fogueira pela ofendida ocorreram em Abril de 2004, as próteses eram para a perna esquerda da ofendida, a qual tinha sofrido queimaduras no braço e outras partes do corpo.
A ofendida tinha o telemóvel desde as queimaduras para chamar a mãe, antes dos factos a ofendida tinha começado a trabalhar com a mulher do arguido há 3 – 4 dias e tinha terminado a fisioterapia há cerca de uma semana.
A ofendida nunca tinha tido namorado nem tinha tido relações sexuais, foi laqueada aos 18 anos por causa da epilepsia, nem o pai sabia deste facto, nunca comentou este facto a ninguém.
Não lavou a filha nem a roupa, a ofendida apenas tirou a roupa no domingo quando o tio trouxe os sacos é que mudaram a ofendida.
A ofendida nunca andou sozinha com o arguido, nem saia com ninguém, não deixava a ofendida ir sozinha com o arguido por na terra não ser normal tal comportamento.
Antes a ofendida era alegre sociável e agora sente-se triste, baixa a cabeça, sente vergonha.
A ofendida disse-lhe que o arguido a matava e aos pais antes do arguido vir à noite a casa.

A testemunha K………., pai da assistente, conhece o arguido B………. há 7 anos e o arguido B………. há 4 anos, refere que o arguido e a esposa foram pedir para deixarem a ofendida ir estender os toldos e a mulher da testemunha disse que a deixava ir se a esposa do arguido fosse.
Como receberam um postal para levantar as próteses disseram aos arguido B………. e mulher que não podia ir mas eles disseram que traziam as próteses, pelo que a ofendida foi na mesma trabalhar.
A ofendida depois disse que a mulher do arguido B………. não tinha ido e que só foram os dois arguidos.
Após a ofendida ter saído de casa houve um telefonema da irmã de Viseu a dizer que aquela estava a ligar muito aflita.
Após a vinda da ofendida para casa, perguntou-lhe o que tinha acontecido e ela disse que não tinha acontecido nada.
Mais tarde foi à casa de banho e viu sangue na sanita e chamou a mulher, confrontada a filha disse que não era nada.
Após a mulher ligou para o arguido B………. .
À noite apareceram os arguidos, o C1………. disse ao entrar “eu não fui, ouvi, nem vi” e encostou-se à luz a apagar e acender a mesma.
O arguido B………. perguntou como é agora com a azeitona e as pedras e disse-lhe que já não queria nada com ele, no entanto, no outro dia estavam lá as pedras com um escrito.
A mulher perguntou ao arguido B………. “e se agora estivessem a fazer pouco da tua filha” e ele começou a chorar.
O C1………. disse que a filha estava doente e o pai não pode para a mulher do arguido não saber do que se tinha passado.
Quando a filha F………. chegou de Viseu perguntava à ofendida para ela dizer o que se tinha passado mas ela não dizia, tendo depois dito que apenas contava ao tio (GNR).
A ofendida disse ao tio que apenas lhe contava a ele o que tinha ocorrido e não aos pais por o arguido ter dito que a matava e aos pais.
Apenas soube que a ofendida tinha sido laqueada aquando do exame no IML no Porto.
A ofendida nunca namorou com ninguém, tratava o arguido por sr B………. .
A mãe ouvia a filha a bafejar quando lhe ligou e a chamar por ela, a mulher esteve muito tempo a ouvir a filha.

A testemunha H………., médica-neurologista, médica da ofendida há cerca de 10 anos, referiu que a ofendida tem um atraso mental assinalável e que se vê pela falta de aproveitamento escolar, com um desenvolvimento intelectual de cerca de 8 anos de idade.
A ofendida tem antecedentes de 2 tentativas de suicídio, já anteriormente tomava ansíoliticos.
Sobre o conceito de oligrofénica refere corresponder a atraso mental.
A ofendida é muito inibida, é sempre a médica a colocar as questões, nas consultas está sempre acompanhada pela mãe, revela uma diminuição do instinto, de pretensão sexual.
As laqueações em princípio são efectuadas por via abdominal.
A percepção da ofendida não é a normal de um adulto, sente muita necessidade de apoio, com uma grande proximidade à mãe, não é auto-suficiente para coisas complicadas.
A ofendida ficou deprimida, lavada em lágrimas, acha que é uma consequência da relação forçada, não lhe parece que resulte de qualquer devaneio, tanto mais que a ofendida não revela capacidade de efabulação.

A testemunha F………., engª agrícola, irmã da ofendida, referiu que a irmã lhe ligou cerca das 8.30h e sentiu que estava aflita pela forma como ela falou, dizia caralho, foda-se, perguntou-lhe o que se estava a passar e só ouvia o que ela dizia. A seguir ligou à mãe, veio no fim-de-semana e a ofendida estava cabisbaixa, tentou saber o que se tinha passado mas ela não contava, tendo depois dito que contava ao tio (GNR).
Falaram com o tio e a ofendida contou o que tinha ocorrido a este no domingo.
A mãe mostrou as cuecas e tinham sangue.
Na 6ª ainda ligou novamente à mãe e esta estava com a noção de que a irmã tinha havido abuso sexual da irmã, tendo dito à mãe para não lavar a roupa da irmã para não tirar vestígios.
A irmã tinha-se queimado por volta de Maio de 2004, nunca conheceu qualquer relacionamento amoroso à irmã.
A irmã era uma pessoa divertida que gostava de ouvir música em casa.

A testemunha L………., vive a cerca de 3 km de distância, conhece a D………. desde pequena, comentou-se o que sucedeu na povoação, a ofendida agora sai menos de casa.

A testemunha M………., GNR, tio da ofendida, foi a casa da ofendida no domingo à noite e ela contou-lhe o que se tinha passado, designadamente que os arguidos a tentaram despir, depois o C………. foi-se embora e o B………. disse que ela ia ver, tendo-a violado a seguir.
O arguido B………. trouxe-a para casa e ameaçou-a com uma pistola, não contou antes com medo da ameaça do arguido.
Foi buscar sacos e recolheu a roupa interior da ofendida.
A testemunha convive muito com a ofendida e agora é muito atormentada.

A testemunha N………., engº agrícola, namorado da irmã da ofendida há 5 anos, referiu ter vindo no sábado com aquela, encontraram a ofendida abalada com medo, antes andava sempre com rádio para trás e para frente, era alegre, tem uma idade mental de 8/10 anos de idade, agora é triste.
Quando chegaram a ofendida dizia que só falava com o tio porque tinha sido ameaçado pelo B………. .

O………. conhece a ofendida desde pequenina, foi comentada a violação na aldeia, agora anda mais triste, toda a aldeia sabe que ela tem um atraso mental, nunca se falou de namoros da ofendida na aldeia.

A testemunha P………., vizinho da ofendida desde o nascimento, na aldeia comentou-se o que se tinha passado, nunca conheceu namorados à ofendida.

A testemunha Q………. referiu que na aldeia todos sabem que a ofendida sofre de ataques epilépticos, na aldeia comentou-se a violação.

A testemunha S……….., filho do arguido B………., referiu que seguiu com o pai, o arguido C………. e a ofendida.
Desconhece se a ofendida o viu no carro, porque esta ia a tentar ligar aos pais e a dizer asneiras.
O pai foi buscar um toldo ao armazém com a ofendida e a testemunha e o C………. ficaram a cerca de 2 km a varejar azeitona.
O pai aparece sem a ofendida dizendo que esta tinha recebido um telefonema da mãe e foi levá-la a casa.
No regresso foram a casa da ofendida, tendo a testemunha ficado no carro à espera dos arguidos.
O pai tem duas armas 1 pistola e 1 caçadeira.
Confrontado com a discrepância do depoimento com o prestado a fls. 143, onde afirmou que ele o arguido C………. a ofendida saíram quando chegaram ao local e que já lá estavam os toldos todos, contrariamente ao que disse agora, diz que apenas proferiu tal depoimento para proteger o pai.
Apenas foi passar o fim-de-semana ao Algarve.
Nunca soube que o pai tivesse qualquer relação amorosa com a ofendida.

A testemunha T………., esposa do arguido B………., referiu que a ofendida trabalhava para o arguido geralmente aos sábados e os pagamentos eram feitos em dinheiro e que às vezes ia trabalhar sem a testemunha.
A ofendida era uma pessoa normal, a mãe desta disse uma vez que aquela tinha sido laqueada, aquando do acidente em que a ofendida se queimou a mãe disse para não comunicarem ao seguro porque ela tinha uma pensão.
No sábado a ofendida estava na mercearia e disse que não ia trabalhar por causa das próteses.
Aquando da busca a testemunha e o arguido é que levaram a polícia ao local onde estavam as armas, uma era de memória dos sogros (há 19 anos), o arguido até desconhecia que a testemunha tinha aquilo.
O arguido até ir fazer o exame ao Porto negava sempre a existência de qualquer relação sexual com a ofendida, após o exame é que o arguido disse que tinha tido relações sexuais com a ofendida, tal como outras vezes.
A queixa foi por vingança por quererem uma indemnização pela queda no fogo.

A testemunha U………., amigo do arguido desde a infância, trabalhou cerca de 3 anos para o arguido, referiu que a ofendida às vexes ia trabalhar sozinha e outras acompanhada, comportava-se como uma pessoa normal, desconhece se namorava.
Nunca viu nada entre o arguido e a ofendida mas esta era atrevida, porquanto chegou a propor à testemunha para sair com ele o que recusou.

A testemunha V………., amigo do arguido desde a infância, trabalhou para o arguido em Junho de 2004 e este ano, referiu que andou a trabalhar com a ofendida há 3 anos numa vindima no ………. e viu esta a deitar as mãos aos testículos do arguido e este disse-lhe para não dizer nada a ninguém.
A ofendida é uma pessoa normal.

W………. diz que o arguido é boa pessoa e está bem inserido no meio.

A testemunha X………. diz que a D………. andou a trabalhar com o pai para o arguido, a ofendida dizia que andava a ganhar as tardes para a mãe.

A testemunha Y………., trabalhou para o arguido desde 2002, 2 vezes por semana no ano, conhecia a ofendida por trabalhar com ela e dizia-lhe que entregava o dinheiro à mãe, era uma pessoa normal.

A testemunha Z………. amiga do arguido B………. há 23 anos, trabalha com ele há 10 anos, conhece a ofendida desde 2002, esta ás vezes ia sozinha trabalhar e outras ia com o pai, falava normalmente, era paga o seu trabalho era pago a dinheiro.

A testemunha/perita médica AB………. instada sobre o relatório de fls. 86 refere que a história do evento foi relatado pela ofendida e pela mãe, a ofendida é que referiu não ter sido usado preservativo, sobre a parte em que é referido …terá bebido…foi referido pelas duas.
Sobre o que considera como exame recente diz que é aquele que é efectuado nas 1ªs 24 horas, decorridas 72 horas já não é uma boa amostra, porque os vestígios estão contaminados.
Sobre o ponto 2.4 do relatório refere que soluções cicatrizadas às 3, 5 e 9 horas são recentes de coito, podendo ter ocorrido na 6ª.
Soluções de continuidade não apresenta por já terem decorrido mais de 24 horas.
Mesmo que a ofendida não se tivesse lavado não procedia a colheitas por já ter decorrido o prazo de 24 horas.
Caso tivesse havido referência a perda de sangue não estaria no relatório porque não é hábito registar tal facto.
A conclusão decorre do facto de terem sido ultrapassadas as 24 horas, dado o processo de cicatrização ser muito rápido.

A testemunha AC………. referiu que o arguido é muito respeitado na aldeia.

A testemunha AD………. referiu que uma vez a esposa do tio da ofendida disse que a cama está bem feita e que o arguido ia ter que pagar o que fez à sobrinha.

A testemunha AE………., presidente da Junta de Freguesia, referiu que o arguido é uma pessoa integrada no meio e trabalhador.

As testemunhas AF………., I………., AG……….. referiram o mesmo da anterior testemunha.

Relativamente às condições sócio-económicas e antecedentes criminais dos arguidos teve-se em atenção as suas declarações, os depoimentos das testemunhas que sobre tal depuseram, bem como CRC.

Análise crítica da prova.
Algumas considerações cabem ser feitas sobre alguns pontos da matéria de facto provada.
Como se sabe a convicção do Tribunal forma-se segundo os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduzem a que a convicção do Tribunal se forme em determinado sentido, ou valore de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
O sistema de livre apreciação das provas (artigo 127º CPP), com a possibilidade controle imposto pela obrigatoriedade duma motivação racional da convicção formada, evita situações em que se impute ao julgador a avaliação “caprichosa” ou “arbitrária” da prova, e, sobretudo, justifica-se a confiança no julgador ao ser-lhe conferida a liberdade de apreciação da prova garantindo-se, simultaneamente a credibilidade na Justiça (vd. Marques Ferreira, O Novo Código de Processo Penal, CEJ, 229 e segs.).
Como assinala Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 204 e segs.), a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis [v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova], e mesmo puramente emocionais - mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros.
Nesta matéria, assumem particular relevo, os princípios da imediação e da oralidade, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua idade.
Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.
Como se diz no ac. do STJ, Processo 03P3213, Nº do Documento: SJ200401070032133, de 07-01-2004, in www.stj.pt o princípio estabelecido no artigo 127° do CPP significa que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal valorar os meios de prova de acordo com a experiência comum e com a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação e convicção.
Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se as descontinuidades imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
Na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
O princípio, tal como está inscrito no artigo 127° do CPP, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objectividade» (cfr. Teresa Beleza, "Revista do Ministério Público", Ano 19°, pág. 40).
A livre apreciação da prova pressupõe, pois, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais.
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerum que accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Vaz Serra, ibidem).

Reconduzindo-nos aos presentes autos podemos dizer, após a produção da prova em sede de audiência de julgamento, ter-se demonstrado com segurança a prática dos crimes de que os arguidos se encontram acusados.
Assim, temos, desde logo, uma panóplia de elementos objectivos e adjuvantes que levaram o Tribunal Colectivo a concluir pela procedência da matéria de facto inerente a tais crimes, senão veja-se.
Em 1º lugar temos as declarações da ofendida/assistente a qual, pese as suas evidentes limitações intelectuais, bem como a dificuldade emocional e psíquica em reproduzir novamente os factos, depôs de forma manifestamente credível e pormenorizada sobre as circunstâncias em que ocorreram os factos, desde o acordo que havia com o arguido e mulher deste para ir trabalhar, a surpresa por apenas ter encontrado os arguidos no carro, os telefonemas efectuados, a acção inicial e conjunta dos arguidos para a despirem, a saída do arguido C………., bem como a subsequente consumação da violação pelo arguido B………. e coacção pelo mesmo para evitar o conhecimento e divulgação dos factos.
Mas se dúvidas houvesse e o Tribunal Colectivo, após apreciação de toda a prova, não as teve, temos os depoimentos dos pais da ofendida, especialmente da mãe, a qual se apercebeu pelo telefone daquilo que estava a ocorrer com a filha, instando esta a vir-se embora com o argumento do pai estar doente.
De salientar que relativamente aos depoimentos dos pais da ofendida, pese a dificuldade de expressão e verbalização do que tinha sido ouvido pelo telefone, depuseram também eles com bastante credibilidade, com especial relevância para a mãe, revelando de forma muito aproximada e similar à ofendida a sequência e concatenação de actos havidos em todo este trama.
Acrescem ainda os depoimentos da F………., irmã da ofendida, que se terá apercebido telefonicamente da situação de dificuldade desta e que logo ligou para a mãe, bem como o depoimento da testemunha M………. a quem a ofendida relatou o ocorrido.
Quanto ao crime de coacção pese a ofendida ter afirmado que as armas apreendidas não eram iguais à exibida pelo arguido B………., certo é que não teve dúvidas sobre a exibição de uma arma pelo arguido B………. para a amedrontar.
Veja-se que tal era verdade que a família da ofendida também reconheceu que a ofendida sentia receio do que o arguido pudesse fazer à família, sendo certo que estamos a falar de uma ofendida com uma razoável deficiência mental, comportamento ao nível dos 10 anos de idade, a que acresce o facto não despiciendo de na sequência da conversa tida na noite dos factos em casa da ofendida ter aparecido juntamente com as pedras que os pais da ofendida já não queriam o escrito ameaçador de fls. 34.
Sobre a hipotética possibilidade de efabulação dos factos pela ofendida, tal foi afastado pelo Tribunal Colectivo, com efeito, temos os depoimentos atrás referidos, conjugados ainda pelo depoimento da testemunha H………., médica-neurologista da ofendida há 10 anos e que foi clara em afastar tal possibilidade, bem como relatório pericial psiquiátrico à ofendida.
Também sobre a eventual maquinação e vingança efectuada pela ofendida e pais desta, nenhuma credibilidade mereceu tal versão, ou seja, pretenderem aqueles vingar-se dos arguidos pelo facto de não terem recebido qualquer indemnização aquando da queda na fogueira pela ofendida só mesmo na imaginação fértil de quem se encontra em desespero de causa e já não tem argumentos para justificar o injustificável.
Com efeito, temos a fraca condição sócio-económica, cultural e intelectual da ofendida e seus pais, os quais mesmo para verbalizar qualquer situação já têm muita dificuldade para o fazer quanto mais para andarem meses a ponderar, magicar e maquinar todo o trama ínvio dos autos, sendo certo que os pais da ofendida até tinham uma relação de proximidade e amizade com o arguido B………., mesmo após a caída à fogueira da ofendida.
Veja-se ainda que relativamente ao arguido C………. sempre se ficaria sem saber qual era a vantagem que a ofendida e pais iam obter, o que é bastante significativo.

A coadjuvar a versão verosímil da ofendida e pais temos ainda a manifesta falta de credibilidade da versão dos arguidos, senão veja-se.
O arguido B………. andou todo o processo a pugnar pela inexistência de qualquer relação sexual com a ofendida, chegado à audiência de julgamento, pasme-se, apresenta a versão de que efectivamente manteve relações sexuais de cópula com a ofendida mas que tal foi consentido por esta, como já tinha ocorrido de outras vezes.
Porquê tal alteração de posição? Não foi como o arguido B………. agora quis fazer crer, de apenas pretender esconder da mulher a relação sexual e salvaguardar o casamento, mas sim por uma razão muito objectiva e simples, qual seja, o arguido andou todo o processo a evitar a realização do exame pericial ao DNA, tendo sido forçado coactivamente à realização do mesmo, perante a evidência da realização do exame e do resultado positivo mais não lhe restou que inverter e alterar a estratégia, o que, obviamente, veio a suceder.
Aqui cabe salientar ainda outro facto evidente, qual seja, a deficiência intelectual da ofendida, o grau de dependência da mãe, o geral desconhecimento de que a ofendida alguma vez tivesse tido qualquer namorado.

O arguido C………. também não logrou minimamente afastar a credibilidade das declarações da ofendida, veja-se a ida com o arguido B………. para o campo, a forma comprometida com que actuou à noite em casa da ofendida.

No que concerne aos depoimentos das testemunhas arroladas pelos arguidos, quanto aos factos propriamente ditos nada sabiam, logo irrelevantes e inconsequentes para abalar e pôr em causa os prestados pelas testemunhas da acusação.
A este propósito, veja-se que mesmo o depoimento do filho do arguido B………., S………., não mereceu qualquer credibilidade ao Tribunal Colectivo, veja-se a contradição com o afirmado pela ofendida de que apenas iam os arguidos na carrinha, vide ainda a discrepância e contradição do depoimento em sede de inquérito a fls. 143 com o afirmado em sede de audiência de julgamento, sendo certo que a partir do momento que o pai assumiu a relação sexual com a ofendida pouca relevância sempre teria.
Quanto à falta de credibilidade, cabe salientar ainda os depoimentos das testemunhas U………. e V………., os quais tiveram um comportamento verdadeiramente lamentável e aviltante na parte em que se referiram e tentaram por em causa a honorabilidade da conduta da ofendida.

Ainda que de forma menos relevante, face ao reconhecimento das relações sexuais pelo arguido B………., temos os relatórios médico-legais.

Em suma, analisada a prova produzida, conjugada com as regras da experiência comum, nenhumas dúvidas sérias foram suscitadas ao Tribunal que afastassem a imputação dos factos imputados aos arguidos, pelo que a consequência lógica teria de ser a de dar os mesmos por provados.
**
III- Passemos, então, a apreciar as questões suscitadas.
Por uma questão de rigor metodológico, deve começar-se por analisar em primeiro lugar os recursos interlocutórios.
Assim,
1. - Não realização de segunda perícia á ofendida D………. .
O que o recorrente questiona é a falta de fundamentação do despacho recorrido, o que constituiria uma irregularidade, submetida ao regime do art.º 123º do CPP.
Façamos, em primeiro lugar, uma breve resenha processual.
Em sede contestação o recorrente invocando o facto da ofendida, á data da realização do exame médico não apresentar sinais de agressão física, o que, na sua perspectiva não era compatível com o comportamento tipicamente violento de uma doente epiléptica e a agressão sexual de que teria sido vitima, requereu que se procedesse a perícia médica de psiquiatria forense á personalidade da ofendida.
Foi deferido a realização do aludido exame.
A ofendida foi então sujeita a perícia médico psiquiátrica e respondidos os quesitos elaborados pelo arguido e que constam de fls.340, dos quais se destacam os seguintes:
- A epilepsia de que padece consubstancia-se numa síndrome neuropsiátrica tornando-a particularmente irritável, explosiva e agressiva? Tal característica, aliada à componente oligófrenia de que é portadora, determina que a mesma perante agressão sexual reagisse de forma violenta?; Agredindo o autor da agressão?; Impondo que o violador tivesse que a agredir fisicamente para lograr obter os seus intentos?; Provocando-lhe lesões físicas evidentes á data do exame médico a que foi sujeita; Lutando até ás suas últimas forças para afastar tal tipo de agressão? Ou torna-a permissiva (tolerante) á prática sexual?
O relatório de perícia médica psiquiátrica consta de fls. 453-457, tendo sido respondidas as questões colocadas.
Não satisfeito o recorrente entendeu que as respostas constantes do referido relatório médico-legal pecam por ausência de critério e rigor cientifico, entendendo que configuram uma perspectiva dos factos que o próprio juiz julgador podia concluir “segundo as regras de senso comum”.
Mas, porque em causa estava também a epilepsia que configura, segundo alega, “uma alteração na actividade eléctrica do cérebro, temporária e reversível, que produz manifestações motoras, sensitivas, sensoriais, psíquicas ou neurovegetativas”, a matéria quesitada deveria ser apreciada em sede de perícia de neurologia, e por essa razão requereu a realização de nova perícia, desta feita, do foro neurológico.
O Mmo juiz indeferiu a realização da segunda perícia, como acima se deixou consignado, por entender ser a mesma manifestamente impertinente e dilatória, uma vez que a questão estava suficientemente abordada no relatório pericial, acrescentando o facto de a ofendida se opor á realização da segunda perícia.
Não se vislumbra que o douto despacho recorrido enferme de qualquer falta de fundamentação, não se suscitando a mínima dúvida de que o recurso em causa é manifestamente improcedente.
Aliás, não podemos deixar de estranhar, tal como observa a Ilustre Procuradora-adjunta em 1ª instância as posições assumidas pelo arguido. Então aquando do requerimento da primeira perícia não sabia já o arguido que a ofendida sofria de epilepsia? Não sabia já que tal era uma doença do foro neurológico? Então porque motivo requereu uma perícia psiquiátrica e não neurológica?
2. - 2º Recurso:
O arguido recorreu do douto despacho que ordenou a sua sujeição a exame pericial de zaragatoa bucal com recurso ao uso da força pública necessária para que lhe fosse aberta a boca a fim de ser retirado esfregaço bucal. É tão-só dessa decisão que se ocupa o presente recurso.
Sustenta o recorrente ser nula a prova que viesse a ser obtida por comparação com os vestígios encontrados nas cuecas da ofendida, nos termos do art.º 126 do Cpp e bem ainda que deve ser declarada a inconstitucionalidade da norma enunciada no art.º 172º nº 1 do Cpp, quando interpretada no sentido de que é legitimo o uso da força física para abrir a boca e obter colheita de vestígios assim como será igualmente inconstitucional a norma do art. 126 nº e 1 e 2 alíneas a) e c) e 3 do Cpp, quando interpretada no sentido de considerar válida e, consequentemente, susceptível de ulterior utilização e valoração, a prova obtida através da colheita efectuada nos moldes antes descritos.
A decisão recorrida não só se mostra acertada quanto á decisão tomada, como também se mostra especialmente bem fundamentada, razão pela qual nos limitamos a enfatizar que, in casu, se verifica situação de excepcional gravidade (e grande relevância social), de necessidade e de subsidiariedade, na medida em que não existem testemunhas presenciais da violação naturalmente para além da própria ofendida (a qual, como de seguida se dirá com mais detalhe, sofre de uma acentuada limitação em termos cognitivos) e ambos os arguidos negam a prática dos factos.
Pelo que, na ponderação de todos os factores e não esquecendo o interesse do Estado na realização da justiça, a realização compulsiva da recolha de amostra biológica por meio de zaragatoa bucal, com vista à colheita de vestígios biológicos para determinação do seu perfil genético e subsequente comparação com os vestígios biológicos encontrados nas cuecas da ofendia, apenas é susceptível de ofender o direito á autodeterminação corporal do recorrente em medida irrelevante mostrando-se justificada e legitimada, o que quer dizer que a decisão recorrida não viola os normativos invocados pelo recorrente.
A este propósito desta questão doutrinou o Tribunal Constitucional no aresto que se deixa transcrito a seguir, na parte relevante:
admite-se que, em si mesmo, não existirá desproporcionalidade na utilização de tais métodos invasivos do corpo da pessoa (mas não lesivos da integridade física), da sua liberdade e privacidade, como único meio para obtenção da prova em situações (tal qual a do presente caso) de extrema gravidade dos factos perpetrados, com base numa ponderação de todas as circunstâncias a efectuar por um juiz imparcial que não tem a seu cargo ou sob o seu domínio a investigação do processo, e sendo assegurado o controlo de todo o aproveitamento possível dos resultados de tal intervenção. (…) haverá que tomar em consideração os específicos critérios normativos subjacentes à decisão judicial. Ora, entre tais critérios salvaguardam-se dois que o Tribunal considera essenciais: o interesse do Estado na realização da justiça em face de um crime com a elevada gravidade patenteada nos autos e a medida diminuta de afectação dos direitos à autodeterminação corporal e à própria intimidade pessoal, a par da utilização exclusiva para tais fins do material biológico recolhido.
Por outro lado, a menor densificação da lei existente que autorize tais intervenções, nomeadamente ao prever critérios de ponderação, procedimentos e limitação da utilização de tais materiais, não redunda, no caso concreto, em inconstitucionalidade porque a “norma do caso” formulada pelo tribunal recorrido quanto a critérios de proporcionalidade, necessidade e adequação, integrou os elementos substanciais que, de modo suficiente e exigente, poderiam assegurar a adequação e proporcionalidade que são exigidas pelo artigo 18º, nº 2, da Constituição.
Também não é determinante, no presente caso, em face da dimensão normativa em causa, o facto, em si mesmo, de a lei não densificar os critérios de recolha de prova com esta natureza. Com efeito, não estamos perante uma intervenção restritiva de direitos fundamentais não autorizada legalmente nem da ausência de densificação resultou, segundo os critérios fixados, uma intervenção arbitrária. Finalmente, tratando-se de recolha de prova, sem alternativas, dada a falta de testemunhas, em matéria de crime de muita elevada gravidade, a exigência de densificação da lei como exigência de constitucionalidade não consideraria a “necessidade investigatória” urgente em confronto com a medida diminuta de sacrifício dos direitos fundamentais no caso concreto.
Não estamos, assim, perante situação comparável, qualitativa e quantitativamente, a qualquer substituição do legislador pelo julgador em sede de definição do tipo legal de crime. Aí, o valor da segurança democrática relativamente ao que é proibido impõe-se sem quaisquer restrições. Nesta matéria, é admissível que, em circunstâncias de necessidade investigatória, o juiz ainda possa fazer uma ponderação que, segundo os padrões garantísticos da mais exigente das ponderações de acordo com os critérios da Constituição, o legislador nunca poderia excluir ao densificar a lei que autoriza a recolha de tais materiais como meios de prova.”
Vale tudo isto por dizer que a decisão sob recurso não merece censura.
*

Não obstante alguma incoerência na linha argumentativa da peça recursória, opta-se por seguir, na apreciação da matéria de facto, o ordenamento, por tipo de crime, da motivação de recurso.
Antes do mais é importante destacar que a ofendida/assistente sofre de um assinalável atraso mental (na fronteira entre o ligeiro e o médio), que em termos cognitivos se situa entre os 6 e 8 anos, epilepsia generalizada convulsiva e reacção depressiva prolongada. O discurso não é espontâneo, semanticamente pouco rico, de sintaxe algo laxa. (cf. relatório de exame médico-legal psiquiátrico a fls. 453 a 457) e declarações da médica neurologista que a tem vindo a acompanhar que refere que a ofendida não consegue contar uma história elabora muito pouco o discurso e muito inibida.
É por isso que também que não faz sentido sendo até despropositado trazer á colação a idade real da ofendida, como faz o recorrente quando refere “estamos a falar de alguém que tinha á altura dos factos 34 anos”. Estamos a falar, isso sim, é de alguém que não têm capacidade de auto defesa.
Posto isto,
3 - Crime de violação
3.1. - Começa o recorrente B………. por considerar que foram incorrectamente julgados os pontos de facto dados como provados nos pontos 33º e 34º. Uma vez que do depoimento da assistente /ofendida não afirma, em momento algum, que o recorrente introduziu o pénis na sua vagina, nem ejaculou nas partes íntimas. Pelo contrário, diz claramente “foi para as pernas”.
Esta alegação do recorrente é, para não dizer mais, absolutamente espantosa.
Então se é o próprio recorrente a admitir que teve relações sexuais de cópula completa com a assistente.
Temos também o exame médico a fls.86, do qual resulta a existência de relações recentes de coito. A propósito deste exame cabe referir que por não se tratar de um exame tecnicamente chamado de recente (que é aquele que é efectuado nas primeiras 24 horas), eventuais vestígios de sangue que apresentasse não seriam colhidos por já ter decorrido o aludido prazo de 24 horas e mesmo que tivesse havido referência a perda de sangue não estaria no relatório por não ser hábito registar, depois dessas 24 horas, tal facto, conforme declarações da perita médica Teresa Furriel. É por isso que os pontos focados nas conclusões 11ª a 13ª, não relevam para a imputação ao recorrente dos factos provados. Pelo que, não tem também sentido trazer á colação a alegada “nulidade a que se refere o art. 668º, nº 1 al.d) do CPC aplicável ex-vi do art.º 4º do CPP”.
Quanto ao ponto nº 34, é o que se extrai de fls.605-606, relatório médico-legal que conclui que o DNA extraído da mancha das cuecas é idêntico ao recolhido da zaragatoa bucal ao arguido B………., logo não “foi todo para as pernas”.
Depois, entende o recorrente que o tribunal erradamente deu como provados os pontos de facto 31º e 32º que “…por palavras não apuradas” e “…por oposição verbal e física” a ofendida dizia ao recorrente para cessar tal comportamento, argumentando que «o tribunal “a quo” caracteriza como violência, o facto do recorrente ter empurrado e deitado a ofendida no banco do passageiro e ter segurado os ombros da ofendida, ao mesmo tempo que manteve o peso do seu corpo”. Para depois concluir que os aludidos comportamentos não podem reputar-se de violentos.
Embora se trate de matéria de direito, não temos dúvidas em afirmar que tais comportamentos integram o conceito de violência.
Ademais, os concretos comportamentos da ofendida são visíveis já dos pontos anteriores da matéria de facto provada: subjugaram-na á sua vontade por meio da força e imobilização.
Sustenta ainda o recorrente que o tribunal dá como provado os pontos nº 25, 35, 37, 41 a 46 da matéria de facto dada como provado, que entre as 8h50 m e as 9h02 a ofendida foi objecto dos actos preparatórios da violação e da própria violação”, o que na sua perspectiva é “impossível, já que a ofendida diz a instâncias do tribunal “a quo” que o recorrente, in casu o arguido B………. esteve meia hora a tentar agarra-la”.
É certo que a pergunta do Mmo Juiz sobre “quanto tempo é que eles tiveram atentar agarra-la”, respondeu que teria sido mais ou menos meia hora. O tribunal insistiu nesse aspecto e a ofendida responde “5/10 minutos acha que aguentava agora mais não”. Mas mais uma vez o recorrente não teve em linha de conta o considerável atraso mental da ofendida acima referido, a quem não parece ser de exigir que tenha noção do tempo. De resto, basta atentar ainda que quando lhe foi perguntado pelo Mmo Juiz quanto tempo é que esteve com o telemóvel a tentar telefonar á irmã, respondeu que teriam sido “para aí 15 mm”, no entanto, basta consultar o registo telefónico para ver que essas tentativas demoraram apenas 1m e 27s.
Para demonstrar ainda a sua razão o recorrente escuda-se também no seguinte:
“(..)durante o aludido período, entre as 8h50 e as 9h02, em que o tribunal dá como provado que a assistente/ofendida foi objecto dos actos preparatórios da violação, encontrando-se, inclusive, ainda o arguido C………. no local (cf. ponto 37 da matéria de facto dada como provada) e da violação propriamente dita, a assistente/ofendida efectua cinco chamadas (cf. ponto 18º da matéria dada como provada) e atende cinco chamadas (cf. ponto 41 da matéria dada como provada) quando emana da convicção do tribunal que o Telemóvel terá ficado na viga no exterior do barraco junto á carrinha, mesmo quando foi levada para dentro da carrinha aliás, o que foi afirmado pela ofendida.”
E pergunta o recorrente como “é que se consegue explicar que alguém que está a ser objecto de violência e de uma violação efectue cinco chamadas, com conversação e atenda outras quatro chamadas, de um telemóvel depositado numa viga?”.
Cumpre antes do mais salientar que, na sentença, só devem constar os factos com relevo para a decisão da causa – art. 374, nº. 2, do Código de Processo Penal –, o que quer dizer evidentemente que não devem ser erigidos como provados ou não provados meios de prova, já que é desses elementos que se extraiam os factos e apenas estes, repete-se, é que devem ser idos em conta na elaboração da sentença. Doutra maneira está-se a confundir o que não deve ser confundido: meios de prova com factos.
Serve isto para dizer o ponto 18) da matéria de facto provada e parte do ponto 41) dessa mesma matéria de facto, nomeadamente, não deviam constar no douto acórdão por não constituir factos mas meios de prova.
De qualquer modo e visto o que se mostra impugnado sempre se dirá que:
- o que consta do ponto 41 é que as chamadas efectuadas pelos pais da ofendida ficaram registadas nos registos enunciados da ofendida “MTC” – chamada recebida”, o que é bem diferente de ter atendido chamadas.
- Há que reconhecer razão ao recorrente num aspecto:
De facto, o ponto 18 da matéria de facto provado é susceptível de gerar algumas dúvidas já que aí se mencionam “chamadas efectuadas pela ofendida D………. para os pais”. Porém, uma leitura integrada e não segmentada da decisão, permite percepcionar que o que está em causa são contactos (veja-se os pontos 9 a 15 dos factos provados), ou melhor dizendo, registos de chamadas recebidas no telemóvel da ofendida e originadas no telemóvel dos pais, que são como refere o recorrente na conclusão 29ª as que aí constam às 8h59m23s, 8h59m51s, 9h0025s e 9h01m25s, daí a menção chamada recebidas – tal como se colhe do documento de fls. 121 – informação de operadora telefónica.
É também claro que a primeira chamada aí mencionada não foi recebida pela ofendida mas sim originada no telemóvel desta, como nos dá conta o ponto 35 dos factos provados onde se consigna que o contacto entre os telemóveis dos pais da ofendida e o dela, foi “originado no telemóvel desta para o telemóvel dos pais”, e se colhe dos documentos de fls. 122 e fls.121 – informação de operadoras telefónicas.
Como tal, e para além de se entender que não devia constar dos factos provados o ponto 18) por, em si, não constituir facto, o que por si só é motivo para o eliminar, é também de eliminar, mesmo que assim se não entendesse, pelas razões ante expostas a referencia “8h50m21s 485 121 e 122 recebida pelo destinatário».
Afirma o recorrente que se «um telemóvel estiver colocado em determinado local, “esteve sempre ali”» (querendo significar que esteve sempre depositado na viga conforme dito pela ofendida e que o tribunal deixou consignado aquando da súmula das suas declarações), «só se pode ouvir qualquer conversa se a tecla de atender for accionada pela ofendida, o que esta alegou que não fez», donde decorreria a impossibilidade da mãe da ofendida ter ouvido as expressões dadas como provadas ou qualquer outra conversa.
É certo que a ofendida referiu ter deixado o telemóvel depositado na viga. Mas, já o arguido aquando das declarações que prestou afirmou que o telemóvel dela se encontrava no espaço entre bancos (da carrinha, como é óbvio), o que tem todo o sentido e explica por um lado, que a ofendida afinal não terá depositado o telemóvel na viga, e por outro, que a mãe tivesse não só ouvido as expressões proferidas no exterior por ambos os arguidos como para além destas as expressões proferidas pelo arguido no interior da carrinha.
No que toca ao facto da chamada ter sido originada no telemóvel da ofendida, o que é indiscutível, atento o registo de chamadas já anteriormente referido, são plausíveis várias hipóteses sendo a mais razoável que tivesse sido a própria ofendida face ás tentativas goradas de falar com a irmã (ou melhor de a ouvir) e preocupada como estava com a sua saúde tivesse ligado para a mãe (note-se que entre as tentativas de contactar a irmã e depois aquela em que foi estabelecido contacto com a mãe medeiam escassos segundos); aliás, também é razoável admitir que a mãe depois de ter sido contactada pela filha F………. que lhe deu conta de qualquer coisa não estar bem com a D………., tivesse logo de seguida tentado contactar a ofendida – de registar que estes contactos iniciais estão todos muito próximos - é por isso que não custa admitir que afirme ter sido ela a telefonar. Ou seja, tudo aponta para que tivessem tentado falar uma com a outra em simultâneo ou muito próximo disso.
Como quer que seja uma vez que o telemóvel, conforme declarou o arguido, estava no interior da carrinha, entre os bancos, isso só pode significar que o mesmo - antes da ofendida ter sido empurrada para o seu interior - estava na sua posse.
Uma palavra ainda para dizer que “os factos que se seguiram” o ter facultado á ofendida, após a violação, o seu telemóvel para ela telefonar aos pais, sem ter efectuado qualquer ameaça á assistente/ofendida, no sentido desta não dizer anda aos pais e ter pedido ao recorrente que a levasse a casa, dizendo-lhe que o pai estava doente, não são de molde a sustentar uma relação consentida.
Depois dos constantes contactos dos pais que constam do ponto 41) dos factos provados e que resultam claramente dos registo telefónicos, havia que tranquilizar a mãe da ofendida, não sendo crível que a ofendida (sendo como é) para mais estando muito próxima do acontecimento (que decerto ainda nem tinha conseguido interiorizar) a na presença do arguido e com telefone deste fosse dizer o que quer que fosse.
Por fim, não tem sentido sustentar a inexistência de prova quanto a posse pela ofendida e pelos pais dos nº de telemóvel atribuídos. A prova é tão abundante que dispensa outros comentários.

Recurso do arguido C……….:
Diz o recorrente que o vertido nos pontos 27º, 28º e 29º, não poderia ter sido dado como provado naquela ordem. Visto que “não houve qualquer tentativa de tirar as calças à ofendida enquanto o arguido C………. esteve com a ofendida e com o arguido B……….”. Lendo os pontos em questão não se percebe o teor desta alegação.
Desconhece-se o que seja uma "brincadeira" para o recorrente, mas seguramente que a que vem descrita não o é para ninguém.
4. Crime de coacção:
Entende o recorrente que o tribunal condenou o recorrente somente com base nas declarações da ofendida que não conseguiu identificar a arma usada na prática do crime.
Ora, em que medida é que o facto da ofendida não ter identificado a arma do crime retira credibilidade às suas declarações?
Não pode deixar de se assinalar que D………. não tem qualquer capacidade de inventar histórias ou capacidade de “efabulação” conforme decorre quer do depoimento da médica neurologista que a acompanha quer do relatório psiquiátrico.
De resto, se o arguido conforme disse nunca andou com armas e não mostrou nenhuma à ofendida após a relação sexual fica sem se saber como é que ela sabia que tinha uma arma.
5. Crime de detenção de arma proibida:
Traz o recorrente á colação o depoimento da mulher, segundo o qual arma em causa “era de memória dos sogros (há 19 anos), o arguido até desconhecia que a testemunha tinha aquilo”, para daí extrair a conclusão de ser de excluir o dolo e ainda que “em face das declarações da testemunha, o arguido não teria conhecimento da existência da referida arma, pelo que, e também por, nos termos do art.º 16º do Cp existirá erro sobre os pressupostos, o que exclui a culpa”.
Ora, é o próprio arguido a admitir que as armas são suas e que a pistola em causa foi herança do avô.
6. Por tudo o que vem de dizer-se não de vê que tenha havido “violação das regras de direito probatório e intolerável inversão das regras do ónus da prova, nomeadamente, dos princípios da acusação e investigação”, violação do principio da presunção de inocência ou violação do principio da livre apreciação da prova.
7. Vícios do art. 410 nº 2 do CPP
De referir que de acordo com o n.º 2 do art.º 410.º, qualquer dos vícios aí invocados tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos a ele estranhos.
Ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito, ou quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria com interesse para a decisão final[1].
Por seu turno, o erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebida ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.P. Anotado, I, 554) e traduz uma desconformidade do facto apurado com a prova. Verifica-se este erro "quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser desmontado a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.” (Ac. do S.T.J. de 17/12/97, B.M.J. 472, 407).
Ora, o que resulta das motivações dos recursos é uma manifesta confusão entre a discordância do recorrente relativamente àquilo que o tribunal deu como provado; ou seja, discordância entre aquilo que o tribunal considerou provado e aquilo que o recorrente entende ter (ou não ter) resultado da prova produzida, o que nada tem a ver com insuficiência da matéria de facto ou erro notório na apreciação da prova.
8. A conclusão a que chegou o tribunal recorrido em sede de matéria de facto, no que concerne às imputações feitas ao arguido B………. tem suporte probatório suficiente, não se detectando ter havido ofensa ou violação de qualquer princípio ou regra de direito probatório, vigentes em processo penal, nomeadamente do princípio in dúbio pró reo.
Registe-se, no que toca ao crime de detenção de arma proibida, que a mesma é insusceptível de posse legal por se tratar de tipo de arma com calibre reservado a forças de segurança. Ora, o facto de se apresentar em mau estado de conservação e funcionamento conforme resulta do exame fls. 66, não releva para efeitos de tipificação da conduta, uma vez que continua a ter potencialidades de funcionar.
Posto isto e retomando a questão anterior dir-se-á ainda que o funcionamento do princípio in dúbio pró reo pressupõe sempre um non liquet na questão da prova. Uma situação em que o tribunal esteja perante uma dúvida inultrapassável relativamente a determinada questão relevante para a decisão da causa.
Ora, no caso em apreciação, não tem pertinência invocar-se o principio in dúbio pró reo, porque pura e simplesmente não se verifica, quanto à questão essencial, «dúvida razoável».
9. Os factos dados como provados preenchem, já o dissemos, os elementos objectivos e subjectivos dos crimes pelo que qual foi o arguido B………. condenado.
10. A propósito do enquadramento jurídico da conduta do recorrente C………., o Tribunal discorreu como segue:
“No que diz respeito ao arguido C………. coloca-se a questão da sua conduta se poder reconduzir à forma da co-autoria, como está acusado, da cumplicidade ou à tentativa, aprecie-se.
Escreveu-se no acórdão do STJ, Processo nº 04P3259, Nº do Documento: SJ200411110032595, de 11-11-2004, in www.stj.pt, que são autores materiais do crime de violação aqueles que tomam parte directa na sua execução, não precisando cada um dos agentes, para cometer o facto punível, de executar todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, vide também (Ac. do STJ de 18/10/1989, BMJ 390-142)
O crime de violação pode ser cometido por outrem em co-autoria desde que tome parte directa na sua execução.
Seguindo ainda o citado ac. do STJ, na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.
Todavia, no que se refere à execução não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado desejado e pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado (Ac. do STJ de 27/11/1991, BMJ 411-303)
Se, em relação a um episódio de violação, o domínio do facto pertenceu sempre ao arguido que o consumou, tendo-se o outro arguido limitado a mera colaboração, acessória e facilitadora, na consumação por aquele do crime, é ele cúmplice desse crime, vide ac. do STJ, Processo nº 04P3259, Nº do Documento: SJ200411110032595, de 11-11-2004, in www.stj.pt.
Na verdade, face ao dispositivo do art. 26º do C. Penal (é punível como autor quem tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros), são autores do crime aqueles que tomam parte directa, na execução, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo prévio com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é co-autor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes.
Verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum.
Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça ainda nos Acs de 12.11.86, BMJ 361-259, de 23.5.90, BMJ 397-232, de 13.2.91, BMJ 404-218, de 20.3.91, AJ n.º 17 e BMJ 405-209.
Por sua vez no ac. do STJ, Processo nº 04P136, Nº do Documento: SJ200403310001363, de 31-03-2004, in www.stj.pt, escreveu-se na comparticipação criminosa a co-autoria diferencia-se da cumplicidade pela ausência de domínio do facto que esta traduz.
O cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se a prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
Na cumplicidade material haverá sempre a exterioridade de um comportamento, uma acção exterior, revelada e visível, dirigida ao favorecimento do agente do facto.
Na comparticipação criminosa, em cujas formas se inscreve a cumplicidade, "cada comparticipante responde pelo mesmo facto típico, porque todos os participantes concorrem para a prática do mesmo facto. O modo de cooperação é que é diverso; o objecto a que se dirige a cooperação de todos é o mesmo: o facto, o crime" - Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, Vol.II; Ed. Verbo, 1998, pag. 280.
Diferencia-se da co-autoria, pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
"A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la" cfr., Germano Marques da Silva, ob. cit., pag. 179.
A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se sempre em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime - Cf. Germano Marques da Silva, ob. cit., pgs. 283 a 291.
In casu, pese o arguido C………. não ter intervindo em todos os actos de execução da violação consumada pelo arguido B………., certo é que:
- No caminho, os arguidos B………. e C………. riam-se um para o outro, repetidamente, sem motivo aparente e sem que a ofendida percebesse porquê, parecendo-Ihe, desde logo, estranho tal comportamento.
- Chegados junto do terreno, os arguidos foram buscar um toldo a um barraco nas imediações, enquanto a ofendida D………. tentava contacto por telemóvel para a sua irmã F………., residente em Viseu.
- Após as chamadas iniciais tentadas entre a ofendida D………. e a sua irmã F………., o arguido B………. volta do sobredito barraco e diz em "agora e que vamos fazer uma barrela".
- De imediato, o C………. agarrou a perna esquerda da ofendida D………. e o B………. agarrou-a por trás, na zona dos ombros, ambos usando a força e imobilizando a ofendida, subjugando-a à vontade dos arguidos.
- Apercebendo-se que os arguidos pretendiam manter contacto físico de natureza sexual consigo, a ofendida começou a gritar e a tentar movimentar-se, manifestando oposição a tais propósitos dos arguidos e procurando escapar-se à força por estes exercida.
- No mesmo passo e enquanto a agarrava por trás, o arguido B…….... desapertou o cordão que segurava as calças tipo "fato de treino" que a D………. vestia nesse dia.
- Apercebendo-se ambos os arguidos da oposição da D………., o arguido B………. acabou por dizer ao arguido C………. para se ir embora, já que ia ver se a D………. deixava ou não.
- O C………. abandonou então o local.
- O arguido C………. actuou com o intuito de facilitar o relacionamento sexual forçado do arguido B………. com a ofendida, ajudando inicialmente a manietá-la e a reduzir a sua capacidade de oposição, bem sabendo que a sua acção permitia ao arguido B………., pelo menos inicialmente, concretizar o seu intento de relacionamento sexual, actuando sempre conforme estes propósitos até que abandonou tal auxílio por sugestão do co-arguido B………. .
Ou seja, desde o início o arguido actuou em conjunto com o arguido B………., utilizando a violência, para forçar e dominarem a ofendida, tendo em vista a consumação da violação, foi-se embora sabendo que o B………. ia violar a ofendida, pelo que actuou a título de co-autoria e não como cúmplice.
Questão diversa que se coloca é a de saber se a conduta do C………., pese ter sido sob a forma de comparticipação, não se subsume apenas à forma de tentativa.
A tentativa exige a prática de actos de execução já que a decisão ou intenção de realizar um facto ilícito típico tem de se exteriorizar numa conduta, vide ac. do Supremo Tribunal de Justiça, Nº Convencional JSTJ00030861, de 04/07/96, in www.stj.pt.
Existe tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer sem que este chegue a consumar-se (artigo 22º, nºs. 1 e 2, do CP): não basta assim que os factos do crime consumado tenham sido planeados e existam na mente do mesmo agente e que a consumação não ocorra por circunstâncias alheias à sua vontade, vide ac. do Supremo Tribunal de Justiça, Nº Convencional JSTJ00034502, de 11/03/98, in www.stj.pt.
In casu, se é verdade que o arguido C………. inicialmente teve uma atitude activa na comparticipação com o arguido B………., certo é, no entanto, que apercebendo-se ambos os arguidos da oposição da D………., o arguido B………. acabou por dizer ao arguido C………. para se ir embora, já que ia ver se a D………. deixava ou não, tendo o arguido C………. abandonado o local.
Em suma, o Tribunal Colectivo considera que a conduta do arguido C………., pese não se pode falar em desistência da tentativa, porquanto estamos a falar de comparticipação e nos termos do artº 25º, do C. Penal, só não é punível a tentativa daquele que voluntariamente impedir a consumação ou a verificação do resultado, que se esforce seriamente por impedir uma ou outra, o que não foi o caso, certo é que se ficou pela mera tentativa de violação.
Assim, será sob a forma de tentativa de violação que o arguido C………. será condenado.”
A toda esta extensa fundamentação limita-se o recorrente a contrapor que “o arguido somente a agarrou na perna esquerda, não tendo qualquer outro comportamento que se pudesse tipificar como tentativa de violação”.
Como bem refere o Exmo. Procurador em 1ª instância o recorrente ilude o seu papel no processo delituoso e esquece que, ao nível subjectivo, o dolo com que actua abarca todo o processo executivo do crime.
Nada a censurar portanto, neste aspecto, à decisão.
11. Entende o recorrente B………, no que respeita ao crime de detenção de arma proibida que a pena de 6 meses de prisão “não atinge a finalidade ressocializadora de uma filosofia criminal eficaz e não traduz o pensamento legislativo do Código penal de reagir contra penas detentivas da liberdade”, alega ser a mesma manifestamente desajustada, exagerada e desadequada, “ e que o tribunal a quo ao optar por uma pena detentiva da liberdade, em detrimento de uma pena de multa, violou, entre o mais os art.º 50º e 70º do C.P.”.
Vejamos:
O crime de detenção de arma proibida é punível com uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias – art.º 6º da Lei nº 22/97, por mais favorável.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).
Como consagra o art. 70.º, do CP quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Este normativo fornece "O critério de orientação para a escolha, quando ao crime são aplicáveis pena privativa ou pena não privativa de liberdade, e traduz vincadamente o pensamento legislativo do Código de reagir contra penas institucionalizadas ou detentivas, sempre que os fins das penas possam atingir-se por outra via" (cf. MAIA GONÇALVES Código Penal Português anotado e comentado, 10ª edição, anotação 2 ao artigo 70, página 270).
Ora, atendendo a que o arguido tem inserção familiar, profissional e social, que a arma está em mau estado de conservação e funcionamento, a pena não privativa da liberdade realiza as finalidades da punição de forma adequada e suficiente e é a ela que se tem de dar preferência (citado art.º 70.º do CP).
Por isso, é ajustado punir o arguido pelo crime de detenção de arma proibida em 75 dias de multa.
Nos termos do art. 47.º, n.º 2, do Cód. Penal (vigente à data dos factos, por mais favorável – art.º 2º nº4 do CP) cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 1,00€ e 498,80€ que o tribunal deve fixar em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais.
Embora o art. 47.º, do CP, preveja apenas, para a fixação do montante da taxa diária de multa, a situação económica e financeira do arguido e seus encargos, devemos ter também em conta que deve ser fixada de modo a constituir um real sacrifício para o condenado, conforme se decidiu no Ac. do STJ, de 2 de Outubro de 1997, in CJ/STJ, Ano 97, Tomo 9, pág. 183.
Acresce dizer que, só excepcionalmente se deve fixar a taxa diária da multa no mínimo e que, como regra, não deve, hoje, ser inferior a 1.000$00 (hoje cerca de 5 €) - Ac. RC de 95.05.31, Rec. 352/95; de 95.07.13, CJ, T. IV, pág. 48 e de 96.10.03, BMJ, n.º 460 /822 e do STJ, de 97.10.02, CJ, T. 3, pág. 183.
Assim, sabendo-se que o arguido trabalha (desconhecendo-se quanto aufere, mas que não será nunca inferior ao salário mínimo nacional), na agricultura (bem como a mulher), vive em casa própria e tem uma filha a cargo, tem-se por justa e adequada a taxa diária da multa de 6,00 € (seis) euros.
12. O recorrente não contesta a medida concreta das penas dos crimes de violação e de coacção mas tão-só a não suspensão.
Antes, porém, de analisarmos essa questão impõe-se proceder a cúmulo com a pena antes fixada e as restantes, nos termos do art.º 77.º do Código Penal).
A avaliação em conjunto dos factos e da personalidade do arguido, não pode deixar de levar em conta as circunstâncias agravantes e atenuantes referidas na douta decisão condenatória. Assim:
“In casu”, a conduta dos arguidos é especial e socialmente censurável, atento o alarme social, o tipo de ilícitos cometidos, o arguido B……… 1 crime de violação, um crime de coacção grave e 1 crime de detenção de arma proibida, o arguido C………. um crime de violação sob a forma tentada, havendo que dar ênfase e grande ressonância ao crime de violação, a forma da actuação, tanto mais grave quando a vítima era deficiente.
Assim, ponderando todas as circunstâncias, nomeadamente a actuação dolosa directa intensa, a preparação e actuação em conjunto por ambos os arguidos no crime de violação, a vítima era uma pessoa deficiente intelectualmente, bem como ainda apresentava graves sequelas físicas da queda à fogueira, factos que os arguidos não desconheciam.
O arguido B………. ainda não satisfeito com a prática do crime de violação ainda praticou o crime de coacção.
Acrescem as consequências nefastas da actuação dos arguidos, colocando a vítima da violação num estado psíquico abalado, ficando a padecer de medos.
Assim, os arguidos B………. e C………. revelaram uma actuação fria, indiferente perante a vítima, uma persistência de actuação com dolo muito elevado, não confessaram nem demonstraram arrependimento, neste particular, veja-se o comportamento processual do arguido B………., o qual andou a tentar eximir-se à realização do exame pericial ao DNA e após ter sido coactivamente obrigado à sua realização veio com a versão da relação sexual ter sido consentida pela ofendida.
A favor dos arguidos apenas milita o facto de trabalharem, casados, encontram-se inseridos no meio social, o arguido B………. apenas tem uma condenação de dano e o arguido C………. não tem antecedentes.”
Tudo considerado, e de acordo com a personalidade e grau de culpa do arguido B………., entende-se fixar a pena única em 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão e 75 (setenta e cinco) dias de multa á taxa diária de 6,00 (seis) euros.
Quanto á suspensão da pena.
É pressuposto material de aplicação do instituto de suspensão da pena (art. 50 º do C.Penal), que o tribunal, atendendo à personalidade do agente; às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, no caso em apreço, não se pode fazer esse juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido.
Com efeito, como reflecte o acórdão recorrido: “De salientar que o Tribunal Colectivo entende que não é de suspender a execução da pena de prisão, porquanto os crimes praticados pelos arguido são graves e de grande ressonância social, com especial relevo para o crime de violação, a forma como actuou, sobre uma vítima especialmente débil, veja-se a actuação a seguir à prática dos crimes, não tendo demonstrado qualquer arrependimento.
Em suma, a conduta do arguido não é merecedora de beneficiar da suspensão da execução da pena.”
Da simples leitura deste trecho resulta evidente a improcedência da conclusão 112ª: nulidade da decisão por violação do disposto no nº 1 al.c) do artigo 379 do CPP.
Voltando á questão que nos ocupava, acresce ainda dizer que são especialmente acentuadas as exigências de prevenção geral, pois, como se escreve no Ac. STJ de 20 de Setembro de 2007[2], citando a Prof. Teresa Beleza: «sabido que o crime de violação “(...) mais do que qualquer outro crime (...) simboliza a violência, a imposição brutal, o domínio terrorista do homem sobre a mulher” (Teresa Beleza, A mulher no Direito Penal, Lisboa, 1984, pág. 22; Idem, Mulher, Direito, Crime ou a perplexidade de Cassandra, Lisboa, 1990, pág. 220)», pelo que a suspensão da execução da respectiva pena não se mostra ser uma resposta adequada e suficiente às finalidades da punição – artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
13. Sustenta, por seu turno, o arguido C………. que “a suspensão da execução da pena por um período de dois anos se mostra manifestamente exagerada”, visto que em sua opinião a “suspensão pelo período de um ano se mostra adequada ao prosseguimento do fim do instituto em causa” – cf. conclusão 117ª.
Trata-se manifestamente de uma pretensão improcedente face ao estatuído no nº 5 do art.º 50 do Código Penal, e sabido vigorar nesta sede o principio da legalidade implicando não poder o julgador optar por sanções que não se encontrem previstas na lei, como é o caso.
14. Resta finalmente apreciar o pedido de indemnização civil.
Sobre tal matéria a decisão recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
“A ofendida D………. deduziu pedido cível contra os arguidos, a fls. 276, peticionando o pagamento solidário da quantia de €60.000,00, referente à violação, bem como a condenação do arguido B………. no montante de €30.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Neste circunspecto rege o artº 129º, do C. Penal, que remete para a “lei civil” a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime.
Resulta deste preceito que é à lei civil, designadamente, aos artºs 483º e ss. do C. C., que se tem de ir buscar os pressupostos da responsabilidade civil e as regras de determinação dos danos a indemnizar.
Impõe-se, por conseguinte, analisar o artº 483º, do C. C., porquanto, o que está em causa neste pedido cível é a indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais emergentes do crime que o arguido praticou e não a indemnização emergente de qualquer contrato.
São cinco os pressupostos da obrigação de indemnizar:
a) O facto,
b) A ilicitude;
c) A imputação do facto ao lesante;
d) O dano;
e) Um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O artº 496º, do C. Civil dispõe:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494°; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.
No presente caso está provado:
- Após as chamadas iniciais tentadas entre a ofendida D………. e a sua irmã F………., o arguido B………. volta do sobredito barraco e diz em "agora e que vamos fazer uma barrela".
- De imediato, o C………. agarrou a perna esquerda da ofendida D………. e o B………. agarrou-a por trás, na zona dos ombros, ambos usando a força e imobilizando a ofendida, subjugando-a à vontade dos arguidos.
- Apercebendo-se que os arguidos pretendiam manter contacto físico de natureza sexual consigo, a ofendida começou a gritar e a tentar movimentar-se, manifestando oposição a tais propósitos dos arguidos e procurando escapar-se à força por estes exercida.
- No mesmo passo e enquanto a agarrava por trás, o arguido B………. desapertou o cordão que segurava as calças tipo "fato de treino" que a D………. vestia nesse dia.
- Apercebendo-se ambos os arguidos da oposição da D………., o arguido B………. acabou por dizer ao arguido C………. para se ir embora, já que ia ver se a D………. deixava ou não.
- O C………. abandonou então o local.
- Seguidamente, o B………. baixou as calças e as cuecas da D………. até aos pés desta, sempre com oposição física e verbal expressa da D………., que por palavras não apuradas lhe dizia cessar tal comportamento, tendo o arguido empurrado e deitado a ofendida sobre o banco do passageiro da frente do veículo que haviam seguido até ao local.
- O arguido B………. baixou então as suas calças e segurando a D………. pelos ombros, mantendo a força e o peso do seu corpo como meio de imobilizar a ofendida, introduziu o seu pénis erecto na vagina da D………., sempre com oposição verbal e física desta, oposição essa perfeitamente compreensível pelo arguido.
- Depois introduziu o pénis na vagina da D………., ejaculou nas partes íntimas da ofendida e deixou de exercer violência sobre a D………. .
- Após, queixosa pediu ao C………. que a levasse a casa, dizendo-lhe que o pai estava doente.
- Entraram ambos para o mesmo veículo que os trouxera, levando o arguido a ofendida D……….. a casa.
- No trajecto para casa, o arguido B………. abriu o porta-luvas do veículo em que seguiam, retirou uma pistola e disse à ofendida D………. "agora chegas a casa e ai de ti que digas alguma coisa, se disseres eu dou cabo de ti, da tua mãe e do teu pai".
- Pensando que ninguém suspeitava ainda do que se passara, pretendia assim o arguido, por força da promessa de um mal à ofendida D………. caso ela não cumprisse as suas ordens, que a ofendida não dissesse a ninguém, nomeadamente aos pais, que havia sido abusada sexualmente.
- Por força de tais palavras a ofendida ficou receosa que algum mal lhe pudesse acontecer ou aos seus pais, recusando-se dai em diante a anunciar ou admitir aos pais e irmã o que se tinha passado, o que só veio a fazer depois de muita insistência e depois de confrontada com as evidências que os seus pais já conheciam nos termos já descritos que haviam ouvido por telefone.
- A ofendida sofre de alguma limitação intelectual na fronteira entre o ligeiro e o médio, sofre de epilepsia generalizada convulsiva e reacção depressiva prolongada.
- Tal limitação intelectual era conhecida do arguido que há muitos anos conhece a ofendida D……….. .
- A ofendida com os factos dos autos ficou muito abalada debilitada psiquicamente, temendo pela sua integridade física e vida.
- A ofendida sofre de epilepsia e é oligofrénica, após os factos dos autos sentiu o estado da sua epilepsia agravar-se, pelo que recebe ajuda a nível neurológico da sua médica Dra H………. .
- A assistente passou a procurar andar sempre acompanhada de familiares e amigos, tem medo de ser abordada pelos arguidos.
Decorre da matéria de facto provada que o arguido B………. teve uma intervenção maior e mais grave nos factos, pelo que terá uma responsabilidade civil superior.
Assim, o Tribunal Colectivo considera ser de fixar equitativamente e condenar solidariamente os arguidos B………. e C………. a pagarem à demandante o montante de €7.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Condenar ainda o arguido B………. a título individual a pagar à demandante a quantia de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais.”
Em face da factualidade apurada e das normas jurídicas aplicáveis, reputamos justa e equilibradas as indemnizações fixadas a título de compensação dos danos não patrimoniais sofridos.
Pelo que, este aspecto da decisão não é passível de censura.
IV – Decisão:
Posto o que precede, acordam os Juízes, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em:
1 - julgar improcedentes os recursos interlocutórios interpostos pelo recorrente B………. ;
2 - julgar parcialmente procedente, nos termos sobreditos, o recurso principal interposto pelo arguido B………., pelo que em consequência alteraram a decisão recorrida nos seguintes termos:
2.1. - Eliminar da matéria de facto provada sob o ponto 18), a referência “8h50m21s 485 121 e 122 recebida pelo destinatário”;
2.2. - Condenam o arguido B………. por um crime de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 6º da lei nº 22797, de 27 de Junho na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 6,00 (seis) euros.
2.3. - Em cúmulo jurídico condena-se o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão e 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de 6,00 (seis) euros.
3 - Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido C………. .
4 - Condenam o recorrente B………., por ter decaído nos recursos interlocutórios bem como parcialmente no recurso principal, em 8 UCs de taxa de justiça.
5 - Condenam o recorrente C………. em 3 UC de taxa de justiça.
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(Processado em computador e revisto pela Relatora, a primeiro signatária)

Porto, 10 de Dezembro de 2008
Maria Elisa da Silva Marques Matos Silva
José Joaquim Aniceto Piedade

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[1] Santos e Leal Henriques, Recursos..., 5ª ed. pág. 62.
[2] Acessível in dgsi